Last Kiss escrita por Benihime


Capítulo 4
Cartas do passado




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William abriu a tampa do baú de madeira maciça que Carly trouxera de uma viagem à França, sentindo seu peso. Por cima de todas as quinquilharias, encontrou um maço de cartas. Só podia aquilo que sua esposa mencionara como pista.

Tirou delicadamente o maço de papéis amarelados do lugar, vendo um post-it azul-celeste colado no topo, onde brilhava claramente a letra de Carly.

Nelisse as devolveu. Desculpe se não confessei isso antes, mas acho que já é hora de ler o que escrevi para você.

Nelisse, ele sabia, fora a colega de quarto de Carly durante a época de seu intercâmbio na Grécia. William se lembrava bem dela, uma garota pequenininha, loira e simpática. Deixando de lado o bilhete, retirou a fita também azul que prendia as cartas, pegando a primeira do maço.

23, Fevereiro, 2004

Meu amado William,

Há um ano estamos separados. Eu sinto sua falta sempre, sempre, sempre. Você está em meus sonhos todas as noites, e em meus pensamentos todos os dias.

A Grécia é muito mais bonita do que imaginei, tão incrível! Sempre tem algo para descobrir, alguma coisa para ver ou provar. É realmente o lugar perfeito para mim. Ou quase. Não consigo deixar de contar os dias para voltar ao Brasil.

Eu sinto tanto à sua falta que, às vezes, não consigo pensar em mais nada. É nessas horas que seguro o colar que você me deu e olho para o céu. Mesmo que a distância que nos separa seja enorme, imagino que você está fazendo o mesmo e, por um momento, sinto como se estivéssemos juntos de novo.

Amor eterno,

Carly

A data no canto superior da folha era de exatamente um ano depois de Carly chegar a Atenas. William se surpreendeu, pois durante todo aquele tempo só recebera duas cartas de sua amada, uma na semana logo após sua chegada, contando tudo sobre sua nova vida, e a segunda quando ela exigira de volta o anel que lhe dera e rompera a relação, dizendo nunca mais querer vê-lo.

Essa curiosa discrepância deixava apenas duas opções plausíveis: as cartas haviam sido extraviadas de alguma forma ... Ou nunca chegaram a ser postadas. Carly dissera no bilhete que Nellisse as devolvera, o que sugeria que, de alguma forma, a moça havia se apoderado das cartas.

William visitara sua amada em março, um pouco depois da data na carta que tinha em mãos, e nada disso fora comentado. Na verdade, tudo fora perfeito, sem nem sequer uma sombra de problema entre eles.

"William!" Carly gritou ao vê-lo, correndo em sua direção. Ele largou a mala a tempo de segurá-la quando ela pulou em seus braços.

A memória o fez sorrir, sendo aquela espontaneidade a primeira coisa que o cativara em Carly. Sua esposa nunca tivera medo de ser ela mesma. Aquela primeira e última visita fora como um paraíso na terra, mas era da despedida que mais se lembrava, da noite de amor na véspera de sua partida. Duas semanas depois, recebera um telefonema de Carly.

"Amor, sou eu."

Assim que ouviu sua voz, William percebeu que Carly estava se esforçando muito para não chorar.

"Carly." Ele exclamou, alarmado. "O que aconteceu?"

O homem mais velho ouviu sua amada respirar fundo antes de responder duas palavras que o deixaram paralisado de choque:

"Estou grávida."

"O que?!" William finalmente conseguiu falar. "Como isso é possível?! Nós fomos cuidadosos.

"Não o bastante, ao que parece." Ela respondeu com um suspiro. "Os métodos são falhos, Will, todo mundo sabe disso. Eu ... Eu sinto muito, muito mesmo."

"Não, Carly, eu sinto muito." Ele rebateu imediatamente. "Não quero que fique com medo. Nós vamos passar por isso, está bem? Juntos."

"Juntos" Ela repetiu sonhadoramente. "Sim. Eu te amo, Will."

"Eu também te amo, Carly. Mais do que minha própria vida."

Estranhamente, não tivera mais notícias dela depois disso. As semanas se transformaram em meses, cada momento se arrastando em uma maré de preocupação enquanto suas cartas não era respondidas e suas ligações seguiam sem resposta.

Oito meses depois, recebera aquela última carta, o fim de seu relacionamento. O tamanho do maço em suas mãos, porém, contava uma história completamente diferente. Ele se acomodou no chão empoleirado e começou a lê-las uma a uma.

15 de junho, 2005

Meu amado William,

Pois é, estou com dois meses de gravidez. Tudo bem comigo, exceto o fato de sentir os malditos enjoos matinais, mas já estou me acostumando com eles. Emocionalmente, claro, a história é outra. Choro por tudo e por nada, ou perco as estribeiras por qualquer besteira. Ainda não me acostumei com o fato de estar sentindo tudo tão intensamente. Malditos hormônios!

Por enquanto tudo isso está fácil de esconder mas, com o tempo, vai ser quase impossível. Sorte a minha que o bebê nascerá durante as férias de inverno, então ninguém que não deva vai saber nada sobre isso. Entenda, não é que eu tenha vergonha nem nada disso, mas nós dois sabemos o quanto uma gravidez a essa altura pode acabar com a minha carreira, e você sabe o quanto o sucesso é importante para mim. Depois que minha mãe disse que jamais conseguiria ser a escritora que queria, jurei que a faria se arrepender dessas palavras.

