ALMARA: Ameaça na Ilha de Xibalba escrita por Xarkz


Capítulo 8
CAPÍTULO 7 | Eril (Capítulo Especial)


Notas iniciais do capítulo

CAPÍTULO ESPECIAL: Revelado o passado de Eril, como uma rainha acabou se envolvendo com um pirata e o terrível mal que assombrou o reino de Galvas.



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Reino de Galvas, cerca de setenta anos atrás. Um dos mais pacíficos reinos, comandados pela família de elfos Galvaskauss.

Apesar de seus líderes serem elfos, os habitantes do reino são uma grande mistura de raças, todas vivendo em harmonia, algo raro pois elfos dificilmente se juntam com outras raças.

O rei Ghaladar, a rainha Euridice e o jovem príncipe Thaldron eram adorados por seu povo e, seguidamente, visitavam os aldeões.

Certo dia, a rainha decidiu visitar os aldeões sem a presença de seu rei, porém, após sua visita, a rainha desaparece sem deixar rastros. Tudo o que se sabe é que ela e seus  seis guarda-costas foram atacados no caminho de volta ao castelo. Os soldados, apesar de feridos, sobreviveram e contam que a rainha havia sido sequestrada por piratas.

Amarrada no mastro do navio, a rainha elfa se debate, tentando se soltar. Sua pele é escura, olhos azuis um tanto esverdeados e seu cabelo é branco. Seu vestido lilás, de rainha, está rasgado na ponta, por ter enganchado em algo enquanto tentava fugir de seus raptores.

O capitão se aproxima da rainha, segurando a coroa da elfa em suas mãos.

— Não precisa ficar com medo, não vamos machucá-la. Só queremos o dinheiro do resgate.

O pirata então se aproxima da rainha e recoloca suavemente a coroa em sua cabeça. Em seguida, ele puxa sua espada e, com apenas um golpe, corta as cordas que a prendiam ao mastro, libertando-a.

— Já estamos em alto mar, então não há mais pra onde você fugir. Se comporte e nada de ruim irá lhe acontecer.

A rainha olha para todos os lados, mas tudo o que vê são piratas e água salgada. Ela, então, volta sua atenção para um dos piratas, fitando seus olhos, fazendo com que, de alguma forma, a expressão dele suma completamente, como se todo e qualquer sentimento lhe houvesse sido extraído. O pirata sem expressão, como um zumbi, puxa sua espada e parte para cima do capitão, que defende o golpe da espada apenas com seu braço, lhe causando um pequeno corte. Ao mesmo tempo, a elfa da nobreza aponta sua mão espalmada para a corda no chão, que instantaneamente é restaurada do corte que lhe havia sido feito pela espada do capitão e, como se ganhasse vida própria, a corda rasteja rapidamente pelo chão, subindo pela perna do líder dos piratas e enrolando-se em seu corpo, prendendo-lhe um dos braços ao tronco.

O pirata imediatamente golpeia com o braço que está livre, derrubando o homem que estava sob controle da rainha, desmaiando-o.

— Uma bruxa. — se espanta o capitão. — Não estava esperando por isso.

A tripulação começa a puxar espadas e armas, enquanto se aproximam da rainha, porém, os olhos dela começam a mudar, sua pupila e córnea somem, deixando seus olhos completamente brancos, sua mão esquerda ainda está apontando para a corda e agora, com sua mão direita, ela aponta para a tripulação lançando uma onda invisível que parece percorrer o ar e atingir à todos, causando um surto de medo em quase todos os homens, que deixam suas armas caírem e se afastam para trás, alguns caindo no chão, apavorados.

Os mais fortes, apesar de resistirem, suam frio e não conseguem avançar.

Utilizando apenas sua força, o capitão arrebenta a corda que o prendia e se volta para a rainha, com um enorme sorriso no rosto.

— Sabe, acabei de gostar ainda mais de você. Que tal vir comigo? Abandone aquela vida chata do palácio e vamos nos aventurar juntos.

— Não vou ser cúmplice de um porco imundo e egoísta como você.

— Egoísta? Não é egoísmo viver em um castelo, rodeado de riquezas e conforto enquanto seu povo precisa trabalhar duro todos os dias apenas para ter um teto sobre suas cabeças e comida para sobreviver?

— Meu povo não passa fome. A riqueza é muito bem distribuída em meu reino.

— Se isso é verdade, então você deveria morar em uma casa de madeira e trabalhar, como a maioria deles. Achei que você fosse uma mulher mas, apesar de ser rainha, não passa de uma garotinha mimada que viveu sua vida inteira no luxo, com as pessoas ao seu redor fazendo tudo por você.

— E isso lhe dá o direito de pilhar o meu reino?

— Eu sou um pirata, invado cidades e roubo tesouros. Sei bem das minhas falhas de caráter e admito. E você, admite as suas?

— Admitir isso não te torna uma pessoa melhor. Eu vivo no conforto do castelo, mas também protejo meu povo. Pessoas com quaisquer tipo de problemas, seja de saúde ou financeiro, são acolhidos e bem tratados. O dinheiro que arrecadamos dos impostos são para isso.

— Eu vi pessoas nas ruas, desabrigadas, no seu “amado” reino. Vi pessoas trabalhando até a exaustão pra manter seus padrões de vida, não venha me dizer que não há sofrimento.

— Há muitas pessoas, nem sempre conseguimos atingir à todos.

— Ah não? O que falta? Dinheiro? Porque não vende este vestido caríssimo ou o ouro que reveste as paredes do castelo pra ajudar seu povo?

— Não há paredes de ouro no meu castelo. Você é um idiota que não sabe do que fala. Pelo menos eu faço algo por eles, e você? De quem você cuida, além de si mesmo?

O capitão da um passo para o lado e aponta para sua tripulação.

— Deles! Eles são minha família e, do meu jeito, eu cuido de cada um deles.

