Cor do Pensamento escrita por Monique Góes


Capítulo 6
Capítulo 5 - Conspiração


Notas iniciais do capítulo

Capítulo duplo hoje o/
E mais, primeiro, eu quero explicar duas coisas: Os capítulos do Near vão ser mais ou menos como os do Jim, em Coração de Porcelana, pois tem muita coisa que vai acontecer com ele, e para algumas explicações não ficarem separadas, e por cenas que tecnicamente deveriam ser seguidas - tipo, as outras narrativas são em horários e dias diferentes -, ele pode ter mais do que os dois capítulos normais por vez.
Outra coisa, parte desse capítulo vai ser narrada por outro personagem (vocês vão entender quando a cena chegar) e eu já quero me desculpar adiantado porque mesmo que tenha palavrões aqui e ali na fic, nessa parte vai ter um pouquinho mais pelo personagem ser boca suja.
E agora, ao capítulo!



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Capítulo 5 - Conspiração

Near retornou para Nidus e teve que dormir, pois senão se tornaria imprestável depois de mais de vinte e quatro horas acordado. Ainda assim acordou relativamente cedo, em torno das oito horas, todo dolorido do embate com Sirius.

Segundo Debbi, não teria nada para fazer nos dois dias seguintes, então usaria aquilo a seu favor. Pediu para que ela avisasse a sede do policiamento que iria para lá em torno das dez da noite, depois foi tomar café da manhã – ironicamente, às oito e meia da noite -, e se vestiu rapidamente. Mais ou menos em torno das nove horas, um mensageiro chegara trazendo uma caixa com o cajado que encomendara de Tabitha, entregando-o antes do prazo estimado. Quando abrira, a primeira coisa que sentiu foi cheiro de incenso.

Teve que admitir que a garota possuía crédito merecido. Era mais simples, como gostaria que fosse, Em ambas as pontas ele trazia uma lâmina do material brilhante que era usado em suas coisas – prata de mártir -, mas o cabo em si, era todo revertido de pequenas protuberâncias por sua extensão. Ainda não sabia o que eram, mas provavelmente estavam no lugar do cristal que normalmente ia à ponta, como um vetor para a magia.

E quando o pegou, ele não vibrou e emitiu um “aaarghhh” arrastado em sua cabeça que o cajado de seu avô fazia, então estava satisfeito.

Assim, foi para a sede do policiamento, antes dizendo para Debbi que caso alguém aparecesse para procura-lo, apenas dissesse que estava vendo algo relacionado à Assembleia. Nem sobre os assassinatos, apenas aquilo. Então pegou a carruagem que o levaria para o lugar.

Já havia saído de Nidus para fazer visitas oficiais as quatro grande cidades que ainda eram leais ao império: Lunae, Vitae, Autem e Sanguinem. Todas seguiam a tradição de ter nomes simples e elas basicamente eram grandes cidades onde as populações de uma espécie em específico se concentravam, principalmente porque seriam caçados na maioria dos outros lugares.

Mas a que era sede do governo, ainda de longe, era a maior. Claro. Demoraram ainda uma meia hora para alcançar a sede, e isso porque não tinha praticamente nenhum trânsito naquele horário.

Quando chegou, a sede do policiamento – que não possuía nome, só era chamado daquele jeito mesmo – era um prédio redondo, elevado do chão por uma plataforma maior e mas larga do que o prédio em, quase como um gazebo de pedra preta no meio da cidade. As colunas apoiavam o teto, e era possível ver as paredes internas com as portas altas de bronze.

Havia um homem o esperando. Ele usava um uniforme marrom com peças de armadura prateadas. Ele era um necromante, visto como as suas escleras brilhavam em azul e o cajado dele estava preso às suas costas. O cabelo dele era curto e cor de areia

— Príncipe Gaheris, você nos honra com sua visita. – Foi a primeira coisa que ele disse quando desceu. – Eu sou o Coronel Emil, o principal responsável pela sede do policiamento.

Ah, as formalidades. Às vezes Near sentia falta do tempo em que poderia dizer apenas “oi”.

— A honra é toda minha, mas infelizmente eu vim aqui por assuntos sérios. Sobre os assassinatos a membros da Assembleia.

A expressão de Emil ficou bem séria, antes que ele indicasse para que entrassem no prédio. Havia algumas salas, mas a maior parte do interior era um único recinto, com sofás, mesas, e havia alguns soldados a postos, todos batendo continência quando passaram.

