Last Kiss escrita por Benihime


Capítulo 6
A redoma se estilhaça




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Revirando mais um pouco o baú, William encontrou a única coisa que jamais esperaria encontrar ali: o resultado do exame que Carly fizera cerca de três anos após seu casamento, depois de algumas semanas reclamando de dores de cabeça.

Naquele dia, sua esposa demorara muito mais do que o habitual, chegando em casa somente à noitinha. Preocupado, William resolveu ir atrás dela. Encontrou-a na praia atrás da casa, sentada na areia. O que houve a seguir seria algo que ele jamais esqueceria.

Carly estava sentada abraçada aos joelhos, parecendo nem notar a garoa fria que caía. William se aproximou, sentindo-a pular quando tocou seu ombro.

"Fiquei preocupado." O homem mais velho disse. "O que você ..."

Ela nem o deixou terminar de falar, pulando de pé e se jogando em seus braços com tanta força que quase o derrubou.

"Me leva pra casa." Ela pediu, sua voz um mero fiapo choroso. "Por favor. Estou com frio."

William não protestou, erguendo a esposa nos braços e carregando-a para dentro, onde pegou toalhas para que ela se secasse e lhe fez uma xícara de café quente. Ela sentou-se no sofá da sala, tremendo como uma vara verde.

"Carly" Ele disse, agora realmente preocupado. "Você está me assustando. Por favor, eu não posso ajudar se não souber qual é o problema."

"Eu ..." A voz de sua esposa saiu fraca de seus lábios ainda azulados de frio. "Eu tenho glioblastoma. É ... Um tipo de tumor cerebral. Maligno e extremamente agressivo."

William desabou ao lado de sua esposa, completamente anestesiado por suas palavras.

"Mas ..." Ele se ouviu dizer, numa voz que não parecia a sua. "Existem tratamentos, não existem?"

"Sim, mas ... São agressivos, e os efeitos colaterais ... " Ela estendeu delicadamente a mão livre para segurar a de seu marido, e ele apreciou a força daquela mão diminuta. "Não quero isso para mim, Will. Prefiro passar o tempo que me resta com você e nossa filha."

William então desabou, sem conseguir conter as lágrimas. Carly soltou um pequeno suspiro antes de abraçá-lo. Com a cabeça no ombro de sua esposa, ele chorou como um menininho assustado.

Aquilo não podia ser verdade. Carly era determinada, era sua rocha. Os braços que o envolviam eram pequenos, mas extremamente fortes. Sua esposa era uma guerreira. Ela tinha que sobreviver.

William afinal compreendera a decisão de Carly, mas nem por isso a situação se tornou mais fácil. Vê-la ficar mais fraca a cada dia, ouvir seus gritos de dor quando a doença avançou, ver sua angústia quando percebia que estava pouco a pouco perdendo a capacidade de fala, dormindo cada vez mais ... Aquilo quase o matava.

Apesar de sua doença, porém, Carly continuara a sorrir. Ela fora sua rocha, seu apoio durante todo aquele período sombrio. William só rezava para que tivesse conseguido fazer o mesmo por ela.

Sempre que não estava trabalhando, estava ao lado de sua esposa, o que era ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição. Tudo o que podia fazer era estar lá, assistindo impotente enquanto a doença cobrava cada vez mais o seu preço. Os olhos dela, porém, aqueles profundos olhos castanhos, permaneciam inalterados. Quando a olhava nos olhos, vendo a determinação de aço daquela mulher, William quase podia acreditar em um milagre. Era à noite, porém, depois que sua esposa e filha dormiam, que ele se desesperava.

Era dia vinte de Agosto, o trigésimo segundo aniversário de Carly. Ela dormira a maior parte do tempo. William, que a essa altura havia pedido licença do trabalho e dividia o tempo entre esposa e filha, passara grande parte desse tempo a lhe velar o sono enquanto Carrie brincava em seu quarto.

"Will?"

A voz o assustou, arrancando-o de seus pensamentos. Para sua surpresa, ele viu Carly sentar-se devagar na cama.

"Carly, não se esforce." Ele se apressou a ajudá-la, amparando-a com delicadeza. "Você sabe que precisa descansar."

"Eu sei." A voz dela estava mais firme do que estivera em semanas, quase normal novamente. "Mas é meu aniversário. Se eu pedisse uma coisa, você faria?"

