A Lenda de Yuan escrita por Seok


Capítulo 15
O Vilarejo JiHao - Parte Três


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!
Ah, se puderem, por favooor, deixem comentários! Isso incentiva demais a história =3
Obrigado! ♥



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                                                 Seoyin

Hoje é um dia especial!

Tudo está tão bonito. É véspera do festival de Yangchen e eu preciso preparar tuuudo!

Mais cedo, passei na barraca de um velho senhor e comprei frutas para oferecer aos espíritos. Comprei, também, um incenso para purificar as energias do ambiente. O vilarejo em que estamos é de frente para o mar, então fui até a praia — que é bem vazia — e procurei um cantinho especial. Aqui, posso ouvir o quebrar das ondas na costa e a sinfonia das gaivotas que passam voando por cima de mim.

Quando paro para analisar bem, vejo o cenário ao meu redor é mais lindo do que eu pensei! O céu limpo, livre de quase todas as nuvens, dão vista para um Sol quentinho e resplandecente. Ele reflete no oceano e faz parecer que as águas estão cravejadas em cristais, brilhantes, e o cheiro de maresia é inconfundível, transmitindo uma sensação serena e agradável.

Eu fico de joelhos no chão e encontro uma rocha firme. O lugar perfeito para colocar minha oferenda. Pego duas pequenas pedras no chão e choco uma contra a outra, criando uma pequena faísca que acende os dois incensos que carregava comigo. Os cravo na areia pelas pontas inferiores e coloco as frutas próximas a eles.

— Para os espíritos — eu sussurro uma prece quase inaudível. — Que eles se agradem com a minha oferenda e tragam sua presença iluminadora para este pequeno vilarejo.

Levanto-me do chão e presto uma vênia em respeito. Algo me chama a atenção, vindo do céu. Estou prestes a sair quando reparo em estrelas bastante chamativas.

Estrelas de dia?, eu me pergunto.

Até que elas se tornam cada vez mais ofuscantes e eu percebo que não são estrelas. Os pequenos focos de luz ganham forma, cerca de dez deles, e tornam-se coalas com asas feitas de folha. São espíritos. Eles voam ao meu redor e eu não consigo segurar um sorriso. A energia emanada deles é incrível. Posso senti-la ao meu redor; tão viva, tão presente, tão leve. Como o ar. Eles são tão lindos! Inclusive, será que é crime sequestrar um espírito super-fofo e levá-lo pra casa?

Um deles pousa no chão e bate suas asinhas de folha, cheirando a oferenda que eu havia colocado. Em seguida, ele emite um som indecifrável e todos os outros espíritos se direcionam até o pequeno altar. Todo o grupinho parece ficar bem feliz com isso, apesar de sequer tocarem na comida. Acho que espíritos não comem, mas, pelo o que eu aprendi, as boas energias que deixamos em uma oferenda ou em um ritual de purificação lhes deixa feliz. Eu fico feliz por eles estarem felizes!

Outro espírito voa até mim e pula em meus braços, e eu o recebo muito bem. Todos os outros me rodeiam, emitindo sons que eu não sei bem como explicar. Seus pêlos me tocam e eu acho que sinto um pouco de cócegas com isso. São tão macios, e fofos, e peludamente peludos... Acho que eles gostaram de mim, aliás.

— Vocês são tão fofos, pessoal. — Eu aperto ainda mais o panda-voador que está em meus braços. — Acho que vou chamar vocês de… Seo um, Seo dois, Seo três… — digo, indicando cada um dos dez espíritos ao meu redor. Suas orelhinhas vibram de alegria.

Quando termino a contagem, todos eles pulam sobre mim e eu, consequentemente, caio no chão. Não consigo parar de rir com suas lambidas e carícias. Eu sinto meus dedos preenchidos pela pelagem do espírito alado, passeando com eles pela textura macia. Sinto o vento tocar meu rosto, a brisa suave do aproximar do entardecer que me tranquiliza.

Por um segundo mínimo — desprezivelmente mínimo o suficiente para não existir — sou capaz de esquecer que estamos em fuga. Eu, Yuan, Fang. Posso senti-los, mesmo de longe. Sinto sua luz, sinto-os irradiando calor e alegria, conforto e risadas, com tanta intensidade que é impossível não entrar em combustão. Juntos, sinto que não há nada que não possamos enfrentar. Mesmo na Nação do Ar, ainda seguimos parte dos costumes dos antigos Nômades do Ar: não nos prendemos às nossas famílias biológicas.

Em Yuan e Fang, eu encontrei uma nova família. O sangue forma parentes. Confiança forma uma verdadeira família. Eles são meus amigos, que estão ao meu lado. Não importa o quão difícil seja o caminho ou nossa jornada, tenho a certeza de que preciso protegê-los. E estou disposta a dar o meu melhor para mantê-los seguros.