A rainha olha para um lado e para outro e, percebendo que não iria conseguir sair dali facilmente, decide remover a magia de medo da tripulação.

— Se tentarem me tocar, afundarei este navio.

— Ninguém irá fazer isso. Agora me diga, qual é o seu nome?

— Eu sou Euridice Galvaskauss, rainha do reino de Galvas. Não acredito que me sequestrou sem nem saber quem eu sou.

— Me chamo Broderick Roughknuckles, capitão dos piratas Roughknuckles. Tudo o que eu precisava saber é que você é uma rainha e tem dinheiro.

— E o que vai acontecer agora?

— Deixei um informante no seu reino, ele irá entrar em contato com o rei para pedir o resgate. Assim que tivermos uma resposta, fazemos a troca. Mas enquanto isso…

Broderick chama Euridice até o interior do navio, puxa de uma sacola um pergaminho e o abre em cima da mesa. Trata-se de um mapa.

— Veja, este é o seu reino. — apontando um pedaço do continente, no mapa. — Ao norte dele fica a famosa ilha dos dragões e, ao leste da ilha, à uma ilha menor, desabitada. Recentemente descobrimos que é aqui onde foi enterrado um tesouro e estamos indo para lá. É possível que encontremos outros piratas no caminho, neste caso, haverá combate.

— Porque está me mostrando isso?

— Você agora é membro da minha tripulação, então merece saber aonde vamos e quais são os riscos.

— MEMBRO DA SUA TRIPULAÇÃO? — exalta-se a rainha. — Deve estar de brincadeira. Não sou da sua tripulação, estou aqui contra a minha vontade. Isso foi um sequestro.

— Enquanto estiver no meu navio, será membro da minha tripulação e será tratada como tal.

Apesar de contrariada, a rainha nada podia fazer, naquela situação. Pensava que pelo menos estava sendo tratada com um pouco de respeito. Nenhum dos piratas tentou qualquer tipo de assédio ou mesmo feri-la durante a viagem, ainda sim, o medo mal permitia que a rainha dormisse à noite.

Após dois dias de viagem, o navio de Broderick avista ao longe a pequena ilha. Enquanto se aproximam, um segundo navio pirata surge, seguindo em direção ao deles.

Sem prévio aviso, o navio dispara seus canhões contra Broderick, causando um pouco de dano ao casco.

Uma batalha feroz se inicia, o navio dos Roughknuckles dispara de volta e, quando os navios ficam próximos, arpões são lançados de um navio para o outro, amarrados por cordas, que eram utilizadas para invadirem o navio oposto. A rainha se vê em meio à uma batalha de tiros e golpes de espadas. Ela procura por um lugar seguro mas é interceptada por um pirata do navio inimigo. Este tenta atacá-la mas a bruxa faz uso de suas feitiçarias, fazendo com que o oponente se veja cercado por demônios alados que o atacam de todos os lados. O pirata, em pânico, tenta golpear, em vão, os demônios, porém, eles só existem em sua mente. Em meio ao seu desespero, os ataques de sua lâmina acabam por ferir seus aliados ao seu redor, até que ele se joga no chão, encolhido, com os braços encobrindo a cabeça.

A batalha rapidamente pende para o lado dos Roughknuckles, até que os adversários acabam se rendendo.

Apesar de feridos, não houve nenhuma baixa para nenhum dos lados, porém, um pirata aliado foi gravemente ferido com golpes de espada. Enquanto os demais buscam os equipamentos de primeiros socorros, a bruxa, mesmo um pouco contrariada, se aproxima do ferido, estende suas mãos sobre ele e, enquanto recita algumas palavras desconhecidas, uma espécie de fumaça sai de suas mãos e percorre as feridas do indivíduo, que imediatamente param de sangrar e se fecham um pouco, diminuindo a gravidade dos ferimentos o suficiente para garantir sua vida.

Broderick observa o ato da bruxa e, após garantir que todos seus homens estão bem, ele dirige sua atenção ao capitão dos invasores. Euridice não consegue ouvir o que ele diz ao capitão rival, mas ele o faz sempre com um sorriso no rosto. A expressão do capitão derrotado, de cabeça baixa, começa a mudar aos poucos. De um olhar irado passa para apenas levemente raivoso, mudando para contrariado e, após uma expressão neutra, se consegue ver um leve sorriso no canto de sua boca, até que sorri de volta para Broderick que, à esta altura, já está gargalhando, com a mão pousada no ombro do rival.

Euridice entende ainda menos quando seu raptor deixa o capitão do navio invasor ir embora, como se nada tivesse acontecido.

Algum tempo após o ocorrido, a bruxa se aproxima do sorridente guerreiro do mar, questionando-o.

— Diga-me, porque deixou aqueles piratas irem embora?

— O que queria que eu fizesse?

— O que todos os piratas teriam feito.

— Como pode ver, nem todos os piratas são como você pensa. Eu venci a batalha, então eu decido o que fazer com os derrotados.

— Acha que eles vão ficar agradecidos e lhe ajudar no futuro? Eles são piratas, não tem código de honra.

— Alguns tem, outros não. Se ele se tornar aliado, ótimo. Se não quiser, travaremos outra batalha e eu sairei vitorioso novamente.

Durante alguns segundos, Euridice fica apenas à observar o capitão, que fita o horizonte. Ele agora lhe parece muito mais carismático do que antes e, por um instante, ela esquece que estava ali contra sua vontade.

— Obrigado pelo que fez ao Morrice. — diz o capitão, quebrando o silêncio.

— Quem? — Antes mesmo da resposta, a bruxa lembra-se do homem a quem ela ajudou, diminuindo seus ferimentos. — Ah! O ferido.

— Esses homens são a minha família, se você cuida deles, eu também irei cuidar de você.

Por algum motivo, aquelas palavras fizeram o coração da rainha bater mais rápido. O capitão se aproxima dela, fitando seus olhos.

