How Could This Happen To Me? escrita por Emmy Tott


Capítulo 20
Uma música sem nome




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O Sol já ia alto quando ele voltou para casa. Apesar da conversa não ter sido nem um pouco fácil, ele sentia como se tivesse tirado um peso enorme de suas costas. Por inúmeras vezes o pensamento de estar enganando Pierre o atormentara, impedindo-o que dormisse à noite. Mas agora, graças a Bel, isso estava acabado! Bel... Toda vez que David pensava nela, sentia um caroço subir pela sua garganta. Ele fora tão estúpido, tão cafajeste com ela, e tudo que ela lhe deu em troca foi o alívio de poder se livrar de sua culpa, de poder voltar a ser o mesmo David de anos atrás, sem mentiras, sem truques, sem ter que esconder nada à ninguém. Isso só o fazia se sentir pior em relação a ela. David sabia que Bel jamais o perdoaria, e ela estava com toda a razão. Afinal, quem no mundo perdoaria tudo o que ele lhe fizera passar? Ele próprio não se perdoaria jamais! David nunca seria digno do amor de uma pessoa tão pura como Bel. E ainda assim, mesmo com essa verdade profunda e intensa se cravando em suas entranhas, ele não podia deixar de se sentir leve. Finalmente fizera a coisa certa!

Entretanto, com toda a tortura de pensamentos que assolava a sua mente, ele se esquecera, se não do mais importante, o mais perigoso de todos eles: Chuck. Um baque surdo na porta o sobressaltou, fazendo-o despertar para o presente.

-Olá David! – Cumprimentou Chuck em um tom áspero assim que o baixista abriu a porta.

-Chuck!?

-Então eu fiquei sabendo que você teve uma conversa com o Pierre hoje cedo.

-Soube?... co-como...? – Ele gaguejou.

-Peggy me disse que você tinha contado a verdade para a Bel e eu resolvi te seguir, pra ver até aonde você iria me trair.

David engoliu em seco com a ameaça implícita na voz de Chuck.

-Você sabia que eu não achava isso certo... Pierre precisava saber...

-Eu pensei que você fosse leal a mim! – Enraiveceu-se Chuck.

-Pierre também é meu amigo... Bom, era – corrigiu ele tristemente – e eu achei que ele tinha que saber a verdade, isso é sobre ele também...

-E quanto a mim? Você não pensou que isso poderia me prejudicar também? Será que você é tão burro que não consegue entender o que isso significa, David? Isso não vai ser só o fim de uma amizade estúpida, isso vai ser o fim do Simple Plan! O fim de todos os nossos sonhos, que nós lutamos tanto para que tornassem realidade! Como você pode ser tão egoísta ao ponto de prejudicar os outros? Jeff e Seb, você não pensou neles?

-Essa história já começou errada, Chuck... Nada que comece com uma mentira pode dar certo! Talvez ainda exista uma chance de a banda dar certo agora que não temos mais que esconder nada de ninguém...

-E você acha que isso vai dar certo? – Gritou Chuck, impacientando-se cada vez mais. – Você acha mesmo que Pierre vai passar por cima dos seus sentimentos e continuar a tocar em uma banda que ele confia mais? Não, David, ele vai ser o primeiro a querer o fim do Simple Plan, e a culpa é toda sua! Você causou isso tudo por não me ouvir e por escutar aquela sujeitinha idiota! A sua obsessão em se desculpar com aquela garota acabou destruindo anos de trabalho.  Eu espero que você esteja feliz agora!

Ao terminar o seu discurso enfurecido, Chuck percebeu que estava perigosamente próximo demais de David. A qualquer segundo, as lágrimas contidas do baixista seriam demais para Chuck, e ele deixaria a raiva e o ódio se apossarem de seu corpo enquanto o espancava por sua idiotice.

-Eu não queria... Bel só quis... Ajudar... Pierre não... – David lutava com as palavras, tentando dizer algo que fizesse sentido além de suas lágrimas vergonhosas, quando algo que Chuck disse anteriormente lhe veio à cabeça. – Quando foi que você conversou com a Peggy? – O fato de Chuck procurá-la para uma conversa de qualquer tipo de fosse não fazia sentido nenhum.

