Vidas cruzadas escrita por slytherina


Capítulo 2
Charlie




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"Alô, Bobby! É Ellen. Dean acabou de me avisar que passará uma temporada aqui na fazenda. Ele lhe falou alguma coisa? Sei. Acho que ele está procurando se estabilizar. Não fale assim de seu próprio filho. Lembre-se … Quer me deixar falar? Lembre-se de que os filhos são o reflexo dos pais. É, isso mesmo. E eu não sei? Deixe-o aqui comigo por uns tempos. Vamos ver como ele reage a nossa sugestão. Tchau!"

Ellen Harvelle-Singer desligou o telefone. Seu ex-marido Bobby era um poço de azedume, mas uma coisa tinha que reconhecer, lidar com o filho Dean era um castigo imerecido. O rapaz não tinha uma graduação acadêmica, não tinha profissão, aparecia no escritório do pai quando lhe dava na veneta, mesmo recebendo salário integral no fim do mês. Sua vida era de bar em bar, dirigindo embriagado e levando vadias para casa. Parecia até que ele tinha um grande trauma psicológico na vida, mas não. Sempre teve tudo do bom e do melhor, tal qual sua irmã Joanne.

Dean simplesmente era um boa-vida. Sem responsabilidades, sem ambições, sem preocupações. Bem, já estava passando da hora da família dar uma mãozinha pra mudar esse estado de coisas. E nada melhor para endireitar um homem do que o amor. Ellen ligou para Martha, sua velha amiga, cuja filha mais velha tinha uma paixonite por Dean. Os pais moveriam os pauzinhos para aproximar os filhos.

Charlene Bradbury, filha de Martha, era uma garota quieta, tímida, dona de grande imaginação e criatividade. Trabalhava online e se auto-intitulava blogueira. Não que isso fosse relevante, mas após engordar a conta bancária por meio dessa atividade, os pais passaram a tratá-la com mais consideração. Era de conhecimento geral que ela tinha uma queda por Dean, mas este sempre parecera muito irresponsável e vida louca, para os pais dela desejarem um envolvimento de sua filha com semelhante rapaz.

Dean chegou no fim da tarde. Estacionou o Impala na área reservada aos carros grandes da fazenda. Procurou sua mãe sem encontrá-la. Uma criada levou sua bagagem e ofereceu-lhe suco de limão, o que ele aceitou com estranheza. Preferia cerveja, mas esta não era sua casa e sua mãe não gostaria de reencontrá-lo rescendendo a álcool.

A matrona e senhora das terras chegou um pouco depois. A bota de cano alto e a camisa de mangas longas lhe davam a aparência de uma nova "Jane Calamidade", o terror do oeste. Dean sorriu ante o pensamento. Ela o saudou e o abraçou como a típica texana que era.

"E então, querido? Não aguentou mais a cidade grande?"

"Estou apenas precisando de alguns dias de sossego, não me cansei da cidade grande, ainda."

"Eu sei, querido. Foi apenas um chiste. Venha cá!" Ela o abraçou e o conduziu para o interior da casa grande. Ele saudou os empregados e depois foram à varanda para sentarem-se nas confortáveis cadeiras de vime.

"O que tem feito da vida, Dean?"

"O de sempre. Nada." Ele sorriu sem graça.

"Talvez você precise de novos desafios. Uma nova meta." Ela fez um movimento amplo com os braços, como se fosse abraçar o mundo. "Um novo começo. O que acha?"

"Dou o braço a torcer, mãe, era isso mesmo que eu queria justo agora." Ele deu seu sorriso mais doce. Anos de prática na arte de amolecer o coração da mãe.

"Está pensando em constituir família?"

Ele franziu o nariz. "Acho que esse é um passo grande demais para minhas pretensões. Estava pensando apenas em repensar minha vida e almejar outros objetivos. Acho que antes de pensar em me casar, deveria ao menos estar apaixonado por alguém. E no momento não há ninguém."

"Podemos dar um jeito nisso. Lembra da Charlene?"

"Mãe, por favor! Sem essa de querer me arranjar namorada."

"Apenas fale com a garota, sem compromisso. Pode me prometer isso?"

Dean fez uma cara feia, mas assentiu com a cabeça. Não custava nada fazer pequenas concessões para a mãe, mas de maneira nenhuma iria namorar uma caipirona encalhada.

Eles se encontraram em uma feira local, onde havia concurso de pratos caseiros, disputa do porco mais gordo, a vaca mais malhada, e o bode mais barbudo. Em meio a tudo, um cantor country tocava gaita e dedilhava antigas canções em seu violão. Charlene era baixinha, pequena, e usava um estranho objeto como fivela de cabelo. Seus longos cabelos ruivos a deixavam ainda mais pálida e com uma aura de vulnerabilidade, como se fosse um anjo ou uma aparição. Dean não sabia se saía correndo ou se a levava para casa, para protegê-la dos perigos do mundo.

"Charlene, não é? Sou Dean. Então, qual competição quer assistir?"

"Pode me chamar de Charlie. E não me interesso por essas competições, mas o bode de nossa fazenda está no concurso, então …" Ela deu um meio sorriso.

Dean a acompanhou até a área da disputa. Os bodes fizeram desfiles, levados por um tratador. Foram mesurados e posaram para apreciação dos juízes. Após algum tempo de espera, no qual Dean se sentiu um fracassado por estar assistindo competição de animais da fazenda, os juízes escolheram outro bode e não o de Charlie.

"Porcaria! Tudo bem, o outro bode era melhor." Charlie comentou, levantando-se do banco onde estava.

"Ano que vem ele ganha." Dean tentou consolá-la.

Charlie riu. "Eu notei a sua cara de infelicidade. Não está acostumado com feiras caipiras, não é mesmo?"

"Desculpe! Mas mantive meus sentimentos pelo seu bode até o fim." Ambos riram.

"Sabe, eu também não ligo muito pra tudo isso, mas fui criada numa fazenda, e isso acaba se entranhando na sua personalidade, como uma pequena parte do quebra-cabeças que compõe quem você é." Charlie explicou com um olhar vivaz.

"Profundo! Está na faculdade, Charlie?"

"Não, ainda não me decidi por uma profissão, mas se fosse escolher nesse exato minuto, ficaria dividida entre análise de sistemas e jornalismo."

Dean ficou boquiaberto. Limitou-se a assentir com a cabeça enquanto a encarava impressionado. "Você me surpreendeu. Não esperava que uma garotinha da fazenda tivesse um intelecto afiado."

Charlie sorriu e baixou os olhos. "Sabe, já fui muito apaixonada por você."

"Gostei dessa palavra 'fui'. Não é mais?"

"Não! E também não sou mais uma garotinha, tenho 27 anos. Sou o tipo de mulher que os mais antigos chamam 'encalhada'. Acho que amadureci um pouco mais depois que arranjei uma namorada."

Dean estava pasmo. "Você é lésbica?"

"Sou! E só estou te contando isso, porque sei que nossas famílias combinaram de nos fazer namorar. Ainda não contei sobre minha orientação sexual para eles." Ela falou séria.

"Bem-vinda ao clube, mana, eu sou bi." Ambos riram e se abraçaram pela cintura.

Ao longe, os pais deles os observavam. Felizes, porque os dois haviam se entendido.


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