— Quando chegar a hora, espero poder retribuir. — prossegue Broderick, enquanto afasta, com a mão, um pouco dos cabelos de Euridice da frente de seus olhos.

 

Os dias passam, outras batalhas ocorrem e aquela sensação emocionante toma conta da rainha. Era tudo tão novo, tão movimentado, tão bonito. A aventura parecia lhe chamar e era tudo o que ela queria.

Após vencer um combate a tripulação sempre comemorava com muita comida e vinho. Três marujos eram encarregados da música, que embalava o festejo com muita alegria.

Euridice esquecera completamente da sua situação e já era parte da tripulação dos Roughknucles. Os piratas eram sua nova família e sua afeição por Broderick crescia cada vez mais.

Ao entardecer, o pôr do Sol era um espetáculo à parte, descendo no horizonte como se tocasse às águas. À noite, a rainha ficava horas admirando o reflexo da lua sobre o mar.

O cheiro da água salgada e da aventura já à haviam contaminado de tal forma que ela não queria mais deixar aquela vida.

No fundo, ela esquecera propositalmente de como chegara até ali, pois se ela lembrasse, tudo pareceria tão errado, ela não deveria estar se divertindo, não deveria tratar a tripulação como sua família e não deveria sentir por Broderick o que estava sentindo. Ao que tudo indicava, o líder dos piratas parecia estar sentindo o mesmo por ela.

 

Apesar de já ter avistado a ilha, com o auxílio de uma luneta, é necessário mais um dia de viagem, até que finalmente o navio chega ao seu destino.

A noite já caiu e eles aguardam o amanhecer.

Logo que a luz do astro surge no horizonte, Broderick, Euridice e os demais homens do mar chegam à terra firme utilizando-se de botes, pois o navio precisa ficar à uma certa distância da ilha ou ficaria encalhado.

Eles vasculham a ilha por várias horas, utilizando um mapa como guia. O mapa acaba por levá-los até uma caverna. O grupo faz uma pausa próximo à sua entrada.

— Finalmente encontramos. — informa o capitão. — À partir daqui, temos de ter muito cuidado, pois podem haver armadilhas no local.

— Isso só torna as coisas mais interessantes. — diz uma voz, vinda de trás grupo.

A figura se aproxima lentamente, por entre os arbustos e árvores.

— Até que enfim resolveu sair das sombras. — retruca Broderick. — Percebi sua presença à vinte minutos, Malcben.

A figura sai da escuridão, trata-se do capitão do primeiro navio que atacou os Roughknuckles no caminho para a ilha.

— Então está ficando mole, pois estou escondido à vinte e um minutos. Há, há, há!

— O que veio fazer aqui? Quer meu tesouro?

— Talvez.

Os dois capitães se encaram. Os homens de Broderick, se posicionam atrás de seu capitão, enquanto surgem os homens de Malcben, que também se preparam para um embate.

Euridice, que apenas observava, parece sentir um estranho desconforto. Ela coloca a mão sobre a têmpora e um mau pressentimento toma conta da rainha.

— Não pode ser! — ela diz para si mesma. — Preciso ver isso.

A rainha bruxa aproxima uma mão da outra, enquanto seus olhos emanam um brilho branco, que fazem com que não se enxergue mais sua pupila ou íris. Uma visão de destruição vem à sua mente, complementada pela silhueta de um enorme monstro alado. Um dragão.

A visão cessa, e Euridice fica apavorada, voltando-se para o capitão.

— Broderick! — grita a rainha. — Preciso voltar. Meu reino corre perigo.

O sorridente pirata muda seu semblante para um sério e volta sua atenção para a bruxa.

— Do que está falando?

— Não tenho tempo para explicar. Preciso voltar. Por favor!

O líder dos piratas encara os olhos suplicantes da rainha por alguns instantes, até que toma sua decisão.

— Homens, de volta para o navio o mais rápido possível.

Malcben, fica espantado com a situação e decide intervir.

— Roughknuckles, vai desistir do tesouro assim tão fácil apenas porque uma mulher lhe pediu? Ela sequer te explicou o motivo.

— Exatamente! — responde Broderick. — Mas os olhos dela me disseram que é importante.

Malcben não acredita no que vê. Um pirata poderoso, deixando de lado um grande tesouro por um motivo tão dúbio.

— Roughknuckles. — Chama novamente, enquanto Broderick e seus homens se afastam. — Vou guardar sua parte do tesouro. Nos veremos novamente.

Broderick esboça seu grande sorriso de sempre, enquanto ergue seu punho, em forma de agradecimento.

— Acha mesmo que ele vai cumprir com a palavra? — indaga a rainha, que corre ao lado do líder dos piratas.

— Dificilmente. Mas existem coisas mais importantes do que tesouros. — responde, fitando os olhos de Euridice novamente.

Os piratas e a bruxa, adentram nos botes e, em poucos instantes, chegam ao navio.

— Broderick! — clama a rainha. — Nós demoramos sete dias para chegar até aqui. Até chegarmos no meu reino já será tarde.

O capitão pensa por uns instantes e responde. — Então vamos  voltar em dois dias.

Com a ordem do capitão, os demais piratas preparam enormes remos que saem das laterais da embarcação, cada um puxado por 4 dos mais fortes do bando e navio se move mais rápido do que nunca.

— Esses caras são muito fortes. Vai ver como chegaremos rápido. Agora, só o que podemos fazer é esperar.

— Muito obrigada!

— Teremos algum tempo pela frente, que tal me contar o que houve?

Euridice caminha até a borda do navio e fita o horizonte, lembrando-se do passado.

— Você sabe quantos deuses existem, no total?

— Sete. — responde Broderick, sem precisar pensar muito.

— E se eu lhe disser que existem mais deuses do que isso?

O capitão fica sem entender, mas nada responde.

