Um Refúgio em Silent Hill escrita por Mara S


Capítulo 5
Vida Medíocre




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A boate movimentada mantinha a cabeça de Emily longe do parque Rosewater. Ficou surpresa ao olhar para o relógio e perceber que marcava quase três horas da manhã. Acabara de sair dos fundos com um cliente quando foi abordada por uma das garotas, no corredor que levava de volta para a frente do Heavens’ Night.

– Você perdeu dois clientes hoje – a mulher falou arrumando o sutiã.

– Este pagou o suficiente – Emily meramente disse guardando o dinheiro. – Além do mais, eu não sou a única aqui.

– Bom, isso é verdade. Mas teve um cara que conseguiu me deixar maluca! Se não fosse a Maria, eu acho que teria mandado o segurança levá-lo embora!

– O que aconteceu? – Emily perguntou curiosa, rindo da situação.

– Esse cara, um loiro de jaqueta com olhar de perdedor, veio aqui e queria falar com você. Eu falei que você estava ocupada, mas que eu poderia ajudar. Ele disse que não e que era urgente! O cara ficou meio transtornado, sabe... Eu tive que puxá-lo na direção da porta porque senão ele entraria aqui! Foi então que a Maria apareceu e eu saí de fininho... Deixei o problema com ela.

O sorriso do rosto de Emily desapareceu instantaneamente.

– Você o conhecia? – a mulher perguntou percebendo o olhar da colega.

– Sim... Maldição – sussurrou.

– Se soubesse disso não o deixaria sozinho. Ainda mais com aquela vadia. Bem, eu não sei pra onde ele foi. Desculpe, querida.

Emily acenou para a colega mostrando que não havia problemas e foi até o interior da boate esfumaçada e barulhenta procurando por Maria ou James. Nem sinal dos dois... Foi até o bar perguntar se Maria havia parado ali, mas o barman não sabia onde ela estava. Voltou para os fundos descendo as escadas até a porta da saída e emergência e notou que estava aberta.

Topou com Maria que acabara de abrir a porta e que ao vê-la disse:

– Oh! Procurando alguém, Emily?

– Você está sozinha? – Emily perguntou secamente para a rival.

– Sim. Eu estava acompanhada até agora, mas... Já recebi – Maria contou algumas notas de dólares na frente de Emily, indo na direção da escada.

– Ah! Antes que me esqueça... Obrigado pelo cliente.

– Bem, eu nunca fui egoísta. Além do mais, você sempre fica sem nada pra fazer. É bom receber um pouco de atenção às vezes, mesmo que seja do resto das demais garotas – Emily sorriu debochadamente, fingindo estar tratando aquilo como um mero assunto profissional. Aliás, como ela desejava que fosse...

Maria a encarou demoradamente, mas não replicou. Desapareceu nas escadas deixando Emily livre para abrir a porta por onde Maria havia entrado. Andou depressa fazendo com que o salto soasse alto no chão de concreto. Perto dos fundos do boliche bufou:

– Que merda eu estou fazendo? É só um maldito cliente... – reclamou virando-se na direção da boate, irritada com o seu comportamento. Como ela poderia agir daquela maneira? Aquilo não era profissional, pensou transtornada na frente da porta do vestuário.

Depois de tanta coisa que acontecera naquele dia e com mais dinheiro que ganharia numa semana, decidiu voltar para casa. A dor de cabeça já estava a matando e ainda por cima não parava de pensar na cena de poucos minutos atrás... Por que tivera aquela reação? Nunca fizera nada parecido antes. De qualquer modo, nada melhor como um banho para esquecer tudo aquilo, pensou começando a se reanimar.

Sem se preocupar em ser notada, saiu pela porta da frente do Heavens’ Night, despedindo-se do truculento segurança na saída. Seu apartamento não era longe da boate, mas era melhor não arriscar andar por aquelas ruas de madrugada, mesmo que Silent Hill fosse um lugar bem calmo.

Sentiu o ar gelado da madrugada quando desceu do carro e agradeceu ao abrir o portão enferrujado do prédio. Depois de lutar com a tranca da garagem pôde subir para seu prédio. Como esperado, o prédio estava vazio, a não ser por um casal de namorados que estava entrelaçado na escada rumo ao seu andar. Emily riu ao passar pelo casal e entrou pela porta do segundo andar. Os corredores naquela hora da madrugada eram realmente assustadores; sempre pensava aquilo ao passar por ali. Parecia o cenário de um filme de terror, com as paredes descascadas e pisos faltando no chão encardido.

