A Lenda de Yuan escrita por Seok


Capítulo 16
O Resgate - Parte Um


Notas iniciais do capítulo

Estou sentindo taaanto a falta de comentários. Não estou cobrando, o.k?! Só comentem se sentirem vontade ou necessidade! Mas seria muito gratificante poder saber que estão acompanhando a história.

Sem mais delongas, vamos ao capítulo!



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                                               Yuan

Eu tenho um sonho recorrente.

Tudo começa na escuridão. Ela é tão densa que não sei nem se meus olhos estão abertos. É como se eu acordasse em meio a um apagão, com todos os familiares raios de luz agora apagados, engolidos pelas sombras. Somos só eu e a noite vazia.

E eu não resisto. Estendo a mão na esperança de que seja só um apagão, de que eu consiga afastar o peso de estar sozinha sob o que parece ser uma centena de cobertores pesados. Mas a escuridão não cede.

Deslizo pela meia-noite como água em um poço, o eterno gotejar frio da solidão sobre as minhas costas. É aí que percebo que não há superfície a ser rompida. Meu peito aperta, meu coração acelera, minha respiração falha. Eu me perco nos meus próprios medos. De repente, algo ou alguém abre uma fenda nas profundezas da escuridão e eu mergulho ainda mais fundo na tinta negra. Abro a boca para gritar, berrar, mas não produzo som algum.

Meus olhos se abrem. Talvez eles já estivessem abertos desde o início, mas é a primeira vez que consigo enxergar alguma coisa.

Lá está ele. Não, melhor: lá estou eu.

Sou capaz de me ver, como em um reflexo espelhado. Eu diria que estou me olhando no espelho, exceto por um motivo: os olhos que brilham em um vermelho caótico. As sombras me abraçam e eu sequer consigo me mover. Todo meu corpo está arrepiado.

O que esperar quando minha boca é puro vácuo? Meu coração bate rápido demais. Estou prestes a desistir, prestes a me render, quando enfim os sinto.

 

Fang. Seoyin.

Posso vê-los agora. Minha respiração desacelera e o tempo parece passar mais devagar. Acho que estou seguro. ‘’Achar’’, porém, não é estar de fato: a imagem que deveria ser eu nos acompanha. Meus amigos olham para mim — para ele — e parecem estar apavorados. Eu estou apavorado.

Meu algoz finalmente parece perceber a presença dos meus amigos ali. Um sorriso maligno, repleto de sadismo, faz com que meus músculos travem. Ele caminha vagarosamente na direção de Seoyin. Ela é a primeira. Tento protestar, gritar, fazer qualquer coisa, porém, ainda que eu lute contra meu medo, meu corpo não me responde. Sei o que aquele que carrega a mesma aparência que eu está prestes a fazer. O medo que sinto é imensurável.

Meus braços doem até os ossos. Eu tento agarrá-los tento segurá-los, mas não consigo salvá-la. Não sou forte o bastante para nos manter juntos. Não sou o bastante para eles. Não sou o bastante para o mundo. As pontas dos meus dedos começam a brilhar. Metade do meu corpo está tomada por uma cintilação azul-clara e etérea, e a outra metade é completamente vermelho-sangue, também brilhante.

‘’Suas tentativas são tolas, Avatar’’, alguém diz, vindo de todos os lugares e de lugar nenhum. A voz horripilante parece ecoar, distante e, ao mesmo tempo, tão perto. ‘’As portas foram abertas. Ele voltará… E você será destruído.’’

Então eu acordo.

Estou na minha cama, o cobertor amarrotado e molhado de um suor frio. A escuridão se extingiu e foi substituída por um cinza morto. Posso sentir meu estômago se revirando dentro da minha barriga. Algo quente e molhado desliza pelo meu rosto. Percebo que estou chorando; um choro silencioso, cada lágrima carregando uma quantidade ímpar de sentimentos.

Minha atenção é transferida para os outros dois colchões, onde cada um dos meus amigos está. Eles estão dormindo, serenos, alheios a tudo que me acontece. Estão a salvo. Estão vivos. Meu peito se enche de alegria, uma pequena brasa em meio à tristeza.