— A única pista que temos é o suspeito, um meio demônio que capturamos na cena do assassinato do magistrado Ignacius. – ele disse. – Mas ele não diz nada.

— Nem mesmo tenta se defender?

— Esta é a questão. Ele usou alguma magia para selar a própria boca.

Selar a própria boca? Como assim?

— Ele... Selou?

— Sim. – O coronel suspirou. – E é um tipo de magia que não conhecemos, deve ser própria dos meios demônios. Trouxemos alguns especialistas, mas ninguém consegue faze-lo abrir. Então estamos tentando fazer com que ele desista.

— O que estão fazendo?

— Esse meio demônio tem que ser contido. – respondeu. – Quando o prendemos, foram precisos quatro oficiais lobisomens para poder segura-lo, então por questão de segurança, nós o mantemos preso por selos. E também faz três dias que ele não come ou bebe nada, então muito provavelmente, a necessidade o fará desistir.

Aquilo soava estranho. Que tipo de pessoa era masoquista o suficiente para se infligir algo do tipo? Embora tivesse certeza de que o policiamento não tratasse híbridos com tanta consideração, força-los ao limite e se privar de comer ou beber não parecia algo inteligente a se fazer.

— Ninguém sabe o que ele fez?

— Além de matar lorde Ignacius? Não.

Aquilo definitivamente soava estranho. E o tom de Emil era um tanto desinteressado quanto ao estado do meio demônio. Como se houvessem pegado o assassino e não lhe interessasse se ele morreria ou não.

 É, definitivamente tinha alguma coisa errada.

— Eu posso vê-lo?

O cenho do coronel se franziu. Ele viu claramente o “não” passando por seus olhos, mas depois veio a realização de que Near era a figura de maior autoridade ali.

— O senhor tem certeza? Teria que ir para a cela dele, porque tira-lo dos selos é perigoso, mesmo que ele esteja enfraquecido. Devido aos crimes e a violência que ele apresentou, o pusemos na área de segurança máxima.

— Tenho sim. Quero ver esse meio demônio que é capaz de selar a própria boca para não explicar porque estava matando magistrados.

O maxilar de Emil se travou. Ele claramente não gostava de ser contrariado e Near estava o contrariando ao insistir em ver o suspeito. Mas sem reclamar – audivelmente -, ele o levou.

A maior parte do complexo ficava no subsolo. E no caminho, passaram por várias e várias celas que não tinham portas, e sim uma rede de energia que claramente impedia os presos de escaparem. Viu alguns lobisomens, vampiros, necromantes, até uns amaldiçoados, mas a maioria esmagadora era bem diferente.

Ao contrário dos amaldiçoados, que pareciam remotamente humanos, os meios demônios mantinham sua forma principal. Mas com variações óbvias que iam de individuo para individuo.

Alguns tinham escamas, outros alguns braços a mais, asas, orelhas de animais, olhos de animais, peles de cores impossíveis. A grande maioria não estava parada na própria cela. Uns dez estavam no teto. Tinha um chutando uma parede, e era com força o suficiente para o som reverberar por todo o lugar. Outro estava contorcido, deitado de bruços no chão, com as pernas casualmente descansando sobre os ombros, os brincando com os dedos dos pés em frente à cabeça. O que também percebeu era que a maioria parecia ter no máximo uns dezesseis anos.

Estranho... Zarya parecia totalmente humana quando a vira.

— Estes são os que cometeram crimes menores?

— Sim. Os mais fáceis de pegar são os que acabaram de começar as suas vidinhas de crimes. Provavelmente vamos ter que solta-los, e muito provavelmente eles vão voltar para cá depois. Eles só conseguem fazer isso mesmo.

Ia perguntar se não tinha algum meio deles não entrarem no crime, mas já sabia a resposta. Não demorara muito para aprender que eles eram estigmatizados ao ponto de que ninguém em sã consciência contrataria um híbrido para ser um balconista, por exemplo. As pessoas já os olhavam com a palavra “crime” em mente.

Desceram mais ainda, para um local que não havia celas. Apenas portas espaçadas umas das outras, num corredor de paredes frias e largas. Havia soldados espalhados por toda a extensão do lugar, claramente prontos para qualquer coisa que acontecesse.

O lugar estava quase todo silencioso, tirando que de vez em quando era possível ouvir sons como rosnados baixos, pancadas em paredes, e alguém cantando a plenos pulmões, a voz abafada pelas paredes.