"É claro" Ele respondeu imediatamente. "Qualquer coisa."

"Me leve para a praia." Carly pediu. "Quero ver o mar mais uma vez."

William nem sequer pensou em protestar. Pouco tempo depois os dois estavam sentados sobre um velho edredom surrado, observando enquanto Carrie brincava na beira da água, procurando conchas na areia molhada.

"Isso é lindo." A morena declarou com um suspiro de contentamento. "Senti falta do mar, sabia?"

Era final de tarde, e o pôr do sol coloria as ondas com tons de amarelo e vermelho. William, porém, não estava prestando atenção nisso. Ele observava apenas sua esposa, cujo semblante pela primeira vez semanas não exibia nenhum sinal de dor. Sua expressão ao observar as ondas era de paz absoluta.

"Que bom que gostou." Ele ergueu-lhe delicadamente o rosto, lhe dando um breve beijo nos lábios. "Feliz aniversário, Carly."

"Obrigada." Ela sorriu e se aninhou sob seu braço, aconchegando-se a ele. "E por isso, também. É o melhor presente de todos."

William não respondeu, simplesmente abraçou sua esposa em silêncio enquanto ela deitava a cabeça em seu ombro.

Num intervalo de menos de uma semana após esse dia, o câncer progrediu a tal ponto que se tornou impossível para Carly permanecer em casa. William a visitava com frequência, o que a deixava louca da vida.

"Eu estou morrendo, William!" Carly esbravejara certa vez, já tarde da noite, tomando o cuidado de manter a voz baixa para não perturbar os outros pacientes. "Aceite. Não há nada que você possa fazer quanto a isso!"

"Você acha que eu não sei disso?!" O homem mais velho rebateu. "Acha que não me lembro disso cada vez que olho para você?"

"É exatamente esse o ponto, Will!" O tom de Carly amansou, enchendo-se de tristeza. "Você não pode fazer nada por mim, mas nossa filha está em casa. Sozinha, provavelmente morrendo de medo."

"Ela não está sozinha." William protestou. "Sua avó está com ela"

"Eu sei, mas esse não é o ponto." A morena rebateu. "Carrie é uma menina esperta, ela pode não entender a situação como um todo, mas sabe que algo ruim está acontecendo comigo. E ela não pode perder nós dois, Will."

"Ela não vai, Carly." William declarou. "Você sabe que sempre vou cuidar da nossa filha."

"Preciso que me prometa, William." Ela insistiu. "Quando eu me for ..."

"Não." O homem mais velho interrompeu. "Não diga isso."

"O que, a verdade?" Carly rebateu imediatamente. "Porque nós dois sabemos que é isso que vai acontecer. E eu preciso que você me prometa, Will, que não vai se deixar levar. Sei que vai doer, que vai parecer que você não consegue continuar ... Mas você precisa. Tem que estar lá para Carrie, aconteça o que acontecer. Quando eu me for, tem que me prometer que jamais vai falhar com ela, não importa o que esteja sentindo."

William, é claro, prometera. Ele jamais conseguira negar nada à sua esposa, quanto mais aquele pedido. O tempo correu ainda mais rapidamente depois disso e, em menos de dois meses, era o fim.

No dia do enterro de Carly, William se lembrava de ter ficado parado lá, observando enquanto cobriam de terra o caixão de sua esposa. Carrie estava em seu colo, chorando com o rosto escondido no ombro do pai. Tudo o que ele conseguia fazer era abraçar sua filha, se perguntando onde o tempo fora parar, desejando poder fazê-lo voltar atrás.

Os olhos de Carly ... William quase podia vê-la à sua frente, encarando-o com aqueles olhos castanhos que pareciam capazes de ver através de tudo. Isso o fez lembrar do retrato da esposa, o único que ela concordara em tirar como um presente em seu quarto aniversário de casamento, e que ele guardara no sótão após sua morte por não conseguir mais encarar.

Não foi difícil encontrar o quadro. Assim que o viu, notou marcas na moldura de ferro negro que indicavam que havia sido movido num passado recente. Inspecionando-o, encontrou outro pedaço de papel, este muito menor do que os outros, com apenas duas frases escritas:

Venha me ver, amor. Estou esperando.

William hesitou, não sabendo se conseguiria, mas por fim resolveu atender ao pedido de sua esposa. Afinal, jamais conseguira lhe negar nada.


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