A Lenda de Yuan escrita por Seok


Capítulo 6
Garras de Lobo


Notas iniciais do capítulo

A ação está por vir x3



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Uma semana de treino árduo se passara. A dominação de fogo continuava a exigir muito de mim, tanto fisicamente quanto psicologicamente. Ela parecia esmagar minha força de vontade, mas os resultados estavam valendo a pena. Embora ainda estivesse muito longe de me tornar um verdadeiro mestre, imaginei que já estava pronto para algumas lutas contra dobradores do mesmo nível. Bohai, o filho de Mako, disse-me que o motivo de eu aprender tão rápido era por conta do meu espírito de Avatar, que concebia-me com uma maior facilidade em relação à dominação. Faltava apenas um dia para o Solstício de Inverno, e eu nunca estivera tão ansioso em toda minha vida. Mas, para o meu azar — ou sorte — o solstício só aconteceria no fim da tarde, quando o sol atingisse seu ponto mais alto, no dia seguinte. Meu mestre decidiu me liberar do treino, alegando que eu precisava estar preparado emocionalmente e espiritualmente. O Templo da Avatar Korra ficava bem perto do coração da Cidade República, próximo ao portal espiritual aberto por ela há anos atrás.

Desde a última transmissão da voz misteriosa, a cidade parecia mais silenciosa do que o de costume. As luzes estavam se apagando mais cedo, e eu podia ver que a cidade não mais me parecia tão brilhante. Devo ter acordado por volta das uma ou duas da tarde. O céu não estava tão bonito como quando cheguei à cidade, e o mar estava cinzento, refletindo a imensidão acima, embora calmo. Estranhamente silencioso. Uma parte de mim parecia sentir algo errado, como se houvesse uma pressão estranha no ar. Ikki não me deixava mais ir à cidade, e meus pais concordaram com ela. Mesmo Shun estava impedido de ir ao centro. Talvez eu realmente fosse teimoso como a terra, como Seoyin vinha dizendo, mas decidi que eles não iam me segurar. Eu precisava ir até a cidade, e não sabia o porquê. Eu apenas… sabia.

Eu estava sentado sobre a minha cama, bem dura, por sinal, olhando a cidade e o grande feixe de luz que o portal emitia até o céu. Ouvi a porta deslizar, e uma voz em conjunto:

— Pensei que você estava dormindo. Me pediram para acordá-lo.

Olhei por cima do ombro e pude ver Fang, de braços cruzados e as costas apoiadas na parede.

— O que foi? — eu disse. — Aconteceu alguma coisa?

— Não — respondeu. — Não aconteceu nada. Mas já são quase três horas e você não saiu do quarto para comer.

— Não estou com fome. Me sinto estranho.

— Estranho como?

— Não sei explicar. Só me sinto… estranho. Um mau pressentimento. Acho que é porque estou ansioso.

Fang calou-se por alguns instantes. Seus olhos percorreram o chão, como se pensasse sobre algo, e voltou a falar:

— Como o solstício é amanhã, terá uma festa na cidade. Um festival, em homenagem aos espíritos, assim como os que têm na tribo da água.

— E daí? Não podemos ir.

— Não podemos ir se souberem que nós fomos — afirmou. — Mas, se formos em segredo, ninguém vai saber.

Nossos pensamentos pareceram entrar em consentimento. Ambos tínhamos a mesma ideia e o mesmo plano. Eu não imaginava que o riquinho fosse querer fugir. Achei que seria como uma daquelas pessoas de classe alta que só fazem o que mandam, e se comportam, para tentar não causar vexame.

— Nós podemos ir agora, aliás. — prosseguiu. — Ikki e Rohan saíram junto com seus pais. Seu irmão está treinando na outra ponta da ilha e os sentinelas do Lótus Branco não parecem estar muito atentos.

— Mas como faremos para chegar até o centro sem usar um barco?