Chuck recuou instintivamente ao ouvir o nome. Ele não poderia permitir que alguém suspeitasse de seus verdadeiros sentimentos por Peggy, já era ruim o suficiente que ela soubesse de seu sofrimento. Então, sentindo a raiva crescer ainda mais dentro de si, mas sabendo que qualquer ato impensado poderia denunciá-lo, ele resolveu mudar de tática. David não poderia pensar muito sobre aquele fato incomum se estivesse devidamente assustado.

-Isso não importa! – Ele colocou toda a sua raiva naquela afirmação, enquanto agarrava a camisa de David com uma fúria extrema. – Escute, David: a culpa de tudo isso é sua e eu não vou deixá-lo livre para que possa rir às minhas costas! Você era o único em quem eu podia confiar inteiramente e você estragou isso. Então, eu vou fazer com que sofra as conseqüências em sua própria pele, e nem tente escapar porque eu vou saber onde encontrá-lo!

David ainda estava tremendo, espremido entre a parede gelada e o braço forte de Chuck, quando o baterista o olhou fundo nos olhos antes de soltá-lo.

-Nos veremos em breve... – Ele deu uma tapinha em seu rosto e, em seguida, desapareceu pela porta ainda aberta.

David engoliu em seco e deixou-se cair ao chão. O medo que ele sentia de Chuck antes não era nada comparado àquele que o invadia agora...

 

***

 

Ele se deixou cair, exausto, no sofá padronizado do Hotel assim que descarregou sua última mala sobre o piso amarelo. Com um suspiro, ele plantou seu rosto entre suas mãos, se sentindo totalmente derrotado. Parecia que fazia séculos desde a última vez que ele sorrira. Agora que estava jogado e desiludido, sem ninguém, ele duvidava que poderia voltar a sorrir algum dia.

Pierre se lembrava das últimas semanas como um terrível pesadelo, com a única diferença de que ele sabia que não poderia acordar e dizer que tudo era mentira. Porque o que havia acontecido com Pierre era a mais pura verdade, dura e cruel, mas ainda era verdade! Era difícil acreditar que há apenas algumas semanas atrás ele era um homem feliz. A diferença daquele outro homem para esse parecia quase absurda.

Em questão de dias, Pierre perdera tudo o que julgava de mais importante. Perdera Peggy, o grande amor de sua vida. A mulher com a qual um dia ele chegou a fazer planos de construírem uma família unida e feliz. Perdera a casa que guardava as melhores lembranças de seus pais, quando eles ainda eram vivos. A casa onde ele cresceu e aprendeu a se virar sozinho na marra. E o pior de tudo, perdera seus melhores amigos. Ou melhor, aqueles que ele julgava serem seus amigos, mas que, na realidade, só mentiram para ele durante tantos anos. Pierre não tinha mais nada e não havia mais nada que pudesse ser feito para consertar sua vida. Perdera todos aqueles que ele amava e a dor que isso o fazia sentir era devastadora.

Pierre não tinha mais forças para nada. A única coisa que ele queria no momento era ficar ali, amaldiçoando sua vida desgraçada e morrer de tanto chorar. Ele jamais perdoaria Chuck pelo que o fizera passar. Jamais o perdoaria por fazê-lo perder Peggy daquele jeito. Peggy... Tantas vezes ela o alertara sobre o caráter de Chuck, mas como ele poderia desconfiar de seu melhor amigo? Melhor amigo! Pierre bufou de raiva ao pensar no “grande amigo” que ele foi. E ainda tinha David! Sempre do lado de Chuck, sempre fazendo o serviço sujo... Como é que alguém poderia desconfiar de alguém como David? Sempre tão vulnerável, sempre tão frágil... Agora ele sabia que fora tudo fingimento. E Jeff e Seb? É claro que eles também deveriam saber de tudo, ele pensou com amargura. Todos eles sempre ficavam do lado de Chuck nas suas armações, porque dessa vez seria diferente? Não, ele estava certo de que nunca tivera amigos de verdade. Eles fingiam ser seus amigos por causa da banda. Só por causa de uma banda idiota eles fingiram por todo aquele tempo que estariam sempre juntos, não importava o que acontecesse...

Mas agora aquilo teria que ter um fim! O Simple Plan não poderia mais continuar quando Pierre sabia que estava sozinho. Ele sempre esteve sozinho, imaginando em sua cabeça uma banda que não existia na realidade...

O interfone começou a tocar de repente, despertando-o parcialmente da tortura de seus pensamentos.

-Alô? – Disse ele ao bocal logo após apertar o botão do interruptor.

