(Un)Lost escrita por Nightmare


Capítulo 3
#02. Quando a vida te oferece laranjas


Notas iniciais do capítulo

Desculpem pela demora, queridos leitores. ENEM está chegando, e quanto mais ele se aproxima, mais escasso se torna meu tempo livre. - cahem, desculpas à parte
Espero que gostem do capítulo. Ele ficou um pouco maior do que o anterior, e creio que os capítulos futuros venham a ter mais ou menos o mesmo tamanho... Espero que não fique muito massante.
De qualquer forma, não adiarei mais sua leitura~



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Região de Hoenn, 4 de Julho de 2024.

— Atenção passageiros, pousamos agora em Mauville City. Horário local, 05:12; temperatura, 29 °C. Esperamos que tenha sido um ótimo voo. A FlyGon Hoenn agradece a preferência e deseja revê-los em viagens futuras. — anunciou uma das atendentes de bordo ao microfone.

— Finalmente. — suspirou, aliviado, o rapaz de cabelos negros.

Infelizmente, para Caesar, o voo havia sido tão desgastante quanto sua experiência no aeroporto de Kalos. Seu pescoço doía, bem como suas costas, e sua perna esquerda formigava de forma insuportável, devido à terrível posição em que dormira. Esse era apenas um dos motivos para o garoto detestar viagens longas em aviões, mesmo que tivesse assentos na primeira classe. Seu Zorua, ao menos, parecia ter descansado mais do que ele, demonstrando uma postura calma ao observar, através da janela aberta, alguns Taillows – pássaros característicos de Hoenn – a brincar no pequeno gramado ao lado da pista de pouso.

Após esperar a massa de pessoas evacuar, o garoto levantou-se pela primeira vez em dezesseis horas, checando o Iphone 7 em seu bolso e verificando que o aparelho já havia se atualizado automaticamente para o fuso horário de quatro horas mais tarde de Hoenn. Em seguida, abriu o compartimento sobre sua poltrona para retirar deste sua mochila, roboticamente ajeitando-a em suas costas. Com um gesto de cabeça, sinalizou para que Dark subisse em seu ombro para que pudesse, finalmente, desembarcar, e ter a diversão de passar pela fila de imigração. Ele mal podia esperar.

A passos rápidos, o rapaz deixou a aeronave, ignorando os funcionários de bordo que lhe desejavam um bom dia.

***

Após quase uma hora perdida nas filas de imigração e esperando que sua mala aparecesse na esteira rolante, Caesar finalmente conseguira encontrar uma lanchonete o mais próxima possível do termo “decente” para que pudesse forrar seu estômago depois de tanto tempo sem comer. Seu café da manhã fora composto de um suco extremamente artificial de groselha e alguns pães de queijo, os quais tivera de pedir a um atendente nada simpático para serem esquentados – e, mesmo assim, continuavam um pouco frios. Aproveitara para alimentar também seu Zorua com alguns pokéblocos que havia trazido em sua mochila; não era muito, mas serviria até que encontrasse um lugar para lhe comprar mais ração.

Após finalizar sua “refeição” – comida de pobre, como o garoto gostava de chamar –, Caesar pôde finalmente sair daquele ambiente inconveniente que era o aeroporto, dirigindo-se até um dos taxistas que tentavam, desesperadamente, conseguir algum passageiro. Em situações normais, ele pediria a algum funcionário encarregado de fornecer transporte para chamar-lhe uma limousine, porém, não dispunha de tempo suficiente para fazê-lo.

— Gostaria de ir até o Quartel General dos Rangers. — informou o garoto ao homem rechonchudo e de barba malfeita que aguardava em frente a um dos táxis.

— É para já, senhor. — sorriu o taxista, abrindo educadamente a porta para seu mais novo passageiro.

Durante o trajeto, o motorista tentou iniciar uma conversa com o rapaz algumas vezes, mas desistiu ao perceber sua falta de vontade, perceptível através de suas respostas curtas e secas. O homem só tornou a sorrir novamente quando chegou ao seu destino, recebendo de Caesar uma nota de cinquenta dólares quando o custo da viagem havia sido de apenas 16,50, sob a desculpa do garoto de que não possuía notas menores e não querer receber o troco. Simpático novamente, o taxista desejou um ótimo dia a seu passageiro, agradecendo-o múltiplas vezes. Era engraçado como o dinheiro mudava as pessoas.