Quanto ao resto das coisas: Nellisse tem me ajudado no que pode e, é claro, estou dando um jeito de ler tudo sobre gravidez para saber o que esperar. O lado bom é que o ano já está acabando e vou poder ir para casa por duas semanas no Natal.

Mal posso esperar para te ver de novo. Eu queria tanto que você estivesse aqui comigo! Nada do que os outros fazem pode substituir seu abraço, seu apoio. Tenho sonhado com você e penso em você a cada segundo. Não vejo a hora de voltar para casa, para você.

Eternamente,

Carly

P.S: Eu te amo.

A carta, tão cheia de amor e vivacidade, era tão expressiva do caráter de sua esposa que William sentiu raiva de si mesmo, imaginando o grande cretino que deve ter parecido ao deixá-la sem resposta. Com as mãos tremendo, passou à próxima carta.

10 de Julho, 2005

Querido William,

Você é um cretino e não merece que eu escreva. Por que não respondeu minha última carta? Mesmo assim, volto a escrever, porque preciso acreditar que, mesmo sem resposta, você está aí, lendo isso e pensando em mim.

Sobre a gravidez: já completei três meses, e tive que começar a usar roupas mais largas para esconder. Qualquer um que olhe bem para mim quando uso algo mais justo pode ver que minha barriga está começando a crescer. A Dr. Metcalf, minha médica, tem me acompanhado de perto. Tenho sido uma boa menina e seguido suas orientações, mesmo achando que algumas são excesso de cautela. Melhor não arriscar, certo?

Estou ansiosa. Só mais dois meses, e finalmente poderei ir para casa! Por mais que eu goste daqui, meu lugar é com você, seja onde estiver. Escreva para mim, seu idiota.

Eternamente,

Carly

William riu consigo mesmo ao terminar de ler. Aquela carta era tão tipicamente Carly. Com um sorriso nos lábios, passou à próxima carta do maço.

20 de Agosto, 2005

Querido William,

O que diabos aconteceu com você? Dois meses esperando por uma resposta já é demais. Se algo aconteceu, vou entender, mas pelo menos tenha a decência de me dizer. Se simplesmente tiver desistido de mim, saiba que nunca vou te perdoar. 

Sobre nosso bebê: fiz o ultrassom anteontem. É uma menina! Só espero que ela não herde o seu charme, ou haverá uma fila de rapazes atrás da nossa filha. Falando nela, andei pensando em alguns nomes. O que acha de Carrie?

Estou considerando ficar aqui até a bebê nascer, assim minha família não ficará sabendo de nada. Eles iriam surtar, e essa é a última coisa que eu preciso.

Ainda sua,

Carly

As primeiras linhas da carta o fizeram sentir como o pior dos homens. Carly devia ter se sentido horrível ao não receber resposta, ainda mais quando estava claro que confiava nele tão cegamente. William também percebeu a mudança na carta, a frieza e a falta dos detalhes triviais que tanto caracterizavam o estilo de sua esposa. A carta seguinte era a mesma coisa, apenas atualizações sobre o andamento da gravidez, sua saúde e a da bebê. Fria, impessoal. William podia sentir o ressentimento em cada linha da curta missiva. Cada vez mais enjoado, passou à próxima carta. 

31 de outubro, 2005

William,

Para sua informação eu ia parar de escrever, mas algo grave aconteceu.

Como você deve saber (será que sabe mesmo? Será que ainda se importa?), estou no sexto mês de gestação. Já fazia algum tempo que eu vinha tendo tonturas horríveis, mas só ontem, depois de desmaiar, foi que me convenci de que havia algo de errado. A Dra. Metcalf disse que tenho pré-eclâmpsia, pressão alta associada à gravidez, que é mais comum do que se imagina, e recomendou repouso total. 

Estou com medo, William. Por favor, me dê notícias. Preciso de você, agora mais do que nunca.

Ainda sua,

Carly

Aquela carta fez seu coração parecer parar dentro do peito. Carly nunca lhe contara que tivera uma gravidez de risco. Na verdade, nunca mencionou qualquer problema na gestação. Mais uma provação pela qual ela passou sozinha. E o final da carta? Positivamente o fez se sentir com milímetros de altura, um completo canalha.

24 de janeiro, 2006

William,

Não se preocupe, esta é a última carta com a qual o incomodo. Só escrevi para dizer que minha filha nasceu bem, e seu nome é Carrie.

Como pode ver, estou enviando de volta o colar que você me deu, e quero que envie meu anel assim que possível. Duvido que alguma vez tenha significado algo, de qualquer forma. Nada mais do que uma menininha burra que você usou como queria, não é?

Apesar de eu não querer ver você nunca mais, saiba que é livre para procurar Carrie no momento em que quiser. Não vou privar minha filha do direito de conhecer o pai.

Adeus,

Carly

Sem pensar, William passou o polegar delicadamente sobre a palavra. Adeus. Mais uma despedida naquela história  cheia de idas e vindas. Mais uma, porém que não seria a última. Ainda não.


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