– Cadê minha chave? – perguntou irritada ao mexer em toda bolsa e não encontrar o objeto.

Suspirou cansada só de pensar que poderia ter perdido a chave em algum lugar. Desceu novamente as escadas em direção ao carro, só poderia ter ficado lá dentro... Emily sempre deixava suas coisas jogadas no carro. Antes de entrar na garagem, percebeu que havia um carro parado não muito longe dali, do outro lado da rua, com os faróis acesos. Achou aquilo curioso, mas voltou sua atenção para a chave desaparecida. Não demorou muito a encontrá-la, pois estava caída perto do banco do passageiro. Sorriu aliviada e saiu da garagem; mas ao voltar percebeu que o carro continuava ali, desta vez havia alguém do lado de fora olhando atentamente o Wood Side. Sem medo de quem poderia ser caminhou até o portão para enxergar melhor na rua escura. A pessoa ao notá-la ali parada, atravessou a rua; seu rosto sendo clareado ao passar na direção de um dos postes...

– James? – Emily perguntou assustada ainda sem abrir o portão. – Você me seguiu?

– Sim...

– Você é maluco???

– Não me entenda mal. O problema é Mary – falou com uma voz cansada.

Mesmo assim Emily não abriu o portão do prédio. James continuou:

– Eu a deixei sozinha porque não suportava ficar perto dela. Eu me sinto culpado, mas ao mesmo tempo ela está me deixando maluco... – ele falou com um tom irritado. – Eu não estou mais vivendo... Olhe, desculpe se te assustei, mas é que só de pensar que a verei quando chegar em casa...

– Isso não está certo. Eu não estou trabalhando agora, James. E, além do mais, você já pagou para se divertir hoje.

Falou isso e virou-se na direção de seu prédio.

– Jillian! Eu só estou pedindo que você me dê um pouco de paz e que eu esqueça meus problemas por algumas horas... Só isso.

– Existem várias mulheres por aí que querem isso. Além do mais, eu não sou uma prostituta.

– Eu não pensei nisso. Aliás, eu não quero outra mulher. Sabe, hoje eu encontrei outra garota lá no Heavens’ Night. Maria, acho que era o nome. Eu pensei que conseguiria alguma coisa, mas ainda estou lutando com a minha consciência. Além do mais, eu estava lá procurando por você.

Emily voltou-se para trás e disse num tom arrogante:

– Por que eu?

– Foi você que começou com isso, lembra-se? No hospital... Eu não tinha pensado ainda nisso, apesar de estar repleto de problemas.

– Sim... Eu me lembro – Emily foi até o portão e disse entre as grades com um tom malicioso. – Eu deveria me sentir culpada por estar destruindo sua vida... Fazendo você procurar companhias para saciar seus desejos, não é mesmo?

– E como você se sente?

– Bem... Eu nunca fui muito de me preocupar com esse tipo de coisa – Emily pegou a chave do portão e disse antes de abri-lo – Você é um cara privilegiado. Eu não faço isso com freqüência e aqui em Silent Hill eu ainda não trouxe nenhum estranho pra minha casa.

James parou próximo de Emily que se virou e disse perto de seus lábios:

– Não aqui... – caminhou até a porta do prédio. - Espero que não se arrependa, James. Se bem que... – riu baixinho – Duvido que você e sua esposa tiveram algo assim antes.

Passaram por onde o casal estivera, agora vazio, e continuaram pelo corredor que levaria ao apartamento de Emily. Ela ia à frente sem olhar para James, brincando com o chaveiro nas mãos. Ao pararem na porta de seu apartamento, Emily percebeu que James parecia mais confiante; talvez finalmente decidira fazer o que tanto queria.

Qual o ponto em lutar contra suas vontades? Era algo que Emily sempre abominou. Qual o ponto em sacrificar todos seus desejos e reprimir aqueles apetites que habitavam o fundo de sua mente? Ser fiel era algo que nunca compreendeu... Abdicar de si por outra pessoa não era do feitio da mulher.

Ela sentiu as pernas de James a prensarem na parede assim que fechou a porta do apartamento. Ele subiu suas mãos na perna de Emily dizendo em seu ouvido:

– Eu disse que não poderia fazer isto naquele lugar...

– Você gosta de estar no controle, não é?

– Sempre.