Tenho dormido com uma das janelas abertas, então ando até ela e observo o céu. O suave brilho das luzes no céu lá fora pinta sombras em mim e meu quarto.

— Korra — eu sussurro para mim mesmo, secando meu rosto com a manga das roupas de dormir. Minha voz sai vacilante, soturna e abafada pelo choro. — O que eu deveria fazer?

Sobre o silêncio adormecido, paira a escuridão. Posso senti-la ali, imóvel, estendendo-se para além do horizonte. Do chalé, é difícil ver as estrelas, limitadas a um ou outro ponto brilhante no céu negro. Mas sei que há mais delas lá fora, em algum lugar.

Me pego perdido em meus próprios pensamentos. São em momentos como esse em que, por mais que eu deteste admitir, me dão medo. Medo de não conseguir ser tudo que esperam de mim. Medo de não conseguir proteger os meus amigos e todo o mundo. Eu tento ser ‘’durão’’, mas, no fundo, eu sou só um menino tentando fazer o que é certo. Seoyin me disse que nós precisamos salvar uma menina que foi raptada. Ela alegou ser minha primeira missão como Avatar. Não acho que esteja ansioso. Do fundo do coração, pensar nisso quase me impediu de dormir e faz com que eu sinta meu corpo congelando de dentro para fora.

E se eu falhar?

Não, não posso pensar nisso. Não posso desistir se sou tudo que o mundo tem. Ser o Avatar é muito mais do que sair batendo nos caras maus. É ter de lidar com o fardo de que a esperança das pessoas está depositada em você. Preciso dar o meu melhor.

Volto para a cama e espero o amanhecer. Não adormeço de novo, não consigo. Meu ‘’eu’’ apareceria novamente.

Ele sempre aparece.

                                                                       [...]

O dia finalmente clareou. Seoyin, como sempre, é a primeira a acordar. Tenho a sensação de que ela desperta junto com o som dos pássaros. Sempre a ouço dizer que receber os primeiros raios de sol é suficiente para garantir que seu dia seja ótimo.

Minha amiga não demora muito para se arrumar e tomar banho. Ela parece ter consciência do que houve, visto que geralmente, quando acordo antes dela, é porque algo não está como deveria.

— Outro pesadelo? — ela pergunta, sentando na parte inferior do meu colchão.

Eu me encolho e abraço minhas próprias pernas, desconfortável.

— Pode se abrir para mim, Yuan. Você sabe disso.

Eu deixo que um suspiro escape por entre meus lábios.

— Outro — eu digo, por fim. — Só que o de hoje foi mais… mais… assustador.

Olho para Seoyin com um ar de preocupação. Lembranças do sonho são trazidas à tona e açoitam minha mente como uma chuva de disparos. Tento não pensar. Seus olhos não parecem olhar para mim, somente através de mim, para algo que ela não pode desviar o olhar.

— Acho que você está nervoso — comenta Seoyin.

Ela se aproxima e segura uma das minhas mãos, transpassando-me calor e energia.

— Com o que nós vamos fazer hoje, entende? — diz ela.

— Você tem razão. É que…

Minhas palavras vacilam. Minha voz titubeia por alguns momentos.

— O que acontece se eu falhar? Um dia, Shun me disse que o mundo está perdido se precisar de mim. — termino.

Seoyin dá um doce sorriso.

— Você não é mais o mesmo garoto assustado que era quando chegou em Cidade República — retruca Seo. — Você está crescendo como um forte Avatar. Eu confio em você, Yuan. Fang também confia.

Ela transfere sua atenção para o adormecido dobrador de água no outro colchão antes de voltar-se para mim novamente.

— Você é o único que não confia em si mesmo — completa Seoyin. — Saiba que seus amigos estão aqui por você.

O dia em que Shun e eu brigamos e que ele foi duro comigo passa pela minha cabeça como um V.T; rápido, claro, assim como em um filme. Uma flama de raiva aquece minha garganta. Sinto um nó se formar e parece que a minha saliva se transformou em ácido sulfúrico.