Os espíritos parecem cintilar e começam a se dissipar em uma tremulação etérea antes de desaparecerem, deixando-me sozinha ali, exceto pelo som das ondas morrendo na areia.

Dou uma rápida olhada na praia e ultrapasso os portões do vilarejo, traçando rumo até o chalé. É melhor não chegar tarde, pois Yuan e Fang podem acabar se preocupando. Eu decidi não deixar bilhete, porque uma saída espiritual é algo que você precisa fazer sozinha.

Uma estranha agitação passa a surgir. Algumas pessoas me olham e sussurram coisas que não sou capaz de distinguir exatamente o quê. Até que, quando estou prestes a entrar no lugar em que estamos hospedados, sinto um puxão em minha roupa. Um homem ‘’coroa’’ está me tocando pela manga. Seu rosto não está dos melhores. Parece preocupado, aflito. Algo o está incomodando, tenho certeza. O olhar de cada pessoa transpassa emoções únicas, como dizem: são a janela da alma. E aquele estava  repleto de melancolia e tensão.

— Você — ele clama, soltando a manga da minha roupa. — Nômade do Ar. Por favor, me ajude… Você… Você precisa me ajudar.

Sua voz está marcada por amargura e nervosismo; desespero, eu diria. E isso nem é o mais preocupante. Uma coisa que as pessoas não sabem sobre mim é que sou capaz de enxergar as auras de cada pessoa — uma energia colorida que a circula, expressando seus sentimentos no momento — e a desse homem está escura, de forma a lembrar o mais profundo dos abismos. Não há em sua energia qualquer indício de felicidade; apenas preocupação e medo. Eu preciso ajudá-lo.

— Os dobradores de ar jamais negam ajuda a quem precisa. — Eu tento reconfortar o homem através de um sorriso, que de nada parece adiantar. — O que houve, moço?

— A minha filha… A minha filhinha sumiu.

Acho que passo a entender o porquê dele estar tão preocupado e triste. Tento esboçar o máximo de confiança possível. Se eu vacilar, pode piorar o estado do homem que, ao meu ver, está desesperado. Imagino como seria se eu perdesse  Fang ou Yuan.

— Quanto tempo faz? — eu o pergunto. — Como ela se chama?

Eu coloco minhas mãos ao redor do corpo do homem. Agora, ele está quase aos prantos.

— Minha filha se chama Stagnia. Ela tem dezessete anos. — Posso vê-lo tentando segurar as lágrimas. Agora, sua voz está vacilante, trêmula. — Eu a pedi para ir com uma comitiva até o vilarejo vizinho parar firmar um acordo comercial. Isso foi há cinco dias. Hoje, recebo isto por um falcão-mensageiro… E ela não foi a única...

O homem vasculha em seu bolso e pesca um folheto. Ele o estica e me mostra. Eu leio em voz alta.

‘’Se quiser ver sua filha viva outra vez, pague 500.00 yuans até do pôr-do-sol do dia do Festival de Yangchen. Estaremos esperando no templo.’’

— Eu não posso dar esse dinheiro a eles — prossegue dizendo, quase aos prantos. — O vilarejo passaria fome. Nós temos tão pouco…

— Espera — eu o interrompo. — Disse falcão-mensageiro?

Ele concorda.

Falcão-mensageiro… Pelo o que me lembro, é um animal típico de comunicação da Nação do Fogo.

Um insight me ocorre.

Dobradores de fogo pró-Ozai Igualitários.

Eles já estão agindo. Se eu estiver certa, esse dinheiro pode servir não somente para fortalecer seus exércitos, como para controlar o Reino da Terra. A tática expansionista na Guerra dos Cem Anos não funcionou em uma invasão direta. Se os seguidores pró-Ozai, em conjunto da Ameaça Igualitária, começarem seu império por dentro… Pará-los será difícil. Além disso, não acredito que a cidade vizinha, Qian Shui, agiria de má-fé. Se fosse para fazê-lo, já teriam feito há muito tempo. Me pergunto se os igualitários já estão se deslocando por pequenas cidadezinhas de do Reino da Terra.

O Festival de Yangchen terá de esperar.

— Não se preocupe, senhor. — Eu recosto minhas duas mãos em cada um de seus ombros e pego gentilmente o folheto. — Sua filha voltará em segurança. Eu garanto.

Ele une suas mãos, como se faz em uma súplica.

— Como tem tanta certeza?

Meus olhos cinzentos captam uma oscilação na aura do homem.

— Pode confiar em mim.

Mais uma vez, um sorriso nasce em meus lábios e eu seguro as mãos do senhor. É como se uma troca de energia ocorresse entre nós dois.

— Sente isso, não sente? Palavra de dobradora de ar.

