O Legado escrita por Luna


Capítulo 85
Capítulo 84




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Baby, você foi meu primeiro beijo

Algo que eu sempre sinto falta

Quando os tempos são difíceis e a estrada é difícil

Diga-me como vai em alguns anos

Talvez até então eu serei todos ouvidos

Mas por enquanto, eu gosto do silêncio

Illusion – Chase Goehring

 

Não havia uma escola que pudesse ensinar aos bruxos sobre seus dons naturais, eles simplesmente deveriam aprender a como usa-los, ou era assim que todos pareciam pensar. E para Arwen deveria ser fácil para um metamorfomago, bastava ele ir mudando sua aparência descontroladamente até pegar o jeito, embora tenha lido sobre casos onde a pessoa passou um mês inteiro com o cabelo roxo ou com um olho de cada cor sem conseguir voltar ao seu tom natural, mas qual era o problema disso? Sabia que havia outros dons também, os chamados legados ancestrais, diziam que famílias antigas tinham seus segredos guardados em grimórios que só poderiam ser lidos por seu próprio sangue, segredos e magias passados de pai para filho.

Mas o que havia para videntes? Por isso era tão comum que eles enlouquecessem, se tornassem estranhos e passassem a viver a margem da sociedade, como criaturas estranhas e de difícil compreensão. Eveline tinha dito que ela deveria manter um pé no mundo natural, continuar com seus estudos como uma garota normal, ter amigos, se apaixonar e ter o coração partido... Ela não conseguia perceber que o coração de Arwen já estava estraçalhado?

Ela conseguia sentir as pessoas ao seu redor, mas o barulho das vozes chegavam abafados, como se houvesse algo tampando sua audição, sabia não ser esse o caso, era apenas a perspectiva de entrar no trem que a assustava mais do que poderia descrever. O que era bastante cômico, levando em conta agora todas as coisas horríveis que ela já havia visto aquilo nem mesmo era tão ruim, mas então por que os restos do seu coração machucavam tanto?

Talvez... Aquele era um pensamento que ela vinha tentando evitar desde que teve a visão, desde que ouviu uma conversa que acontecia a quilômetros de distância e via o horror nos olhos de seu amigo. Era isso. Ela não apenas contaria algo horrível a alguém por quem nutria certo respeito, aquilo a machucava pessoalmente, pois ele era uma parte dela também. Era seu amigo, alguém com quem ela passava horas conversando e quando estavam juntos não havia destinos terríveis ou mortes, existia apenas eles, provas, Hogwarts. Agora havia apenas ela.

“Você deve entrar” ela ouviu uma voz grave dizer ao seu lado e uma mão tocar seu ombro. Seu pai, aquele era seu pai. Às vezes sentia como se estivesse perto de enlouquecer, sabia o porquê disso, mas saber não melhorava toda a sua confusão. Ela deveria ter aceitado que Eveline tivesse ido busca-la, mesmo que isso trouxesse mais transtornos para sua casa, às vezes, por alguns segundos era como se ela não reconhecesse sua família, acontecia em Hogwarts também. Eveline disse que sua mente poderia ficar confusa depois de uma visão muito forte, mas sentir aquilo em sua pele era muito mais problemático.

— Você está bem? – Ele perguntou.

Arwen não era nada como o pai, na verdade ela não tinha nada de ninguém de sua família. Sua mãe era pálida, mas não tão pálida, os olhos de seu pai eram uma mistura bonita de castanho e verde, enquanto os dela não tinham um dom definido, iam do amarelado ao verde, seu cabelo era incomumente claro, não o loiro bonito de sua mãe, chegava a quase ser esbranquiçado. Por que não bastava seu dom, ela ainda tinha que seguir um padrão esquisito até mesmo para os bruxos.

— Sim. – Ela tentou sorrir, pois ele ainda estava tentando, ele ainda queria ser seu pai.

— Nos escreva, sim?

Ela achou que ele iria abraça-la, mas pareceu desistir da ideia. O que foi triste, mas esperado. Seus pais não sabiam o que fazer com ela, mas agradecia por eles tê-la permitido voltar, era de seu conhecimento que Eveline tinha se oferecido para permanecer com ela durante as férias, sabendo como seria difícil para pais normais lidarem com todo o problema que seria... Bem, ser pai dela. Podia ser apenas o senso de dever, ou o desprezo que sentiam por Eveline e por culpa-la por toda a estranheza de sua filha, mas Arwen gostava de pensar que em algum lugar eles ainda a enxergavam como sua filha e que a amavam de verdade, só não sabiam lidar com toda aquela situação. Mas ninguém sabia.