— Não é tão fácil, tá? — Eu paro de olhar para Seoyin e sinto meu rosto esquentar.

Acabo desvencilhando minha mão da dela e volto a me abraçar. Minha voz se altera um pouco, não intencionalmente.

— Você não entende, Seo. Vocês nunca vão entender como é.

— Não, Yuan — discorda Seoyin. Ela geralmente tem mais paciência comigo do que a maioria das pessoas, inclusive meus pais.  — Eu entendo, sim. Mais do que você pensa.

Faz-se silêncio por alguns momentos. Fico na dúvida sobre dizer algo mais ou não. Seoyin mexe em seu cabelo com doçura e eu a observo. Às vezes eu acabo esquecendo do quanto Seoyin é bonita, por mais que ela tente não parecer. Fang tem sorte. Eu realmente espero pelo dia em que eles irão assumir para mim que estão namorando. Talvez isso acalme a dor que é vê-los juntos sem saber de nada. Ou o constrangimento de Fang não me dar nenhuma satisfação sobre o nosso beijo. Um dia, quem sabe...

— Eu vou cuidar do jardim — comenta Seoyin. — Sei que não moramos aqui, mas ainda assim.

É engraçado. Sei que Seoyin consegue perceber que algo está errado — algo que vai muito além de um mero pesadelo —, mas ela não pergunta nada. Com a gente é assim. Parece que ela prefere deixar que eu conte por vontade própria. Conheço seu tom de voz, suas expressões e seus hábitos mais simples. A mania que ela tem de mexer no cabelo quando está nervosa ou preocupada. E acho que ela também sabe os mesmos tipos de coisa sobre mim. Nos conhecemos há alguns meses. Mas, sério, na maior parte do tempo não faço ideia do que se passa na cabeça dela.

O caso é que eu não me sinto tão inseguro quando estou perto de Seoyin e Fang. É tranquilo. Então é uma coisa boa.

— Nós precisamos partir em algumas horas se quisermos chegar no Templo antes do pôr-do-sol. — ela diz.

Seoyin mexe em seus cabelos discretamente, mais uma vez, e eu tenho a certeza de que ela também está nervosa, mesmo que não diga nada sobre.

— Vou indo. As plantas não vão se molhar sozinhas.

Eu concordo com a cabeça e assisto conforme Seo levanta e segue para fora do chalé. A porta fecha logo depois dela sair e eu me deito no colchão novamente, olhando para a sombra que meus dedos fazem no pequeno raio de luz que invade pela fresta da janela.

O nervosismo que eu sinto, entretanto, me impede de relaxar e aproveitar o resto de manhã que ainda me sobra. Fang ainda está dormindo e eu acho que vou deixar assim, pelo menos até a hora de partir. Ele realmente parece estar cansado, porque está abraçado ao travesseiro como se fosse uma pessoa de verdade. É fofo.

Sou obrigado a levantar, me aprontar e sair do alojamento., porque ‘’ficar parado’’ é, simplesmente, uma passagem que não se encontra no meu dicionário — ao menos, não quando eu estou surtando por dentro.

Não caminho por mais de duzentos metros quando vejo um grupo de mulheres chorando próximas de uma loja, um estabelecimento não muito grande. Em um primeiro momento, reluto em me aproximar. No entanto, acabo por fazê-lo mesmo assim. Sou incapaz de perceber o que estão falando — muitas estão em prantos, abraçando-se e olhando para algo colado na parede.

Arrisco dizer:

— Eu posso ajudar?

Elas não parecem se dar conta da minha presença até que eu me aproximo o suficiente. Uma delas se volta para mim, e eu sou capaz de perceber em seu olhar uma forte depressão. Sinto sua dor, ainda que nenhuma palavra fosse dita.

— Por favor — eu peço. — O que aconteceu?

A senhora que presta atenção em mim limpa suas lágrimas e assoa o nariz na própria manga da blusa.

— Nossos filhos — ela parece tentar dizer de forma mais coesa possível. O fato de estar em prantos não ajuda muito para que eu entenda. — Eles foram trabalhar para o presidente de Cidade República, na cidade vizinha.