Pararam em frente a uma porta como todas as outras, a única coisa que a diferenciava era o número em uma placa sobre ela: CCLXXVIII. Mais precisamente, cela número 278.

— É aqui. – Coronel Emil disse. – Deseja entrar sozinho?

— Sim.

— Então nós esperaremos aqui. Boa sorte, senhor.

Ele abriu a porta, e Near não tinha muita certeza se ele estava o xingando por dentro ou coisa do tipo. Entrou no lugar e ele a fechou atrás de si.

Era uma saleta sem qualquer tipo de janela, e o chão e as paredes eram de pedra. Parecia meio úmido ali também. E não tinha absolutamente nada. Nem mesmo um colchão, um vaso sanitário, nada.

Faltava até iluminação ali dentro. Mas havia algo brilhando, e eram os ditos selos que Emil repetira tantas vezes.

O meio demônio estava no canto da sala, sentado no chão, e o selo consistia em quatro pedras em formato de paralelepípedo, três envolta e uma sobre de sua cabeça, lançando uma energia esbranquiçada envolta dele.

O que lhe incomodou foi ver que ele havia sido posto com a menor possibilidade de movimento possível. Ele abraçava os próprios joelhos, e um dos paralelepípedos estava bem na frente de seus pés, os outros dois quase se encostando a suas laterais, assim como o que estava sobre a sua cabeça, praticamente tocando os cabelos. Há quanto tempo ele estava naquela posição? Sabia que eles haviam feito aquilo para que a energia do selo ficasse mais forte e o incomodasse mais, mas argh.

—... Você é Eamon, não é?

O híbrido estava totalmente desinteressado até então, mas no momento em que falou o nome dele, ele o olhou com o cenho franzido, claramente desconfiado.

Mesmo sentado, via que ele provavelmente era mais alto que a irmã. Sua pele era de um cinza escurecido, com uma marca branca seguindo a linha de seus cabelos a partir da lateral, lançando um risco curvo em suas faces. Os lábios eram pretos, e havia uma marca totalmente envolta de seus olhos, como se fossem pintados de preto e possuíam uma longa linha como delineador riscando para o canto. Suas pupilas eram um risco, como as de um gato, e as íris eram heterocromáticas. Era como se suas pupilas servissem de divisor, a metade interna delas, voltadas para o nariz, eram amarelas, e as metades exteriores eram violetas. O cabelo branco era raspado baixo nas laterais, parte dele caindo sobre seus olhos em um corte repicado.

Havia também suas orelhas. Elas eram bem compridas, um pouco menores do que as dos elfos que vira antes. Elas haviam se movido para cima, em alerta.

Aproximou-se um pouco dele, e viu seus ombros ficando tensos. Tinha certeza de que se ele estivesse com mais espaço para se mover, ele se poria em uma posição defensiva.

Quase tropeçou num prato que tinha um pedaço de pão seco e um copo de água, além do alcance de Eamon.

— Eu encontrei com a sua irmã, hoje de manhã.

Ele ergueu uma sobrancelha branca. Olhando bem, apesar de poder dizer que era um homem, ele possuía um toque meio andrógino. Talvez fossem suas marcas que pareciam com maquiagem.

Viu as mãos segurando seus joelhos com mais força. Suas unhas eram pretas, mas dava para vê-las claramente virando garras.

O selo soltou um som elétrico e resposta, fazendo-o tremer. Suas unhas rapidamente voltaram ao normal.

— Vejamos...

Parou em frente a ele. Abaixou-se e puxou um dos paralelepípedos para trás, e os outros se expandiram igualmente, lhe deixando com mais espaço e tirando toda aquela energia de cima de si, aliviando-a um pouco.

Quando olhou para trás, os olhos bicolores estavam desconfiados.

— Certo, você não pode responder, mas vou dizer o seguinte: Eu estou tentando conseguir um trato com Zarya, e o que está acontecendo com a Assembleia também acaba virando problema meu. E nós dois concordamos que tem alguma coisa muito estranha com a sua prisão.

Os olhos de Eamon adquiriram um tom cético. “Sério?”. Ele então apontou com o queixo para Near, questionando quem ele era.

— Gaheris. – Respondeu e viu a expressão de dúvida desconfiada. – Gaheris Almishak.

Conseguiu ver um filme passando nos olhos dele, mas não sabia exatamente o que eram.

