Camp Paradise - Interativa escrita por Aninha


Capítulo 13
Capítulo VIII - Um adeus a sanidade


Notas iniciais do capítulo

Adivinhem que apareceu menos de um mês depois!
Nem acredito q consegui esse feito ashuhaush Enfim, tenho algumas novidades.

1. Minhas férias de seis meses foram drasticamente reduzidas para algumas semanas... Sim, a promessa de muitos caps pq eu n teria nd pra fazer já era. Tentarei postar o máximo antes do dia 21!

2. IMPORTANTE PARA ENTEDIAMENTO DO CAPÍTULO: ele é narrado pela Effy, mas n está em ordem cronológica! Ou seja, o tempo fica indo e voltando do passado para o presente e mesmo as lembranças n estão em ordem cronológica. Devido a isso, há duas músicas do capítulo q estão misturadas e mesmo estas n estão em ordem!

3. No último capítulo da Effy ela estava em Lake Tahoe e recebeu uma visita do tio q fez alguma coisa com ela. O resultado está aqui!

4. As músicas são: my boy - Billie Elish e Coming Down - Halsey.

Creio q seja só isso, mas eu sempre esqueço alguma coisa e só lembro depois q postei ahsuahsu

Boa leitura ^.^



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Elizabeth Manson, Effy

 

‘’Esta era a passagem [...] para nossa sanidade. ’’

— Jogos Vorazes, A Esperança.

A primeira vez que vi Dylan eu tinha onze anos. Foi numa manhã de verão em que eu me sentei animada no Anfiteatro do Acampamento, cercada de novatos a espera do discurso que abriria a temporada daquele ano. Dylan com seu cabelo loiro bem penteado, nariz comprido, olhos azuis, braços e pernas mais compridos que o tronco como todo garoto desengonçado que entra na adolescência subiu ao palco com outras cinco pessoas e disse ser o Líder das Raposas aos doze anos. Naquela época a Irmandade que liderava o Acampamento era Lobo o que fez Jason Blood quase chorar quando Kairo Deallor, o Líder deles na época, o escolheu para a Irmandade.

A segunda vez que vi Dylan sem ser no Acampamento foi na John McCrae Secondary School, em Ottawa, quando eu tinha treze anos. Naquela época meu pai já havia se consagrado Primeiro Ministro graças a sua forte campanha e influência, portanto os Manson haviam estabelecido morada na cidade. Eu ainda viajava muito por causa do meu Treinamento, relações com outras famílias, entre outros motivos, portanto aquele ano seria o primeiro que eu passaria mais de cinco meses em casa.

Mavis estava empolgada com isso porque apesar de sermos amigas há três anos eu não passava muito tempo em Ottawa de modo que coisas como festas do pijama, aniversários e idas ao cinema eram praticamente inexistentes em nossa relação. Acho que ela estava feliz por me ter como uma amiga normal e não como a misteriosa filha do Primeiro Ministro, para variar.

 Estávamos andando pelos corredores do colégio durante o intervalo quando avistamos uma quantidade considerável de pessoas reunidas ao redor de uma mesa do refeitório, rindo e fazendo muito barulho devido aos hormônios. Ao contrário do que eu esperava Mavis não riu e caminhou animada em direção ao grupo para perguntar as suas outras amigas o que estava havendo, mas apenas franziu o rosto com desgosto e rumou para a mesa mais distante da agitação.

Lembro-me de segui-la confusa e me sentar ainda olhando o movimento. Mavis tinha quatorze anos e como eu passava muito tempo fora da cidade ela naturalmente conversava com outras pessoas o que a tornava, para a população estudantil, uma garota simpática e popular amiga da estranha filha do Primeiro Ministro. Por isso não fiquei surpresa quando outras pessoas se juntaram a nós falando sobre uma festa que teria naquele final de semana, mas estranhei quando Mavis fazia caretas cada vez mais conforme Alessia, Olivia e Zippy insistiam naquele assunto.

Foi apenas alguns minutos mais tarde, quase no final do almoço, que eu vi Dylan subir na mesa da cantina, surgindo por meio de todas aquelas pessoas agrupadas, com uma bola de futebol americano em mãos, rindo e gesticulando animado para a plateia entusiástica e quando Robert falou algo sobre estar feliz que alguém do time finalmente tenha decidido dar uma festa que eu entendi a carranca da minha melhor amiga.

Mavis entrou no Acampamento com treze anos. Eu tinha doze, mas como May iniciou sua vida escolar um ano mais tarde do que deveria sempre ficamos nas mesmas turmas nos colégios que frequentamos juntas. Ela de cara não gostou de Dylan por acha-lo um metido popular fascinado por bolas de futebol e ficou alguns dias sem falar comigo quando eu comentei que ele era o Líder da minha Irmandade. Apesar de Dylan e eu termos algumas coisas em comum, como passarmos dois meses do verão embaixo do mesmo teto, não tínhamos intimidade. Era como se fossemos de mundos paralelos que se chocavam algumas vezes sem grandes mudanças.

Então eu fiquei extremamente surpresa em saber que Dylan estudava no mesmo colégio que eu há dois anos e mais surpresa ainda com o fato de Mavis saber disso e não ter dito nada. Ainda ouvindo a conversa e a cena que se desenrolava na minha frente eu percebi que muito provavelmente Dylan era do time de futebol e que devido à animação das pessoas a sua volta seria ele a dar a tal festa no final de semana.

No final das contas nem Mavis nem eu fomos. Ficamos na minha casa assistindo filmes e comendo enquanto ela pragueja sobre o embuste do Dylan a cada meia hora me fazendo revirar os olhos e me fingir de surda.

Aquele ano passou sem que eu visse muito mais o garoto loiro de então quinze anos. Avistei-o algumas vezes nos corredores, refeitório, biblioteca e nos poucos jogos de futebol que vi obrigada por Robert, mas era como se não nos conhecemos. Na verdade, fingíamos isso tão bem que me questionei algumas vezes se Dylan não seria uma espécie de miragem ou na verdade outro garoto com outro nome que parecia incrivelmente com o Líder das Raposas.

No meu último ano do ensino fundamental Dylan estava no segundo ano do ensino médio. Eu era uma aluna relativamente boa com dificuldade em exatas, mas nada que uma palavra do meu pai não resolvesse e transformasse meu cinco no boletim em um oito, com sorte nove. Mavis continuava implicando com Dylan, mas naquela época seu maior foco era meu melhor amigo. Lucian havia entrado no Acampamento em junho daquele ano e em setembro Mavis ainda não havia ido com a cara dele. As coisas não melhoraram quando ela soube que eu passaria alguns dias das minhas férias de inverno na casa dos Gonzales.

Eu tinha que ser muito paciente e me lembrar toda vez que minha melhor amiga estava apenas com ciúmes sempre que Lucian ligava de Miami para conversar.

No final do meu ensino fundamental os professores disseram que eu poderia ser Presidente do Grêmio Estudantil se mantivesse minhas notas. Eu me senti culpada por dias pensando em todos aqueles que de fato estudavam e se esforçavam enquanto eu precisava apenas que meu pai ligasse do seu Gabinete para o Colégio. No intuito de diminuir minha culpa, eu me joguei nos estudos e fui avisada que no próximo ano estaria na turma avançada de história e literatura o que me fez dar pulos de alegria porque eu havia conseguido aquilo com meu próprio mérito.

Para comemorar, Mavis e eu invadimos o campo de futebol com minha amiga atrás do volante do carro de Brad Carter, namorado dela na época que estava no meio de um treino. Get Shaky do The Ian Carey Project tocava alto no som do carro com Mavis e eu cantando a plenos pulmões com os vidros abaixados. May pisava no acelerador e fazia curvas fechadas pelo campo enquanto o treinador gritava para que saíssemos, as líderes de torcida davam gritos finos irritantes e os jogadores riam e batiam palmas.

Lembro-me que Mavis parou de frente para os jogadores e ficou acelerando o motor com o carro parado, um sorriso malvado se abrindo cada vez mais no seu rosto antes dela acelerar na direção de Dylan e parar a centímetros do garoto que não havia se mexido e sorria debochado.

Eu encontrei Deus

Encontrei-o em um amante

Quando seu cabelo cai sob seu rosto

E suas mãos tão frias tremem

Eu encontrei o demônio

Encontrei-o em um amante

E seus lábios como tangerinas

Em sua colorida fala codificada

 

Ele sorriu debochadamente para May por alguns segundos antes de olhar para mim e sorrir naturalmente, acenar um comprimento e gritar um ‘’parabéns Effy’’. Eu agradeci enquanto o olhava caminhar calmamente para o vestiário masculino. Brad e Robert se jogaram no banco traseiro do carro e Mavis acelerou em direção ao Big Boy, em Toronto, a quase cinco horas de carro de Ottawa.

Naquela temporada no Acampamento, o quase atropelamento de Dylan virou história e o Líder das Raposas se aproximou mais de mim para irritar Mavis. Minha melhor amiga havia parado de implicar com Lucian e ambos se juntaram no fã clube anti-Dylan.

Eu estou caminhando pela estação central olhando o piso claro estranhamente limpo sob meus pés enquanto minha mente flutua pelas memórias. A calça skinny preta com rasgos na altura dos joelhos estava por dentro do all star preto de cano alto. Eu sinto a regata por baixo do moletom grosso preto, mas não consigo me lembrar da sua cor. Meu cabelo esta por dentro do capuz do moletom que cobre minha cabeça e o boné preto deixa apenas minha boca à mostra. Eu ando olhando para o chão, me guiando pelos pés das outras pessoas, pelos sons das locomotivas e pelo mapa mental que eu tenho do lugar sem conseguir me lembrar de quando eu o li ou por que estou vestindo algo tão rebelde e porque não estou com calor mesmo usando um moletom em pleno verão.

Passo pelo grande relógio símbolo da estação nova-iorquina e desço a escada rolante em direção ao subsolo. Eu sinto o olhar das pessoas me encarando enquanto eu passo por elas com meu destino em mente. O olhar desconfiado do homem que pega meu bilhete não faz com que meu andar se abale enquanto eu passo pelo corredor das cabines procurando. Entro na minha cabine alvo e sento-me no banco vazio ao lado da porta com dois estudantes usando ternos a minha frente.

Os homens de 21 anos me encaram desconfiados enquanto um terceiro entra e senta de má vontade ao meu lado. A mochila no chão de um deles com o símbolo da Universidade de Nova York bordado me faz pensar porque estudantes de direito se vestem tão bem para ficarem horas sentados numa sala de aula. E depois irem fazer estágio numa multinacional coreana. Se fosse numa indústria bacana como a do Tony Stark em que você pode barrar com ele em pessoa a qualquer momento eu entenderia, mas como não era o caso eu só consigo me perguntar o porquê deles...

Balanço minha cabeça percebendo que estou desviando do meu foco e volto a prestar atenção no ambiente ao meu redor. Os três cochicham às vezes me olhando como se eu não conseguisse ouvi-los. Reviro os olhos fitando o tapete vermelho do chão entre os bancos. O sapato preto do homem a minha frente esta bem engraxado, mas a meia desbotada demonstra que ele andara gastando muito de seu salário em jogos. Pergunto-me por que o cara ao meu lado usa uma meia branca com o sapato preto quando o trem começa a andar lentamente pegando velocidade em direção ao Aeroporto Internacional John F. Kennedy, a uma hora e dez minutos dali.

  Trinta minutos depois, quando os três começaram a falar em coreano acreditando que eu não entenderia nada, ainda me fitando de canto de olho, enquanto eu estava na mesma posição sem ter me mexido uma única vez, sinto o celular no bolso estilo canguru do meu moletom vibrar. Mexo-me lentamente para não assustar os estudantes quando levanto minha cabeça e abaixo o capuz, tirando o boné e apoiando-o em um dos meus joelhos. Ainda sem levantar meu olhar, tiro meus cabelos compridos de dentro da roupa e o ajeito com os dedos, ouvindo os três ofegarem por perceberem que durante todo aquele tempo estavam na presença de uma garota.