James mordeu seus lábios, a beijando com violência. Emily soltou-se e disse o olhando de forma lasciva:

– Duvido que depois de casado você tenha conseguido saciar todos seus desejos. Esse tipo de vida pode acabar com uma pessoa como você.

Ela tirou o casaco de frio, revelando à James o corpo bem torneado e pálido. Ela usava um espartilho preto liso e um minúsculo short de borracha também preto. Começou a caminhar na direção do quarto, sendo seguida por James. Soltou os cabelos claríssimos levemente ondulados e observou, com um leve sorriso, James se aproximar.

– Você não tem idéia do que é estar na minha situação.

– Hoje nem mesmo você precisa se lembrar disso.

Ele voltou a beijar Emily a levando até a cama. Tirou apressadamente a roupa que usava e quando começou a fazer o mesmo com a jovem; ela o impediu colocando o pé em seu peito.

– Sem pressa.

James, mostrando menos ansiedade, deixou que Emily invertesse as posições e ficasse por cima. Ao abrir lentamente o espartilho, ela sussurrou maliciosamente:

– Não se preocupe. Deixe-me te guiar...

–x-x-x-

Foi o barulho de vidro caindo que fez Emily despertar sentindo todo seu corpo dolorido. Tentando acostumar a visão à luz que vinha de fora, sentou-se na cama e olhou a origem do barulho. James havia deixado a garrafa de vinho cair ao sair da cama. Ela ficou o fitando procurar suas roupas, um olhar preocupado estampado no rosto, até que finalmente disse:

– Por que esse olhar?

– Olhe só o que fizemos – ele apontou da cama para a garrafa que segurava na mão com uma expressão irritada.

– Nós? Querido, até ontem você estava louco por isso. Não me venha com arrependimentos. Agora é um pouco tarde, não acha?

– Eu sou casado, meu Deus. Eu amo minha esposa. E tenho certeza que nunca vou me esquecer disso.

– Não esperava que se esquecesse – Emily suspirou e disse – Olhe, Deus não vai te ajudar com isso. Não sei por que se martiriza tanto, James. Você é humano e está passando por muito ultimamente. Não é a toa que procura conforto fora de casa.

– Eu nunca trairia minha esposa. Mary não merece isso... – James voltou a colocar suas roupas, envergonhado do que havia feito.

– Duvido.

James a encarou com choque.

– O que quis dizer com isso?

– Duvido que alguém como você pensaria em trair sua esposa somente nessas situações. Eu conheço os homens, James; e sei de que tipo você é.

– Você não sabe nada sobre mim – James falou irritado, já totalmente vestido. – E, além do mais, pensar é uma coisa, agir é outra. Já pensei em traí-la, mas até ontem, nunca tinha posto isso em prática.

– Talvez. Era só uma questão de tempo. Agora, você a traiu James. E posso te garantir... – Emily se levantou e caminhou até perto de James, onde havia um roupão na cadeira -... Que você vai querer repetir a dose. Todos querem depois da primeira vez. Acho melhor se conformar com o que fez, não tem como voltar atrás.

– Posso não voltar atrás, mas pretendo esquecer. Começando com isso... – James tirou sua carteira do bolso e pegou várias notas de dinheiro.

– Não sou uma prostituta. Não quero seu dinheiro.

– Pensei que...

– O que eu fiz, foi por que queria. Senão, teria te atendido no bar. E você também queria isso, James... Encare a verdade – ela sorriu para ele, ignorando o olhar preocupado do homem.

Quando ele estava prestes a forçá-la a pegar o dinheiro, ouviram a campainha tocando.

– Não deixe a pessoa entrar – James suplicou para a mulher, segurando seu braço quando ela começou a caminhar.

– Não deve ser ninguém.

Ele a soltou e Emily voltou para a sala, onde parada na frente da porta perguntou quem era. Não obteve resposta. Perguntou novamente sem que ninguém respondesse. Suspirando entediada abriu a porta, deparando-se com Joseph Barkin parado na sua frente.

– Joseph! – falou surpresa. – Por que não respondeu que era você?

O homem parecia estar distante, olhando do corredor para dentro do apartamento de Emily. Seu olhar voltara ao tom doentio que Emily já conhecia e havia um machucado na sobrancelha.

– Joseph? – perguntou intrigada. – Você está bem? Parece que brigou com alguém...

– Posso entrar?

Emily olhou para dentro de seu apartamento e disse receosa:

– Eu não acho que seja... Tudo bem, entre – completou com pena do homem.