Passou pela barreira, que não o afetava, parando bem na frente de Eamon, antes de se abaixar. As costas dele se pressionaram um pouco mais contra a parede. Não dava para ver exatamente se ele estava com medo ou se só não queria nenhuma proximidade indesejada.

— Vejamos...

Tentando não invadir tanto a privacidade do outro, tocou seu maxilar com as pontas dos dedos, e logo em resposta, sentiu o toque da magia. Era como uma trava invisível, imóvel e seca, totalmente travada, e com certeza era diferente de todos os tipos de magia que já sabia. Tinha a impressão quase como se ela costurasse os lábios unidos.

E felizmente – ou nem tanto – teve aquela sensação de nostalgia. Algum de seus antepassados já vira algo do tipo antes. Mas precisava ver se ele saberia como removê-la.

— Eamon, não se assuste, mas... Eu vou me ausentar por uns minutos, ok?

Ele franziu o cenho para ele, como se Near fosse louco.

Respirou fundo e deixou a memória fluir.

Estava num prédio de paredes altas pintadas em vermelho e branco. Ele estava de frente para alguém, uma garota de cabelos cacheados e olhos assustados. As pontas de seus dedos também tocavam o rosto da menina, e percebeu-os como sendo femininos.

— Relaxe. – A princesa da memória disse, e sentiu exatamente como, com as pontas dos dedos, ela infiltrou a magia pela “trava”. Era como se houvesse uma série de pinos, e ela levantava-os, um a um, e os mantinha erguidos. A questão era que eles empurravam para baixo de uma forma que sentia claramente o esforço que requeria para fazer aquilo.

Quando empurrou o último, a menina abriu a boca. E gritou.

Aquilo fez Near voltar a si. Eamon estava se empurrando um pouco mais para trás, como se estivesse meio assustado com ele.

— Desculpe por isso, precisava ver o que tinha que fazer. Aguente um pouco.

Conseguia imitar o que a princesa Almishak desconhecida fazia, e caramba. A pressão que aquela magia fazia era absurda, quase impenetrável. Não se surpreendia que não haviam conseguido passar por aquela magia antes, e Eamon parecia sentir aquilo também. Quando estava aproximadamente na metade, ele agarrou seus braços, como se querendo tira-los de seu rosto e parar com aquilo, suas orelhas voltadas para baixo.

E ele tinha muita força. Ainda mais considerando que ele deveria estar há dias sem comer.

Sentiu o maxilar do meio demônio destravando, claramente se empurrando para baixo, e ele estava claramente aliviado.

— Certo, agora...

Então ele abriu a boca para Near. Sentiu um calafrio passando por sua espinha.

Ele não tinha língua.

E a informação que passou em sua cabeça depois foi que existiam híbridos que roubavam a língua das pessoas, roubando assim sua voz. Era um conto bem popular que já ouvira sido repetido umas dez vezes.

Só não esperava que fosse real.

— Você não matou o magistrado Ignacius, não é? – respirou fundo. – Mas você viu quem foi, não?

Ele assentiu e seus lábios apenas formaram “outro”. Ele então apontou para a própria cabeça, como se convidando Near a olha-la.

Poderia ser uma armadilha, mas no caso, preferiu ver com os próprios olhos, o fez.

 

O vento trouxe cheiro de baunilha.

Argh.

Seus pés se moveram no telhado, procurando uma direção do vento que não o trouxesse. Todos os seus irmãos tinham aquele cheiro, e era como acabavam se reconhecendo, e não era o tipo de coisa que gostava. Normalmente eles se atacariam e brigariam como dois animais no mesmo território, e para conseguir o contrato que Kaluwa queria precisava encontrar o cofre do magistrado Ignacius. Com os assassinatos de ultimamente, a única coisa que precisaria era ser acusado como eles, e uma briga com outro meio demônio perto da casa de um claramente era roubada.

Correu rapidamente, dando a volta até a janela com a luz acesa que segundo a sua contratante, deveria dar no corredor do terceiro andar. A porra do mapa daquela casa era confuso.

Saltou e entrou facilmente. Já tinha entrado em tantos lugares antes que nem lhe incomodava mais. Sentiu o frio passando por seu corpo para se camuflar, e então, a menos que tocassem nele, ninguém saberia que estava ali.

