Vidas cruzadas escrita por slytherina


Capítulo 1
Dean




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Dean Singer estava morto. Não havia nenhuma maneira dele conseguir se levantar em tempo para ir ao trabalho. Seu pai deveria entender. Ele passou a língua pelos lábios ressecados como papel. Nem se atreveu a abrir os olhos. Poderia suportar tudo, menos a claridade da manhã filtrada pelas persianas. Revirou-se na cama. Sentiu um hálito forte no rosto. Alguém precisava urgentemente de Freegells. Uma mão forte e áspera começou a massagear seu braço. Ah, não! Outra vez, não! Esse cara não se cansava?

“Ei, cara! Eu não tou a fim, ok? Só me deixa dormir em paz.” Falou ainda com os olhos fechados.

“Quanta diferença do vulcão em erupção de ontem à noite.” Uma voz grave com sotaque da Louisiana falou ressentida.

“Pois é! O vulcão só quer dormir por mil anos, agora. Se tiver algo pra resolver na sua vida, pode ir em frente. Apenas me deixe aqui.” Ele se revirou e ajeitou o travesseiro, cada vez mais em sintonia com o mundo dos sonhos.

O estranho sentou-se na cama e procurou por suas roupas. Queria tomar banho, preparar um café da manhã reforçado, e quem sabe retornar à excitação da noite passada, dando prosseguimento às atividades amorosas. Mas depois do gelo que o outro lhe dera, melhor não. O príncipe virara sapo, e em breve revelaria que era casado com uma perua. O que mais?

O estranho vestiu-se e escreveu uma mensagem em um post it que pregou no criado-mudo. Sentiu-se uma mocinha apaixonada, mas que mais poderia fazer? E foi embora.

                                                                                              ...

Após o meio-dia a bexiga de Dean pediu clemência. Levantou-se estabanado e quase tropeçou nos próprios pés. Após aliviar-se foi atrás de combustível para o corpo. Encheu a cafeteira com água, despejou um pouco de pó de café e ligou o aparelho. Movimentava-se espasticamente, como no piloto automático, mal abrindo os olhos. Sentou-se à mesa e esperou cochilando, que a bebida ficasse pronta. Após alguns minutos estava com uma caneca de líquido preto e fumegante nas mãos. Um tanto de açúcar e pronto. Ele finalmente estava despertando para a vida. Observou a cozinha e concluiu que precisava de uma limpeza. Limitou-se a por objetos no lava-louças e se retirou para o quarto. Afinal de contas, a faxineira viria na segunda-feira.

Procurou pelo cigarro por pura força do hábito, pois sua irmã Jô o fizera prometer que iria parar com o vício. Desde que não acendesse o maldito pedaço de fumo, tudo estaria bem. Ficou ainda mordiscando o filtro do cigarro na boca, enquanto sem perceber mexia no Ipod no criado-mudo. Selecionou um metal pesadão. AC/DC na veia, mano. Não havia nada melhor para pô-lo no modo intrepidez total. Foi quando notou o post-it. O que era aquilo?

“Se quiser me ver novamente é só me ligar. Meu número... Amor. Benny”

“Mas que puto! O cara tá apaixonado!” Dean riu do bilhete. Revirou-o nas mãos e pregou-o de volta no mesmo local. Sabia que deveria eliminar as provas de suas escapadelas, pois não sabia quando alguém especial entraria em sua vida, mas por enquanto, o bilhetinho de Benny ficaria ali para diverti-lo.

                                                                     ...

Passou o dia de ressaca de sono. Foi ao escritório do pai e leu alguns formulários. Somente quando um dos funcionários chamou sua atenção, dizendo que estava com olheiras, foi que ele se decidiu pelos óculos escuros. Seu pai não estava como de praxe. Sendo gerente da agência de venda de carros usados, ele era muito ocupado, com reuniões e almoços de negócios. Tudo aquilo que faz parte da vida de um negociante bem sucedido. Inclusive aparecendo na propaganda exibida em horário nobre na TV: os carros baratos de Bobby Singer. “Não graças a sua ajuda.” Dean podia ainda ouvi-lo falar. Sua mãe, Ellen Harvelle- Singer ficou administrando a fazenda no Texas, após o divórcio. Jô Harvelle, sua irmã, formara-se em medicina e era o orgulho da família, por mais que se dedicasse à filantropia, trabalhando gratuitamente pelos menos favorecidos. E ele? O que Dean Singer fazia com sua vida? Sem uma formação acadêmica, sem ter tino para os negócios, e sem um pingo de responsabilidade para ajudar o pai na rotina do escritório? Ele era a ovelha negra da linhagem. Nada de bom poderiam esperar dele.