— Vocês estão sendo muito rudes falando de mim como se eu não estivesse aqui – falo num coreano perfeito, finalmente erguendo meus olhos para encontrar três rostos chocados me encarando.

— Espero que possa nos perdoar – o homem sentado ao meu lado fala levemente nervoso.

Sorrio de lado enquanto me levanto e fecho a porta da cabine que tem acesso para o corredor.

— Perdoar... Perdoar... – murmuro como se estivesse pensando alto enquanto abaixo a cortina da porta impossibilitando que um de nós veja o lado de fora, mas o mais importante: que alguém de fora nos veja. Viro-me para eles ainda sorrindo. — Infelizmente, para vocês, essa palavra não faz parte do meu vocabulário.

Meu sorriso aumenta gradativamente assim como os olhos arregalados deles.

Na quarta vez que vi Dylan fora do Acampamento foi no meu primeiro ano do ensino médio, na minha segunda ou terceira aula de história avançada. Minha turma era a mesma que a de Dylan e seus amigos de modo que, assim que me viram, caminharam em minha direção para me infernizar como de costume.

Eu já era Presidente do Grêmio e minha fama estava melhorando depois de ter despencado ladeira abaixo. Stevie Kingston e eu havíamos rompido em maio antes da temporada, mas minha fama de Dancing Queen ainda era bem viva na memória dos estudantes. Isso somado ao fato de que Mavis e eu invadimos o campo me tonava alvo de piadas sobre a Presidente do Grêmio ser na verdade um demônio fantasiado de anjo. Eles nunca estiveram tão certos sobre algo, mas obviamente nunca disse isso a eles.

De qualquer forma eu estava sentada no canto esquerdo da sala, na mesa embaixo da janela esperando o professor Bill entrar. Eu lia O Príncipe de Nicolau Maquiavel quando percebi que o time de futebol havia me cercado sob os olhares das líderes de torcida. Reprimi um suspiro quando Richard abriu a boca para soltar suas piadas sem graça de todo dia.

Continuei lendo o livro como se não pudesse ouvir todos ao meu redor até que eles começaram a fazer piadas sobre eu ser mentalmente incapacitada. Suspirei fundo antes de erguer meu olhar das páginas e encarar Richard de pé na minha frente. Robert sempre resmungava sobre Richard depois de sair de um dos treinos de futebol, dizendo que ele tinha o ego maior do que o corpo e coisas do gênero, de modo que eu já não simpatizava com o mais velho muito antes de ele começar a debochar de mim.

O sorriso debochado de Richard foi diminuindo conforme nos encarávamos. Eu sabia que minha expressão estava vazia, os olhos sem brilho o incomodando ao ponto de se perguntar até onde suas piadas sobre minha mentalidade eram verdadeiras.

Não me lembro exatamente o motivo, mas naquele momento percebi que Dylan não estava presente.

— Tem certeza que eu sou a incapacitada mentalmente, Richard? – falei sem emoção. – Você está fazendo piadas sem graça, a mesma piada de todo dia há meses. E seus amigos riem das mesmas piadas dia após dia. Das mesmas piadas. Como se vocês não fizessem as coisas que eu fiz ou até mesmo piores. Só que ao contrário de vocês eu sou importante o bastante para que meus erros saiam no jornal. Eu sou boa o bastante para transformar meus erros em algo útil, em conquistas. E vocês, uh? Continuam a cometerem os mesmos erros, as mesmas piadas, as mesmas coisas, dia após dia. Quem é o incapacitado mentalmente, Richard, querido?

Ficamos um minuto inteiro em silêncio enquanto eu e os amigos do jogador de futebol esperávamos ele falar. Ri com deboche e voltei meu olhar para o livro.

— Talvez eu tenha falado coisas complicadas demais para você – falei.

Ouvi as pessoas prenderem o ar ao meu redor e senti a raiva emanar de Richard antes de alguém bater na minha mesa e empurra-la levemente para trás. Ergui meu olhar a tempo de ver o garoto moreno tropeçar e se apoiar numa carteira enquanto Dylan o fuzilava com o olhar.

— Não ouse encostar nela Daughter – Dylan rosnou.

— Vai defender a namoradinha Black? – Richard perguntou com deboche.

— Não se bate em mulheres – Dylan falou antes de virar as costas para o outro e olhar para mim.

Levantei antes que ele pudesse falar algo, empurrando minha cadeira com a parte de trás dos joelhos com tanta força que ela quase caiu. Com o braço direito empurrei Dylan para o lado e parei o punho fechado de Richard com a mão esquerda. Usei meu braço direito como apoio para pular por cima da carteira e dar um potente chute no abdômen do jogador de futebol babaca que caiu por cima de algumas cadeiras.

A sala estava em silêncio, mas não levantei meus olhos do garoto caído até o professor falar:

— Algum problema senhorita Manson?

— Estava apenas ensinando o senhor Daughter a não agir como um covarde, senhor – falei com os olhos em Richard que apertava a barriga com força.

— Muito bem – o professor falou. – Todos para os seus lugares. Não senhor Daughter, o senhor não pode ir à enfermaria.

Coloquei minha cadeira no lugar e me sentei à mesa de madeira marrom com Dylan sentado ao meu lado, como minha dupla. As líderes de torcida fizeram caretas para mim e alguém do time ajudou Richard a levantar. Eu o ouvi arfar pela falta de ar que o movimento causou, mas não me importei nem um pouco com seus órgãos internos.

— Obrigado por isso – Dylan sussurrou com sua voz rouca alguns minutos após o começo da aula.

Ergui os olhos do meu caderno surpresa e o olhei rapidamente antes de voltar as minhas anotações.

— Ele ia me bater primeiro então eu que agradeço.

Dylan riu pelo nariz.

— Você é da minha Irmandade, não podia deixa-lo fazer aquilo. Sem contar que você provavelmente iria processa-lo se ele encostasse um dedo em você. Como um bom amigo eu não podia permitir isso. Iria estragar o histórico dele.

— Ele ia te dar um soco sem você estar olhando, mas ainda é seu amigo? – perguntei debochada.

Dylan deu de ombros.

— Se você tiver amigos melhores para me apresentar agradeço, mas por enquanto tenho apenas os babacas do time.

— Você é um babaca do time – lembrei-o.

Dylan deu de ombros novamente.

— Gosto de acreditar que eu sou apenas o garoto do time, não um dos babacas do time. Entende?

Olhei-o pelo canto do olho e corei ao perceber que Dylan me encarava sorrindo e que seu nariz não era grande como parecia aos doze anos. Os braços e pernas eram proporcionais ao corpo cheio de músculos. O cabelo não estava mais bem penteado, mas sim caindo charmosamente sobre os olhos. Olhos que continuavam azuis e gentis como eu me lembrava.

Lembrei-me do dia em que Dylan foi me visitar na Enfermaria após Jason ter me encontrado. Em como ele sentou na beirada da minha cama e segurou minha mão por horas enquanto eu chorava compulsivamente, me pegando no colo como se eu não pesasse nada e me abraçando. Num gesto tão natural para ele como respirar, mas que para mim parecia uma anomalia. Uma anomalia estranhamente reconfortante.


Meu garoto

Meu garoto

Meu garoto

Não me ama como prometeu

Meu garoto

Meu garoto

Meu garoto

Ele não é um homem

E certeza absoluta que ele não é honesto

 

Larguei minha caneta e estendi minha mão direita para ele, sorrindo minimamente. Ele apertou minha mão, confuso.

— Prazer, Elizabeth Naomi Manson... Schneider – completei após uma pausa pequena. – Manson Schneider.

— Dylan Régulo Black. O prazer é todo meu, mas, se me permite dizer, sinto que te conheço de algum lugar.

Ri baixinho.

— Sinto o mesmo senhor Black. Inglaterra?

— Inglaterra. Manson não é o nome da sua Famí-?

— Não – respondi o interrompendo. – Espero que saiba que estou me metendo em um grande problema com Mavis por ter decidido aceitar esta missão.

— Que missão? – ele perguntou confuso ainda segurando minha mão.

— Transformar você em um não babaca do time de futebol e te apresentar a amigos melhores.

Dylan deu seu sorriso tipicamente estonteante antes de soltar minha mão e olhar para o quadro.

— Sempre soube que você é especial Effy.

O roxo no meu pescoço esta desaparecendo. Nem parece que quase fui estrangulada há apenas alguns dias. O machucado do meu queixo não existe mais assim como o meu lábio rachado. As olheiras ao redor dos meus olhos parecem mais escuras, mas meu cabelo de algum modo parece mais hidratado assim como minha pele.

Fecho o batom e o guardo-o na minha bolsa, passando a mão pela minha camisa de seda rosa regata, colocando-a por dentro da calça flare xadrez de cor preta. Meu sapato meia pata preto parece natural para mim assim como as joias nas minhas orelhas e braços. Eu estou usando minhas roupas de costume, mas não me sinto menos estranha por isso.

Passo a alça da bolsa de couro pelo meu antebraço e me olho no espelho uma última vez antes de sair do banheiro. O Aeroporto de Londres Heathrow possui sua estrutura formada basicamente de metal e vidro. O relógio nos painéis de embarque e desembarque me informam que são 22 horas e 20 minutos na cidade londrina. Calculo o fuso horário pensando que em Toronto não deve passar das cinco da tarde de modo que eu posso ligar para Dylan assim que me estabelecer.

Avisto Mickey sentado num dos bancos perto da saída e caminho em sua direção. A perna mexendo de forma ritmada me informa que meu guarda costas não esta muito feliz por estarmos na cidade dos Black. Tento me lembrar do porque estamos aqui, mas logo desisto quando começo a sentir pontadas na minha cabeça. Sento-me ao lado de Mickey que me olha confuso quando sorrio, por isso trato de ficar séria e olhar para outro lugar. A lanchonete a nossa frente de repente parece muito interessante.

— Há quanto tempo chegou?

— Vinte minutos – respondo sem saber como sei disso. – O carro?

— Está no estacionamento. Saindo pela porta, atravesse a faixa e pegue a direita. É o camaro branco – ele murmura em resposta olhando para o celular em mãos como se estivesse lendo em voz alta. – Acabei de deixar a chave cair.

Sem falar nada permito que a bolsa escorregue pelo meu colo e caía no chão. Inclino-me para frente pegando-a discretamente junto com a chave e me endireitando quando meu celular começa a tocar. Atendo e olho pela porta de vidro como se minha carona tivesse chegado sendo que o outro lado da linha esta em completo silêncio.

Eu não sei o que estou fazendo ou como eu sei o que devo fazer. Como eu sei que estou em Londres quando eu nem me lembro de ter pegado um avião? Como eu sabia que Mickey estava no aeroporto e onde eu deveria encontra-lo? Por que eu estou aqui? Minha cabeça dá mais algumas pontadas fortes e eu decido, para a minha própria sanidade, que acreditarei que tudo isso não passa de um sonho.

— George – falo me levantando e passando a alça da bolsa pelo meu braço. – Por que demorou tanto? Tive tempo de me arrumar e comprar um café. Não venha com piadas para cima de mim, isso não ameniza sua situação.

Fico em silêncio enquanto passo pela porta automática sentindo um par de olhos me encararem de dentro do aeroporto. Finjo perguntar onde esta o carro e reclamar quando ouço a falsa resposta de que George foi num café na esquina e deixou à chave no para brisa.

Finalizo a ligação com um agradecimento sussurrado para o ruivo que realmente esta do outro lado da linha me monitorando e abro o carro, colocando minha bolsa no banco do passageiro depois de entrar e fechar a porta. Coloco o cinto de segurança e travo as portas antes de dar partida no motor, agradecendo mentalmente meu primo George por ter entrado no sistema do carro pelo meu celular e colocado o endereço da Clarence House no GPS assim como uma playlist do meu agrado. 