Ao observar o prédio do Quartel General dos Rangers pela primeira vez, Caesar ficou perplexo – era muito mais moderno e, certamente, maior do que esperava. A arquitetura contemporânea da construção lembrava, sutilmente, a forma de uma árvore, inteiramente feita de um material metálico, prateado, do tipo que permite a visão de dentro para fora, mas não o inverso; provavelmente, uma medida de segurança. Além disso, bordado nas paredes tão delicadamente que parecia, até mesmo, ter sido feito à mão, encontravam-se diversas silhuetas de pokémons nativos de Hoenn, cada qual contornada por uma cor luminosa de tom diferente – verde, azul, violeta, amarelo, laranja, vermelho –, uma clara intenção de demonstrar a biodiversidade da região. Caesar teve de admitir, estava impressionado; mas, sinceramente, vindo de um grupo de “tarzans-robin-hood”, qualquer estrutura mais complexa do que uma oca o surpreenderia.

Apesar de ter chegado quinze minutos mais cedo do que a hora em que deveria, de fato, apresentar-se no quartel, era possível verificar, através da enorme porta de vidro, que as luzes do local já estavam acesas, indicando que já havia movimentação no interior. Dessa forma, o rapaz de cabelos negros aproximou-se da construção, adentrando-a – mas não sem antes questionar, uma vez mais, o que estaria fazendo com a sua vida.

O interior do prédio era, também, muito aconchegante. Bem iluminado, com diversos quadros retratando o trabalho dos Rangers e seus grandes feitos. Algumas espécies de plantas e flores completavam a decoração do local, estando dispostas por entre sofás, mesinhas e balcões.

O detalhe que mais lhe chamara a atenção fora, no entanto, um cartaz colado a uma das pilastras da grande sala. O rosto angelical e delicado da menina loira fotografada no papel, abaixo da palavra “desaparecida”, em letras grandes, trazia Caesar de volta à realidade, fazendo com que o medo e a preocupação, as quais o garoto tentava suprimir, submergissem novamente. Quase inconscientemente, o rapaz aproximou-se da fotografia, analisando cada detalhe da face da amiga perdida, permitindo que todos os seus anseios e pensamentos tornassem a perturbar sua mente.

— Bom dia, senhor. Em que posso ajudá-lo? — perguntou o atendente, deixando de lado os diversos papéis que antes verificava para tirar o garoto de seus devaneios.

Desviando o olhar do cartaz, Caesar tornou sua atenção para a voz desconhecida. No centro da sala, encontrava-se o balcão da recepção, por trás do qual trabalhava focado um jovem de cabelos castanhos, que certamente apresentava menos de vinte anos. Ajeitando seus óculos, o rapaz caminhou calmamente em direção ao atendente.

— Sou Caesar Magnus King. Estou aqui para começar meu trabalho como Ranger. — parecia que, quanto mais aquela frase era repetida, mais ridícula ela se tornava. Dark esboçou um sorriso de divertimento ao perceber o tom de seu treinador, esquecendo-se de que ele também estava naquele barco.

— Ah, sim! — e, novamente, o garoto mexia em uma pilha de papéis, puxando desta um formulário e entregando-o a Caesar. — Recebemos sua ficha, e Marcus, líder do time do qual você fará parte, me informou sobre sua chegada. Seja bem-vindo aos Rangers de Hoenn. — ele bateu continência.

— Tá, tanto faz. — mal-humorado, o jovem de cabelos negros puxou os papéis, preenchendo-os de forma robótica.

Atentamente, conferiu se todos os detalhes estavam certos; nome escrito corretamente, CPF, número de identidade e, principalmente, o time ao qual havia sido designado. Caesar havia pedido, explicitamente, em sua carta de inscrição, para fazer parte do grupo ao qual Dakota pertencia, antes de seu sumiço – acreditava que, convivendo com pessoas que a conheciam, teria mais chances de conseguir pistas sobre seu desaparecimento. Ao finalizar tudo, entregou os documentos ao jovem recepcionista.

— Obrigado, Caesar. — assentiu o menino, apanhando os papéis e guardando-os cuidadosamente. — Marcus logo chegará para...