— Existe uma forma de uma criatura mortal se tornar um deus. — prossegue Euridice. — Para isso, existem alguns requisitos. Um deles é ter uma grande quantidade de seguidores, o adorando como se fosse uma entidade, o adorando como à um deus. Dependendo da quantidade e fervorosidade dos seguidores, e se o mortal cumprir todos os requisitos, ele pode ser elevado ao patamar de um deus menor, obtendo um grande poder. Obviamente é um poder que não pode ser comparado ao dos deuses verdadeiros mas, ainda sim, é grandioso.

A história se passa à cinquenta e seis anos. Euridice ainda é uma criança e brinca no pátio do castelo entre outras crianças da criadagem, suas roupas são apenas trapos, mostrando que ainda não era da realeza. O reino de Galvas era muito menor e mais humilde. As pessoas levam suas vidas normalmente, até que algo parece despertar o pânico geral.

Uma enorme sombra cobre parte da cidade. Nota-se que ela provém de uma grande criatura alada. Seu corpo coberto por escamas verdes se assemelha ao de um lagarto, porém, com grandes asas saídas de suas costas. A criatura diminui a altitude e finalmente pousa em meio à cidade, derrubando algumas casas no processo.

Trata-se de um dragão verde de cerca de vinte metros de altura.

As pessoas correm para longe do gigante, que caminha tranquilamente, sem reparar onde pisa. Ele se aproxima das portas do castelo, enquanto os guardas se colocam em prontidão, preparando seus arcos e catapultas.

Sem esperar muito, os soldados disparam todas suas armas na direção do monstro, que enche os pulmões e então libera uma rajada de vento poderosíssima, evitando os projéteis ao mesmo tempo em que derruba o portão que protegia o muro de entrada.

— Como ousam me atacar, elfos. — vocifera a criatura. — Vim lhes trazer uma mensagem do nosso senhor.

O jovem rei, coroado à poucos anos, após a morte prematura de seu pai, estava próximo aos soldados e faz um sinal, pedindo que cessem o ataque. Ele caminha, então, para a parte do muro mais próxima ao dragão.

A criatura reconhece que aquele que se aproxima é o rei, ficando à poucos metros do mesmo.

— Eu sou Ghaladar, rei de Galvas. O que deseja de nós, vil criatura? — diz o rei, tentando demonstrar imponência.

— À partir de hoje, vocês terão a honra de tornarem-se seguidores do nosso líder, Absalon. — informa, sem levar em conta o desejo dos elfos. Falando de uma forma que sua voz podia ser ouvida por quase todo o reino — Uma estátua de Absalon deverá ser erguida no centro deste reino e todos deverão dedicar uma hora de seus dias à adoração em frente ao monumento.

O rei fica sem reação. Mas arrisca um diálogo.

— Em nosso reino, cultuamos a deusa da natureza. Estamos abertos à adoradores de todos os deuses, porém, não acho correto que sejamos forçados. A fé não pode ser imposta, ela deve partir de cada indivíduo.

O dragão verde, após ouvir o rei, calmamente aproxima sua pata dianteira à um dos soldados, pegando-o como se fosse um boneco. O dragão o aproxima da boca, enquanto o soldado tenta, em vão, se soltar, sentindo o pavor da morte se aproximando. O lagarto gigante inspira calmamente, abre sua boca e então lança sua poderosa rajada de vento diretamente contra o soldado, mas sem soltá-lo. A rajada é tão poderosa que a armadura e roupas do guerreiro começam a se despedaçar. Então é a vez da pele se desprender dos músculos, os ossos começam a se partir e um dos braços é arrancado, sendo lançado longe.

Em frente aos olhos incrédulos do rei, a rajada cessa. O dragão abre a mão, deixando cair o que restou do pobre homem.

— Você tem até o crepúsculo. — sussurra o monstro. — Envie seus melhores escultores até a ilha dos dragões. Eles irão ver Absalon para que possam fazer a estátua. Mas leve seus homens mais corajosos. — ao que o monstro aproxima sua cabeça até quase tocar o rei. — Algumas pessoas morreriam de medo, literalmente, apenas por estar em sua grandiosa presença.

Dito isso, o dragão verde bate suas poderosas asas, voando para longe. O rei não vê opção a não ser obedecer.

 

O tempo passa, a estátua já está erguida e as pessoas do reino, diariamente, seguem até o monumento para uma hora de orações e adoração ao poderoso Absalon.

Alguns chegam a se convencer de que se trata de uma verdadeira divindade, mas a maioria ainda o faz à contra gosto.

Os dragões nunca mais apareceram e o reino aproveita a calmaria, recuperados do incidente, até que recebem uma nova visita do dragão mensageiro.

Desta vez, sua chegada é muito mais brutal, lançando sua rajada de vento em algumas casas, destruindo-as completamente. Ele pousa e, com um único golpe da cauda, golpeia diversas pessoas, que apenas tentavam se esconder, lançando-as no ar, ferindo homens, mulheres, crianças e idosos.

— MALDITOS ELFOS INÚTEIS! — vocifera a fera sem controle.

O rei, juntamente à seus melhores cavaleiros, cavalgam até o local.

Mais rajadas de vento aumentam a destruição e morte.

— Pare com a destruição agora mesmo. — pede o rei, chamando a atenção da criatura, que olha diretamente para o soberano. — Fizemos tudo o que ordenou, erguemos a estátua, cultuamos seu líder, cada cidadão se propôs a dedicar uma hora de seus dias à adoração. Porque está nos atacando?

— Vocês, não servem para nada. Um ano de adorações, mas seu povo ainda não enxerga Absalon como uma divindade. E se não irão fazer isso por respeito, irão fazer pelo medo.

— Por favor, deve haver outra forma. — continua o rei, enquanto desce de seu cavalo.

— Inúteis, INÚTEIS! Esmagarei suas casas, esmagarei suas famílias, esmagarei seus sonhos. E os que restarem de vocês, terão o medo implantado tão fortemente em suas almas, que irão adorar Absalon com todas as forças.