“Está na hora de parar de enrolar e dar um jeito na sua vida, rapaz.” Seu pai lhe falara ainda ano passado, quando lhe oferecera um lugar na agência. Continuava enrolando. Não há nada melhor para lhe mostrar seu verdadeiro valor, do que comparecer a um emprego no qual ninguém precisa de você.

“Procure algo que você goste de fazer, mano, algo no qual seja bom.” Jô lhe aconselhara após a formatura. Sexo não contava, então, no que mais ele era bom? Briga de bar? Por acaso isso era profissão?

“Você só precisa de uma boa esposa para lhe colocar no eixo. Então você assumirá as responsabilidades de um homem de família.” Sua mãe lhe falara no último feriado de ação de graças. Ok! Certo! Tal qual seu pai e sua mãe? Pra que casar se a consequência natural seria o divórcio?

                                                                               ...

À noite voltou para casa. O vazio o acolheu de braços abertos. Ligou a TV. Viu 15 minutos de noticiário e já estava entediado. Zapeou por alguns canais de novelas mexicanas, e por canais de antigos seriados americanos. Nada lhe despertava o mínimo interesse. Pensou no cara da noite passada, Benny, mas não queria chama-lo.

Eles haviam se conhecido em um barzinho, jogando sinuca. Ele não planejara levar o barbudo garanhão para sua casa, mas o tanto de bebida que ingerira turvara suas ideias. Não que fosse a primeira vez que isso acontecia, mas não queria fazer disso um hábito. A ideia de um indivíduo, totalmente estranho tentando criar laços afetivos e embrenhando em sua vida, lhe dava calafrios. Pegou o celular e ligou para uma velha conhecida.

“Amara? Oi, gatinha! Tudo bem contigo? Então, estou eu aqui sem fazer nada... O que? Você vai sair com seu noivo? Você vai casar? Puxa! Bom pra você. Não, não! Nada, não! Felicidades! Tchau!”

“Eita, que tá todo mundo querendo se tornar responsável.” Dean pensou com seus botões. Amara era a última mulher que ele imaginava subindo ao altar, para ficar aprisionada a uma vida medíocre, sem senso de individualidade e autossuficiência. Não a toda poderosa dominatrix dos inferninhos. Será que o tempo passara e todos estavam envelhecendo? Será que somente Dean não sentia o impulso de sossegar e constituir família? Levantou-se do sofá e pegou as chaves do velho Impala, presente do pai nos seus 18 anos. Hoje ele iria bater ponto nos barzinhos das redondezas. Se for pra dar adeus à vida de solteiro, ele tinha direito a uma saideira.

                                                                 ...

Em um dos três bares que fora havia uma morena muito bonita. Seu nome era Lisa, e ela praticamente sentou-se no colo de Dean. Após terem dado um amasso no toalete, se decidiram por terminar a noitada no apartamento dela. Lá chegando, passaram direto para o quarto, onde a morena se revelou fogosa e insaciável. Dean apelou para uma desculpa esfarrapada por ter negado fogo: “sabe como é, o estresse, o trabalho, uma gripe, tudo isso ferra com um homem.” Ela foi condescendente e limitou-se às preliminares. No fim ele foi gentilmente convidado a dar o fora.

Não foi a primeira vez que brochara, nem se importava com isso. Não havia nada de errado com seu equipamento, e ele estava bem resolvido e satisfeito por jogar nos dois times, mas de uns tempos pra cá, nada disso o interessava muito.

Sentia um vazio em si, como se estivesse protelando algo ou uma missão. Como se sua vida estivesse fadada a coisas importantes e significativas, e ele estivesse muito longe de seu verdadeiro destino. Vai ver era aquilo que as pessoas chamam maturidade. Mas o que ele poderia fazer?

Foi para casa e encheu a cara. Entre um gole e outro decidiu visitar a mãe. Talvez um período na fazenda acalmasse sua alma inquieta e ele poderia decidir qual caminho seguir.


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