Mordi o lábio inferior quando Mavis passou reto por mim pelo corredor em direção à sala de aula. Dylan passou o braço sobre meus ombros e me apertou contra seu peito enquanto seguia meu olhar. Fazia alguns bons meses desde que o loiro e eu estávamos conversando e Mavis ainda não sabia lidar muito bem com a situação.

Eu sabia que não seria fácil convence-la de que Dylan é um cara legal e não um dos babacas do time, mas não achei que chegaríamos ao ponto de ela falar comigo apenas nas aulas em que estamos sozinhas, me ligar antes de ir a minha casa para ter certeza que Dylan não estará presente quando ela chegar e telefonar para os nossos amigos do Acampamento com o intuito de me fazer entender que o Black é um ‘’embuste loiro metido’’ e que é surpreendente o fato de ele ‘’conseguir correr tão rápido com o peso da cabeça dele cheia de titica de galinha’’.

Para a minha sorte ou não, Matthew apoiou que eu estivesse me relacionando melhor com o meu Líder e atual namorado; Elijah disse que eu sou livre para fazer o que quiser, mas que entende o lado de Mavis; Jason falou que realmente não se importa e Lucian se manteve neutro com um pezinho no lado de May. ‘’Contanto que você esteja feliz e que eu continue sendo seu melhor amigo tudo bem, mas não podemos negar que você está deixando Mavis de lado por uma amizade nova e um relacionamento’’ foram às palavras do Gonzales quando tocamos pela única vez no assunto durante minha estadia na casa dele.

— Ela só está assim porque é novidade – Dylan falou enquanto me levava para a aula de inglês. – E porque ela me odeia sem motivo. Isso vai passar quando ela perceber que ter que escolher entre ela e eu está te machucando.

— Não é tão novidade assim, é quase fevereiro e nos começamos a nos falar nas primeiras semanas de aula. E eu não tenho que escolher entre vocês dois – falei igual uma criança birrenta.

Dylan riu.

— Claro Enamor. E minha família não odeia a sua – ele disse beijando minha testa. Cruzei os braços e o olhei séria fazendo-o revirar os olhos. – Eu te amo independentemente disso Effy. Eu sou o Black rebelde, lembra?

Ri e beijei de leve seus lábios.

— Certo rebelde – falei. – Mas ajudaria se você não implicasse com ela.

— Eu faria isso se ela não me chamasse de embuste.

Ri pelo nariz e olhei sobre o ombro de Dylan minha melhor amiga sentada na cadeira ao lado da minha fuzilando o loiro com o olhar.

— Falarei com ela se você for bonzinho.

— O que você não pede sorrindo que eu não faço chorando?

O sinal tocou fazendo vários alunos no corredor suspirarem e reclamarem entrando aos poucos nas salas. Dylan sorriu e me deu um último beijo antes de sussurrar um ‘’eu te amo pequena’’ e caminhar calmamente para a sua aula em outro bloco. Sorri igual uma tapada apaixonada antes de entrar na sala e enfrentar a fúria de Mavis.


Meu garoto está sendo suspeito

E ele não sabe como xingar

Ele apenas soa como se tentasse ser o seu pai

Meu garoto é um chorão

Mas ele é um bom mentiroso

E com isso eu quero dizer que ele disse que "mudou"

O vento noturno joga meus cabelos para trás e deixa meus lábios secos, mas não fecho as janelas da frente do carro enquanto acelero pela rua em direção ao Palácio St. James. A brisa não cheira a maresia como na Califórnia ou a Florestas como no Canadá. Em vez disso, o ar londrino cheira a poluição, café e algo que não consigo identificar. Isso me incomodava no começo, principalmente quando eu vinha para Londres depois de uma estadia no Acampamento, mas atualmente não me importo. Eu deixei de me importar com muitas coisas.

O sinaleiro fechado obriga-me a diminuir a velocidade e batucar impaciente com minhas mãos enfaixadas no volante. Minha pele não esta mais inchada e vermelha, mas eu prefiro ficar com o tecido ao redor das minhas mãos ao ver a cara das pessoas quando veem os nós dos meus dedos roxos e com pedaços de pele faltando.

Continuei encarando entediada os carros e pedestres passando na minha frente, reprimindo uma vez ou outra um bocejo, até que o barulho de um motor roncando atrai minha atenção. Olho para o lado e avalio a moto de pneus grossos que parece potente parada ao meu lado direito enquanto o motociclista olha para mim por trás do vidro escuro do capacete como se me desafiasse a apostar uma corrida com ele. Reviro os olhos e continuo a apreciar minha vista ignorando-o. Sinto um formigamento no meu couro cabeludo como se meus instintos tentassem me avisar algo, mas ignoro a sensação.

O sinal abre fazendo com que os carros ao meu redor comecem a se mover. Sorrio e piso no acelerador fazendo o carro andar na velocidade permitida enquanto a moto acelera ao meu lado e costura o transito do bairro nobre em alta velocidade atraindo a atenção de uma viatura parada numa rua qualquer.

Diminuo a velocidade quase ao ponto de parar e sorrio sarcástica para o motociclista parado na calçada vendo seus documentos sendo analisados pelos policiais alguns minutos depois quando os encontro. O rebelde William Manson me mostra o dedo do meio antes de ter sua atenção atraída pelo policial que lhe pede algo.

 Rio de forma maldosa e fecho o vidro virando para a direita e passando na frente da casa dos Black.

O Palácio de Kensington pertenceu à família real durante gerações até que a aliança Black-Manson ameaçou o reinado. Os Black são uma família nobre, antiga e poderosa da Inglaterra estando presente nos momentos mais importantes da história recente. Donos de terras férteis do interior inglês e de fábricas de tecidos nobres, os Black oferecem empregos a muitas pessoas de modo que são muito populares. Possuem cadeiras no Parlamento inglês assim como os Manson, mas o que contribuiu para a aliança ser formada foi o fato de que minha Família é dona dos principais bancos e empresas de produtos não duráveis, tendo a Igreja Anglicana abençoando nossas ações durante séculos.

Há algumas gerações, quando ouve a junção das famílias por meio de um acordo, a coroa se sentiu ameaçada. O país passava por uma forte crise e o fato dos maiores empresários do país terem o apoio do povo e da Igreja fez com que a família real temesse uma revolução com o intuito de colocar os Black e os Manson no poder. Para evitar isso o governo demonstrou total apoio a essas famílias e ofereceu o Palácio de Kensington e a Clarence House como forma de demonstrar isso. Nunca foi do interesse de Aldebaran Black ou de Zachary Manson assumir o governo, mas nenhum deles reclamou da oferta de paz e do apoio da família real. 

No começo, ambas as famílias usufruíam dos presentes. A aliança durou por gerações até minha mãe completar dezoito anos e se apaixonar pelo meu pai, o filho mais novo de uma das famílias inimigas dos Black. Minha vó, Celeste Manson, tentou impedir a filha de casar-se com alguém que arruinaria os negócios, mas todo seu esforço foi em vão quando meu avô, Thomas, abençoou a relação da filha e a ajudou a fugir com meu pai.

Atualmente, os Black moram no Palácio de Kensington e controlam oeste da cidade enquanto os Manson estabeleceram morada em Clarence House, estendendo seu controle para o Parlamento e além. Os Manson acabaram controlando os principais monumentos históricos da cidade londrina, assim como alguns dos portos o que faz os Black nos odiarem ainda mais.

Porém, uma vez que a quebra da aliança abalou por apenas alguns anos a fortuna dos Black que logo voltaram a enriquecer ao estreitarem laços com os a família Tattaglia, inimiga da minha Família desde que começamos no ramo, era de se esperar que eles não odiassem mais os Manson. Porém, algo que aprendi com a família de Dylan é que os Black são extremamente rancorosos e aguardam não tão pacientemente o momento para nos atacar.

Tenho um lampejo de algo que nunca vi ao avistar Joey Black tendo seu corpo jogado na água fria do oceano por ordem minha e penso que muito provavelmente eu perdi meu único aliado do lado inimigo.

Agora estamos perdidos em algum lugar no espaço exterior

Em um quarto de hotel onde demônios jogam

Eles correm abaixo de nossos pés

Nós rolamos abaixo dessas folhas

Suspirei frustrada quando Dylan fechou os olhos com força controlando, muito provavelmente, a vontade de me socar. Não poderia culpa-lo completamente por isso e a manchete estampada no jornal na bancada entre nós me lembrava desse fato constantemente.

Ele e eu somos amigos há apenas dois meses então para mim não fazia o menor sentido todo aquele ataque vindo da sua parte. É claro que talvez o fato de ele ter sido meu Líder no Acampamento possa ter criado, de algum modo, um instinto protetor dele com relação a minha pessoa, mas não imaginei que Dylan surtaria por uma foto na capa.

— Por que diabos você voltou a falar com ele? – Dylan perguntou com os olhos fechados, dois dedos apertando a ponte do nariz e a outra mão fechada em punho contra a mesa.

Por algum motivo estar com apenas a ilha de mármore da minha cozinha entre nós me deixou temerosa e o fato de eu estar sentada não ajudou em nada. Pensei na resposta menos idiota que poderia dar, mas isso fez com que eu perdesse segundos preciosos pensando. Dylan abriu os olhos e relaxou os músculos, me fitando sério com ar de que sabe que estou pensando numa mentira.

— A verdade Manson.

Cocei meu pescoço antes de murmurar:

— Ele é herdeiro de Utah e você sabe como é importante as famílias manterem laços estreitos. Contato é tudo nos dias de hoje e com sua família me odiando cada dia mais achei que...

— Não coloque minha família no meio disso – Dylan falou com dentes cerrados. – Eu sei que eles não são as melhores pessoas do mundo, especialmente com você, mas não é como se não pudesse lidar com alguns comentários nas poucas vezes que vai a minha casa. A verdade Manson.

Suspirei frustrada sabendo que continuar a insistir na família Black o deixaria irritado e o forçaria a mudar de assunto, mas provavelmente faria com que brigássemos e a ultima coisa que eu queria era isso principalmente quando já tenho Mavis me ignorando.

— Eu não sei – falei cruzando os braços sobre o granito e apoiando minha cabeça neles. – Acho que senti falta da adrenalina, da diversão, de fazer coisas erradas. Quebrar regras. Cansei de interpretar nessa fachada de família perfeita e sei que não deveria porque essa é nossa função, mas... Stevie me faz sentir viva. Mesmo eu sabendo que ele faz isso pelos motivos errados não preciso fingir ser alguém boa com ele. Sem falar que minha Família me deu uma missão que o envolve.

Eu tenho um amor

Um amor como religião

Eu sou uma tola por me sacrificar

Ele está caindo, caindo, caindo

Está caindo, caindo, caindo

 

— Effy – Dylan falou no meio de um suspiro e ouvi seus passos se aproximando. Fechei meus olhos como uma covarde para não vê-lo. – Sei que é cansativo fingir para seus amigos que é uma pessoa boa, com um passado normal e que não faz parte de algo maior. Imagino que seja pior para você que tem que fingir isso para uma nação. Mas você não precisa fingir para sua Família, para seus empregados e muito menos para mim. Sua Família sabe de tudo, talvez até de coisas que você nem imagina. Seus empregados são fieis e jamais vão falar para alguém o que virem e ouvirem. E eu sou tão o mais horrível que você.

— Você não é horrível – falo com a voz abafada por ainda estar com a cara enfiada entre meus braços. – Talvez um pouquinho por fazer Mavis me odiar, mas acho que não se pode ser perfeito.

Dylan deu sua risada contagiante me fazendo rir e me sentar corretamente. Rimos por alguns minutos e depois nos encaramos com sorrisos bobos nos lábios. Ele abriu os braços para mim e eu me levantei indo abraça-lo ainda achando esse gesto uma anomalia estranhamente reconfortante.

Eu tenho um amor

Um amor como religião

Eu sou uma tola por me sacrificar

Ele está caindo, caindo, caindo

Está caindo, caindo, caindo

— Mavis não te odeia – Dylan falou quando nos soltamos e fomos tomar nosso desjejum no solário. – Provavelmente está com raiva por você estar falando comigo e por me deixar entrar na sua casa, mas tudo vai voltar ao normal quando seus outros amigos não a apoiarem.