— Tem uma daquelas canoas que ficam na margem da ilha.

— E você acha que nós temos força pra remar até chegar na cidade?

— Não acho — ele revirou os olhos. — Eu sou um dobrador de água. Posso dar um jeito nisso.

Decidi não contestar, já que seu plano parecia ótimo. Ele pareceu ter pensado em tudo, ao contrário de mim.

— Só tem um problema, Yuan.

— Qual?

— Você não vai à cidade usando só um short de pijama, vai?

E foi aí que eu me dei conta de como estava vestido. Se eu pudesse descrever como me senti naquela hora, diria que eu parecia uma mistura de morango com chocolate; quando senti meu rosto arder, tive certeza de que estava vermelho. Cobri meu corpo todo com os lençóis e afundei meu corpo na cama. Fang pareceu não conseguir conter o riso, porque seu rosto também ficou vermelho — não de vergonha — no momento em que ele colocou a mão na boca. Dois segundos depois, caiu na gargalhada, o que me deixou ainda mais sem graça.

— Certo. — falei. — Pode me dar licença? Eu te encontro no corredor, me dá dez minutos.

Eu estava me sentindo ainda mais estranho.  Não sei dizer — foi uma sensação esquisita no meu estômago, como um frio. Estava me sentindo extremamente envergonhado, e se fosse possível dominar o tempo e impedir que aquilo acontecesse, eu certamente o teria feito. Abri meu guarda roupa e procurei por alguma roupa boa, mas, por alguma razão, nenhuma parecia boa o suficiente. Eu só sabia que queria estar bonito, sem saber o porquê. Só… queria estar, porque ele também estava.

Depois de muito procurar, encontrei uma roupa no mínimo razoável. Saí do quarto e encontrei Fang na entrada da ala masculina dos dormitórios. Eu provavelmente caminhava apressado, porque ele uniu o dedo indicador na frente dos lábios, pedindo por silêncio. Eu assenti. Caminhamos o mais discretamente possível, evitamos a trilha e descemos o pequeno morrinho até alcançar a margem da ilha, na praia, onde estavam aqueles mesmos botes que Fang havia mencionado.

Sabe quando dizem ‘’meu queixo caiu’’? Foi literalmente o que aconteceu quando chegamos lá. Seoyin também estava, e já estava dentro de um dos botes. Usava uma capa vermelha, semelhante à de Ikki, porém, era mais formal. A maioria dos dobradores de ar utilizava àquelas roupas quando iam à cerimônias ou festas. O cabelo estava preso no lado, caindo pelo ombro direito, como de costume. Levei meu olhar do bote em que a dobradora de ar estava até Fang, incrédulo.

— O que ela está fazendo aqui?

— Ela também vai. — respondeu Fang.

— Ela… vai? Ela não vai nos dedurar?

— Não vou dedurar — disse-me Seoyin. — Eu também gosto de me divertir, assim como vocês.

E me lançou um olhar de pura censura. Preferi não contrariar, com risco dela acabar me batendo. Eu e Fang entramos no bote e eu soltei as cordas que o prendiam, o que fez com que ele ficasse flutuando. Fang colocou a ponta do dedo entre os dentes enquanto pareceu pensar, e aquele gesto — tão simples — fez com que eu, novamente, sentisse algo bem estranho e inédito. Meu amigo ficou de pé na parte de trás do veículo aquático e fez movimentos de empurrar e puxar com o braço.

A água obedeceu seus comandos, aos poucos, pequenas ondas se formavam e empurravam o barco das proximidades da areia, levando-o em direção ao mar. Estavamos realmente indo para Cidade República, escondidos.

 

 

A cidade não me parecia mais tão triste, se vista de perto. As ruas estavam cheias de motoristas tensos, buzinando vários vezes, e muitas pessoas seguiam até o Parque Memorial da Avatar Korra. Eu adorei todas as construções, que variavam de barracas de petiscos de todas as nações até brinquedos para crianças e testes de força com um medidor (que imaginei que meu irmão fosse adorar).