— Bom dia, recruta. — uma voz grossa e masculina soou por detrás do balcão.

Tornando sua atenção para o local de onde o som fora emitido, Caesar notou um homem alto, de pele morena como a de indígenas, cabelos curtos espetados para cima e olhos negros como a mais sombria das noites, sendo impossível identificar sua pupila. Seu físico era, certamente, o de um atleta, de braços e pernas musculosos, em contraste com o rapaz franzino que estava a sua frente. Vestia o uniforme dos Rangers, constituído por uma regata e par de calças, ambos vermelhos, com um brasão dos Rangers – uma pokébola sendo segurada por uma mão humana envolta por raízes – bordado no canto esquerdo do peito, na mesma altura do coração. Logo atrás dele, uma peculiar criatura flutuava, pouco acima de sua cabeça. Seu corpo rochoso tinha a forma perfeita de um sol, sendo majoritariamente alaranjado, com alguns espinhos similares a raios solares circundando seu corpo esférico, e suas duas orbes eram vermelhas como sangue. O Solrock analisou o garoto por alguns segundos, aproximando-se deste apenas para rodeá-lo e retornar para o lado de seu treinador.

— Se você já acabou aí, venha comigo. — continuou o homem, após não receber uma resposta do garoto. — Vou lhe mostrar o grupo e o quartel antes do início de nossa patrulha.

Ainda sem nada dizer, Caesar o seguiu. Havia acabado de conhecer Marcus, e já não gostava dele.

O homem pouco andou, até parar a frente de um elevador, ao fundo do prédio. Quase que imediatamente após a sua chegada, a porta se abriu, revelando um complexo painel de botões em uma de suas laterais. Marcus pressionou aquele onde podia-se ler “HQ” – provavelmente, uma abreviação de headquarters. A velocidade com a qual subiram trinta e dois andares até chegarem ao último piso fora surpreendente. Quem diria, os selvagens foram apresentados à tecnologia, pensou o garoto de cabelos negros, levemente surpreso.

O piso superior era muito maior do que o primeiro, uma vez que se localizava na “copa” da construção em formato de árvore, sendo constituída por uma enorme sala com uma única porta em sua lateral direita, a qual Caesar julgou levar a um banheiro. Um enorme tapete laranja com o símbolo dos Rangers de Hoenn estendia-se no centro do chão de mármore branco. A parede circular do andar era inteiramente feita de uma espécie de vidro reforçado, apresentando uma incrível vista de boa parte da região. Um enorme sofá branco de dez lugares situava-se no fundo da sala, enquanto outro similar a este, porém de apenas quatro lugares, encontrava-se encostado na parede, em frente a uma enorme tela plana, cujo a altura compreendia três quartos da altura do cômodo. O teto do local apresentava silhuetas de diversos pokémons e flores, tendo em seu centro a escrita “Rangers de Hoenn”. O detalhe mais chamativo era, no entanto, um painel de controle extremamente extenso, dotado dos mais diversos botões, posicionado logo abaixo do enorme televisor. A essa altura, Caesar encontrava-se boquiaberto e inconsciente de tal fato. Os guardinhas florestais realmente haviam superado suas expectativas – e como o haviam feito.

Após avaliar cada detalhe do ambiente, o garoto de cabelos negros finalmente percebeu os outros presentes; uma jovem loira de corte Chanel, que jogava xadrez distraidamente contra um rapaz aparentemente novo demais para ser integrante dos Rangers, e uma morena que repousava no sofá ao fundo da sala. Sob o tapete laranja, uma espécie de canídeo de reluzentes pelos brancos e face negra, de aproximadamente um metro de altura, apresentando um peculiar chifre em formato de foice no topo de sua cabeça, parecia brincar de cabo de guerra com uma raposa de metade do seu tamanho, que balançava animadamente suas seis caudas em um movimento delicado. Caesar conhecia aquele pokémon – afinal, possuía conhecimentos avançados sobre cada um dos monstros de bolsa já descobertos, graças a um curso no qual fora matriculado pouco antes de iniciar sua jornada como treinador –, contudo, sua pelagem o surpreendera: era alva como a neve.