O rei se aproxima do dragão, ajoelha-se e coloca a testa no chão, implorando.

— Por favor. Eu imploro. Nos dê uma chance. Poupe meu povo.

O dragão observa um rei, humilhando-se em sua frente e isso infla seu ego, de forma que um leve sorriso surja na face da criatura.

— Um rei jamais deveria se ajoelhar. Você é patético. Todos vocês são. Porém, me sinto piedoso. Irei aceitar que continuem venerando nosso senhor, mas agora, a cada trinta dias, vocês irão nos oferecer sacrifícios. — continua, enquanto caminha ao redor do rei. — Serão quatorze crianças, sete machos e sete fêmeas. Eles deverão ser levados até nossa ilha, para que sejam devorados por nosso senhor Absalon.

O rei arregala os olhos e encara a criatura.

— O que foi? — indaga o enorme lagarto. — Não pretende aceitar a oferta? É o melhor que posso fazer por vocês.

O rei pensa por um breve momento, olha para o lado e vê seus fiéis cavaleiros. Eles também tem medo mas, no momento, a raiva que sentem pelo pedido do monstro é maior e então acenam negativamente com a cabeça para o rei. O soberano calmamente se levanta e puxa sua espada.

— Sinto muito, fera. Mas não cederemos à sua chantagem.

O dragão observa o pequeno elfo à sua frente e então ri. Sua gargalhada ecoa pela cidade, mas os cavaleiros se mantêm firmes.

— Vocês são tão dignos de pena que sequer consigo ficar irritado com tamanha arrogância. Eu sou apenas um dragão mensageiro e sozinho sou capaz de reduzir seu reino à escombros. Se Absalon quisesse, vocês seriam uma raça extinta.

— Espero que os cidadãos me perdoem na próxima vida, mas se eu ceder, perderemos nossos princípios. Se cedermos, transformaremos Absalon em uma criatura ainda mais forte que já é. Em morte, a mãe natureza irá nos acolher.

— Vejo que entende o motivo de querermos sua adoração. Mas se não querem cooperar, que assim seja. Outro reino o fará e Absalon se tornará, finalmente, UM DEUS.

— Não importa quanto poder tenha, Absalon nunca será um deus. Talvez não possamos derrotar seu líder, mas você será sepultado aqui, monstro.

Em uma acesso de raiva, o dragão golpeia o rei, com o lado externo da mão, jogando-o contra uma parede, derrubando-a.

— INSETOS! VOCÊ IRÃO TODOS MORRER!

Apesar do poderoso golpe, o rei é forte e sobrevive. Usando sua espada como apoio, o rei fica em pé novamente e o ataque começa.

Morte e destruição tomam conta do reino de Galvas que, na época, possuía um terço do tamanho que tem atualmente.

Casas destruídas, vidas perdidas, mas o dragão também é ferido e quanto mais dano ele recebe, maior é sua fúria.

O rei percebe que a criatura não irá fugir. Seu ego não permitiria bater em retirada contra criaturas que ele considerava tão insignificantes.

Ghaladar está caído, a criatura com apenas umas poucas escoriações e caminha lentamente na direção do soberano.

Euridice, ainda criança, em meio à correria das pessoas, vai na direção oposta à da rota de fuga, encontra o rei caído no chão próximo ao dragão e congela de medo, caindo de joelhos enquanto lágrimas escorrem por seu rosto.

Ela junta as mãos, entrelaçando os dedos e fecha seus olhos, rezando pela vida do rei, que era tão bom para todos.

O rei percebe a garotinha e, apenas sua imagem é o suficiente para que ele não desista. Novamente o rei se levanta, empunha sua espada, concentra seu mahou, fazendo com que sua espada fique em chamas e se prepara para continuar a batalha.

— Ainda não entendeu? — balbucia o monstro. — Você não pode vencer. Um reino é tão forte quanto o seu rei, então quando você cair, ele ruirá.

O rei nada diz, apenas encara com coragem a criatura, que parece ficar incomodada com aquele olhar determinado e avança cada vez mais rápido na direção do oponente.

— Adeus, rei de Galvas.

O gigante ergue sua mão, preparando um ataque direto. O rei, apesar de estar em pé e em posição de ataque, não tem mais forças para lutar. Quando a mão do monstro começa a descer para o golpe final, ele percebe algo que o faz cessar o ataque. O monstro olha para um lado e para o outro, como se procurasse algo.

— Mas… de onde vem essa aura? — se pergunta o dragão.

Ele continua procurando até que avista Euridice, ainda ajoelhada.

O dragão a observa com surpresa e se aproxima lentamente da pequena elfa. O rei percebe e tenta correr na direção da criança, mas cai de joelhos.

— EURIDICE! FUJA!

A garota desperta de seu transe e percebe o dragão, já bem próximo. Assustada, ela nada consegue fazer.

— Você tem algo especial, criança. — diz o dragão, circundando a pequena elfa. — O poder de sua adoração é maior do que a de todo o povo do seu reino junto. Nunca vi algo assim. Talvez seja disso que precisamos.

Novamente a criatura volta-se para o rei.

— Perdoarei sua insolência se essa criança passar adorar nosso senhor Absalon. Continuem com a adoração, como sempre, e esta garotinha deverá fazê-lo por pelo menos cinco horas por dia. — diz, enquanto prepara-se para voar, abrindo as gigantescas asas. — Mas se nosso senhor não ficar satisfeito, considerem-se todos mortos.

O dragão verde lança-se ao ar, poupando o reino de Galvas, mas deixando para trás um rastro de destruição e morte cujo reino demoraria anos para se recuperar.

Muito tempo após o incidente, quando Euridice atingira a maioridade, é pedida em casamento pelo rei Ghaladar. A jovem Euridice aceita com satisfação tornando-se sua rainha e tendo um filho com ele, chamado Thaldron.

 

De volta ao tempo atual, no navio dos Roughknuckles, Broderick ouve a história de Euridice com atenção.