Seus passos eram leves o suficiente para que a madeira não rangesse. “Casa grande” reclamou mentalmente. Aqueles nobres sei lá das quantas tinham uma necessidade tão grande de alimentar o próprio ego que faziam casas que provavelmente nem todos os seus parentes juntos poderiam morar nela e só dificultava o trabalho de Eamon.

Saltou uma escada, pousando no segundo andar. Agora era achar a escada para o primeiro.

Quando estava para começar a andar, só escutou um grito afogado e o cheiro de sangue fluindo forte.

Travou.

— Puta merda! – grunhiu. Oh merda, só faltavam ter matado o magistrado com ele ali. Tinha que dar no pé naquele momento, ou...

Quando se virou, alguma coisa agarrou seu tornozelo. Pelo toque soube que era magia.

— Ah não! – exclamou. Tentou saltar para frente, mas a coisa se fechou com força e o fez cair no chão, seu queixo batendo e por pouco não mordendo a língua.

O cheiro de baunilha se misturava com o de sangue.

— Está fodendo comi...

Antes de se segurar num tablado, qualquer coisa, a mão dos infernos o arrastou para uma sala. Não conseguiu nem se recuperar direito quando pularam sobre si, os olhos magenta brilhando, a mão invadindo sua boca.

Merda. Mil vezes merda.

— Kis...!

Fechou a boca com toda a força que tinha. Ia arrancar os dedos daquele filho da puta, mas foi na hora em que sentiu como se todo um gelo passasse por seu maxilar, deixando-o travado.

Sua mão se fechou e acertou um soco na cabeça do outro. Ele nem se moveu.

Sua língua estava doendo. Merda, merda, merda.

As garras se formaram, e acertaram, certeiras, a lateral esquerda do rosto e seu olho do outro. Ele berrou, mas foi na hora que sentiu a dor atravessando sua boca. Chutou-o de cima de si, mas tarde demais. Só sentiu o sangue invadindo sua boca e uma dor alucinante, seguindo por um chute que o fez cair em alguma coisa.

Sua boca fechou com força, e percebeu que não conseguia mover o maxilar enquanto o sabor férreo a invadia, mas nem mesmo um mísero fio de sangue escapava dos lábios selados. Tentou se levantar o mais rápido que pode, mas quando viu, estava bem encima de um corpo. O que estava se segurando para levantar era uma... Faca.

Ah porra, não.

Só viu Kis, de pele azul escura, na janela. Tinha conseguido praticamente destruir parte de seu rosto, e o cabelo cinza estava todo grudado no sangue. Ele pôs a sua língua na boca, deixando visível o basilisco marcado em seu braço, e falou com a voz de Eamon:

— Vai se foder, irmãozinho.

 

E aquilo o irritou. Basilisco. Aquela memória não tinha nenhum sinal de alteração, e, sinceramente, Eamon não era sequer um bruxo. E ele estava há dias sob um selo que iria impedi-lo de usa-la, de qualquer jeito.

Mal havia começado seu reinado, e já tinha gente mexendo no reino, matando uma parte vital do governo? Ah, não. Aquilo o deixou com raiva.

— Você vem comigo, ouviu? – questionou, e o híbrido pareceu ponderar por um segundo antes de assentir. Não era como se ele tivesse muita escolha.

— Emil! – chamou, fazendo Eamon pular. Quase imediatamente o coronel abriu a porta.

— Senhor...?! – ouviu claramente quando a voz dele parou de maneira abrupta ao perceber como Near havia entrado no selo e o quão próximo estava do outro.

— Este meio demônio... Ele não é um suspeito. – o coronel franziu o cenho, totalmente cético. – Ele é uma testemunha.

— O quê?

— Olhe por si mesmo. Ele não tem língua. A menos que você ache que alguém seja masoquista ao ponto de arrancar a própria língua fora, não sei mais o que isso me parece.

O necromante se aproximou e viu nos olhos de Eamon que ele trazia um profundo desgosto pelo outro. Bom, se você fica sob um selo por três dias e, como era o caso de Emil, nem se importava de verificar a veracidade dos fatos, era totalmente entendível.

— Roubaram a língua dele? Mas isso são apenas historias para assustar crianças!

Eamon ergueu o dedo do meio quando ele disse aquilo. Viu o rosto do coronel ficando vermelho.

— Não piore a sua situação. – Near avisou, e então se levantou. Arrancou um dos selos do chão. A energia imediatamente falhou e desapareceu.

Emil pulou para trás.