— Como sabe que eles não vão apoia-la?

— Matthew entrou no meu segundo ano por isso pode me conhecer antes que todos vocês – ele falou contando nos dedos. – Jason realmente não se importa com quem você fala ou deixa de falar contanto que os Lobos vençam as Raposas, algo que para o desespero dele não está acontecendo desde que você virou Líder. Elijah é a favor da liberdade, mas ao mesmo tempo é mais amigo da Mavis que seu... Acho que ele vai ter um debate interno. Lucian talvez fique do lado dela por algum tempo porque me considera uma ameaça, mas acho que no final vai ficar do seu porque você é importante para ele.

— Por que Lucian te consideraria uma ameaça? – perguntei confusa.

Dylan sorriu antes de dar de ombros e tomar um gole do seu café.


Meu garoto

Meu garoto

Meu garoto

Não me ama como prometeu

Meu garoto

Meu garoto

Meu garoto

Ele não é um homem

E certeza absoluta que ele não é honesto

Joguei-me na cama de um dos quartos da propriedade da minha Família. A antiga morada de ex-monarcas, duques, príncipes e afins do Reino Unido que tem ligação direta com o Palácio St. James e seus jardins possuí quatro andares sem incluir o porão e o sótão na contagem. A casa construída em 1825 passou pela mão de inúmeras pessoas importantes antes de cair nas garras da minha família inglesa.

O interior ainda possui o luxo e o pé direito alto de outrora, mas agora é uma mansão luxuosa habitada pela família de minha mãe e não é mais aberta à visitação para a infelicidade de muitos.

Vovô Thomas morreu de câncer antes que eu ou meu irmão gêmeo, que ganhou o nome em sua homenagem, nascêssemos. Celeste voltou a falar com minha mãe quando soube que a Família do meu pai havia aceitado ambos, meu pai e minha mãe, de braços abertos e que os dois estavam muito bem financeiramente, obrigado. Minha vó nunca esperou que um estudante de direito de Cambridge virasse o Primeiro Ministro de um país tão importante como o Canadá, mas acho que ela deveria ter suspeitado que meu pai consegue o que quer uma vez que ele viajava uma hora e meia duas vezes por semana para ver minha mãe mesmo quando ela não gostava muito dele.

Pensei na conversa tensa que havia acabado de ter na cozinha. Minha tia Meryl é irmã mais velha da minha mãe e mora com minha vó nesta enorme construção junto com seus três filhos e marido. Ela até hoje não apoia o fato da irmã mais nova ter fugido com o inimigo e arruinado uma das alianças mais importantes da história, mas meu tio Harry, que mora com a noiva na ala norte, acha que Meryl é uma ‘’ invejosa chata que se arrepende até o último fio de cabelo por não ter sido ela a agarrar Albert’’, ou seja, meu pai.

  O fato é que durante minha infância e a de Tommy os ânimos da Família ficaram em hibernação. Will, filho do meio de Meryl, e eu nos dávamos muito bem graças as nossas idades parecidas. Edmundo, o filho mais velho que atualmente mora em Coimbra, Portugal, onde cursa seu ultimo ano de Medicina, sempre foi muito maduro para brincar conosco, mas deixava que víssemos televisão até mais tarde quando nossos pais saiam para jantar. Helena tem atualmente dez anos e nasceu numa época em que os hormônios da Família voltaram a entrar em ebulição como se fossem todos um bando de adolescentes.

No ano que isso ocorreu a doença de Tommy estava piorando e a família de minha mãe não nos chamava para visitas e negava todas as nossas ofertas de viagens para o Canadá ou qualquer outro lugar em que temos uma casa. No começo achávamos que era por causa do preconceito com Tommy e eu particularmente não me importei de cortar os laços com os Manson. Apenas anos mais tarde, mais precisamente quando Dylan e eu começamos a conversar, que eu soube que havíamos sido afastados devido a uma possível nova aliança Black-Manson que só poderia ser concluída se o lado de Leona da família deixasse de fazer parte da árvore genealógica.

Sempre achei que palavras como família, sangue, passado, segredos e tradições significasse muito pouco para as famílias em geral uma vez que as comparava com a minha. Talvez os errados sejamos nós uma vez que consideramos até demais essas palavras.

Quem sua família foi, o que ela vez, os laços que criou ou rompeu não deveriam determinar o destino das próximas gerações. O sobrenome não deveria definir os aliados e os inimigos. Tradições não deveriam determinar a função de cada um dentro do enorme sistema chamado família. Mas é exatamente isso que acontece na minha Família. Temos nossas vidas planejadas minutos depois do nascimento, nossos destinos traçados sem espaço para questionamento. E os que não o seguem são, com sorte, considerados bastardos.

Infelizmente para mim família, sangue, passado, segredos e tradições são palavras extremamente importantes. As ações passadas da minha Família estarão sempre interferindo na minha vida assim como as minhas decisões vão interferir na vida dos meus descendentes, século após século.

Talvez seja por esse motivo que Dylan está se esforçando para não realizar as missões da sua família. Ou se controlando para não apoiar Mavis na decisão de rasgar meu passaporte, carteira de motorista e identidade em mil pedacinhos.

— Pode me dizer por que caralho você foi atrás dele de novo?— Mavis esbravejou enquanto balançava o celular a centímetros do meu rosto.

Controlei a vontade de rir ao perceber que Dylan e May estavam no mesmo lado pela primeira vez na vida. As férias de inverno se aproximavam e faziam exatos três meses que Dylan e eu nos falávamos. Após o incidente do Hallowen Mavis chegou à estranha conclusão de que se ela e o loiro tinham como objetivo me manter longe do Stevie então ela poderia se esforçar para falar com ele. É claro que eles continuavam a se alfinetar e começaram uma competição idiota que eu ainda não entendia direito, mas para mim estava ótimo uma vez que eu não precisava ficar me dividindo entre eles. Isto é, estava ótimo até ambos decidirem que me trancafiar no sótão parecia uma excelente ideia por eu ter eu ido para a Califórnia no Remembrance Day.

Era ainda mais assustador ter os dois me colocando na parede quando o assunto era Stevie Kingston. Mas ao contrário do que havia acontecido no final de outubro, quando Dylan arrancou parcialmente a verdade de mim na minha cozinha, desta vez o loiro estava estranhamente calado deixando Mavis gritar comigo.

— Como é que ia saber que ele estava em Lake Tahoe? – perguntei. – Ele mora em Utah, imaginei que ia estar lá uma vez que dia 11 de novembro não é feriado nos Estados Unidos.

— É o Veteran´s Day Effy – Dylan falou me olhando sério com os braços cruzados. – Você sabe disso.

— Certo – falei. – Mas eu não tinha como saber que ele estaria lá. Nevada separa os dois estados. Nevada! Um estado inteiro.

— Você quer jogar seu cargo de Presidente do Grêmio no lixo? – Dylan perguntou interrompendo um ataque histérico de Mavis me fazendo preferir quando ele estava calado. – Porque não vai demorar muito para você cair com sua reputação nesse estado. Quão fundo no poço você tem que ir para saber que é hora de parar Effy?

Suspirei e fechei os olhos. Nem eu sabia por que insistia tanto para que o caminho de Stevie cruzasse com o meu. Horas de adrenalina, algumas fotos e manchetes polêmicas, festas regadas a álcool e sexo valiam tão a pena? Uma missão idiota valia meu fígado, pulmão e cérebro? Dylan estava certo e era um milagre que eu ainda ocupasse cargos de tanto destaque uma vez que as fotos e notícias ficavam cada vez mais frequentes. De novo.

O sinal tocou naquele momento. May estava tão enfurecida que apenas me olhou antes de pegar sua bolsa e entrar no bloco. Dylan sentou ao meu lado na arquibancada do campo de futebol, apoiando os cotovelos nos joelhos, cruzando as mãos. Abracei minhas pernas contra o peito e ficamos minutos em silêncio sem nos importarmos com o atraso.

— Não vou impedi-la de vê-lo e se machucar como consequência se é isso que quer, mas, por favor, por favor, pode parar de estar nos jornais, revistas e redes sociais? – Dylan falou fitando o campo. – Não quero ver você definhar e se tiver que fechar os olhos e fingir que está tudo bem se você estiver feliz, posso fazer isso, mas não me obrigue a ver Enamor.

Engoli o nó na minha garganta com dificuldade e pisquei algumas vezes fazendo com que pequenas lágrimas escorressem pelas minhas bochechas.

— Sei que não sou a melhor pessoa do mundo e que talvez mereça algum tipo de punição – Dylan prosseguiu –, mas não posso aceitar que minha punição seja você sofrer. Sofrer mais. Você não merece isso Effy independentemente de quão horrível ache que é. Você é um peão na mão de jogadores frios e calculistas, um anjo no meio de demônios tendo que acreditar que o que sua Família faz é o certo mesmo quando seu coração diz o contrário. Não quero que Kingston te machuque, te use como usa tantas outras, não quando sei que você permite isso não apenas porque acha divertido enquanto está chapada, mas também porque sua missão é trazê-lo para o lado da sua Família. Não quando sei que você se arrepende disso minutos depois.

Olhei-o de olhos arregalados, surpresa por Dylan saber meu real motivo para permitir que Stevie desfile comigo como se eu fosse um troféu, um objeto. Ele sorri triste e se vira para mim, secando minhas lágrimas e segurando meu rosto entre suas mãos me fazendo corar com a intensidade do seu olhar.

— Se eu tiver que trazer os Kingston para o nosso lado, fazer com que você fracasse em uma missão pela primeira vez apenas para que pare de se machucar, ser egoísta a esse ponto, eu faço isso sem hesitar Effy. Estaria fazendo agora mesmo se não soubesse o que sua Família faria com você caso não complete a missão.

Eu encontrei um salvador

Eu não acho que ele se lembra

Porque ele saiu para pagar seus crimes

E não tem tempo para os meus

— Como...? – consegui sussurrar ainda confusa, presa demais em seu olhar intenso e em suas palavras.

Ele deu meu sorriso de lado preferido.

— Não achou que ia suspeitar uma vez que está levando o nome dos Manson à lama e seus pais não estão minimamente preocupados? Você subestima minha inteligência, pequena.

Ri e me afastei de suas mãos com as bochechas ainda coradas, levantando e pegando minha bolsa.

— Bom, já que perdemos metade da aula podemos matar as outras duas no McDonald´s – falei sorrindo e descendo a arquibancada com Dylan atrás de mim.

— Vou ignorar o fato de que joguei muita informação sobre você e que está usando comida para me distrair porque não sabe o que responder e vou aceitar a proposta.

— Você é um perfeito cavaleiro – falei com ironia, revirando os olhos e caminhando ao lado dele em direção ao estacionamento.

— Querida, eu sou um Black.

Ri como se aquela fosse a piada mais engraçada da minha vida e entrelacei meus dedos nos de Dylan quando ele segurou minha mão, ignorando o calor que senti com o toque.

Meu garoto

Meu garoto

Meu garoto

Não me ama como prometeu

Meu garoto

Meu garoto

Meu garoto

Ele não é um homem

E certeza absoluta que ele não é honesto

Vovó culpava minha visita surpresa no ultimo mês de noivado entre Will e Tabata Black, uma prima de Dylan que mora em Londres, dizendo que esse foi o motivo que estragou a união definitiva de ambas as famílias. Will e eu nunca contamos que com a ajuda de Dylan eu entrei no Palácio de Kensington no meio do jantar e agi como se tivesse ido a um show com meu primo no final de semana anterior, demonstrando que a família de Leona Manson não havia sido queimada da tapeçaria.

Ouço todos os seus resmungos em silêncio enquanto como minha cheesecake de frutas vermelhas calmamente na cozinha da antiga casa. Will está encostado à parede de tijolos amarelos comendo uma maçã com seu ar rebelde, agindo como se não tivesse sido liberado da delegacia há poucos minutos por má conduta.