A moça aponta para um folheto colado na parede do comércio. Eu me aproximo, abrindo caminho entre as mulheres e consigo lê-lo.

‘’Contratamos homens saudáveis por 10 yuans ao dia.’’, dizia o cartaz.

— Desde então, eles não voltaram. — A moça tenta respirar fundo para continuar a falar. — E já faz uma semana.

Tenho um mau pressentimento. Na cidade vizinha…

Eu sempre me senti desconectado do mundo; antigamente, meu sonho era ser um grande homem-de-negócios, líder de uma empresa tão grande quanto as indústrias Sato. Pouco a pouco, porém, percebo que este não é o meu destino. Ver a tristeza no rosto dessas senhoras me faz pensar em quantas pessoas estão sofrendo nesse momento. Quantos dobradores em Cidade República estão precisando de algo naquilo que acreditar. O medo, a insegurança, a incerteza. Tudo que estão sentindo, todo o desespero e toda a amargura que toma conta de suas vidas. Já está na hora de encontrar meu próprio caminho como Avatar.

Eu trarei todos de volta, custe o que custar.

 

O pôr-do-sol chegou.

O santuário em homenagem à Avatar Yangchen está vazio. Muitas pedras polidas e mármores longos constroem a infraestrutura externa do templo, e, além disso, uma estátua da Avatar em questão em seu topo, com o símbolo dos Nômades do Ar. A visão a qual sou apresentado é linda, magnífica, até. Entretanto, um ar melancólico se espalha pelo vale. Os ventos uivam ao soprar as árvores e formar o farfalhar das folhas. Tudo está estranhamente silencioso, com exceção dos sons da natureza e dos animais.

Eu, Seoyin e Fang estamos juntos. Yang, meu Tigre-Leopardo, também veio conosco. Achei que não seria uma boa arriscar sua segurança. Ele ainda está bastante arisco por conta da perseguição que sofreu naquele dia. Mas, mesmo assim, ele parece querer me seguir para qualquer lugar. Ainda estamos caminhando para nos aproximar do templo.

A presença dos meus amigos age como um dissuasivo para o meu nervosismo, mesmo que eu consiga sentir minhas mãos tremendo.

— Tem certeza que eles vêm? — Fang quebra o silêncio com sua pergunta.

Agora, o vento fica mais forte e passa pelas nuvens para revelar o um céu limpo e de um laranja tão puro que eu tive a sensação de estar sendo comprimido pela grandiosidade da natureza. Eu conheço esse céu. Quando eu era uma criança, eu o vi cobrir Ba Sing Se. Mas aqui não é minha cidade. O vento aqui não é acolhedor.

Nós paramos. Um silêncio anormal se instala. Qualquer coisa que estava próxima já se foi com o som de meus pisões fortes. Sem sentir qualquer perigo vindo de mim, o pequeno pássaro que eu havia percebido continuou em seu galho e cantou para os meus devaneios nervosos. Agora até a cantoria parou.

Yang rosna para algo e chama minha atenção, até que percebo que não é simplesmente algo. Lá estão eles. Um grupo de homens, cerca de uma dúzia, montados em motos de alta tecnologia — todos com vestes semelhantes a de igualitários, com exceção de três deles, que se vestem como dominadores de fogo. Eles nos rodeiam e estacionam, e, na garupa de um dos veículos, percebo uma garota de pele escura e cabelos pretos. Ela está totalmente encarcerada em cordas e os movimentos devidamente restringidos por elas.

Um sorriso de escárnio surge no rosto do homem que desce da mais espetacular das motocicletas, com detalhes dourados e vermelhos, semelhante à asas de dragão. A garota capturada está em sua moto. Ele olha com desprezo para Seoyin. Parece nem se dar conta de mim ou de Fang.

É uma emboscada, penso.

— Três crianças? — ele diz, encurtando a distância com nós três. — E uma dobradora de ar.

Seoyin o encara, séria.

— Estão com o dinheiro? — pergunta o homem. Há algo em seu olhar que me dá calafrios. — Do contrário, não posso garantir que a mocinha aqui sairá viva.