Joseph entrou, ainda olhando ao seu redor, como se procurasse algo.

– Sophie não pode voltar para casa.

– Por que não?

– Eles vão roubar minha filha. Você viu também!

– Eu não me lembro de ter visto nada do tipo – Emily falou erguendo as sobrancelhas. – Joseph, você anda bebendo? – perguntou ao sentir o hálito se álcool do homem.

– Eu precisava. Tem um cara que fica me vigiando. Não é seguro pra Sophie. É melhor ela ficar onde está.

Emily ainda chocada com a mudança de humor de Joseph, disse:

– Que homem é esse? Você nunca me disse que havia um maluco por aqui. Por que agora?

– Por que eu o vejo pela janela do meu apartamento – falou aflito se aproximando de Emily.

– Joseph, eu acho que você precisa descansar. Você quer ver sua filha, é isso?

– Eu não posso levar aquele homem até minha filha!

– Certo. Vamos fazer o seguinte – Emily começou a falar calmamente – Você volta para seu apartamento, descansa um pouco, e mais tarde nós vamos até sua filha, certo?

– Não sei...

– Ele não me conhece! Nunca vai imaginar que vamos até sua filha – Emily sorriu, fingindo que acreditava na história de Joseph.

– Pode ser que dê certo – Joseph se acalmou e com um suspiro voltou até a porta. – Obrigado, Emily. Pensei que não acreditaria em mim.

– Descanse um pouco, mais tarde eu vou até seu apartamento, certo?

Emily caminhou com ele até a saída de seu apartamento e já no corredor o homem disse:

– Depois nós precisamos marcar aquela visita à Sociedade Histórica.

Emily concordou com a cabeça, sem entender a mudança de comportamento de Joseph. Ele voltou a caminhar na direção de seu apartamento enquanto Emily fechava a porta à sua frente, com um olhar intrigado na face.

Ainda estava parada na frente da mesa de jantar, pensando no que poderia ter ocorrido com Joseph, que até então parecia um pai normal, quando James apareceu.

– Quem é esse louco?

– Deus! Já tinha me esquecido que você estava aqui – Emily falou ao notar a chegada de James. – Meu vizinho... Mas não sei por que isso te interessaria – respondeu entediada.

– Parece meio desajustado.

– Ele não é. Só deve estar passando por muita coisa na vida – falou, ainda pensando na conversa que tivera com Joseph.

– Seu nome é Emily?

– Não para você.

– Certo... Jillian. Você não quer o dinheiro? – James retomou o assunto cortado pela chegada de Joseph.

– Claro que não – Emily respondeu secamente voltando a olhar para James.

– Seria melhor se aceitasse.

– Por quê?

– Por que assim nós poderíamos tratar do que aconteceu de forma profissional.

Emily riu.

– Profissional? James... Não seja ingênuo. Você sabe que o que fizemos passou longe disso. Só volte pra sua vidinha medíocre... Não quero dinheiro.

– É, você realmente deve achar minha vida medíocre.

– Não fui eu quem estava reclamando. Você veio até mim primeiro.

Por um momento Emily pensou que James se irritaria ou fosse continuar insistindo para que pegasse o dinheiro, mas guardou sua carteira no bolso da calça e caminhou até a porta.

– Sabe... – James parou já com a mão na maçaneta. – Em outra situação talvez isso desse certo.

Emily sorriu e disse em um tom pessimista:

– Não daria.

James meramente concordou com a cabeça antes de fechar a porta do apartamento de Emily.

A dúvida que ficava na mente da mulher, vendo James partir, era se ele conseguiria realmente voltar de fato à sua vidinha medíocre

Sem ânimo para voltar para cama, Emily colocou a primeira roupa que viu pela frente e decidiu ir até ao apartamento de Joseph e averiguar sua história. O homem realmente estava fora de si quando apareceu em seu apartamento e isso lhe deixou realmente preocupada. Emily estranhou o fato de ninguém responder e ficou parada por alguns segundos esperando Joseph aparecer. Sem escutar barulho algum vindo do outro lado, decidiu voltar, mais preocupada ainda.

Esperava que o amigo estivesse melhor. Apesar de conhecê-lo pouco, ele parecia ser uma boa pessoa e sempre a tratava bem. A história que contara parecia mentira e ainda havia o fato de estar bêbado, o que a deixava mais apreensiva.

Infelizmente, não havia nada que pudesse fazer no momento.


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