— Então, esse é o novato. — exclamou a morena de cabelos negros presos em um longo rabo de cavalo, levantando-se do sofá e caminhando até o recém chegado, fitando-o da cabeça aos pés. — Achei que seria um pouco mais alto. E forte. — completou, cruzando os braços ao zombar explicitamente da falta de massa muscular do garoto.

— Tamanho e força física não são os únicos fatores que caracterizam um bom oponente. — rebateu, prontamente, o garoto de cabelos negros, recebendo apoio do Zorua em seu ombro, que emitiu uma espécie de latido em confirmação. Caesar não havia visto o comentário da garota como uma ofensa, apenas sentiu pena de sua cabeça fechada.

— E ele fala. — constatou Marcus, impressionado. — Não havia ouvido a voz dele até agora.

— Deixem ele em paz, galera! — pediu a loira, ainda sentada no chão, de frente para o tabuleiro de xadrez. Aparentemente, havia sofrido um xeque-mate. — Aposto que ele tem muito potencial para mostrar. — sorriu, fitando Caesar com seus olhos verde esmeralda.

— Apaga esse fogo. — murmurou seu oponente de xadrez, baixinho, para que apenas ela ouvisse, colocando uma de suas mãos sobre o rosto, em desaprovação. Como resposta, recebeu um olhar mortal da garota.

— Chega de jogar conversa fora; temos uma patrulha para fazer em pouco tempo. — anunciou o líder do grupo, sério, fazendo com que todos retornassem ao grande nada que faziam. — Novato, venha comigo.

À contragosto, Caesar fez o que lhe fora pedido, acompanhando o homem até o painel de controle. Fascinado pela complexidade do sistema, o rapaz fez uma nota mental para estudá-lo algum dia que estivesse de bobeira no quartel general, para não perder seu precioso tempo como os outros integrantes do grupo agora perdiam.

— Aqui está seu uniforme. — informou Marcus, apanhando uma sacola transparente contendo algumas mudas de roupa, todas laranja. A cor que mais odiava. — Agora, precisamos apenas registrar sua biometria e seus pokémons.

O moreno apertou um dos inúmeros botões do painel, o qual fez com que parte da enorme mesa se abrisse, revelando um leitor de digitais e seis pequenos scanners fechados, dentro dos quais havia um apoio em forma de semiesfera. Após configurar o leitor, pediu para que Caesar colocasse neste seu polegar, informando-lhe que a biometria seria por ele usada para abrir qualquer porta em todo o prédio, até mesmo a de seu próprio quarto. Em seguida, pediu para que o garoto retirasse de sua mochila todas as suas pokébolas, para que pudesse registrar também seus monstrinhos de bolso. Surpreendeu-se, no entanto, quando este mostrou apenas cinco esferas metálicas.

— Cinco? — estranhou o homem, erguendo uma de suas sobrancelhas. — Você só tem cinco pokémons?

— Sim. — afirmou o rapaz.

— Como você pode querer se tornar parte dos Rangers com um time incompleto? — indagou Marcus, a irritação perceptível em seu tom. — Quem aprovou sua ficha de inscrição? Um Ranger precisa ter o apoio do maior número possível de pokémons, não sabe disso? É uma de nossas regras fundamentais!

— Marcus, dá um desconto para o novato. — pediu a morena alta, ironicamente fazendo beicinho. — Dê um prazo a ele. Tem vários pokémons por aqui, ele pode capturar um.

— Concordo. — apoiou a loira de cabelos curtos. — Ele parece ter potencial. — lançou uma piscadela para o rapaz de cabelos negros, que fingiu não notar.

O homem massageou as têmporas com uma de suas mãos. Após alguns segundos, contudo, suspirou, acalmando-se. Porém, não parecia tão satisfeito em sua decisão de abrir exceções.

— Tudo bem. — disse, por fim. — Você tem uma semana para conseguir mais um integrante para o seu time. Se até lá você continuar com apenas cinco pokémons, serei obrigado a te expulsar por desqualificação. Estamos entendidos?

— Que seja. — o garoto revirou os olhos. Era bom que conseguisse encontrar Dakota em menos de uma semana, pois não estava disposto a fazer alterações em seu time, e certamente não adotaria um pokémon fraco.