As mãos fortes e calejadas do homem encontram as cordas que vetam a movimentação da morena aprisionada, deixando-a de pé, embora ainda imóvel. Ele passa a sustentá-la com apenas uma das mãos e, com a outra, labaredas flamejantes passam a surgir. A garota se contorce, tentando inutilmente livrar-se da posse do homem. Posso identificar em seu olhar um ar de súplica para mim. ‘’Socorro’’, ela pede, ainda que quaisquer palavras fossem ditas no processo.

Ouço um zumbido incessante em meus ouvidos. Meu sangue está fervendo e posso sentir minhas pernas vacilarem. As mãos suadas e uma dor incômoda no peito também fazem parte da minha situação atual. Mesmo que a ansiedade esteja presente, não sou capaz de permiti-lo interferir no dever.

Os homens não estão aqui de brincadeira.

E nem eu.

De soslaio, olho para Seoyin. Pensamos a mesma coisa.

A dobradora de ar incita o primeiro movimento. Ela surpreende o ‘’chefe’’ dominador de fogo com uma golfada de ar que o expulsa das proximidades de Stagnia, a menina capturada. Ela está quase caindo no chão quando eu aparo sua queda com uma espécie de almofada aerocinética, comandando-a através de um gesto das mãos e  trazendo a menina para mais perto. É um movimento semelhante ao de ‘’puxar’’ que aprendi com Fang.

— O garoto também é um dominador de ar?! — grasna um deles.

— Não importa! — ruge o que imagino ser o líder, o mesmo que dobra fogo. — Ordeno que capturem todos.

Volto meu foco para Fang. Ele parece entender o que eu quero dizer.

Yang está prestes a avançar nos invasores quando eu o toco. O Tigre-Leopardo olha, instantaneamente, para mim.

— Amigo — eu peço para Yang, meu Tigre-Leopardo. — Você precisa levar essa garota de volta para a vila.

Meu animal parece relutar a princípio. Com um miado, ele protesta minha decisão. Ouço os sons do combate, mas preciso convencê-lo se quiser ter chances.

— Por favor. — Estou praticamente implorando para Yang. — Leve-a, Yang. Eu vou ficar bem.

Posso sentir tudo que Yang sente. É como se nós estivéssemos ligados por algo que a mera compreensão não seria capaz de explicar. Posso ver seu espírito dentro de seu olhar. Ele se preocupa comigo. Sei disso. Porém, após um pouco de resistência, ele abaixa a cabeça em concordância.

Uso meu dedo como uma espécie de bisturi, gerando uma pequena centelha flamejante que rasga as cordas. Auxilio a garota a colocar-se sobre Yang.

— Obrigada — ela diz, em tom de profundo agradecimento.

— Vocês precisam ir — eu interrompo. — Agora!

Yang emite um ronroado em concordância e parte para a vila, sumindo entre as folhagens. Tenho a sensação de que ele chegará em segurança com a donzela até o vilarejo. Confio nele, mesmo que nos conheçamos há pouco tempo. Eu sorrio ao vê-los ganhar distância, até me voltar para o combate atrás de mim.

Seoyin se move como uma folha ao vento. Graciosidade e precisão fazem parte de seu arsenal. Ela está saltando e evadindo dos disparos de um dobrador, mas não tenho tempo para observá-la. Ao que parece, ela está mais preocupada em desviar do que em atacar.

Fang, por outro lado, parece estar se esforçando com a pequena quantidade de água que ele carrega em seu cantil. Ele a utiliza como um chicote para agarrar e derrubar os não-dobradores, dois deles. Os adversários, no entanto, são mais rápidos que ele.

Ao me dar por mim, noto que estou completamente cercado. Eles concentram seu foco em mim. O líder do bando me olha com desprezo.

— Eu sei quem você é — ele fala, entredentes. — Finalmente nos encontramos.

Não sei o porquê, mas pressinto que nada de bom sairá desse diálogo. Arrasto os pés pelo chão e tenho a grande convicção de que um combate é inevitável.