Agora que estavamos mais perto do portal espiritual bem no coração da cidade, eu me sentia ainda mais estranho. Algo ainda me incomodava. Era como se meu corpo estivesse sendo usado como esponja e absorvesse uma energia negativa do ar. Tentei me concentrar nas brincadeiras, nas barracas de comida, mas nada me animava. Fang e Seoyin pareciam estar mais próximos, já que não paravam de conversar. Eu preferi me manter a alguns metros de distância deles enquanto comia um maravilhoso petisco de peixe frito. Tudo bem, comida é um bom jeito de me animar, mas ainda não era o suficiente. Ver a forma como os dois conversavam também não ajudou muito, me fez sentir um pouco… desconfortável? Não sei dizer.

— Yuan, você quer fazer algo? — perguntou Seoyin.

— Tipo o quê? — respondi. — Não gosto de disputas de força e nem nada do tipo. Acho que minha praia é comida, mesmo.

— Estranho…

Seoyin levou seu olhar para o céu, como se procurasse por vestígios de algo que não estava mais lá. Torceu a sua expressão, aparentemente pensativa. Não aguentei de curiosidade e tive que perguntar:

— O que é estranho?

— Os espíritos.

Ela apontou para o céu, e meu olhar instintivamente seguiu na mesma direção. Não havia nada na imensidão negra, com exceção das nuvens cinzentas e escuras, que ocultavam a luz da lua.

— Não estão mais aqui. — disse-nos ela, tanto para mim quanto para Fang.

— E o que isso significa? — indagou Fang.

— Os espíritos sempre aparecem para o festival — ela disse, como se fossemos burros. — Afinal, é em sua homenagem.

— Faz sentido. — eu e Fang respondemos, em uníssono.

Andamos por mais uns cem metros até que, finalmente, algo aconteceu.

Estrondos imediatamente chamaram minha atenção. Não só a minha, como a de todos no festival. Uma espécie de lobo gigante vinha destruindo barracas e arremessando pessoas com sua pata, como se fossem brinquedos. Parecia estar furioso, mas não era como se ele fosse um animal normal. Eu sabia que não era uma fera material, transmitia uma energia única que adentrava no mais profundo do meu ser. Era um espírito. E estava vindo na minha direção.

A multidão entrou em pânico. Os não dominadores se afastaram, às pressas, aterrorizados com o espírito. Aos poucos, não restaram muitas pessoas no parque — algumas arremessadas pela fera, outras simplesmente fugiram. Quanto aos dobradores, alguns tentavam travar um embate contra o espírito, mas em vão. Ele simplesmente virava o rosto e deixava com que labaredas de fogo se dispersassem ali, assim como pedras atiradas. Seoyin avançou em sua direção, e eu não tive tempo para segurá-la.

— Espírito! — bradou a dobradora de ar. — Por que está nos atacando? Estamos celebrando sua grandeza!

Pensei que sua argumentação pacífica fosse surtir efeito, mas Seo se aproximara demais. A besta a atirou para longe com uma única pancada, e o resultado foi uma dobradora rodopiando pelos ares e chocando as costas contra a madeira de uma das barracas, desabando inerte no chão.

— Fang, foge!

— Você é o Avatar! Faz alguma coisa!

O espírito parecia já saber quem eu era. A energia que ele emanava era completamente oposta à minha; era uma aura maligna. Eu caminhei em sua direção e o olhei nos olhos. Como resposta, tive um rosnado e ele tentou me atingir com a pata, mas fui suficientemente rápido para erguer uma pequena mureta de terra — que não foi um empecilho para sua força — antes de ser arremessado, com os danos reduzidos.

