Cor do Pensamento escrita por Monique Góes
Capítulo 10 - Cafeína
A aula de história era... Desagradável.
Não porque o assunto era chato, era bem interessante, aliás, mas o professor era um Severo Snape piorado cem vezes que com certeza não iria ajuda-los secretamente.
No primeiro dia de aula, ele olhou para a cara de Jim e fez um discurso sobre como ele não iria favorecer nenhum aluno, não importando as suas posições ou quem eram seus pais. Jim respondera que não esperava ser favorecido e deu para ver que o fato de não ficar intimidado deixara o professor Zupan irritado. Ele fazia perguntas frequente à turma, anotando os nomes dos que respondiam certo, e tirando pontos dos que respondiam errado, e dava para ver que ele ficava cada vez com mais raiva a cada resposta certa de Jim.
Ei, quando você tem a capacidade de aprender qualquer coisa, a probabilidade de errar era quase ínfima. Unida à memória dos Rockstones, então...
Em quase todas as suas aulas, Eos estava nelas. Acabava olhando para o outro garoto por que... Ele anotava coisas como um louco. Era bem fácil ver os dedos sujos de tinta, ele se embolando com papeis, se movendo nervosamente. E não melhorava muito que ele era um dos alvos preferidos de Zupan. Ameen depois lhe dissera que o professor reprovara o garoto por dois míseros décimos, e ele teria que se virar na recuperação ou ele poderia correr o risco de perder a bolsa. Ele saía correndo das salas quando tocava o horário e só o via nas aulas. Ele não falava com ninguém, e parecia estar prestes a ter um ataque ou coisa do tipo.
Quando a aula do último dia da semana chegara, Victoria fora para o Santuário. Como ela se tornara a rainha das Filhas da Floresta, mesmo que ela fosse de menor, não poderiam fazer algumas restrições a ela que normalmente faziam a adolescentes. Ela poderia ir ao Santuário de Alim sozinha, e passaria a responder por qualquer ação que fizesse, embora não pudessem exatamente prende-la ou algo do tipo, pois era capaz das caçadoras declararem guerra ao governo ou coisa do tipo. Seus pais – especialmente sua mãe – não estavam muito felizes com a situação porque eles ainda esperavam que ela fosse a típica garota da alta nobreza, mas eles não poderiam obriga-la a renunciar também. Assim, para não ficar tempo demais longe, ela iria se reunir com as Filhas duas vezes por mês, no mínimo.
Sexta feira a tarde, Niflheim ficara com raiva de Jim por que ele parara no meio da aula de equitação – ok, não era exatamente a aula. Havia uma trilha em que os alunos poderiam usar com os cavalos envolta do campus – e fora até a biblioteca para pegar um livro para um trabalho que o professor de alquimia passara. Não que estivesse exatamente com pressa, mas provavelmente se distrairia no fim de semana e se esqueceria.
Era obrigatório usar um uniforme de equitação no Instituto para se evitar acidentes, então lá estava ele indo para a biblioteca com aquelas botas, calças e tudo mais – menos o capacete -. Ele já vira diversos alunos daquele jeito correndo pelos corredores, então sabia que não era o único. O familiar ficara do lado de fora, resfolegando e reclamando em sua forma de cavalo.
A ala da biblioteca do Instituto feminino era gigantesca, estantes e mais estantes, as sessões divididas por portais decorados, o teto era pintado com cenas das principais anjas e percussoras da magia e conhecimento bruxo. Perguntou a bibliotecária sobre o livro e ela apenas lhe indicou o local que teria que seguir.
Havia mesas de estudo pelo lugar, muitas um tanto isoladas pelas estantes. Chegou ao local indicado, e o resto teria que procurar sozinho.
Símbolos alquímicos, diferença entre alquimia e poção, Introdução à alquimia...
— Sempre, sempre, sempre. Seeempre assim. – ouviu algum bufando perto de si, fazendo-o pular. Depois percebeu que atrás da estante em que estava, havia uma das mesas. Os materiais espalhados, e a figura andando nervosa de um lado para o outro, percebeu que era Eos. Ele não havia o percebido antes, e parecia que o outro garoto também não notara sua presença.
Estava falando sozinho enquanto escrevia. Ele parecia tremer e de vez em quando balançava a cabeça como se estivesse tentando afastar uma mosca.
—... Aí tem sempre que aparecer um cara legal, que é rico e parece um modelo, sempre, mas quem vai olhar... – ele murmurou. – Ah, platônico, porque eu fico com raiva? Nunca falei com... O que é isso? – ele virou as páginas do livro nervosamente. – Ela ficaria com raiva se eu perdesse...
... Ele estava bem? Talvez Jim não devesse se meter, mas mesmo Eos estando de costas para si, ele parecia prestes a ter um colapso.
— O que eu estava dizendo? Dragões são legais... Mas medo. Supernova? Hã? – ele balançou a cabeça de novo. Seu tom de voz estava ficando cada vez mais confuso. – Príncipes na escola, maravilha... Aquele lobo é assustador. - Ele estava falando de Niflheim? Havia alguns alunos cujos familiares eram lobos, mas a linha de pensamento de Eos era difícil de acompanhar. – A ursa fica encarando, parece que ela sabe... Dinheiro acabando, como arranjar emprego? Instituto ajuda, dia todo, material caro... Acabei!