— Você me sequestrou e agora os dragões estão prestes a atacar o reino. Galvas é muito mais poderoso do que era naquela época, mas ainda sim irão haver mortes e, mesmo que possamos vencer o dragão mensageiro, outros virão.

Broderick se aproxima, pegando a mão da rainha enquanto a olha nos olhos.

— Vamos resolver esse problema.

A rainha puxa a mão de volta, irritada, e vira-se para a beirada da embarcação, contemplando o horizonte. O pirata, entendendo a angústia da rainha bruxa, corre até o andar de baixo, e ajuda os marinheiros à remarem, tentando chegar o mais breve possível ao seu destino.

De volta ao reino de Galvas, o Sol da tarde já está baixando. O dragão verde já chegou e encontra-se frente à frente com o rei no meio da cidade, próximo ao castelo.

— Parece que nos encontramos novamente, rei de Galvas. — inicia o lagarto gigante. —  Quantas visitas mais terei de fazer até que entendam a seriedade da situação?

— Desta vez não temos culpa, a rainha foi sequestrada. Enviamos metade de nossas tropas à procura de minha esposa. Estamos fazendo todo o possível e vamos encontrá-la. Nos dêem mais tempo.

— Não é sua culpa? Mantê-la à salvo era sua responsabilidade então, “sim”, a culpa é sua.

— Eu lhe garanto que ela é muito mais importante para mim do que é para vocês, ela é minha esposa, mãe do meu filho. Não pouparei esforços para trazê-la em segurança.

— Basta! À partir de hoje, iniciarão as oferendas. Seu reino agora é muito maior, então serão quarenta crianças, sendo vinte machos e vinte fêmeas, que deverão nos ser entregue à cada trinta dias. Estamos entendidos?

O rei fica pensativo e, por um instante, lembra-se da destruição que ocorrera da vez que desafiou o poder dos dragões. Ele coloca a mão em seu peito, local onde fora atingido com força, naquela batalha.

— Ainda tenho uma cicatriz, da nossa última batalha. — diz o rei.

Na pata direita do dragão, se pode ver também uma estigma, ocasionada por um golpe de espada.

— Eu também. — responde o monstro, nada contente. — A diferença é que, para um inseto como você, possuir uma cicatriz provocada por um dragão é como uma medalha, para nós, possuir uma cicatriz causada por vocês é motivo de vergonha. Jamais esquecerei esta vergonha, rei de Galvas. Tanto que adoraria que você recusasse a oferta, apenas para que eu possa arrancar suas entranhas agora mesmo.

O rei desembainha sua espada que, instantaneamente, fica em chamas.

— Parece que terá sua chance. Nosso reino agora é muito mais poderoso do que era. Eu sou muito mais poderoso do que era. Desta vez será diferente.

— Pretende mesmo me enfrentar com apenas metade de seu exército? — salienta o dragão, lembrando-se que o rei havia dito ter enviado metade de seus soldados à procura da rainha.

— Metade do meu exército será o suficiente. Eles também não são mais os mesmos de cinquenta e seis anos atrás. Se nos desafiar, desta vez, juro que este reino será seu túmulo.

— Não haverão túmulos, Galvaskauss, haverão apenas pilhas e pilhas de corpos e ninguém para enterrá-los.

O monstro inicia com seu rugido, lançando um turbilhão de vento que destrói boa parte das construções à sua frente, deixando apenas as mais resistentes em pé. Vários soldados são arremessados longe também, com o ataque. O rei rola rapidamente para o lado, saindo do ponto crítico do turbilhão. Mesmo não estando no centro, os ventos são fortíssimos, mas o rei consegue avançar, correndo na direção de seu algoz.

O soberano tenta atingir com sua espada, mas a cauda do dragão o atinge em cheio. A direção da cauda muda em pleno movimento, levando o rei consigo, o movimento horizontal vai mudando até se tornar vertical, esmagando seu inimigo contra o chão.

O dragão parece sentir dor e percebe-se que o rei, ainda debaixo da cauda, lhe dá uma estocada com sua espada em chamas, perfurando a cauda do monstro.

Flechas em chamas são lançadas de um lado, mas são afastadas com um simples movimento de asas.

Entre os soldados, alguns se destacam, demonstrando habilidades superiores aos demais.

Um guerreiro mais baixo e magro, portando duas adagas, utiliza de uma técnica e se torna quase invisível. Ele corre até o dragão, o escala pela asa e salta na direção do gigante, visando golpear com ambas as adagas no topo de sua cabeça, porém, calmamente a cabeça do monstro se inclina, olhando diretamente para o ladino invisível.

Com um movimento rápido de sua mão ele agarra o soldado ainda no ar.

— Posso vê-lo, homenzinho. — sussurra o dragão, momentos antes de apertá-lo com força, enfiando suas garras através da armadura e então arremessando-o para longe.

Nisso, outro soldado, este bem maior e mais forte, portando um enorme martelo, corre em direção a pata traseira do monstro e golpeia com muita força, o suficiente para o dragão sentir e perceber que, desta vez, o embate será muito mais difícil.

Os cidadãos correm desesperados, enquanto mais soldados aparecem para a batalha.

Construções começam a ruir, colocando em risco os que tentam fugir.

Um garoto de rua chora ao lado de seu irmão mais velho, que foi morto ao ser esmagado por uma coluna de concreto que caíra em cima dele.

As pessoas ao redor correm, desesperadas demais para perceberem a criança em prantos. Ao ver que nada mais poderia fazer ficando ali, o garoto tenta fugir, mas está ferido também e não pode correr.

A batalha se intensifica e o dragão lança outro turbilhão de vento, causando ainda mais destruição. O garoto é arremessado longe e um destroço, proveniente de alguma construção de concreto, esmaga sua perna direita, prensando-a contra o chão.

O garoto grita de dor, enquanto seu sangue escorre pelo membro esmagado, ao som dos ossos se partindo.