Ela permaneceu no vagão mais distante que podia, queria adiar aquele momento, queria guarda-lo dentro de si e fingir que ele estava em alguma parte do trem indo para Hogwarts com eles. Ficou encarando a paisagem sem de fato vê-la, tinha coisa demais em sua cabeça para conseguir apreciar os campos cobertos pela neve, viu quando o sol foi baixando e as primeiras estrelas aparecendo e sabia que não poderia se esconder por mais tempo. Não poderia esperar chegar a Hogwarts para dizer a ela – a elas – o que havia acontecido.

Era bom que eles tivessem o costume de ocupar a mesma cabine todas as viagens isso poupava tempo de procura. Eles estavam rindo de alguma coisa, Albus e Scorpius tão pertos quanto poderiam, quase ocupando o mesmo espaço, Amélia e Freya pareciam disputar quem comia sapos de chocolate mais rápido e mais no canto estava Rose, conseguia notar como o sorriso dela era menor e como seus olhos vagavam pelo espaço vazio ao seu lado.

Albus foi o primeiro a notá-la atraindo atenção dos outros, logo todos os pares de olhos a estavam encarando. Ela respirou fundo e abriu a porta.

 – Como foi seu natal? Gostou do presente? – Scorpius se levantou para abraça-la.

— Foi muito gentil da sua parte e sim, gostei bastante. – Ela não queria falar sobre seu natal. – Eu... Eu tenho algo para contar.

Os sorrisos foram morrendo e ela esperou até que Scorpius voltasse para o lado de Albus, sabia que eles seriam minimamente afetados, seu dever ali era com as garotas Zabine, elas sim sofreriam.

— Tom não irá retornar, a senhora Agnelli irá enviá-lo para Ilvermorny.

Demorou segundos para que elas pudessem entender o que Arwen estava falando e suas expressões foram de surpresa ao chocada muito rápido.

— O que? – Amélia conseguiu perguntar, enquanto Freya apenas a encarava sem conseguir reprimir as lágrimas.

O silêncio preencheu o espaço desocupado na cabine, Arwen pediu desculpas e saiu sem querer partilhar sua dor com os outros e sem querer ser plateia para a dor delas. Amélia tinha parado de repetir a mesma pergunta e Freya tinha secado suas lágrimas, cada um deles se manteve dentro de sua própria mente, até que foram forçados a se mexerem quando o trem parou e tiveram que desembargar.

Albus tinha um rosto muito vermelho, algo que com o tempo Scorpius foi identificando como raiva ou vergonha, tudo dependia da forma como ele falava, mas nenhuma palavra saiu e seus movimentos foram automáticos. Ele queria falar algo, qualquer coisa, mas nada que pensava soava inteligente o suficiente e os ditos por Arwen criaram uma bolha espessa demais para ele romper.

Rose também parecia magoada e vez ou outra olhava na direção de Freya, mas a sonserina estava ocupada demais ignorando todos os olhares para perceber o da ruiva. Amélia fungava, mas não havia lágrimas, ela puxava o seu casaco como se seu corpo precisasse ser aquecido, James deve ter percebido o mesmo já que puxou para seus braços. Não que Scorp fosse falar, mas percebeu Freya olhando para o outro lado.

— Mas por quê? – Albus falou quando eles já estavam na carruagem.

— Você sabe por quê. – A voz de Freya era afiada como gelo e não havia qualquer sentimento ali, era estranho e preocupante.

— Ela deve ter pego Ave. – Amélia disse. – Deveria ter desconfiado, ele nunca passou tanto tempo sem responder minhas cartas.

Freya olhava para fora da carruagem, ele quase podia escutar a voz de seu pai falando que os Zabines lidavam com sua dor sozinhos, sem plateia que desse margem a demonstração de fraqueza.

 

— Não foi assim que imaginei que seria nossa primeira noite de volta. – Albus arrancava sua gravata para fora de seu pescoço, ele odiava a peça e só a usava quando era realmente necessário.

— E como você imaginou que seria? – Scorpius puxou a sua de forma muito mais apropriada e começou a desabotoar sua blusa. Sabia que a pergunta não teve malícia e se fosse sincero ela tinha sido feita reverberando sobre como eles só tinham notícias ruins recentemente, mas isso não impediu que os pensamentos de Albus fossem para um caminho totalmente inapropriado.

— Um banho juntos e depois quando Tim dormisse eu iria para a sua cama. – Ele foi direto e sincero, o que pegou o loiro desprevenido.

— Oh!

Eles já haviam banhado antes, uma vez, mas o momento era outro e foi muito mais divertido que qualquer outra coisa, Scorpius sabia que não era esse o caso ali. Ele podia ver o desejo no olhar de Albus e o brilho nos olhos verdes acendeu uma chama dentro de si. Eles haviam ficado totalmente mortificados na primeira vez que gozaram juntos, Albus não se impedia de corar toda vez que trocavam olhares nos dias seguintes e sabia que era porque ele se lembrava do acontecido.

