Anoitecer escrita por Samantha Silva


Capítulo 5
Capítulo 4




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/712568/chapter/5

MAITE

Era fácil entender os motivos que fizeram Christian dizer que era amigo dela, ele parecia uma boa pessoa e queria ajudá-la, o difícil era entender o comportamento anterior, de fugir dela. Não sabia se ainda estava se sentindo culpada ou chateada.

Aquela noite parecia nunca ter fim, ela só queria ir para casa, não importava quem a levasse ou como chegaria lá.

— Vamos, Maite. No caminho conversamos.

Ele a ajudou a sair dali e chegar até o carro dele. Ainda estava tonta e começava a sentir muito sono.

Encostada no carro, enquanto ele procurava as chaves, o peso dos acontecimentos daquela noite foram caindo sobre seus ombros e teve vontade de chorar.

— Me desculpe por qualquer coisa que possa ter lhe dito que o chateou, não sou boa com as palavras.

Christian encontrou as chaves e abriu a porta para que ela entrasse.

— Está tudo bem, eu só tive um mal dia e confundi as coisas.

— Tem certeza? – ela perguntou, enquanto ele a ajudava com o cinto de segurança.

Virando o rosto na direção do dela, ele a encarou e assentiu com a cabeça, saindo do carro e fechando a porta. Deu a volta, entrou, prendeu o cinto de segurança e colocou a chave na ignição, mas não ligou o carro.

Maite sabia que havia algo errado, não era possível que estivesse ainda tão bêbada, ou pior, enlouquecendo.

— Se achar melhor, pode me deixar em alguma estação de metrô que chego em casa com facilidade. Não moro perto daqui.

Ele pareceu considerar a ideia e desistir dela em milésimos de segundos.

— Onde você mora?

Então, ela lhe explicou e descobriram que moravam a cerca de quinze minutos um do outro.

— Caramba, como nós dois viemos parar aqui tão longe?

— Trabalho é algo que não posso escolher, mas você podia ter escolhido um lugar mais perto para dançar.

— Eu não queria encontrar nenhum conhecido, queria estar em um lugar onde ninguém pudesse me julgar. Todos que me viram hoje sequer imaginam que sou tímida e que a última vez que entrei numa boate foi em uma matinê na adolescência, com um bando de garotos que cheiravam a leite.

O som da risada de Christian lançou a tensão no ar pela janela e ela agradeceu por isso.

— Faz tanto tempo assim? – ele perguntou.

— Ah faz sim, eu tinha quinze anos.

— E quantos anos tem agora?

— Vinte e sete e você?

—  Vinte e quatro.

— Só? – Ela estava realmente surpresa, ele parecia mais velho.

— Sim.

— Puxa, você está acabado mesmo.

As palavras podiam machucar outras pessoas, mas não Christian e de alguma forma ela sabia disso. Ele a olhou como se buscasse sanidade em seu rosto, mas como não deve ter encontrado, riu e ela o acompanhou.

Christian era novo, ainda mais do que ela, mas a barba por fazer e as olheiras lhe atribuíam alguns anos a mais. Agora olhando para ele depois de saber quantos anos tinha, claramente via jovialidade em seu sorriso e nos olhos.

Ele era tão bonito.

Era consideravelmente mais alto que ela, magro e com um rosto que a deixava desconcertada, formado por olhos pequenos, um nariz delicado e uma boca tão desenhada, com lábios quase finos demais. Os cabelos eram castanhos e encaracolados, grandes o suficiente para que ela fosse capaz de tê-los entre os dedos.

A versão não completamente apaixonada de Dulce já o teria agarrado, mas ela não era a amiga.

— Não quero ir para casa. – Ela se viu dizendo.

— E onde prefere que eu a deixe? – ele perguntou ingenuamente.

E ali estava o problema, ela não queria que ela o deixasse, ainda não queria dizer adeus e dizer até logo, quando era certo que este logo não existiria. E ela não tinha intenção de voltar para aquela boate algum outro dia.

— Você não está com fome? Nós podíamos comer alguma coisa.

O jeito como Christian a olhou a fez ver que havia sido ousada demais, ele estava cansado, queria ir para casa descansar, ele havia dito que tinha uma mãe que precisava dele. Precisava ir e ela estava sendo egoísta.

Antes que ele pudesse responder, ela acrescentou:

— Desculpe, estou sendo chata. Me leve para casa e vá descansar.

Ela esperou que ele dissesse qualquer coisa, mas ele apenas ligou o carro aceitando aquilo e dirigiu em silêncio por boa parte do percurso.