Ao seu lado, um enorme muro começa à desmoronar, pendendo para seu lado. Prevendo que seria morto, soterrado pelos destroços, o garoto tenta fugir, mas sua perna ainda está presa e ele não consegue se soltar.

O muro vem abaixo e a criança cruza os braços acima da cabeça, na falsa esperança de que isso faria alguma diferença, porém, nada o atinge. Ele demora alguns segundos para acreditar e então arrisca olhar o que aconteceu.

Ele vê em sua frente um homem sem cabelos, alto, muito forte e com um tapa-olho, segurando o muro acima de sua cabeça, salvando-o da morte certa. É o capitão dos piratas Roughknucles que, com um sorriso no rosto, lança o muro para longe e então remove o destroço que prendia a perna do menino.

— Está tudo bem, garoto? — pergunta Broderick.

— Muito obrigado, moço. Mas minha perna… — responde, olhando para o membro destruído.

— É só uma perna. Você está vivo, isso é o importante. Eu perdi um olho e estou muito bem.

O garoto olha maravilhado para seu salvador.

Com um sinal de Broderick, um de seus piratas pega o garoto no colo para levá-lo em segurança.

— Dreken! — diz o garoto, olhando para seu salvador.

— Hã?

— Meu nome é Dreken.

— Ah sim. Meu nome é Broderick. — responde, enquanto aperta a mão do garoto. — Preciso ir. Cuide-se, Dreken.

Broderick corre na direção da batalha, junto à alguns de seus piratas.

— Um dia serei como você. — balbucia o garoto para si. — Um dia serei um pirata.

De volta ao combate, o dragão está ferido, mas o exército do rei teve uma grande quantidade de baixas.

O rei está caído no chão, banhado em sangue, e pode-se ver que sua perna esquerda fora arrancada. Sua visão está embaçada e ele entende que sua hora está chegando, enquanto o monstro se aproxima lentamente.

— É um insulto, meros elfos me darem tanto trabalho. Entendem agora que estou muito acima de vocês?

O som da voz do dragão chega aos ouvido do soberano em forma de eco, como se estivesse em uma caverna, falando de muito longe. O rei olha para o céu e ele pode ver o seu reino como era no início, rústico, desajeitado. Depois ele o vê como é hoje, grande e imponente. E então, após ver o passado e o presente, é a vez de ver o futuro. Um mar de escombros, perdidos em meio às areias do tempo. Este seria o futuro do reino de Galvas se ele não fizesse algo.

O rei então desperta de seu transe, finca a espada no chão e, com um esforço supremo, apoiado na espada, consegue levantar-se mesmo sem uma perna e com diversos ferimentos pelo corpo.

— Devo admitir sua persistência. — diz o dragão verde. — é digna de um rei. Mas ao mesmo tempo é inútil. Deveria ficar deitado e aguardar a morte, seria menos doloroso.

— No momento em que você está à frente de uma nação, a vida de um rei não mais pertence à ele, pertence ao reino e aos seus habitantes. — retruca Ghaladar, ao mesmo tempo em que uma sutil aura alaranjada cobre seu corpo e deixa sua espada em brasa. — Não pedirei perdão ao meu povo, pois não o mereço. Não pude cumprir minha promessa de derrotá-lo. Não pude protegê-los. Não posso me considerar um rei de verdade. Mesmo dando minha vida em troca, ainda não será o suficiente para me desculpar pela desgraça que os fiz passar.

Os soldados à sua volta, que ainda podiam lutar, ouvem o doloroso discurso de seu líder, que derrama lágrimas enquanto o proclama. Os guerreiros, entristecidos, ao mesmo tempo ficam fortalecidos, erguendo-se junto ao rei, contagiados por sua sinceridade e força de vontade.

— Só há uma coisa que posso fazer agora. — prossegue, enquanto concentra sua energia. — Elemento fogo… ABDICAR!

No momento em que o rei profere tais palavras, sua aura aumenta diversas vezes, tornando-se uma labareda alaranjada ao redor de seu corpo. Sua espada, antes em brasa, agora arde em chamas violentas e sua cor começa a mudar, passando do laranja claro até se tornar uma chama azul.

O dragão parece receoso.

— Abdicar? — indaga o mensageiro dos dragões. — Entendo! Você abdica dos seus poderes referente ao elemento fogo para sempre e em troca poderá utilizar um último ataque devastador, utilizando este elemento. Uma técnica desesperada e assustadora, perfeita para alguém que está prestes à morrer. Mas de nada servirá se não puder me atingir.

Inalando uma grande quantidade de ar, a criatura mais uma vez se prepara e então lança seu poderoso rugido dos ventos. A massa de ar em movimento avança ferozmente contra o rei, porém, em sua frente, um verdadeiro escudo de elfos se forma. Vários guerreiros que, mesmo feridos, ouviram os lamentos de seu rei e vieram em seu socorro, detendo o rugido com a ajuda de escudos e seus corpos. Um guerreiro, capaz de usar magia, cria um escudo em frente aos guerreiros, mas ele se quebra rapidamente. Após alguns instantes, todos os guerreiros são lançados longe, em uma explosão de ar, que ergue uma grande quantidade de terra e areia, formando uma nuvem.

Do meio da nuvem, uma figura se lança em disparada, como uma flecha, na direção do dragão. O rei, com sua espada de chamas azuis, voa rapidamente, num salto poderoso demais para alguém com apenas uma perna, tamanha era sua força de vontade. A vontade de fogo de Ghaladar.

O dragão mensageiro sente, pela primeira vez em sua vida, medo.

No último instante, o dragão consegue desviar a cabeça, que era o alvo original do rei, porém, o ataque atinge em cheio sua asa direita, que é decepada com o golpe.

O rei, agora perdendo velocidade, tem sua trajetória alterada, formando um arco até que colide no chão, rolando alguns metros até finalmente parar.