Ele ergueu os papéis à sua frente como se fosse uma obra de arte, um bloco de folhas que haviam sido amarradas juntas.
E logo em seguida, ele caiu de cabeça na mesa.
— Eos?! – Jim exclamou com o baque alto.
Ele nem se mexeu, então se aproximou. A primeira coisa que sentiu foi o forte cheiro de café, quase como se o garoto houvesse pulado dentro de um barril de café ou alguma coisa do tipo. Eos ainda tremia e estava suando pra caramba, e por um reflexo, Jim pegou seu pulso, sentindo a pulsação acelerada.
Pelo cheiro... Ele estava tendo uma intoxicação por cafeína?
Saiu e chamou a bibliotecária, avisando que Eos tinha desmaiado.
— De novo? – ela perguntou, o assustando. – A enfermeira Rask vai tranca-lo na enfermaria desse jeito. Pode leva-lo para lá?
O tom desinteressado era ainda mais assustador.
No final, teve que carrega-lo. Eos era pequeno – talvez possuísse a altura de Victoria – e bastante leve. Sem sua capa, era visível que o uniforme estava um tanto folgado demais para ele, e Jim acabou se perguntando se ele andava comendo ultimamente, ou se enquanto corria de um lado para outro se esquecia de fazê-lo.
A enfermaria ficava no andar superior. Viu algumas pessoas o encarando enquanto carregava Eos sobre seu ombro pelo caminho. Com um pouco de dificuldade para não deixa-lo cair, conseguiu abrir as portas altas da enfermaria e viu a enfermeira Rask sentada em sua mesa com um herbolário, a capa verde solta de seus ombros. Com o barulho que fez para conseguir entrar, ela ergueu os olhos, que se arregalaram.
— Príncipe... Esse é o Hakidonmuya?! – ela exclamou, levantando num pulo. Seu cabelo arruivado estava preso fortemente num coque. – De novo?! Aqui, nas macas!
O colocou no local indicado e a enfermeira se curvou sobre ele, a ponta dos seus dedos brilhando, e então pegou um frasco em uma das muitas prateleiras do lugar, praticamente enfiou o gargalo na boca entreaberta do adolescente. Depois, os olhos dela foram para a mão de Eos, e só então Jim percebeu que ele não largara o seu trabalho.
Rask pegou o maço de folhas e leu o título. A distância em que Jim se encontrava, dava para ver que era a letra do professor Zupan, mas não via qual era o tema. Aquele era com certeza o trabalho de recuperação que ele havia passado, mas se alarmou quando o cenho da enfermeira se franziu e Jim jurou que viu a raiva começando a se acender nos olhos pretos.
— Príncipe Raphael, você pode me fazer um favor? – ela pediu. – Eu preciso falar com os diretores agora a respeito disso, então poderia ficar com Eos até eu voltar?
— Hã, sobre isso? Ok, mas...
Ela nem esperou para ouvir sua pergunta. A enfermeira Rask saiu como uma tempestade do lugar, deixando-o sozinho com o garoto inerte.
Olhou em volta. Tinha uma cadeira ali que usou para sentar. Depois, olhou para Eos.
Ele parecia que não dormia há alguns dias, e não tinha mais certeza se ele desmaiara por excesso de cafeína ou simplesmente apagara. Talvez os dois. Passou vários minutos ali, a enfermaria completamente silenciosa, o que considerava desconcertante. Coisas quietas demais, desde o Santuário, passaram a ser suspeitas em sua cabeça, e não sabia como lidar com aquilo ainda.
Eos começou a se mover na maca. Quando ele abriu os olhos, Jim pensou que sua visão estivesse o enganando. As íris dele não eram mais prateadas, mas sim uma profusão de cores: azul, roxo, verde, pontos brancos como se houvessem estrelas nelas.
Quando ele piscou, seus olhos voltaram ao normal, parecendo desorientados. Ele olhou para o teto, para a cortina que separava as macas, e levou um tempo para perceber o outro adolescente ali com ele. O branco de seus olhos estava meio rosado.
— O... Príncipe? Enfermaria...? Onde... Cadê o meu trabalho?!
Ele se levantou tão rápido que perdeu o equilíbrio, e Jim o segurou antes que caísse.
— A enfermeira Rask disse que ia falar com os diretores sobre alguma coisa a respeito do seu trabalho, e pediu para que eu ficasse com você.
Um desespero desorientado tomou conta dos olhos dele. Jim não deveria ter dito aquilo.
— O meu trabalho para os diretores?! ...Alguma coisa muito errada? Tipo... Tipo o quê? Eu não posso perder a bolsa!
— Fica calmo, ela não disse nada sobre isso. Ela só disse que precisava ir lá. Eos, você desmaiou na biblioteca, e pelo que eu entendi, não é a primeira vez. Você precisa relaxar.