Maite estava a ponto de dormir no carro, quando ele a chamou:

— Você pode dormir? Os bombeiros não lhe disseram nada sobre ficar acordada?

— Sim, mas tenho tanto sono, minha cabeça dói e estou tão cansada.

— Estamos quase chegando, aguente mais um pouco.

— Em casa eu vou acabar dormindo de qualquer forma.

— Não tem ninguém para mantê-la acordada?

— Não. – E a resposta fora tão seca que Christian deve ter percebido que havia um problema nisso.

— Então, vamos encontrar uma lanchonete vinte e quatro horas e vamos comer, o que acha? Não posso te deixar dormir.

Aquilo a envergonhou mais do que a deixou feliz. Aquele homem que acabara de conhecer estava se sentindo responsável por ela, quando tudo que queria fazer era ir para casa. Não podia admitir aquilo.

— Não. Me leve para casa.

— Achei que estivesse com fome.

— Não estou mais. Quero ir para casa.

— Mas lá você vai dormir.

— Vou tentar ficar acordada. Não devo morrer esta noite, fique tranquilo. Não é problema seu. – Estava sendo grossa, mas se fosse flexível, Christian não desistiria.

— Não seja boba.

— Não insista, quero ir para casa.

Christian só voltou a dizer algo, depois que parou no encostamento e virou-se para ela.

— Não faça isso, vou ficar preocupado.

Ela o encarou e buscou naquele rosto cansado e cheio de preocupação por uma desconhecida, qualquer coisa que pudesse lhe dar alguma resposta. Precisava se livrar dele.

Aquela noite parecia sem fim, havia se divertido em boa parte dela, mas agora parecia ter virado um pesadelo. Não conseguia raciocinar. Entrara naquela boate disposta a se divertir sozinha a provar para si mesma que era possível ignorar os problemas por algumas horas. Era para ser seu grito de independência, mas acabou sendo um grito de socorro que apenas Christian pareceu ouvir e não queria deixá-la em paz.

O pior era o que ela estava tentando não ver. Estava ignorando o detalhe mais importante daquilo tudo: ela estava interessada em Christian. Estava desejando ser tocada por ela mais do que qualquer coisa.

E ele estava apenas sendo extremamente gentil.

Nunca, em toda sua vida, havia desejado mais ser como Dulce. Se fosse, ela conseguiria demonstrar seu interesse por Christian, quem sabe ficassem juntos naquela noite e ela poderia seguir a vida e partir para a próxima aventura, sem anseios demais, sem promessas e expectativas. Mas ela era apenas ela, a Maite vazia, louca para amar e ser amada e incapaz de conseguir uma coisa ou outra.

Sabia que se passasse mais tempo na companhia de Christian livrar-se daquilo seria ainda mais difícil. Ela não tinha nada a oferecer, mesmo se ele quisesse.

— Você não vai dizer nada? – ele perguntou, desnorteado, o cenho franzido de preocupação.

Dezenas de sentenças passaram pela cabeça dela, mas nenhuma parecia justa com suas vontades ou verdadeiras. Quando, por fim, algumas palavras saíram de sua boca, ela não pode acreditar que as tinha acabado de ouvir.

— Não quero comer, não quero ir para casa, quero ficar com você, para onde quer que você vá, seja lá o que você decida fazer. Não... Não me deixa sozinha.

 

CHRISTIAN

Quando Maite empalideceu e ficou muda, Christian assustou-se e pensou que seria melhor se tivesse ficado limpando o bar.

Não, não seria.

Podia não ter sido sua melhor decisão, mas era a correta, ele sabia que pensaria nela por muitos dias se a tivesse deixado por sua própria conta.

Então, quando ela lhe disse que queria ficar com ele, percebeu que nunca mais conseguiria esquecê-la.

— Ficar comigo? – ele perguntou para confirmar se tinha ouvido certo.

— É. – Ela parecia arrependida do que acabara de dizer.

— Maite...

As palavras que ela dissera eram cheias de significados, ele temia estar entendendo errado, sendo influenciado pelos próprios desejos.

Olhou para fora do carro, estava escuro e deserto, não podiam ficar ali parados.

— Não sei se estou entendendo o que você quer de mim – explicou ele, buscando esclarecimentos.

— Acho que também não entendo. Conhecer você não estava nos meus planos.

— Acho que posso entender isso.

— E o que a gente faz com isso, Christian?

— Precisamos fazer alguma coisa? Não é o bastante já termos chegado até aqui?