— Nós...

Albus riu, aquela risada despretensiosa que aquecia tudo dentro de Scorpius, andou o que faltava até o namorado e agarrou seu rosto o beijando até parar a milímetros de seus lábios. O beijo em si começou suave, um reconhecimento, fazia semanas que eles não se viam e no trem trocaram apenas um breve carinho, mas ali havia apenas os dois e suas mãos poderiam tomar toda a liberdade que quisessem.

 

Durante todo o banquete tudo Freya fez foi ficar em silêncio olhando para a madeira lustrosa da mesa, ela não poderia falar nada, pois sabia se começasse a falar iria chorar e não poderia fazer isso, não na frente de todos. Nem ao menos sabia se deveria, desde o começo sabia que aquilo não iria adiante, Amélia tinha lhe dito o que Eric lhe falara, sabia que no tempo a irmã queria apenas que ela desmentisse aquilo, que dissesse como Eric estava sendo tolo e ela o fez, mas apenas para acalentar Amy e sua doce ingenuidade. Não queria que o vislumbre da irmã caísse ainda, ela ainda era gentil, amável e sorria com toda a pureza do seu coração, mesmo agora quando tantas coisas ruins tinham acontecido Amy ainda era como ar fresco para todos eles, os Zabines.

Por isso que ela não duvidou do que Arwen falou, ela sabia que aquilo era inevitável, que o que tinha com Tom estava fadado ao fim, mas se fosse sincera consigo mesma, e Freya sempre tentava ser, não estava preparada e talvez nunca estivesse. Ela tinha essa vontade de encontra-lo e dizer como era a floresta que cercava a nova casa de Amélia, sobre os inúmeros quartos e que ela já conseguia ver todos eles ocupados, sobre a piscina, algo que ela não sabia que existia e como queria fazer uso quando o tempo estivesse bom.

Ela ouviria sobre qualquer coisa que ele quisesse falar, sobre o seu natal e seu irmão e como ele estava se saindo na escola trouxa, Tom sempre falava em um tom maravilhado sobre as coisas novas que o irmão aprendia, como se aquilo fizesse parte de um outro mundo e de fato fazia. E Freya tinha tantas perguntas, coisas que Tom sempre mandava em suas cartas para casa e depois quando recebia a resposta vinha de imediato contar-lhe, mas ela havia perdido tudo aquilo agora.

Ela o havia perdido.

E ela não queria se lamentar, ela não podia, pois havia muito em si de sua avó e cada vez que queria contar sobre o que a machucava se refreava. Poderia escrever para Anthony, ele sempre a escutava e nunca fazia julgamentos, sabia que poderia fazer também com Amélia e faria se a irmã não estivesse sofrendo tanto quanto ela e não poderia consolá-la quando seu próprio coração estava doendo.

No silêncio de seu dormitório ela deixou que as lágrimas viessem novamente e prendeu um soluço no fundo da sua garganta e todo o seu corpo tremia e a cada batida do seu coração ela sentia que um pedaço se soltava e se perdia dentro de seu corpo frágil.

 

Querida Freya,

Essa é a primeira vez que começo uma carta assim e se formos ser justos é a primeira vez que lhe escrevo uma, então decidi começa-la de forma apropriada. A essa altura você já deve ter notado a minha ausência, não sei se a verdade chegou até você, espero que a diretora tenha lhe dito algo e não apenas lhe deixado pensando que eu simplesmente decidi desistir dos estudos.

Espero que esteja sentada, se não lhe dou essa chance. Minha mãe achou por bem mandar-me para os Estados Unidos, imagino que até mesmo a França tenha sido pensado, mas a ideia seria absurda considerando minha inaptidão para falar francês, o que me faz lembrar que você o faz lindamente. Ilvermorny é meu novo lar, um lugar tão diferente, mas tão igual a Hogwarts. Poderia descrever tudo para você, mas fazê-lo no momento é uma tortura, pois a cada corredor só o faço é desejar estar aí, em casa, com você.

Ela parece pensar que está fazendo isso por mim, que está me protegendo de algo, mas em sua resolução de me defender de um inimigo invisível ela faz nascer uma mágoa em nossa relação. Ela não pensou sobre meus sentimentos e que tenho outras pessoas aí além de você, amigos de quem irei sentir muita falta.

Não quero que se sinta culpada, nada disso é sobre você, é tudo sobre ela.

Soube tarde demais do meu destino para tentar evita-lo, mas sendo racional o que eu poderia fazer?

Sinto sua falta, Freya.

Com saudade,

Apenas Tom.

 


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