A pigmentação escura na aura do senhor parece relaxar e tornar-se um pouco mais branda, ainda que os tons escuros ainda sejam evidentes. Observar a mudança na aura das pessoas é o meu passatempo favorito. Isso revela como elas realmente se sentem. Tem coisas que meus olhos vêem e, ainda assim, as pessoas tentam negar ou mentir.

O líder do vilarejo assente com a cabeça e agradece ao curvar um pouco o tronco. Eu repito o mesmo gesto. Então, abro a porta do chalé e entro.

Quase desejo ficar cega.

Vejo Yuan enrolado em uma toalha, acabando de sair do banho e, aparentemente, procurando por uma roupa. A parte superior do seu corpo está toda à mostra. Por sorte não vi mais do que isso. Ele fica tão pateticamente envergonhado quando me vê que, mesmo tendo a pele escura, percebo tons de vermelho em sua bochecha - o que é bem raro. Acho que eu compartilho do mesmo sentimento, porque sinto meu rosto arder. Acerto um tapa na minha testa.

— Yuan — eu falo, deslizando a palma da mão até os meus olhos e cobrindo-os. — Quer, por favor, colocar uma roupa? Nós vamos sair para conversar.

— Sair? — ele pergunta. — Espera… NÃO! Sério! Espera! Eu ainda estou sem roupa. Vira pra trás. Pra trás!

Yuan tem momentos e momentos. Tem vezes em que ele é sério, e eu confesso que fico impressionada. Por outro lado, tem vezes que ele mais parece um bobalhão desajeitado. Sua aura, no entanto, está quase sempre reluzente e livre de escuridão. Quase sempre...

— Te espero lá fora.

— Você nem vai imaginar o que tem no jardim de trás. Vai lá dar uma olhada, Seo! — Ouço a voz de Yuan por cima do ombro e fecho a porta.

Nem me atrevo a dar uma palpite do que tem nos jardins de trás.

Um felino maior que eu está deitado de barriga para cima, com expressão sonhadora. Não tenho certeza se o que eu estou vendo é real. Espera… É um Tigre-Leopardo? Eu acho que sim, e, ao que parece, Fang está fazendo carinho em sua barriga.

Definitivamente é um Tigre-Leopardo. O tom listrado de seus pelos são inconfundíveis. Ouvi dizer que são raros. Mas como ele… por que… ele é idiota…

— GAROTO, VOCÊ FICOU MALUCO?! — Minha voz ecoa com tanta força que eu acho que ouviram lá do Templo do Ar.

Fang me olha, espantado.

‘’É DEMAIS, NÉ?!’’, responde a voz abafada de Yuan, vinda de algum lugar dentro do chalé.

‘’Demais’’. Ter um Tigre-Leopardo dormindo nos jardins traseiros de um chalé. Eu olho para Fang, e acho que meu rosto diz tudo.

— A propósito, o nome dele é Yang. — ele comenta.

Me é um pouco cômico o fato de o Yuan ter tido a coragem para adotar um Tigre-Leopardo. Yuan costuma fazer coisas bestas; é assim desde que eu conheço, mas o que me surpreende é a sua capacidade de mudar de humor. Pelo menos uma vez a cada semana ele sabe o que precisa fazer e faz. Gosto de ver a forma que o Yuan tem amadurecido desde que nos conhecemos. Ele costumava ser um lêmure assustado e agora tem algo a mais. Mais confiança, mesmo que ele ainda tenha medo. Ele tenta não mostrar, pelo menos. Isso é bom.

— Pelo menos ele soube escolher o nome — eu respondo, dando de ombros.

Pensando melhor, acho que a ideia de ter um Tigre-Leopardo não é tão ruim. Tirando o fato dele ser selvagem. Eu ouvi dizer que o Avatar costuma ter um animal-guia. Peço aos espíritos que meu amigo tenha encontrado o dele. Nas histórias, Avatar Aang tinha um bisão-voador que o levava por todo o mundo.

Mesmo assim, paira uma questão: Yuan terá sua primeira tarefa como Avatar. Isso me preocupa, porque sei que ele ainda se sente um pouco desconfortável de carregar esse peso todo sobre os ombros.

Não sei como contar isso a ele.

Se meu palpite estiver certo, os Igualitários e os dobradores de fogo extremistas já estão se movendo.

Pelo tempo que fiquei em Cidade República, pude aprender bastante sobre a história da metrópole e todas as ameaças que ela já enfrentou no passado. As gangues, tríades, os igualitários… Tudo isso contribuiu para que o que deveria ser um centro de paz se tornasse sinônimo para perigo. Não sei — acho que deve haver algum motivo para aqueles que seguiam Amon (ou Noatak)  se aliarem aos que seguiam Ozai. Imagino que o simples ‘’dominar o mundo’’ não se encaixa muito bem. Temo que seja algo muito pior do que isso, pelo o que me lembro das transmissões do rádio. Yuan é o seu alvo. Eles pretendem destruí-lo.

A primavera não vai durar para sempre.


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