Maite virou-se para o lado da janela e ele perdeu seu olhar de vista, esperava que ela não tivesse entendido aquilo errado. Não queria abandoná-la ou virar as costas, mas se nenhum dos dois conseguia ser claro em relação às suas expectativas e às suas vontades, então, não havia muito o que pudesse ser feito.

— Só me leve para casa.

Christian voltou a ligar o carro e dirigiu rumo à casa de Maite. De vez em quando ele dava uma freada mais brusca ou fingia uma tosse, para tentar evitar que ela dormisse. Os quase trinta minutos que faltavam para chegar, devia ser tempo suficiente para que ela ficasse acordada.

Quando chegaram, o relógio no painel do carro marcava quatro e quarenta e cinco.

O carro nem tinha parado por completo quando Maite abriu a porta e desceu.

Caminhando até o portão, ainda de costas, ela acenou e disparou um obrigada no ar.

Então seria daquele jeito que aquilo terminaria. Com ela partindo sem nem olhar para ele. Como se ele tivesse feito algo muito errado.

Esperou que ela abrisse o portão e entrasse, mas isso parecia nunca acontecer.

— Precisa de ajuda? – ele perguntou de dentro do carro.

— Vá embora de uma vez!

Não era a resposta que ele queria ouvir.

Desceu do carro e foi até o portão ajudá-la, ela sequer estava tentando abrir o portão, estava apenas segurando-se nele.

— Maite?

— Eu gostaria de poder culpar a bebida, sabe? Mas não estou mais tão bêbada e a pancada na cabeça não foi tão forte assim. Só estou exausta. – Apoiando a testa no portão.

— Amanhã é domingo, você pode dormir e descansar bastante.

— Não estou cansada de hoje, estou cansada de todos os dias, cansada da vida.

Aquilo era algo que ele mesmo poderia se ouvir dizer em algum momento e essa conclusão o acertou como um soco no meio do peito.

— Maite... – E puxou o rosto dela, pelo queixo, delicadamente, forçando que olhasse para ele. – Eu gostaria tanto de...

Mas então as palavras não seriam suficientes e pareciam desnecessárias. Ele inclinou seu rosto sobre o dela e a beijou.

Os lábios quase não se moveram, apenas tocaram-se cheios de incertezas.

— Me leva daqui – Maite suplicou. – Nós sabemos que não vamos ter paz se nos despedirmos agora.

No rosto que há segundos havia dor e dúvidas, brotou uma certeza que encheu Christian de coragem.

— Você tem certeza?

— Tenho.

Ele a segurou pela mão e a levou até o carro.

Era algo comum para muitos, e uma total loucura para eles. Mas pareciam certos do que queriam e iriam até o fim.

Quando entrou com o carro no estacionamento, Christian olhou para Maite para confirmar se ela ainda estava disposta aquilo. Ela colocou sua mão sobre a dele apoiada na coxa. Era toda a confirmação que ele precisava.

Cadastraram-se na recepção do hotel – ele achou que um hotel a deixaria menos constrangida -, pegaram a chave e foram até o elevador.

Enquanto olhava para os reflexos no espelho do elevador, Christian sentiu o peso da decisão que tomara. Maite parecia muito frágil, mesmo parecendo certo que ela também não tinha intenção de continuar com aquilo depois daquela noite, temeu magoá-la de alguma forma.

Segurou sua mão e apertou, como se pudesse lhe dizer um monte de coisas com o gesto. Ela fez o mesmo.

Os dois pareciam exaustos, os ombros estavam caídos e os olhos fundos. Pouco atraentes para qualquer outra pessoa que os vissem. Entretanto, para ambos, toda aquela sensação de pertencerem ao mesmo inferno e serem assombrados por seus demônios diariamente, os atraia ainda mais um ao outro. Eram bombas relógio prestes a explodirem, aquilo tinha tudo para ser desastroso.

Mas Christian não conseguiu resistir, tentara se manter distante, mas sabia que desde o instante em que botou os olhos nela e em seus passos confusos de dança, ela o fisgou. No começo parecia apenas curiosidade, é verdade, mas talvez devesse ter sido mais esperto e se dado conta de que uma mulher sozinha na noite, se não está procurando alguém para lhe fazer companhia ou foi deixada para trás por alguma amiga que arrumara uma, só pode ser encrenca. Principalmente, para ele e seu coração mole.

Agora fora longe demais.

Logo estavam no andar do quarto que lhes fora designado, cada vez mais distantes da possibilidade de desistirem.

Eles iriam até o fim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Anoitecer" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.