Will tem 19 anos e está cursando o segundo ano de fotografia. O sonho dele é viajar pelo mundo conhecendo novas culturas e pessoas, tirando fotos e ganhar a vida com isso, algo que minha Família não aprova porque vai totalmente contra ao que eles haviam planejado para ele. William tem a pele pálida, queixo quadrado, lábios carnudos e incríveis olhos azuis. Seu cabelo é castanho escuro e sempre está num topete que dá a impressão que ele acabou de descer de uma moto. Seus fios parecem incrivelmente macios e sempre tenho que reprimir a vontade de passar a mão em sua cabeça.

Will é um garoto rebelde, mas não do tipo encrenqueiro. Ele não é de arranjar briga e suas notas são boas quando ele faz o que gosta. Meu primo gosta de ir a festas, beber e paquerar garotas, mas sua verdadeira paixão são motos, fotografias e comida. Do lado Manson, Will é com certeza minha pessoa preferida por fazer aquilo que o faz feliz sem se importar em seguir as tradições familiares.

Ele sorri para mim e fala para minha vó parar de brigar comigo antes de sair da cozinha. Sentindo-se ofendida pela atitude do neto, Celeste sai do cômodo indo atrás dele o que me dá minutos preciosos de silêncio. Termino de comer rapidamente para evitar encontrar com minha vó novamente e saio da cozinha subindo as escadas correndo. Vou para uma das suítes de hospedes que me foi designado pela governanta na ala de hospedes.

Depois de fazer minha higiene pessoal no banheiro volto ao quarto iluminado apenas pela luz do poste do jardim. A luminosidade passa pelas janelas de vidro com cortinas verdes esmeralda abertas. O céu está bonito, naquele tom que antecede os primeiros raios de sol. O caminho do aeroporto até a casa da minha família inglesa não deveria demorar mais do que quarenta minutos, mas de algum modo consegui que o trajeto durasse quase cinco horas.

Não me lembro de nenhum trânsito, acidente ou algo que me fizesse demorar tanto, mas foi o que aconteceu. Sinto minha cabeça latejar quando penso demais no assunto e meu tornozelo dói quando caminho até a cama tendo que engatinhar para me sentar encostada a cabeceira. Lembro que percebi o inchaço na região quando me despi para tomar banho, mas não me lembro de ter torcido o tornozelo muito menos ambos.

Depois de tocar a sineta do quarto e pedir a um dos mordomos um pouco de gelo para por nos meus pés inchados, pego meu celular que está na cabeceira da cama e o ligo, esperando alguns minutos antes que possa mexer nele. Estranhamente não há ligações nem mensagens de Dylan no meu celular e sinto um gosto amargo na boca ao pensar no motivo.

Acho que sonho com a vez que Billie Pirate e eu fomos visitar Sigrid Solbakk na Noruega. Naquele outono alguns anos atrás Dylan e eu não estávamos nos falando por algum motivo que eu não lembro e minhas amigas perceberam isso de algum modo, apesar de eu não demonstrar meus sentimentos.

Acho que as histórias que elas ouviram sobre mim durante os anos que estive fora e depois os anos de convivência fizeram que de alguma forma ambas conseguissem perceber algo por trás das minhas ações.

— Elizabeth – Sigrid falou quando paramos na frente de uma das vitrines. – Você não é do tipo sentimental então pode me dizer por que está com essa cara de enterro?

Sigrid é uma norueguesa, de atualmente 15 anos, herdeira da sua família. Ao contrário da minha Família, os Solbakk não tem nenhuma tradição que impede mulheres de assumirem o legado deixado pelos antepassados de modo que, como filha mais velha, Sigrid assumirá o cargo mais alto quando seu pai morrer. A garota de pele pálida, cabelos na altura dos seios que ficam da cor cobre no sol, olhos claros e rosto retangular com covinha no queixo é fruto da junção de duas famílias, assim como eu.

Os Solbakk surgiram na Noruega praticamente um século depois da Segunda Guerra Mundial por motivos que cabem apenas eles próprios saberem. O começo foi difícil, mas logo a sociedade decadente ajudou com que eles se tornassem poderosos no país. Ao contrário dos O´Connor que decaiam cada vez mais na Inglaterra graças a grande quantidade de famílias no país. A família inglesa de Sigrid surgiu há poucos anos, mas não conseguiu lutar contra o inevitável: a queda. Foi o amor entre Marie e András que juntou as famílias e salvou os O´Connor da lama.

A Herdeira Cervo-Sol ouviu histórias sobre as famílias, suas tradições e costumes durante toda a sua infância, mas por ironia do destino sua lenda preferida é a da Menina Corvo. Ou seja, eu. Lembro-me de que Sigrid quase desmaiara quando me viu pela primeira vez, aos seus dez anos.

O que no inicio era uma relação somente de negócios se tornou uma amizade que apenas se fortalecera quando a norueguesa foi para o Acampamento e entrou na minha Irmandade. Algo parecido aconteceu com Billie.

A californiana de cabelos cinza não é a herdeira direta de sua família, os Pirate, mas provavelmente irá assumir uma vez que seu irmão mais velho é muito doente. Os Pirate são provavelmente a família mais antiga do mundo, existindo desde quando a globalização começou em meados do século XV. Devido a grande perseguição dos reinos e impérios os Pirate reduziram muito de tamanho, mas nunca deixaram de existir principalmente porque são essenciais para a sobrevivência de muitas outras famílias. Foi com a primeira junção da minha Família, há muitos séculos atrás, que a família de Billie se tornou mais poderosa.

A Herdeira Pirata prefere ser chamada desse modo a Herdeira Baleia, que seria o certo uma vez que esse é o símbolo da sua família. Billie ouviu mais histórias sobre a minha Família que Sigrid uma vez que fomos nós que trouxemos os Pirate para o auge, mas ao contrário da minha fã número um, a californiana não gostava de mim. Foi apenas quando ela teve que provar aos onze anos de uma parcela mínima do veneno da minha Família, o mesmo que me transformou numa lenda, que Billie conseguiu superar a barreira e os preconceitos que tinha comigo.

Billie deu uma cotovelada na minha costela para me tirar dos devaneios e apontou com a cabeça para Sigrid que caminhava a poucos passos na nossa frente. Nós três estávamos em uma rua repleta de lojas movimentadas do Reino da Noruega cheia de pessoas caminhando, conversando e apontando para as vitrines onde chocolates, livros, roupas e muito mais eram expostos. Como o Hallowen era a festa mais próxima enfeites estavam em algumas lojas tanto para decoração como para venda.

O vento vindo das montanhas castigava nossos rostos descobertos, mas os sobretudos, cachecóis, luvas e tocas protegiam a maior parte do nosso corpo. Olhei para Sigrid que caminhava animada olhando as vitrines e apontando coisas com um sorriso enorme no rosto, feliz por podermos visita-la mesmo não sendo período de férias; Billie com as mãos nos bolsos, uma expressão de tédio e mau humor, mas um sorriso mínimo que denunciavam sua alegria sob a indiferença mal disfarçada e pensei que muito provavelmente eu podia realmente confiar naquelas duas.

 Ambas sabem minha história melhor que qualquer outro amigo ou conhecido que eu tenha, sabem mais sobre as coisas que eu fiz, vi e ouvi mais que qualquer um. Sabem os crimes que cometi e não estou falando dos leves delitos que saem ocasionalmente nos jornais. Por isso eu sei que posso contar com elas. Ninguém me entende melhor que elas.

Você quer que eu seja sua

Bem agora você tem que ser meu

Mas se você quer uma boa garota, então adeus

Você quer que eu seja sua

Bem agora você tem que ser meu

Mas se você quer uma boa garota, então adeus

 

Na verdade, tem alguém que me entende melhor que elas e o fato dessa pessoa estar me ignorando faz com que eu sinta coisas que não devia. Suspiro mal humorada antes de finalmente responder. Ou tentar.

— Antes de você finalmente abrir essa boca, quero deixar uma coisa bem clara – Billie fala me olhando sobre um dos ombros antes de desviar seus olhos cinzentos para a vitrine da loja de discos. – Se você estiver assim por causa de macho eu vou literalmente bater na sua cara.

Rio pelo nariz.

— Acho que é melhor eu ficar calada então – digo simplesmente.

Billie me olha com os olhos levemente arregalados e a boca aberta, assim como Sigrid que está do meu outro lado. Porém, enquanto a expressão da californiana se transforma em raiva e choque a da norueguesa vira choque e alegria.

— Não acredito que depois de tantos anos alguém finalmente conseguiu chegar até você! – Sigrid exclama. – Quem é? Quantos anos têm? Onde se conheceram?

— Opa, vá com calma Veada – Billie fala alfinetando, como sempre, o fato do símbolo da família Solbakk ser um cervo com uma lua crescente e uma estrela entre os chifres.

— Antes Veada que Baleia Orca – Sigrid retruca.

— Dylan Black, 17 anos e no Acampamento, mas começamos a nos falar na aula de história avançada no colégio – falo por cima da discussão dando as costas as duas e atravessando a rua.

Ouço o silêncio atrás de mim seguido de passos rápidos e ambas exclamando coisas as minhas costas enquanto correm para me alcançar. Sem me virar peço que uma fale de cada vez e então Sigrid pergunta:

— Você disse Black?

— Sim.

Os Black? A família Black? Cachorro negro e tudo mais? – Billie questiona.

Confirmo com um aceno de cabeça enquanto me viro para elas. Sigrid fala um palavrão, arregala os olhos e leva as mãos à boca enquanto Billie sorri da forma tenho trinta e dois dentes brancos perfeitos e passa um braço sobre meus ombros, me arrastando para um café.

— É por isso que você é meu orgulho – ela fala.

Dou risada enquanto entro no café e caminho para os fundos, me sentando numa cadeira tendo meu gesto imitado pelas outras duas. Depois de pedirmos algo para comer e beber ficamos com poucos clientes ao nosso redor, por isso ambas começam a me bombardear com perguntas. Falo para se acalmarem antes de contar toda a história sem ser interrompida uma única vez.

— E como seus pais estão lidando com isso? – é a primeira pergunta de Sigrid. – Sua mãe era uma Manson, seu pai é um Schneider e ele é um Black, então...

— Eles não reclamaram – respondo tomando um gole do meu cappuccino. – Minha mãe o acha adorável, educado e bonito. É bom para minha imagem ou algo assim e nós sabemos que ela não se importa com que os Manson pensam há muito tempo. Ou pelo menos tenta. Enfim. Meu pai acha que ele pode atrapalhar minha missão com Stevie, mas concorda com minha mãe e acha que ele pode ser uma boa influencia já que desde que começamos a estudar juntos meu pai não teve que alterar minhas notas.

— Em suma, eles apoiam? – Billie perguntou surpresa, colocando o lábio inferior para frente e acenando positivamente com a cabeça várias vezes quando confirmei. – Estou chocada.

— Nós não temos nada então não é como se tivesse muitas coisas para apoiar – digo dando de ombros.

— Mas mesmo assim você não está normal por causa dele – Sigrid fala com um sorriso malicioso.

Eu tenho um amor

Um amor como religião

Eu sou uma tola por me sacrificar

Ele está caindo, caindo, caindo

Está caindo, caindo, caindo

Suspiro e faço uma careta mexendo na minha torta doce.

— Nós começamos a conversar em setembro e apesar de eu não falar com o Kingston desde maio Dylan sabe sobre Stevie por causa dos jornais e, bem, porque de algum modo que ainda não descobri qual é, ele sabe da minha missão em Utah – falo e vejo minhas amigas fazerem caras surpresas. Billie parece desconfiada. – De qualquer forma, Dylan não gosta do Stevie. E eu vou para a Califórnia no final do mês, então...