-Sou eu. – Respondeu aquela voz irritantemente familiar.

-O que você ainda quer aqui? – Pierre perguntou de mau-humor.

-Você vai me deixar subir pra falar com você ou não?

-Você não vai me deixar em paz se eu disser “não”, não é? – Ele adivinhou, lembrando-se da personalidade inconveniente da irmã.

-É claro que não! – Respondeu ela em tom insolente.

-Ótimo! Suba então. – Ele ironizou, batendo o bocal no interfone com uma violência desnecessária.

Alicia não poderia ter escolhido hora pior para aparecer...

-E então, o que fez você ter que fazer o sacrifício de me ver de novo? – Perguntou Pierre com azedume assim que ela apareceu em sua porta já aberta.

-Só vim buscar a chave da casa que ainda está com você antes de ir embora.

-Nossa! Isso tudo é medo de que eu invada a sua preciosa casa e a saqueie às escondidas?

-Não seja engraçadinho, você sabe que ela não me pertence mais.

-É claro que não! Quem é que se importa com a casa onde os pais viveram seus últimos dias antes de morrer?

-Você quer parar de me torturar e entregar logo a droga da chave?

É claro! Pierre queria acabar logo com aquilo e se ver livre de sua irmã insensível.

-Ela está em cima da mesa. – Ele informou duramente.

Alicia passou indiferente pelo irmão, esticando o braço para que sua mão pudesse alcançar o pequeno objeto prateado. Ao se voltar novamente para Pierre, sua expressão estava mudada.

-Satisfeita? Ou tem mais alguma coisa que você gostaria que seu irmão escravo fizesse por você? – Satirizou ele.

-Sabe, eu não sou esse monstro todo que você pensa, Pierre! Eu sinto muito que as coisas tivessem que terminar dessa forma...

-Guarde suas desculpas patéticas pra quem acredite nelas, Alicia!

-Eu não queria ter te tirado da casa, Pierre, é sério.

-Ah, claro! Você só fez isso pro meu bem. Me deixou sem ter onde morar porque gosta de mim, totalmente compreensível.

-Eu só fiz isso porque não queria que você sujasse a memória dos nossos pais!

-E quem você pensa que é pra falar dos nossos pais? Quem pensa que é pra chegar depois de tanto tempo como se fosse a dona da verdade e da justiça? Depois que nossos pais morreram Alicia, eu pensei que poderia ser pior do que aquilo, até que a minha irmã me abandonou com apenas 15 anos de idade e eu tive que me virar pra sobreviver sozinho. Você não sabe tudo o que eu tive que passar. Você nem imagina tudo o que tive que fazer pra manter minha sanidade mental e as coisas no lugar. Então, não venha me dizer que você está sendo boazinha porque isso não é verdade, Alicia.

-Eu sei que fui errada com você, mas eu também sou humana, Pierre! Como você acha que eu me senti com uma responsabilidade daquele tamanho em minhas mãos? Eu só tinha 18 anos, tinha a vida inteira pela frente! Eu não queria ficar aprisionada em Montreal, uma cidade que trazia tantas lembranças... Eu não estava preparada pra cuidar de você...

-Aí você resolveu fugir sem me dar notícias!

-Eu queria voltar! Eu só estava esperando a minha vida se arrumar um pouco pra poder te tirar daqui também, mas as coisas se complicaram... E depois eu soube que você estava em uma banda e pensei que você não fosse querer se desfazer dela pra me acompanhar... Eu achei que você estivesse seguindo com a sua vida, até que recebi aquele telefonema e descobri a pessoa que você havia se tornado. Me machucou por dentro saber que meu irmão era um fanfarrão...

-Você não sabe de nada, Alicia! De nada... – Pierre balançou a cabeça de forma cansada.

-Mas você não vai ficar sem teto por muito tempo, não é? Eu ouvi dizer que a sua banda está indo muito bem, você pode usar o dinheiro que ganha pra comprar outra casa.

Pierre a encarou, incrédulo.

-Então você acha que pode saber alguma coisa sobre a minha vida? Detesto te desapontar, maninha, mas as coisas não são bem assim.

-Então me diga você.

-Os caras que eu achava que fossem meus amigos só querem me destruir. Como você pode ver, eu tenho ninguém em quem confiar e os dias com o Simple Plan estão contados. E agora, graças a você, eu também não tenho mais nada pra me apoiar. A conta da banda é conjunta e eu não posso mexer nela até que os advogados entrem em ação. Eu tive que vender meu baixo pra vir pra cá, e eu não sei até quando o dinheiro vai dar pra cobrir as despesas. – Pierre explodiu as palavras, colocando toda a sua raiva em evidência.