O monstro urra de dor. A parte da asa que sobrou está em chamas e o dragão rola no chão para apagá-la.

O rei, à beira da morte, mal consegue se virar para ver o resultado de seu ataque.

— Maldição! — sussurra o rei, já sem forças para falar. — Eu… errei.

Nisso, a monstruosa criatura, com uma fúria jamais vista em seus olhos, tendo sua asa amputada e seu orgulho ferido, se ergue novamente e olha para seu oponente caído.

Neste momento, Broderick, chega ao campo de batalha, ao mesmo tempo que Euridice.

— Não! Ele vai matá-lo! — diz Euridice, enquanto corre, parando próximo ao dragão, vindo por seu lado direito. Broderick chega um pouco depois, junto à ela.

— PARE, POR FAVOR! — grita a rainha. — Eu retornei. Irei prosseguir com a adoração. Mas poupe-o. Eu imploro!

— Não há mais volta, rainha de Galvas. — diz o dragão, de forma pausada, quase em um êxtase de ira.

— Eu irei dobrar o tempo de adoração. Seu líder será um verdadeiro deus. Eu posso fazer isso. Eu farei.

O dragão bate forte com sua pata dianteira no solo, estremecendo o local. Então faz uma pausa e pensa por um instante.

— Minha asa e minha honra me foram levadas aqui, porém, o desejo de nosso senhor é mais importante. — reflete consigo mesmo. — Esta será a última vez, elfa. Se algo parecido tornar a ocorrer, não haverá diálogo, apenas morte. Antes de ir, algum de vocês dará um jeito na minha asa. Mas antes, tenho uma coisa à fazer.

O dragão se aproxima do rei, caído, exaurido e banhado em sangue.

— Você lutou bem, Ghaladar. Mas no fim das contas... — As garras do dragão, sem qualquer aviso, atravessam o tórax do rei, ao mesmo tempo que o prensa contra o chão. — Você é apenas um inseto.

— NÃÃÃOOO! — grita a rainha, enquanto Broderick tenta segurá-la.

As garras se desprendem do corpo do monarca, que agoniza, enquanto seus olhos reviram.

Euridice se solta e corre até o rei, segurando-o nos braços. Por um instante, o rei fica lúcido novamente, reconhecendo sua rainha.

— Cuide deles… por mim. — diz o rei, referindo-se ao povo, enquanto toca o rosto de sua amada pela última vez.

Seus olhos ofuscam e sua mão despenca sobre o corpo lentamente. O reino de Galvas acabara de perder seu rei.

A rainha se enche de fúria, aperta os punhos e cerra os dentes, enquanto as lágrimas escorrem por seu rosto.

Ela sabe que não pode contra o dragão e sabe que se tentar algo, será o fim de Galvas e de todos os habitantes, cujo rei defendeu com sua vida. Vidas que, agora, foram colocadas em suas mãos. Ela volta-se para o dragão, com seus olhos emanando uma energia branca, aponta suas mãos espalmadas para frente e faz com que cordas e correntes, próximas ao local, se agrupem prendendo a asa decepada do dragão e a arrastando para perto.

Os soldados que ainda conseguiam ficar em pé começam a ajudar.

Em pouco tempo, com a ajuda dos poderes curativos combinados da rainha e dos magos de cura do reino, a asa do dragão foi recolocada. A cura ainda demoraria e, apesar de não poder voar, o dragão partiu do continente, nadando até a ilha dos dragões.

À partir deste dia, além da adoração dos habitantes, a rainha dedicou a maior parte de seu dia, orando e adorando ao deus dragão Absalon, para que um evento como aquele jamais torne à ocorrer.

Alguns dias se passam e a rainha descobre algo fascinante. Podia sentir em seu ventre que uma criança estava por vir. A data da concepção pareceu altamente confusa, batendo com os dias em que ficou fora do reino.

Mesmo com a desconfiança, que se espalhou rapidamente pelo reino, ninguém jamais ousava tocar no assunto, tornando-se um tabu, em Galvas.

Os dias se tornaram meses e o reino já estava quase completamente reconstruído.

Euridice deu à luz à uma linda menina e tudo corria bem no reino, porém, no interior da rainha, havia apenas ruínas. Ela jamais se perdoara por não ter conseguido voltar à tempo. Obviamente também não perdoara Broderick, que lhe raptou, causando tamanho desastre. Mas seu maior pesar era o fato de ter se apaixonado por seu raptor, traindo e deixando o homem que sempre lhe foi bom e gentil, morrer de forma tão brutal, enquanto protegia heroicamente o reino.

A rainha bruxa jamais voltou à ser a mesma. Apesar de continuar sendo gentil com seus filhos e com os demais habitantes, aquele brilho em seu olhar e sua alegria jamais retornaram.

Ela passa metade de seus dias adorando ao deus dragão e o resto do tempo, contempla o horizonte, através da sacada do castelo, com sua filha nos braços.

— Minha pequena. — diz à sua filha, com um sorriso, tentando disfarçar sua agonia. — Talvez um dia a julguem como sendo o fruto deste mal que caiu sobre nossa terra. Mas não deixe se levar, você é a flor que brotou em meio ao caos e que irá trazer a vida de volta à este lugar. Não cometa o mesmo erro que eu. Eu sei que você tem um futuro grandioso à sua frente e, mesmo não sendo filha de Ghaladar, sei que você herdará sua vontade de fogo. Ajude seu irmão Thaldron à cuidar dessa gente. Seja uma boa princesa… Eril.


Após isso, Euridice desapareceu do reino de Galvas. Dizem que ela se tornou eremita, morando em uma caverna voltada para a direção da ilha dos dragões no litoral do continente, de onde ela faz seus rituais e orações, dedicando sua vida apenas à espiar seus pecados e à adoração ao deus dragão Absalon, para que assim um novo desastre como aquele nunca mais torne à ocorrer.


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Notas finais do capítulo

Opiniões e críticas construtivas são bem vindas.