— Meu príncipe, por favor! Meio demônios são perigosos, ele...

— Não vai fazer nada. Eu estou o liberando e o trazendo sob minha custódia.

Emil abriu a boca, mas Near não estava fazendo nada sem saber. Em situações sérias, o príncipe tinha a autoridade de passar a custódia de um prisioneiro para si mesmo, e no caso, ele nem era o culpado. Não daquele crime, ao menos.

— Mas como você foi parar lá? – o coronel exclamou numa voz de raiva contida. Eamon o olhou com raiva.

— Como você espera que ele responda?

Emil comprimiu os lábios.

— Certo. Preencherei um formulário que declara que o senhor se encarrega do crimino...

— Não foi ele que matou Ignacius ou os outros magistrados.

— Ah, mas ele deve ter cometido um crime na vida, que seja. – Emil estava claramente perdendo a paciência. – Eu vou fazê-lo de qualquer jeito.

Viu o sorrisinho vitorioso nos lábios negros de Eamon. Ele nem se importava se seria preso ou não, ele claramente se divertia vendo Emil numa posição de menos controle. Quando ele se levantou, percebeu que ele era definitivamente mais alto que sua irmã, mas ainda meio baixo para um homem. Ele era em torno de uma cabeça menor que Near.

Não demorou muito para que saíssem da sede. Eamon só escreveu em um pedaço de papel “Refúgio da Mariposa”, e algo lhe dizia que era lá que encontrariam Zarya.

O cocheiro da carruagem tinha olhos tão mortos quanto os dos cavalos. O homem não questionou quando simplesmente lhe dissera para onde tinha que ir, e precisou de um pouco de esforço para convencer Eamon a entrar no veículo.

A viajem para onde quer que fosse foi silenciosa, claro. O híbrido parecia quase pronto para se jogar da carruagem, mas ainda assim ele encarava Near com olhos absolutamente penetrantes. Preferiu fingir que não o via analisando-o de cima a baixo.

Pararam em frente a uma casa de dois andares, construído de mármore preto e suas janelas eram azuis. Era luxuoso, mas ainda assim pequena, claramente um apartamento para um número mínimo de pessoas viverem.

— Zarya mora aí?

Eamon assentiu.

Mal desceram e ela abriu a porta. Seu cabelo preto estava solto, caindo pelos seus ombros, e usava um vestido preto, umas das alças caindo pelo seu braço.

Zarya literalmente arrastou Eamon para dentro fazendo um convite para Near entrar. A cena era quase cômica porque ela parecia uma mãe com raiva.

— Alguém roubou a sua língua, não foi?!

Até Eamon pareceu parar por um segundo ao ouvir aquilo.

— Como você sabe? – Near perguntou.

— Um dos contrabandistas conhecido meu ligou, perguntando por que diabos Eamon pediu um carregamento de boca de anjo hoje.

Boca de anjo. Planta carnívora banida, por que... Bem, ela comia pessoas. E qualquer coisa.

— Bom, e eu dei uma olhada nas memórias dele, parece que foi um irmão de vocês.

Ela olhou para Eamon, que mais uma vez apontou para a própria cabeça. A mulher se virou de frente para ele. Eles se encararam durante um tempo, enquanto ela vistoriava a memória, e no fim, ela cuspiu alguma coisa que Near achou que fosse russo. E pelo tom, era um xingamento.

— É Kis. Ele está trabalhando para alguém, por causa daquela marca no braço. Mas quem?

— Então... Ele é irmão de vocês mesmo?

— Um deles. Não duvide quando eu digo que podemos ter milhares. – ela respondeu. – Ele era um coletor de línguas, isso eu já sabia, mas agora... Trabalhar para atacar o governo parece demais até para ele. Mas isso é sério. Ele ainda culpou Eamon pela bagunça dele.

— Bom, eu sei que ele está fazendo uma bagunça política na Assembleia, e até agora, já assassinou doze membros. E mesmo que tecnicamente eu tenha o maior comando, ela está caindo aos pedaços, e isso não é bom para o reino.

Ela deu um suspiro.

— Eu vou trocar de roupa. Nós vamos atrás dele.

Tanto Eamon quanto Near a olharam para ela.

— “Nós”? – questionou.

— Oh sim. Algumas vezes é melhor resolvemos os assuntos com nossas mãos, Príncipe Gaheris. E acho que é melhor que você conheça o Submundo para saber com o que terá que se envolver.


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