-Eu não sabia que as coisas eram assim...

-Existem muitas coisas as quais você não sabe!

Alicia encarou o chão por um momento, repensando no que havia feito. Quando falou, por fim, sua voz estava cheia de culpa:

-Bem, de qualquer modo, não podemos viver o resto de nossas vidas atrelados ao passado. Eu estou disposta a te ajudar! É só você dizer sim que eu marco sua passagem junto com a minha. Vamos embora daqui, Pierre! Vamos para um lugar onde os fantasmas do nosso passado não podem nos encontrar. – Implorou ela.

Pierre riu.

-Você está tentando consertar os seus erros?

-E se for? O que tem de errado?

-Bom, você pode tentar, mas não vai conseguir. É tarde demais pra você querer fazer algo por mim. Quando eu mais precisei, você não estava aqui pra me ajudar. Agora tudo o que eu quero é que você me deixe em paz!

Alicia deu um passo em direção ao irmão, tentando fazê-lo acreditar em sua sinceridade.

-Não precisa ser assim, Pierre...

-Não se aproxime de mim! Você já me causou danos suficientes, então, se me fizer o favor de sair com sua maldita chave, eu ficarei muito grato. – Disparou ele.

Pierre não ficou olhando para ver Alicia sair do quarto.

-E não pense que isso vai ficar assim. Pode demorar um pouco, mas eu juro que vou recuperar a casa. Meus pais merecem mais do que isso! – Ele disse antes que ela pudesse sair, como palavras de despedidas.

Quando Pierre foi fechar a porta, pode ouvir uma música muito conhecida tocando baixinho no outro quarto. Mas não baixo o suficiente para não incomodá-lo.

 

“I open my eyes, I try to see but I'm blinded by the white light… I can't remember how, I can't remember why, I'm lying here tonight… And I can't stand the pain. And I can't make it go away; no I can't stand the pain…”

 

Untitled… Não poderia haver música mais apropriada para o que ele estava sentindo agora. Pierre se lembrava muito bem de quando a compusera, em uma época onde nada importava além da sua banda. Naquela época, Pierre achava que poderia ter uma vida razoavelmente feliz, com amigos verdadeiros ao seu lado. Quando foi que tudo mudou?

 

“How could this happen to me? I've made my mistakes, got nowhere to run… The night goes on as I'm fading away, I'm sick of this life, I just wanna scream… How could this happen to me?”

 

Uma música sem título… Uma vida sem nome, totalmente sem sentido… Não existia mais salvação... De repente, nada mais importava para ele, porque tiraram sua vontade de continuar lutando. Roubaram seus sonhos, o resto de felicidade que lhe sobrava e ele não conseguia entender como tudo aquilo pôde acontecer em tão pouco tempo. Do outro lado, a música continuava a tocar e Pierre cobriu a cabeça com um travesseiro antes que ficasse maluco. Não queria mais pensar em nada e aquilo não estava ajudando...

 

“I'm slipping off the edge, I'm hanging by a thread, I wanna start this over again… So I try to hold on to a time when nothing mattered… And I can't explain what happened and I can't erase the things that I've done… No I can't…”

 

A música continuava a entrar pelos seus ouvidos como uma tortura. Ele não podia mais ficar ali ou acabaria realmente enlouquecendo. Tinha que fugir, ir a um lugar onde pudesse esquecer-se de tudo aquilo. Ele precisava se esquecer de Alicia. Precisava se esquecer de Chuck, de David, de Jeff, de Seb. Precisava se esquecer de que era Pierre Bouvier... Mas pra onde ele poderia ir? Qual lugar no mundo ele ainda poderia conseguir algum consolo? Só existia um rosto que ele queria ver naquele momento... Só uma única pessoa poderia fazê-lo se sentir melhor agora. Ele não se importava que ela não o perdoasse. Não se importava que as coisas nunca voltassem a ser como eram antes. Ele só precisava olhar para aquele rosto mais uma vez. A última vez talvez, mas ele ainda precisava...

Pierre limpou o rosto molhado de lágrimas com as costas das mãos e correu em direção à porta. Deixou a música irritante para trás e saiu rumo ao seu destino sem esperanças...


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