— Você está sofrendo por antecipação? – Sigrid pergunta como se entendesse. – Isso não é bom, mas entendo. Tente falar com ele. Se Dylan sabe da missão ele vai entender, principalmente por fazer parte de uma família também.

— Só eu achei suspeito ele saber da missão? – Billie perguntou.

Nego, mas não falo nada. Ficamos em silêncio por alguns minutos e eu volto a falar apenas quando terminamos de comer.

— Eu sei que minha Família tem grandes planos para mim porque sou o Corvo. Temo que esses planos envolvam os Black de alguma forma... Que eu tenha que vingar os Manson sendo uma Schneider porque assim às coisas tendem a se acalmar entre Inglaterra e Alemanha, sabem? – faço uma pausa enquanto as duas me encaram com olhares cheios de pesar porque todas sabemos que isso é possível. – Se eu tiver que, eu não sei, machucar Dylan ou o irmão mais velho... Joey foi o único legal comigo quando fui à casa dos Black. Ele não é mau. Não merece morrer por causa do passado.

Agora nós estamos perdidos em algum lugar no espaço exterior

Em um quarto de hotel onde demônios jogam

Eles correm abaixo de nossos pés

Nós rolamos abaixo dessas folhas

— Ninguém merece morrer por causa dos antepassados Effy, mas nós estamos aqui, vingando nossas famílias, matando e morrendo por motivos que nem sabemos mais quais são – Billie diz com a voz estranhamente cheia de compaixão e um olhar de pena.

Acordo com a respiração acelerada, suando e com lágrimas escorrendo pelas bochechas. Sinto como se meu sonho fosse um tapa na cara e a declaração do meu cérebro que a Elizabeth Naomi Manson Schneider de 15 anos morreu. Eu matei Joey Black devido a ações que seus antepassados cometeram. O homem loiro de 20 e poucos anos não tinha culpa de nada, mas isso não significa que ele não está afundando no oceano nesse exato momento.

Viro para o lado abraçando meu travesseiro e puxando a coberta para me cobrir. Fecho meus olhos e permito que as lágrimas escorram o tempo que quiserem. A claridade da manhã passa pelas janelas fechadas e pelas cortinas que eu me esqueci de fechar quando me deitei, chegando as minhas pálpebras, mas não sei que horas são.

Algum tempo indeterminado depois minha porta é escancarada e passos animados entram no meu quarto.

— Vamos Effy, levante – Will exclama se jogando em cima de mim na cama. – Você não veio para Londres para dormir, certo?

Bufo e me mexo desconfortável sob meu primo por causa do seu peso. Abro meus olhos que não expelem mais água e resmungo pedindo que ele saia de cima de mim.

— Você é muito pesado William – reclamo como se estivesse morrendo sufocada. – Gordo.

— Gorda é você – ele fala sorrindo abertamente e rolando sobre mim para deitar ao meu lado de bruços e finalmente olhar meu rosto vermelho e inchado. – Andou chorando?

Rio levemente com a preocupação de Will e dou um sorriso triste para ele quando digo que foi apenas um pesadelo. Meu amado primo não precisa saber que na verdade é minha realidade que me atormenta. Ele não precisa saber que eu me arrasto dos pesadelos todas as manhãs e descubro que não há nenhum alivio em estar acordada.

— O que você quer? – pergunto estreitando meus olhos.

Vejo pelas janelas do quarto que o céu está nublado como de costume. O tempo nublado deixa meus olhos mais doloridos do que um belo dia de sol, motivo pelo qual eu prefiro a Califórnia a quase todos os lugares.

— O pessoal do meu curso da faculdade vai fazer uma confraternização e tirar umas fotos no parque – Will fala com a voz mansa ainda me olhando preocupado. – Eu quero que você vá.

— Eu? – pergunto surpresa me sentando e jogando a coberta para o lado. – Por quê?

— Talvez eu tenha falado algo sobre você e talvez eles queiram conhece-la – ele responde rindo de leve e passando um braço sob a cabeça. – E como você viajou o mundo inteiro pode falar umas coisas bacanas sobre pontos turísticos, fotografia e tal.

— Eu não passei da fronteira. E Will? Eu não sou boa com pessoas.

— Que isso – Will faz um gesto com a mão como se desprezasse meus comentários. – Seja você mesma. E qualquer coisa pense que se eles gostaram de mim, esse ser fantástico, vão gostar de você. Somos Manson Effy, o povo daqui nos idolatra.

— O povo daqui não sabe quem realmente somos – retruco.

— Por isso mesmo eles nos idolatram, bobinha – Will dá uma pisca para mim e me empurra para fora da cama. – Agora vai se arrumar porque não quero chegar atrasado.

— Esses londrinos e sua pontualidade irritante – falo me levantando e indo em direção ao banheiro.

Quase trinta minutos depois estamos descendo as escadas em direção ao hall de entrada. Assim que Meryl vê Will e eu descendo as escadas com roupas levemente sociais, mas que informam que vamos sair ela começa a tagarelar sobre visitas inconvenientes. Ignoro-a com sucesso, mas é difícil fazer o mesmo com vó Celeste quando ela está falando incrivelmente alto mesmo estando no mesmo cômodo que eu.

— Vamos de ônibus para o Regent´s Park – Will fala sobre a fala da nossa família irritante. – Vamos encontrar com eles no Museu do Holmes ou algo assim. Alguma pergunta?

— Podemos tomar um café?

— Acho essa ideia fantástica – ele responde levantando do sofá em que estava sentado para calçar os sapatênis.

Aceno para minha prima, Helena, que está sentada num sofá na sala de TV, e repito o gesto para a sala de estar sorrindo para a piscadela de Harry. Sem nenhum sentimento no meu rosto apenas passos meus olhos por Celeste e Meryl antes de seguir o caminho de Will. Fecho a porta ao passar e respiro fundo o ar poluído de Londres.

William me espera no pé da escadaria que leva ao jardim. Caminhamos em silêncio pelo caminho por entre o imenso jardim da frente que outrora era apenas um gramado bem cortado com poucas árvores. Toda a propriedade atualmente é cercada por muros altos de concreto coberto pelas trepadeiras e é possível ver o imenso imóvel apenas pelos portões de entrada e saída de carros e pedestres vigiados vinte e quatro horas por dia.

Will e eu passamos sem problemas pelo portão de ferro preto dos pedestres com o desenho de um Leão, símbolo dos Manson. Esculturas do animal estão no topo do muro, na entrada da casa, em todo lugar como se fosse necessário ressaltar o símbolo da família. Rio fracamente com o pensamento de que o símbolo dos Black é um grande cachorro negro e os do Manson um felino. Nossas famílias estavam destinadas a serem inimigas antes mesmo de se conhecerem.

— Não as culpe hoje por estarem mais estressadas que o normal – Will fala, como se continuasse uma conversa, quando saímos do Hard Rock trinta minutos mais tarde, cada um segurando um copo de café e um saco de papel pardo.

— Você dizendo isso? – pergunto fingindo surpresa enquanto abro meu pacote cheio de cookies.

William ri antes de tomar café.

— O dia começou difícil. Os Black tiveram sua casa invadida ontem a noite e um presente, hã, sinistro foi deixado no cofre do escritório. Ou seja, alguém estranho invadiu o Palácio sem os seguranças perceberem e deixou algo desagradável dentro do cofre trancado a sete chaves, cofre que tecnicamente apenas o líder dos Black e seu braço direito sabem a senha.

— E o que os Black tem haver com o mau humor de nossa vó e tia? – pergunto sem interesse, tentando reprimir dor de cabeça que ameaça me dominar.

— Vovó está com medo de eles acharem que fomos nós que fizemos isso – Will fala como se achasse isso uma idiotice. – Porque somos inimigos e tal. E Meryl provavelmente está na menopausa.

— Tirando isso eles têm motivo para suspeitarem de nós? – pergunto ignorando parte do comentário. – Os Black tem milhares de inimigos como todas as famílias, a lista de suspeitos é enorme.

Meu primo dá de ombros antes de mordiscar um muffin quando paramos no sinal fechado para pedestres.

— Somos os inimigos mais perto deles. Eu sinceramente não me importo muito com isso e você sabe. Só sei que Celeste pensou em enviar uma carta ou algo assim falando que sente muito pelo ocorrido.

Sinto meus músculos retesarem e afasto o copo de café intocado dos meus lábios antes de encarar Will com uma expressão neutra.

— Me diga pelo amor do Leão que ela não fez isso – murmuro.

William me lança um olhar estranho antes de agarrar pelo cotovelo e me puxar, obrigando-me a segui-lo para o outro lado da rua. O ônibus vermelho de dois andares está vindo pela rua em direção ao ponto Hyde Park Corner que tem uma quantidade considerável de pessoas paradas com ar entediado ou extremamente animado. Pergunto-me por que Will escolheu o ponto 34 em vez do três, sendo a segunda opção o caminho mais curto, mas chego à conclusão de que ele quer fazer um tour pela cidade ou algo assim, por isso não falo nada.

— Acho que sim, Alfred falou que estava indo ao correio e poderia nos dar uma carona antes de você chegar ao hall – Will fala franzindo a testa e me olhando preocupado. – Por quê?

Fecho os olhos e respiro fundo tentando controlar o medo que ameaça me dominar. Os Black não sabem que você está aqui, você não tem nada haver com isso, eles não vão tentar te matar de novo, relaxe. Inspire, expire penso repetindo o mantra até o ônibus parar no ponto me obrigando a abrir os olhos e entrar. Sento-me ao fundo do primeiro andar com um William curioso ao meu lado e uma parte pequena do meu cérebro tentando me avisar algo que eu não entendo como se de repente meus pensamentos estivessem em russo ou alguma outra língua que eu não sei falar.

 - O ataque não saiu nos principais meios de comunicação – começo sussurrando enquanto pego mais cookies num sinal discreto para Will agir normalmente. – A massa não sabe do que houve, nem a policia deve ter sido envolvida ainda. As manchetes na televisão só vão sair daqui algumas horas. Então o que acha que os Black vão pensar quando virem uma carta dos Manson no meio da correspondência dizendo que sentem muito pelo terrível ataque?

— Que estamos estranhamente bem informados – Will sussurra de boca cheia me fazendo franzir o nariz.

— Apenas os afetados e os responsáveis sabem o que aconteceu ou assim os Black pensam. Talvez se Celeste tivesse ligado dizendo que ouviu falar que a casa foi invadida seria uma coisa: eles iam suspeitar de nós, mas iam suspeitar de qualquer forma então isso não faria diferença. Mas agora uma carta, algo extremamente formal, dizendo que os Manson estendem suas condolências... Apenas essa palavra já diz que estamos muito bem informados.

Ficamos alguns minutos em silêncio. Como alguns cookies e tomo minha bebida quente enquanto o ônibus avança pelas ruas de Londres. Mesmo com o céu nublado, o fato de estarmos no verão deixa o dia num mormaço sufocante, algo com que os pedestres não parecem se importar. Muito menos os jovens que estão aproveitando suas tão esperadas férias de verão.

Tento impedir que meus pensamentos se voltem em direção ao Acampamento e agradeço quando Will pergunta:

— E o que fazemos agora?

Dou de ombros tirando os óculos de sol do rosto para apertar levemente a ponte do meu nariz. Coloco o acessório de volta e suspiro antes de falar.

— Acho que não tem muito que possamos fazer. É rezar para que eles estejam muito ocupados para ler a correspondência e só o fação quando a noticia tiver se espalhado, mas acho difícil. Acho prudente mantermos a guarda erguida e estarmos de olho ao nosso redor.

— Como sabe de tudo isso? – William pergunta e prossegue diante da minha confusão. – O que eles vão pensar, o que deveríamos ter feito, como prosseguir... Essas coisas são ensinadas apenas ao herdeiro e ao conselheiro e você não é nenhum dos dois nem nesse lado nem do outro. Vovô morreu antes de você nascer e não consigo imaginar o outro te ensinando essas coisas.