Marcus finalizou o processo de cadastro do recém chegado e seus pokémons rapidamente. Uma troca de olhares entre o garoto franzino e o homem encorpado, de duração de aproximadamente cinco segundos, tornou possível identificar a tensão que havia entre os dois. Se a falta de pokémons não tirasse Caesar do time de Rangers, sua arrogância e teimosia fariam o trabalho; e Marcus adoraria assinar a carta de expulsão do rapaz.

— Guarde suas coisas no seu quarto e troque de roupa. — ordenou o líder. — Número 05, no andar logo abaixo.

O garoto de cabelos negros apenas assentiu, sem nada dizer, e deu as costas, seguindo em direção ao elevador.

— E, quando acabar, espere-nos no primeiro andar para discutirmos as tarefas do dia. — completou.

E a porta do elevador se fechou.

***

— Eu realmente odeio laranja.

De cenho franzido, o rapaz examinava sua imagem no espelho retangular de moldura enfeitada por uma imitação artificial de cerca viva. O uniforme dos rangers, o qual vestia, apesar de caber perfeitamente, era apertado demais para seu gosto. Havia optado pela versão de manga comprida, ignorando o calor característico da região de Hoenn, pois assim não pareceria uma tia dos anos sessenta desfilando a nova moda de maiô de manga curta. As calças de mesmo tom e botas negras de cano baixo eram obrigatórias, para o desgosto ainda maior do garoto.

Uma risada de divertimento do Zorua, que descansava na borda da cama de solteiro, apenas serviu para irritar ainda mais Caesar. Até que ele se lembrou de algo.

— Você gostou, é? — o menino ergueu uma de suas sobrancelhas, aproximando-se da raposa de pelos negros. — Não se preocupe, tenho uma coisinha para você também.

O vulpino soltou um resmungo ao ver o treinador retirar de um de seus bolsos uma espécie de pano laranja com o brasão dos Rangers nele bordado. Após certa relutância, permitiu que o rapaz amarrasse a bandana ao redor de seu pescoço. Dark fitou o acessório com repulsa e rosnou baixo, sacudindo a cabeça em uma tentativa inútil de livrar-se do objeto.

— Estamos juntos nessa. — exclamou Caesar. — Se eu tenho que usar esse colã de fazendeiro, você vai ficar com a echarpe de senhora. — o Zorua revirou os olhos com as palavras de seu treinador mas, por fim, assentiu, mesmo que contrariado.

Com um suspiro, Caesar sentou-se em sua nova cama ao lado de seu companheiro, apoiou suas mãos nos joelhos e repensou todas as decisões que havia feito nas últimas semanas. Ele sabia que tudo valeria a pena ao reencontrar Dakota – mas, e se não conseguisse fazê-lo? Só podia esperar que a garota estivesse bem, e faria o possível e o impossível para encontrá-la. Reerguendo sua cabeça, o rapaz fitou o relógio digital que repousava sobre a mesa de cabeceira, notando que já era hora de ir. Fazendo uma nota mental para revistar o quarto – o qual pertencia, anteriormente, a sua amiga perdida – ao retornar de seu passeio na floresta com os naturebas, o garoto se levantou, apanhando as cinco esferas bicolores dentro de sua mochila e ajustando-as em seu cinto.

— Vamos, Dark. — fez um sinal com a cabeça para que a raposa o acompanhasse, dirigindo-se até a porta. — E que esse seja o primeiro de não muitos dias.

Trancando cuidadosamente a porta de madeira ao sair, o rapaz de cabelos negros seguiu até o elevador e, para seu azar, a viagem até o saguão principal do prédio dos Rangers não demorou muito. Quando as portas de metal se abriram, Caesar pôde ver seus quatro mais novos colegas de time, cada um deles acompanhado por um pokémon – os mesmos que ele havia visto antes, no último andar.

— Achei que você não fosse vir. — zombou a morena alta. Ela também estava começando a irritar o garoto, mas não tanto quanto o líder eu-sou-demais.

— Gente, parem de implicar com ele! — pediu a loira de olhos azuis como um céu sem nuvens, defendendo o recém-chegado mais uma vez. — Acho que já passou da hora de nos apresentarmos, não é? — afirmou, exibindo um sorriso e aproximando-se de Caesar para apertar sua mão. — Sou Mary Jane, e essa é Ivy. — apontou com a cabeça para a raposa branca de seis caudas em seu colo. Os olhos rubros da criaturinha fixavam-se no rapaz. — Ela é uma Vulpix albina. — explicou, ao notar o semblante confuso do garoto ao examinar a cor peculiar da vulpina.