— Você virá conosco, Avatar — as palavras saem como se fossem cuspidas. — Imagine como Scar vai me recompensar quando souber que eu capturei você para ele…

Quem é Scar? Não me lembro de ter escutado esse nome antes. ainda assim, a simples menção dessa pessoa fez com que meus nervos estalassem. Por algum motivo, uma imagem passa como um flash diante dos meus olhos: aquele espírito que se parece comigo em meus sonhos.

Isso não importa. Não agora.

Performo dois socos rápidos no ar e eles projetam duas rajadas de fogo que seguem na direção líder. Ele golpeia minhas chamas e as dissipa com sua própria dominação, assumindo postura de combate. Sem hesitar, ele acerta o ar duas vezes e dispara, igualmente, dois projéteis chamejantes em minha direção, ao mesmo tempo que executa um arco com sua perna e arremessa chamas arqueadas contra mim.

Eu respondo.

Uso o ar como um dissuasivo para a pressão das chamas, de forma amaciar seu impacto, mas a pressão do fogo é suficiente para me arrastar para o lado.

Fang é o primeiro a cair. Em visível desvantagem pela ausência de água no terreno, ele investe com um filete hídrico, semelhante a um chicote, contra um dos homens que, presumo, seja igualitário. O ginasta salta por cima do chicote aquático e segura o ombro de Fang, imobilizando-o e outro lhe acerta uma sequência rápida de golpes. Ele tomba no chão. Tenho a sensação de que está fora de combate e sinto um aperto no peito.

Seoyin está um pouco melhor. Está em uma postura típica de dobradores de ar, evadindo com precisão de disparos de fogo. Ela cria um pulso de vento que a arremessa para cima e abre as ‘’asas’’ de suas vestimenta da Nação do Ar, passando a planar. Rodopia ao redor de si mesma e conjura uma onda eólica em formato circular contra seu adversário, expulsando-o pela pressão da ventania.

Não há tempo para prestar atenção.

O adversário que está contra mim não permite um segundo de distração.

Ele confecciona um chute brutal e um jato quente voa contra mim. É minha chance. A dobra do meu adversário parece vir dos músculos, o que é um erro fatal. Eu posso vencê-lo. Minha visão é completamente obstruída pelo fogo. Me impulsiono para frente e agarro as chamas como se fossem materiais, partindo-as ao meio e abrindo caminho. Estou pronto para golpeá-lo com tudo.

Meu coração desacelera e minhas pernas falham. A pessoa que estou contra não é mais o dobrador de fogo. Sou castigado com a clara imagem de mim mesmo, com exceção dos olhos vermelhos.

Não, não pode ser. Estaria meu pesadelo se tornando realidade? Sou incapaz de sentir o chão abaixo de mim e pareço estar mergulhando em desespero. Medos e pesadelos, palavras que açoitam minha cabeça. Ferem-me e desarmam-me. São emoções. São sentimentos.

Fecho os olhos em agonia. Estou alucinando de novo; mas agora não é como nos sonhos, é algo vívido, real. A fonte do meu medo está material, bem diante dos meus olhos. ‘’O Avatar pode sentir os espíritos…’’, lembro-me. Algo está errado. Sei disso.

Sinto o calor das chamas me abraçando, disparadas por algo ou alguém. De novo e de novo. Tudo que consigo fazer é arremessar pedras para todos os lados, até cair. Minha respiração está ofegante e eu não consigo me concentrar.

Os inimigos não perdoam minha fraqueza. Vultos negros invadem meu flanco, um bastão atinge minhas costelas e eu sinto a eletricidade percorrer cada centímetro do meu corpo. As forças que ainda me restavam são furtadas de mim, e minha lucidez está prestes a se esvair.

Tudo que vejo são sombras desfiguradas do combate. Centelhas vermelhas, que indicam fogo. Estou em algum limbo entre a consciência e a falta dela.

‘’Almirante Zhao’’, escuto. ‘’Vamos levá-los?’’

Mais uma estocada elétrica. O choque arrepia todo meu corpo e faz com que meus músculos se contraiam dolorosamente.

Sou incapaz de resistir e, então, apago.


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