Parecia que relaxar era um trabalho difícil para Eos. Dava para ver seus pés balançando como se ele estivesse pronto para pular da maca e correr para a porta, assim, acabou tendo que ficar mais perto só para ter certeza que ele não faria aquilo, mesmo que ele parecesse que provavelmente cairia nos primeiros passos. Tentou falar com o outro garoto, mas não teve jeito.
Demorou um pouquinho mais para a enfermeira Rask voltar. E a primeira coisa que o outro fez foi pular e perguntar onde estava a sua pesquisa.
— Acalme-se Eos...
— Eu estou calmo!
Muito calmo.
— O professor Zupan passou para você um tema de pesquisa que ele nunca poderia ter passado para um aluno do ensino avançado.
— Ele vai me mandar fazer outro, ele...
— Ele não vai fazer isso porque além de ele ter feito isso, ele ter lhe dado um prazo de entrega absurdo que afetou a sua saúde, então os diretores vão ter uma conversa particular com ele.
Não era como se Eos estivesse tranquilo.
— E agora falando em saúde... Eos Hakidonmuya, essa é a sexta vez que alguém aparece lhe carregando na enfermaria só essa semana.
Sexta vez?! Jim ao mesmo tempo ficou embasbacado e nem um pouco surpreso, considerando o que vira do garoto durante aqueles dias.
— E dessa vez, você veio com intoxicação por cafeína, e claramente com privação de sono. Aliás, quando foi a última vez que você comeu?
Os olhos prateados foram para cima, como se tentasse se lembrar e Jim soube que aquilo não era uma boa resposta.
— Você almoçou?
— Direto para a biblioteca.
— Ao menos tomou café da manhã?
— Fazendo vigésimo terceiro tópico, quase perdi o horário, fui para a sala e... – ele percebeu o olhar de Rask. – Não.
— Jantou ontem?
— Fazendo...
— Pelo amor de Enguerrand, Eos, você está há pelo menos umas dezoito horas sem se alimentar. – ela pressionou as têmporas. – Não vou nem perguntar a última vez que você dormiu. Manteve-se acordado por café? Você poderia ter se matado!
— Mas eu não posso perder a minha bolsa...
Jim nunca fora bolsista, mas considerando a Instituição em que se encontravam, além da pressão absurda que os bolsistas deveriam receber, pior ainda deveria ser se perdessem a vaga.
— Se você tivesse morrido, a sua bolsa não serviria de nada. – Rask foi até o armário de poções. – A essa altura você deve estar com um vício crônico de café. E considerando a quantidade que provavelmente deve ter no seu sangue, isso é perigoso. – Ela pegou uma caixa, e começou a por poções dentro. – Você vai precisar se alimentar e ter repouso absoluto por algum tempo.
— Mas as...
— Atestado médico, e já avisei os diretores da sua situação. – a mulher escreveu um pedaço de papel, pondo dentro da caixa, que então praticamente enfiou no colo do garoto. – Agora, imediatamente, você precisa comer. O refeitório é aqui perto.
— Esse horário é pago, não posso gastar mais...
Rask abriu a boca, mas Jim disse.
— Eu posso pagar.
Eos pareceu murchar um pouco. Pelo que parecia, ele estava tentando fazer de tudo para contrariar a enfermeira. Não tiveram muito a fazer depois a não ser irem para o refeitório, Jim de vez em quando verificando se Eos não cairia de cara no chão nem nada do tipo. Ele vinha arrastando os pés e levando a caixa de remédio como se pesasse uma tonelada.
Niflheim os recebeu com um relincho do lado de fora, assustando o mais baixo.
— Esse é o lobo?!
— Ele muda de forma. – respondeu. O elemental virou-se imediatamente para Eos, encarando com seus olhos azuis iridescentes, fazendo o garoto se encolher. Jim pegou seu focinho, fazendo-o virar de volta para ele. – Ei, acho que não vamos mais cavalgar hoje, ok?
Ele bufou, insatisfeito. Mas acatou a mensagem e virou um lobo de novo. Foram ao refeitório, onde acabou comprando uma sopa de ervilha para Eos. Até tentou convence-lo a comer outra coisa, não pesada, mas que o sustentasse melhor, só que o menor foi teimoso ao escolher a coisa mais barata oferecida e que era só um caldo grosso verde. Dava para ver que ele queria comer mais, só que logo que acabou, ele agradeceu, se levantou e disse que ia voltar para o dormitório.
Teria ido com ele se não tivesse praticamente corrido para fora.
—... Hã... – Niflheim o olhou com a mesma expressão de dúvida. – Ele... É bem nervoso.
O elemental latiu, mas Jim lembrou dos olhos de galáxia. A primeira coisa que passara em sua mente fora Saga, mas os dela ocupavam tudo, enquanto os de Eos foram só as pupilas. Ainda assim, não sabia o que significava realmente.
Sabia que a sua consciência o faria visitar o outro adolescente cedo ou tarde. E que ela também lhe assombraria com a paranoia deixada pelo Santuário.
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