— Caesar Magnus King. — respondeu, retribuindo brevemente o aperto de mão da jovem. Em situações normais, ele se recusaria a fazê-lo; contudo, precisava aproximar-se dos amantes da natureza caso quisesse coletar o máximo de informações sobre Dakota. — E esse é Dark. — estendeu o indicador em direção ao Zorua, que manteve seu olhar sério e ar superior.

— Um Zorua Shiny, huh? — indagou o menino de cabelos ruivos, fitando a raposa negra. — Interessante. Archibald, à propósito. Archie, se preferir. — assentiu. — Wallflower, não seja tímida. — ele murmurou, aparentemente para seu ombro. Apenas quando uma silhueta dourada começou a surgir, no espaço que antes jugava estar vazio, Caesar percebeu tratar-se de um pokémon. O pequeno camaleão de escamas esverdeadas, com detalhes faciais em amarelo e uma única listra vermelha em sua barriga, estendeu uma de suas delicadas patinhas para acenar timidamente para o desconhecido.

— Jolene Russo Delaney. — exclamou a morena alta com um sorriso, claramente zombando do rapaz ao revelar seu nome inteiro, como esse havia feito. — Espero que não se incomode, mas vou te chamar de novato. — provocou.

Um latido poderoso ecoou pela sala enquanto o Absol se posicionava majestosamente ao lado da morena, estufando o peito em uma postura respeitosa.

— E esse é Abaddon, claro. — apontou para o canídeo.

— Creio que já saiba meu nome, novato. — o homem musculoso de cabelos negros espetados iniciou, cruzando os braços. — Marcus Antinanco, caso tenha esquecido. Sou o líder do time, portanto, você precisará estar atento às minhas ordens. — afirmou, em um tom autoritário, que só fez aumentar a raiva que o garoto franzino sentia por ele. — Acho que você também já conheceu Hefesto. — apontou para o Solrock que flutuava ao seu lado.

— Certo, certo. — Jolene bateu as mãos duas vezes, como quem pedia por uma pausa. — Apresentações feitas. Agora, chega de perder tempo.

— Você está certa, Jo. — riu-se o líder, fazendo um gesto com as mãos para que os outros o seguissem. — Temos trabalho a fazer.

O garoto de cabelos negros bagunçados observou todos cruzarem a porta do saguão principal, antes de fazê-lo – não sem antes questionar uma vez mais sua sanidade e mentalmente afirmar que Dakota estava lhe devendo uma por todas as loucuras que ele estava fazendo, como se a menina pudesse ouví-lo. Com um suspiro, obrigou-se a atravessar a porta de vidro, permitindo que a intensa luz solar quase o cegasse. E foi ao sentir o calor alastrando-se por todo o seu corpo de forma extremamente rápida que ele tornou a detestar a roupa cor de laranja.

***

— Olha só, laranjas! — exclamou o jovem de cabelos ruivos, apontando para os frutos no alto de uma árvore.

Fazia mais de uma hora desde que saíra do Quartel General dos Rangers em Mauville para aventurar-se na mata com os selvagens, e nada de interessante havia ocorrido. Caesar continuava a caminhar alguns passos atrás do grupo, esperando pelo momento em que realmente fossem realizar alguma ação importante, confirmando as informações de Dakota sobre os atos de bravura que os guardas florestais praticavam diariamente. Como ele previa, suas teorias sobre a futilidade dos naturebas pareciam estar corretas.

— Quer ajuda aí, Archie? — perguntou a morena ao ouvir o comentário do outro. — Abaddon, Razor Wind! — comandou ao Absol que, com maestria, pôs-se a desferir, com o auxílio de seu chifre negro, diversas lâminas de ar em direção aos frutos.

Como ele seria capaz de descobrir o que acontecera à Dakota se ele estava ali, perdendo o seu tempo com aqueles amantes da natureza vestidos em fantasias de bailarinos e galochas de fazendeiro? O rapaz acreditava que a melhor forma de encontrar pistas sobre a amiga desaparecida seria seguindo sua rotina e conversando com os mais próximos dela mas, àquela altura, pensava que poderia ter tido mais sorte vasculhando seu antigo quarto no prédio dos Rangers.