Penso na sua fala por alguns segundos, tentando responde-la da forma mais sincera possível, mas logo desisto quando percebo que a resposta mais sincera possível é que eu não faço a mínima ideia de como sei essas coisas. É como um sexto sentido, algo que eu nasci sabendo. Talvez eu tenha aprendido com alguém ou lido em algum lugar, talvez essa memória esteja em uma das minhas inúmeras lacunas, mas eu não tenho certeza.

Dou de ombros, gesto que estou fazendo muito ultimamente, e mastigo o ultimo cookie enquanto coloco meu copo vazio dentro do saco marrom.

— É o básico Will. Todos deveriam saber como prosseguir diante das situações principalmente quando o chefe da família morreu há tantos anos e o herdeiro está sabe-se lá onde fazendo sabe-se lá o que. Celeste nas nasceu para governar muito menos sem um conselheiro. É um milagre que o lado inimigo não tenha descoberto ainda que estamos sem um líder há tantos anos.

Ficamos em silêncio quando o ônibus para no ponto. Will e eu permanecemos sentados enquanto pessoas entram e saem. Seguimos na direção sudoeste antes de o veiculo fazer uma curva para a direita nos levando ao noroeste. Muitas quadras para a direita, a guarda real esta fazendo sua troca de turnos por meio de um desfile rápido cheio de espectadores na frente do Palácio de Buckingham a poucas quadras da Clarence House.

Sinto meus músculos cada vez mais tensos enquanto penso que o Hyde Park esta literalmente na reta, assim como a morada dos Black. Penso que Will escolheu o caminho mais longo para ver o movimento no Palácio de Kensington e que provavelmente ele deve estar arrependido neste momento depois da minha analise do assunto.

Uma curva para a esquerda, outra para a direita e a morada dos Black está passando pela minha janela. Will e eu afundamos nos nossos assentos, quase sentando no chão com o intuito de evitar que os seguranças no vejam e recebemos alguns olhares mal humorados das pessoas no ônibus.

Ficamos nessa posição mesmo quando o veiculo vermelho vira a direita e o Palácio não está mais a vista. Volto a me sentar corretamente apenas quando minhas costas estão doendo e nós passamos pelo Marble Arch e o Hyde Park ficou para trás.

— Ok, essa foi uma péssima ideia – Will fala com tom de desculpas.

Concordo com a cabeça, meus nervos à flor da pele. Olho pela janela todos os cantos, ouvindo desde o cair de uma folha a uma buzina a algumas ruas a procura de alguém suspeito.

Lembro-me do ultimo inverno quando Dylan me trouxe a Londres para passarmos alguns dias na casa de seus parentes antes do natal. No final das contas eu fui ao Palácio apenas uma vez, me sentindo sufocada demais por sua família para conseguir repetir a dose, e nos hospedamos no Hotel Hilton pelo resto da estadia o que os Black consideraram uma afronta, mas Dylan não se importou uma vez que preferia passar a noite comigo a ter que ficar na casa dos parentes ouvindo-os mal dizerem os Manson e a nossa relação.

Eu tenho um amor

E sou imperdoável

Eu sou uma tola por pagar esse preço

Está caindo, caindo, caindo

Está caindo, caindo, caindo

Lembro-me que numa tarde depois de termos almoçado num barco enquanto navegávamos pelo Rio Thames, antes que este congelasse, ele me levou para conhecer o norte da cidade. Visitamos King Cross, Abbey Road onde os Beatles tiraram a famosa foto atravessando a faixa de pedestres, o museu do Sherlock Holmes onde ele comprou um box de capa dura da coleção do personagem para mim e tantos outros lugares.

Voltamos para o bairro de Kensington uma hora antes do sol se por e Dylan insistiu tanto para me levar ao Hyde Park que o segui mesmo estando com as mãos duras de frio por baixo das luvas. Aquela altura nem as duas calças, meias grossas por baixo da bota, várias blusas, a jaqueta de inverno, o cachecol e o gorro faziam minha péssima circulação transportar calor para os extremos do meu corpo, mas ignorei isso e apenas segui meu namorado pelas árvores em direção ao Princess Diana Memorial Fountain onde algumas crianças brincavam na água em pleno inverno.

Mais tarde, quando estávamos de volta ao quarto do hotel e eu havia tomado um banho quente e estava sentada ao lado da lareira, Dylan confessou que queria ter me jogado dentro da água, mas ficou com medo de que eu ficasse doente e brigasse com ele.

Sorrio tristemente pensando no que eu não daria para voltar àquela época onde eu tinha problemas, mas não eram tão grandes. Eu não tinha uma missão que arrastaria todos para o tumulo, não havia matado o irmão do meu namorado. Era quase final de dezembro então eu já havia sido atacada por Stevie, o que obrigou meu pai a abortar a missão pelo bem da Família.

Cada noite rezo para o sol nascer

Cada noite faço um compromisso

Cada noite rezo para o sol nascer, mas

Está caindo, caindo, caindo

Ele está caindo, caindo, caindo

Lembro-me de como Dylan ficou ao meu lado o tempo inteiro durante aquelas semanas horríveis. Ele foi para o Acampamento comigo no inverno e não me julgou pela decisão como muitos outros fariam. Dylan sempre foi legal demais, bom demais, tudo demais comigo tanto que eu demorei para acreditar que esse é o jeito dele e que ele não é um aproveitador ou um monstro como o Kingston.

Coloco inconscientemente a mão sobre a minha barriga querendo parar os pensamentos, mas fracassando. Penso no que Mavis, Lucian e os outros diriam se eu os contasse onde estive no ultimo dezembro. Se eles me chamariam de monstro ou se me apoiariam. É claro que eles vão me chamar de monstro de qualquer forma, mas talvez não por todos os motivos pelos quais eu mereço ser chamada disso.

Eu tenho um amor

Um amor como religião

Eu sou uma tola por me sacrificar

Ele está caindo, caindo, caindo

Está caindo, caindo, caindo

— Effy? – Will pergunta estralando os dedos perto do meu rosto.

Balanço a cabeça e volto ao presente desviando meus olhos do caminho que levaria para o memorial e encaro William. Ralho comigo mentalmente por ter ficado tão distraída. Se alguém quisesse matar você teria o feito e você nem saberia de onde teria vindo o disparo Elizabeth.

— Eles não têm porque suspeitarem de você – sussurro para mim mesma.

— O que? – Will pergunta confuso. – Você está bem Effy? Acho que o fuso horário afetou seu cérebro.

Bato no ombro dele para tirar o sorriso de deboche da cara e mostro a língua antes de levantar porque o ponto em que descemos se aproxima. William imita meu gesto rindo e fazendo piadas sem graça até eu começar a ignora-lo uma vez que o olhar de vou te matar não parece surtir efeito.

— Acha que eu deveria assumir? – meu primo pergunta como quem está retomando um assunto. De novo.

— Perdão? – pergunto olhando as casas mais simples, mas não menos charmosas do bairro, me questionando mentalmente se perdi algo no meio do meu devaneio.

— A família. Já que Calvin não parece estar a fim de fazer isso e Celeste está nos conduzindo para o fundo do poço ao que tudo indica.

Franzo as sobrancelhas e penso no assunto. Calvin é o filho mais velho de Celeste que devia ter assumido a família após a morte do vô Thomas, mas como estava lutando em nome do país em algum lugar ele não podia retornar até o final do seu alistamento. Calvin devia ter voltado a mais de treze anos, mas nunca o fez. Vovó diz que ainda mantem contato com ele e que meu tio não voltou apenas porque a guerra está realmente ruim, que precisam dele e da influencia que o sobrenome significa...

Meu tio Stephan, que é general de guerra, diz que não houve os militares ingleses, ou qualquer militar na verdade, falarem de algum Manson há anos e que muito provavelmente Calvin fugiu para algum país distante e isolado, mas Celeste ama demais o filho mais velho para deserda-lo mesmo que esperar por ele signifique levar o nome da família para a lama.

Meryl é uma mulher casada, portanto o posto não pode ser passado há ela uma vez que seu sobrenome não é Manson e sim o do marido o que causaria o final de toda uma tradição. E provavelmente seria Edgar, seu marido, a assumir o trono e não ela. Minha mãe está na mesma situação e por mais que meu pai saiba cuidar dos negócios perfeitamente os Manson preferem falir ao passar tudo a ele.

Harry, o ultimo filho de Celeste, poderia assumir a liderança da família, mas ele foi treinado por Thomas para ser conselheiro e não chefe. Harry também é muito coração e impulsivo o que com certeza levaria os Manson a ruina uma vez que para ser o chefe da família você precisa ser racional e calculista.

Portanto, uma vez que os filhos de Celeste não são capazes de assumir o cargo seus netos são cogitados para o posto. Até onde se sabe Calvin não tem filhos. O filho mais velho de Meryl, Edmundo, está fazendo carreira na medicina assim como havia sido determinado pela família, portanto coloca-lo no poder iria contra uma das tradições. Helena é muito nova, eu sou filha do meu pai assim como Tommy, que está morto, de modo que William é nossa única esperança.

Uma vez que ele cursa fotografia, um curso de sua escolha e não da família, ser o cabeça de tudo seria uma forma de redenção perfeita, mas Will não foi treinado para isso. Não foi treinado para assumir nenhum cargo. Mas ainda assim talvez suas decisões sejam melhores que as de Celeste e, ao contrário de qualquer outro membro da família, ele não se importaria de ligar para mim ou para meu pai em busca de instruções.

 Mas eu não posso dizer isso a ele. Não posso dizer que acho que ele é nossa ultima esperança, obrigando-o a desistir de todos os seus sonhos, se sacrificar para o bem maior que é a família. Depois da morte de Tommy eu jurei que seria a única a me sacrificar por esse fardo.

— Não sei Will – falo. – Você não foi treinado para isso.

— Mas você sim. Quer dizer, você sabe das coisas – ele diz andando em direção aos fundos do ônibus conforme o ponto cinco se aproxima. – Poderia me explicar algumas coisas ou me treinar de verdade. Ou poderia pedir ajuda ao seu pai ou alguém do lado de lá da sua Família.

Mordo o lábio inferior enquanto sigo meu primo pelo ônibus em direção à saída. Descemos há uma Rua do Regent’s Park onde os amigos de Will nos esperam perto do lago.

— Sei que não quer dizer sua verdadeira opinião porque tem medo de me magoar, mas eu sempre soube que meu sonho de viajar o mundo como fotografo não iria vingar. Não foi esse o projeto feito para mim e na verdade é um milagre que eu tenha cursado durante todos esses anos. O real motivo de eu ter te chamado para a confraternização de hoje Effy, além de todos aqueles que eu já falei, é que isso é uma despedida.

— Como assim?

— Eu quero me tornar o chefe da família Effy e vou dizer isso a Celeste hoje.

— Você não pode fazer isso! – exclamo levemente desesperada.

— Por que não?

— Porque você não recebeu treinamento e não é seu destino.

Will ri levemente.

— Você é a junção Schneider-Black. Você está aqui mesmo com todos os votos contra a sua existência. Você não deveria existir, a junção Schneider-Black não deveria existir. Mas você está aqui! – ele exclama e abre os braços como se fosse uma grande vitória. – Você segue as tradições, nunca falhou numa missão, cumpre com o que foi predestinado a você. Elizabeth, você é o melhor membro da família e não estou falando isso apenas do lado Manson. Você pode me ensinar a ser um bom líder. E eu faço o meu destino.

Franzo as sobrancelhas.

— Eu não sou realmente a Herdeira Corvo e você sabe disso.

— Sim, mas mesmo assim você é a melhor do lado deles. Veja! – Will segura meu braço quando balanço a cabeça negativamente e começo a caminhar em direção ao lago. – Ok, seu tio e seu pai seguiram o cronograma, mas nenhum deles pode ser o Herdeiro justamente por causa disso. Matthew é impulsivo demais e você disse agora a pouco que o chefe da família deve ser racional! Charlie foi treinado para ser o conselheiro, Clarice é mulher e tanto os Manson quanto os Schneider tem uma politica que não permite mulheres no comando. George é cadeirante e isso não é bom para a imagem do Herdeiro porque demonstra fraqueza. Alexander quer distância disso...