Tentei me erguer e busquei, ao máximo, ignorar as dores nas costas. Se era briga que aquele espírito queria, então briga ele iria encontrar. Fechei os dois punhos e disparei dois projéteis de fogo em sua direção; uma tentativa em vão. As chamas em nada pareciam incomodá-lo. Fang adquiriu a minha dianteira, ele mobilizou uma pequena parcela de água do lago do parque na direção do espírito, como um pequeno jorro, o que fez com que a besta parasse de avançar. Por alguma razão, meu amigo parecia muito mais forte à noite, mas não tinha tempo para me preocupar com aquilo.

A brecha aberta por ele me foi útil. Juntei as mãos e as abaixei, criando uma depressão logo abaixo do espírito rebelde. Ele não foi capaz de se equilibrar por conta do pequeno abalo sísmico, e tombou no chão, sem parar de rosnar um um único instante. Fiz um gesto semelhante ao de garras no meu dedo e arranhei o ar, erguendo quatro pilastras de terra na diagonal da besta, colidindo-as contra seu corpo. Parecia estar funcionando.

Meu sucesso, porém, não durou muito.

O dobrador de água realmente fora corajoso, entretanto, a fera não poupou esforços para chocar sua grande pata contra o corpo do dominador, expulsando-o na minha direção e ambos capotamos até nossos corpos quebrarem a madeira de outra pequena construção.

Eu não era páreo. Não era como enfrentar outro dobrador ou um igualitário. Era algo muito maior. Meu corpo estava todo cortado pelas farpas de madeira, assim como o de Fang. Ambos não parecíamos capazes de levantar. O lobo se aproximou e ergueu a pata, prestes a nos esmagar.

— Acabou. — sussurrou Fang, para si mesmo, mas em uma altura suficiente para que pudesse ouvir.

Acabou? Será que eu morreria de uma forma tão patética? Talvez Shun estivesse certo e eu era o Avatar mais fraco de todos. Talvez não fosse nem digno de carregar aquele título. Tentei me concentrar. Estava desesperado, outra vez. Cercado como uma mosca.

‘’Não, não acabou.’’, disse Yuan, involuntariamente. Junto à ele, uma única voz se destacava, a voz de sua vida passada: a voz de Korra. Ele estava semi-consciente, mas a energia do solstício o influenciara. Os olhos do Avatar, tal como da última vez, acenderam, em conjunto de sua boca ao falar. Seu corpo se movia por vontade própria, além de seu controle.

O lobo gigante parou quando o Avatar envolveu o corpo da criatura com jorros de água, e ele movimentava as mãos como em uma dança calma. Não estava completamente desgovernado como antes estivera. Era como se Avatar Korra o estivesse controlando em plena sabedoria. Não levou muitos segundos até que a besta lupina estivesse contornada por água, que subia em movimentos espirais ao seu redor.

O líquido adquiriu uma tonalidade dourada, reluzente, no momento em que Yuan cessou suas movimentações ao erguer ambos os braços. O lobo recobrou sua razão. Suas feições e aparência pavorosas desapareceram. Pareceu perceber quem realmente era e, apaziguado, deu as costas, como se a dupla não o importasse mais, até desfalecer em várias pétalas luminosas. Os olhos do Avatar apagaram novamente, e ele cedeu de joelhos no chão, tonto, mas acordado. Seu acesso ao espírito Avatar não fora emocional, destrutivo; assim como em uma vida passada, no polo norte, quando Avatar Aang entrara em seu pico de poder para salvar a Tribo da Água do Norte.

O medo e os conflitos na Cidade República estavam afetando os espíritos que lá residiam, o que cada vez fornecia mais força para o espírito das trevas, Vaatu, se reerguer. A tensão implantada pelos igualitários e as gangues auxiliavam o grande espírito que, mesmo inconsciente ou desmaterializado, ainda era capaz de absorver o pavor e sentimentos negativos. O Avatar precisava agir.


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Notas finais do capítulo

Espero que estejam gostando. ♥



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