— Muito obrigado, Aba! — agradeceu o menino, feliz, acariciando os pelos macios e reluzentes do canídeo, que derrubara alguns dos frutos alaranjados, executando seu golpe com maestria. — Quem quer uma laranja?

Talvez, ao menos uma única vez em sua vida, ele devesse deixar de ser tão pessimista e encarar os fatos: ganhar a confiança dos guardinhas seria sua melhor chance de obter informações significativas sobre Dakota. Contudo, duvidava que fosse possível mascarar sua personalidade fria para mostrar interesse em uma conversa banal com qualquer um dos integrantes do grupo. Analisando suas opções, rapidamente descartou um diálogo com o líder eu-mando-em-você; além de odiá-lo desde que o conhecera, aproximadamente duas horas atrás, ele não parecia ser o tipo de pessoa com a qual sua amiga desaparecida se relacionaria. Archibald era mais tímido, certamente precisaria de mais tempo para aproximar-se dele; apenas tornaria sua tarefa difícil ainda mais trabalhosa. Mary Jane tinha o jeito alegre e divertido de ser, o qual Caesar desprezava completamente; a única vantagem era o interesse que a garota havia demonstrado pelo recém-chegado, indicando que não precisaria se esforçar muito para conseguir arrancar algo dela – no entanto, duvidava de sua capacidade de suportar sua personalidade por mais de dois minutos. Já Jolene...

— Vai uma laranja, novato? — indagou a morena alta, lançando uma das frutas em direção ao garoto antes mesmo de obter desse uma resposta.

Após ser repentinamente tirado de seus devaneios, apanhando o fruto graças a seus reflexos, o rapaz franzino precisou de alguns segundos para assimilar a situação. Franziu ao identificar o alimento em suas mãos, lançando-o ao ar logo em seguida para que seu Zorua o pegasse, o que a raposa negra fez em um salto majestoso, abocanhando a laranja facilmente.

— Eu odeio laranja. — ele respondeu, simplesmente, o desgosto perceptível em sua voz.

A morena parou por um instante, analisando o garoto e seu pokémon. Alguns segundos se passaram até que ela finalmente deixou escapar uma leve risada.

— Você e seu Zorua são bem parecidos, — afirmou a garota, passando as mãos por seus cabelos presos em um rabo de cavalo. — mas ele não parece desprezar tanto as frutas como você. — apontou, ao observar a raposa de pelos negros e azuis degustando o alimento que lhe fora oferecido.

— Não são todas as frutas; são laranjas. — bufou o jovem, revirando os olhos. — Eu gosto de Lichias. — deu de ombros.

— Nossa, da alta classe ele. — zombou Jolene, rindo novamente. — Então, novato, o que um garoto tão nobre quanto você está fazen... Abbadon?

A breve conversa entre os dois – para o alívio e também desgosto de Caesar, que não estava precisando se esforçar muito para trocar palavras com a morena, embora não estivesse realmente se divertindo com tal – fora repentinamente interrompida por uma súbita mudança de comportamento do canídeo de pelos brancos, que parecia receoso. Com um latido baixo, o pokémon parecia pedir para que o seguissem, disparando por entre as árvores logo após.

— Ele ouviu alguma coisa! — informou a morena, correndo atrás de seu companheiro quadrúpede.

Provavelmente apenas um Purrloin preso em uma árvore, pensou o rapaz, embora a seriedade com a qual o grupo tratava o instinto do Absol o obrigasse a seguí-los. Sua falta de forma, acrescida a um físico não muito favorável e um caso de asma que tivera durante sua infância, fez com que Caesar quase ficasse sem ar ao esforçar-se para acompanhar os outros. Poucos minutos, que para o garoto mais pareceram horas, se passaram, até que fosse finalmente possível escutar um pedido de socorro. Não muito depois, aproximando-se de uma clareira, pôde-se observar uma figura humana tentando desesperadamente subir uma árvore, rodeada por alguns Houndours e dois Mightyenas. Para o alívio do garoto de cabelos negros, ao observar a cena, o time de Rangers cessou sua correria, mantendo distância suficiente para que não pudessem ser vistos pelos pokémons agressivos, para que pudessem elaborar cautelosamente um plano.

— Quais são as ordens, Marcus? — questionou a jovem loira ao colocar sua Vulpix alva no chão, esperando por instruções.

— Precisamos dispersar os pokémons para ajudar aquele homem. — avaliou o adulto musculoso, tornando sua atenção para Caesar. — Novato, espere aqui e...

— Dark, Night Daze! — comandou o rapaz, pela primeira vez em sua vida agindo de forma altruísta; afinal, se quisesse conquistar a confiança de seu time, teria de se mostrar tão dedicado e preocupado com todas as formas de vida quanto eles.

— Espere! — gritou Marcus, em vão; o Zorua já estava muito longe.

Antes mesmo de receber as ordens de seu treinador, a raposa de pelos negros parecia conhecer suas intenções, disparando em direção ao grupo de monstros de bolso selvagens e, com um ágil salto, posicionando-se entre eles e a vítima. Surpresos, os canídeos recuaram alguns passos, tornando a rosnar ao perceber o obstáculo que o Zorua representava. Contudo, antes mesmo que esses pudessem atacá-lo, os olhos de Dark começaram a brilhar em um tom vermelho vívido, enquanto este ergueu suas patas dianteiras, as quais encontravam-se envoltas por uma aura rosada, apenas para pisar novamente no chão, com força. O choque de suas patas com o solo fez com que uma onda de energia magenta se alastrasse ao seu redor, atingindo todos os adversários, que urraram de dor. Feridos pelo poderoso golpe da raposa, os dois Mightyenas viram-se obrigados a fugir, enquanto os Houndours, mais fracos, desmaiaram imediatamente.

— O que você fez?! — explodiu o líder do time, rangendo os dentes.

— Salvei o homem. — inexpressivo, Caesar apontou para a vítima, que descia da árvore.

— Eu te mandei esperar! — a raiva era visível no rosto do homem. — Olhe o que você fez com aqueles pokémons! — e indicou os canídeos de pelo negro caídos, desmaiados. — Nós não passamos por cima deles, nós protegemos todas as formas de vida inocentes!

— Eles não pareciam muito pacíficos. — argumentou, sem mostrar qualquer tipo de arrependimento.

— É o primeiro dia dele, Marcus... — interrompeu Jolene, em um tom baixo e submisso.

— E, se ele não aprender a respeitar as minhas ordens, esse não estará muito longe de último. — afirmou Marcus, lançando um olhar intimidador a Caesar. — Nós conversamos mais tarde. — ameaçou o mais novo, logo tornando sua atenção para o resto do grupo. — Eu vou perguntar àquele senhor o que aconteceu e levar ele a um local seguro. Vocês, voltem para o quartel com o teimoso. — virou-se de costas, proferindo, por fim: — A patrulha da manhã está encerrada.

E, daquela forma, a primeira tentativa de Caesar de aproximação do grupo havia se demonstrado um completo fracasso. Dakota estava certa; aquele estilo de vida não lhe servia, ele não era capaz de realizar atos sem antes pensar em si mesmo e, por isso, jamais conseguiria ser realmente altruísta. Talvez ele devesse desistir e voltar para casa, para sua faculdade de física, onde ele, de fato, pertencia.

Mas é claro que ele não o faria.

Havia viajado por mais de dezesseis horas em um avião apertado para encontrar sua melhor amiga, e ele não sairia de lá sem ela. Se fosse preciso mascarar completamente sua personalidade para conseguir tal feito, ele o faria. Se fosse necessário que ele alcançasse o impossível, ele alcançaria. Mesmo que tivesse de fazer tudo vestido em uma roupa laranja apertadinha.

É como dizem, refletiu. Quando a vida te oferece laranjas... Não as jogue fora.


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Notas finais do capítulo

Então, gente, essa foi a primeira "missão" de Caesar. E, não se preocupe, mais fracassos estão por vir. /tapa
Also, desconfiem de pessoas sendo atacada por pokémons... /tapa2
Ta, parey.
Tentarei regular os dias de postagem para as sextas, a princípio semanalmente mas, no máximo, uma vez a cada duas semanas.
Espero que tenham gostado o/



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