— Pare! – exclamo. – Que droga William. Pare de falar.

Minha respiração está ofegante e minhas mãos fechadas em punhos. Will está falando o nome e sobrenome da minha Família o que para um bom ouvido seria um prato cheio. Passo a mão pelo meu cabelo e puxo alguns fios enquanto penso.

— Você não sabe o que está falando – digo. – Não sabe o que está pedindo. Está com o olho muito maior que a barriga.

— Eu sei que é difícil Effy, mas não é impossível.

Respiro frustrada e desvio o olhar para o parque. Alguns pedestres nos olham com olhares curiosos e fico tensa com isso. Qualquer um pode ser um assassino.

— Você não sabe o que está pedindo Will – começo num tom calmo enquanto caminho com ele ao meu lado. – É muito mais que desistir dos sonhos e vontades, muito mais que seguir as tradições, saber os nomes das famílias e seguir regras de etiqueta. É desistir de quem você é. Isso vai destruir você, o sistema vai te sufocar até você não saber mais quem é, de onde veio e para onde vai. Se sobrar um pouco de humanidade em você vai saber o nome das pessoas que matou, das vidas que arruinou, e vai ser atormentado por eles. Ser o Herdeiro, o Chefe da Família destrói você.

Eu tenho um amor

E sou imperdoável

Eu sou uma tola por pagar esse preço

Está caindo, caindo, caindo

Está caindo, caindo, caindo

— É o que a dor faz com as pessoas. Ou destrói elas ou as torna mais sábias – Will diz simplesmente e percebo admiração em seu olhar quando me encara.

Rio debochada.

— Acha que eu sou sábia? – dou uma risada malvada que pinga deboche. – Acha que a morte de Thomas me tornou alguém melhor? Ou o fato de eu não ter tido uma infância normal? Ou talvez você não esteja falando de dor emocional, mas sim física. Então acha que eu ter levantado sacos de cimento até os tendões dos meus ombros estourarem tenha me tornado mais sábia? Ou ter sido feita de saco de pancadas para aprender a me defender? Ou ter sido atacada pelo Kingston? Ou talvez você esteja falando da dor de ser assombrado. Acha que o fato de eu ter matado Joey Black me tornou mais sábia? Porque isso com certeza é uma coisa que me assombra.

William recua um passo para trás com olhos arregalados, mas isso não me faz parar. Se eu tenho que jogar verdades na cara dele, deixa-lo com medo, nojo e raiva de mim, se eu tenho que acabar com nossa amizade para salva-lo, eu vou fazer isso. Porque agora eu sei que devia ter feito o mesmo com Thomas.

Cada noite rezo para o sol nascer

Cada noite faço um compromisso

Cada noite rezo para o sol nascer, mas

Está caindo, caindo, caindo

Está caindo, caindo, caindo

— Eu matei pessoas William. Crianças, adultos e idosos. Em nome da Família. Eu destruí lares e vidas. Eu não posso contar meus segredos aos meus amigos porque isso faria apenas com que alguém os matasse e sabe por quê? Porque mesmo tendo sido um erro meu eles jamais me matariam. É mais prazeroso matar aqueles que a pessoa ama e ver o sofrimento dela do que simplesmente mata-la. Tommy morreu por minha culpa. Porque eu falei demais.

‘’Você disse que eu sou uma pessoa incrível. Conhece a lenda d´O Corvo? Aquela dos Schneider que contam para as crianças? Eu sou a garota Corvo. E a lenda é um conto de fadas cor-de-rosa repleto de arco-íris e purpurina se comparado à realidade. Quando você me contou o que houve com os Black parte de mim já sabia. E acho que você sabe por que. ’’

William engole em seco e fica em silêncio alguns segundos antes de começar a negar com a cabeça. Eu sei que estou falando demais, crimes demais, nomes demais, mas não consigo evitar. O desespero está me cegando.

— Não tem como ter sido você.

— E por que não? – sorrio de forma sinistra.

Paro de falar quando o celular na minha bolsa começa a tocar. Eu havia esquecido que estava num local publico por mais instantes que deveria por isso minhas mãos tremem quando atendo Mickey.

— Pare de fazer o que está fazendo, entre num carro e dirija o mais rápido possível para o aeroporto – meu guarda-costas fala sem me dar brecha.

— O que? Por quê?

— Sem perguntas Effy, apenas faça. Temos pouco tempo.

Meu olhar confuso faz com que Will se aproxime, mas vejo medo em seus olhos quando me olha rapidamente, desviando o olhar para qualquer lugar o mais distante possível de mim. Ouço Mickey suspirar pesadamente do outro lado da linha.

— Effy, por favor. Por favor. Apenas me obedeça.

— Eu estou com William num parque Mickey, então preciso que você me fale o que está acontecendo.

Uma pausa longa demais do outro lado da linha até Miguel Coppola falar novamente com voz de irritação e derrota.

— Os Black estão atrás de você.

— Por que...?

— Você matou o filho deles?

— Eles não sabem disso. E além do mais é normal a pessoa ficar muito tempo fora de alcance depois de uma missão.

— Effy... – Mickey suspira fundo como se o que está prestes a falar fosse sua cartada final. – O presente deixado no cofre liga a invasão diretamente a você. Realmente não consegue se lembrar?

Estou prestes a falar que não quando uma voz na minha cabeça me impede. A voz soa hesitante como se falar comigo em forma de pensamento fosse algo novo, estranho ou até mesmo perigoso. Franzo ainda mais as sobrancelhas pensando em que momento minha consciência se tornou um covarde.

Ok, vamos analisar o que Mickey falou, penso. Joey Black morto. Invasão ao Palácio Kensington. Presente no cofre. Conectado. E eu sou a culpada. Mas não é possível. Na verdade é apenas um monte de sequencias de fatos ruins. Sim, eu matei Joey Black, indiretamente, mas matei. Eu o entreguei aos Piratas por isso ele deve estar no fundo do mar agora. E é a única coisa que me liga a morte dele é o infeliz fato de ele ter estado no Acampamento. Mas os Piratas jamais me dedurariam.

— Realmente não consegue se lembrar, Effy?— a voz de antes soa novamente um pouco mais confiante agora. – Quem demora cinco horas num trajeto que deveria levar quarenta minutos? Onde você esteve? Por favor, você tem que se lembrar.

Penso. Por que eu demorei cinco horas? Qual é a minha ultima lembrança? Eu estava no carro, rindo depois de ver Will ser pego pelos policiais. Depois virei em alguma rua e passei perto da casa dos Black e então... Estava na cozinha da casa dos Manson com uma roupa completamente diferente, apesar de não ter ido a qualquer cômodo além da cozinha.

Ai. Meu. Deus. O que eu fiz?

Arregalo os olhos e sinto minha mão ao redor do celular afrouxar quando o mundo embaça e dá um giro de 360 graus. Sinto os braços de Will nas minhas costas e de repente estamos muito perto do chão. Meu primo está agachado ao meu lado e falando algo que não entendo.

Hã... Voz? Se estiver aí pode, por favor, confirmar que eu apenas tive uma perda do tempo, como às vezes acontece, e que na verdade fiquei cinco horas dormindo no carro até decidir entrar na Clarence House?

Sinto-me idiota por estar falando comigo mesma, mas a avaliação mais afundo da frase ‘’perda do tempo, como acontece às vezes’’ faz com que um calafrio ruim percorra minha coluna. Avalio todos os momentos, dos quais eu consigo me lembrar, em que tive uma perda do tempo, um apagão ou alguma coisa que causou uma lacuna na minha memória. Os momentos em que horas, dias e até semanas simplesmente somem.

Estou olhando sem ver o chão de concreto no qual eu estou sentada quando este some e no lugar eu vejo o Palácio Kensington à noite. Vejo a grandiosa construção do ponto de vista do meu carro parado a algumas quadras. E então eu me vejo caminhar com uma roupa diferente da qual eu usava no aeroporto, mas a mesma roupa que eu usava na cozinha da Clarence House. Caminhar em direção à casa dos Black. E depois me vejo pousando com suavidade no piso de madeira lustroso sob o tapete persa, a sombra da janela aberta as minhas costas no chão.

E então eu caminho pela casa como se a conhecesse. Porque eu a conheço, estive lá no ultimo inverno com Dylan. Aquele é o segundo andar no ponto mais longe da ala dos quartos. Mas não sou eu que estou invadindo a casa dos Black. Mas é o meu corpo. Percebo que eu carrego uma caixa branca pesada, uma caixa que parece ser térmica. E então eu estou na sala do cofre digitando a senha que eu sei, mas não me lembro, abrindo-o. Entrando nele e sem tirar nada do lugar, sem roubar nenhuma joia ou um centavo dos cem mil do cofre em dinheiro, eu coloco a caixa sobre a mesa de inox que está no centro do cofre. Pouso-a ali ao lado da calculadora e do bloco de notas. E então eu a abro.

E em cima de todo o gelo, preservada pela caixa térmica, está à cabeça de Joey Black. Os olhos azuis arregalados e sem foco, com a pupila dilatada como acontece com os mortos. Um pouco do sangue está no gelo provavelmente porque a cabeça tinha acabado de ser cortada quando foi colocada ali. A pele não está roxa ao redor do pouco de pescoço que sobrou, mas a traqueia está inchada assim como a pele o que confirma que ele morreu afogado. O cheiro de sal apenas confirma minhas suspeitas.

Eu fecho a caixa e saio do cofre, fechando o mesmo. Ando pelo caminho inverso e saio do Palácio depois de fechar a janela. Volto ao carro, depois de horas de vigília nele para invadir a morada dos Black apenas na troca de turno dos guardas, e dirijo pelas ruas tranquilas em direção a Clarence House.

Sinto a bile subir pela minha garganta e a engulo com força. Aos poucos a imagem do presente vai voltando ao foco e estou de volta ao parque encarando o chão de concreto. Ouço a voz de Will me chamando repetidas vezes e o encaro com meus olhos arregalados. Ele me olha preocupado com o celular em mãos, mas antes que um de nós possa falar ou fazer algo ouço a voz de antes na minha cabeça. Dessa vez ela soa arrependida.

Desculpa Effy. Achei que deveria saber o que eles estão fazendo com você.

— O que eles estão fazendo comigo? – pergunto em voz alta.

— O que? – Will pergunta confuso. – O que está acontecendo Effy?

Fale que ele deve fugir porque os Black vão caça-lo. Ele vai ser o último a ver você, portanto é uma grande vitima em potencial. Fale antes de pegar o telefone! Tem pouco tempo Effy. Fale rápido.

Decido seguir o conselho.

— Will, temos pouco tempo. Os Black estão atrás de mim. O porquê não importa! – exclamo quando vejo a sua boca se abrir. – Tem que ir embora! Eles vão te procurar porque vai ser o ultimo a ter me visto.

— Para onde eu vou? – ele pergunta e fico aliviada por Will ser maduro o suficiente para deixar suas duvidas de lado e fazer o que é necessário para salvar sua vida.

— Alemanha – falo sem pensar muito. – Vá para a casa da minha Família. Eles o ajudarão. Fale que os Black estão te caçando porque foi o ultimo a me ver. Fale que eu... Que eu... – suspiro tomando coragem. – Eu matei Joey Black e entreguei a cabeça à família como prova.

— Você o que? – Will pergunta depois de me ajudar a levantar e processar minhas palavras.

— Apenas faça o que mandei – replico. – E Will... Desculpa pelo surto que dei há poucos minutos. Eu só não quero que você se torne um monstro como eu. Entende?

— Você não é um monstro – ele diz me entregando o celular e sei que estou perdoada.

— Você acabou de ouvir que eu entreguei a uma família em luto a cabeça do ente querido? – pergunto. Will dá de ombros como se fosse nada demais. Reviro os olhos e coloco o celular no ouvido e ouço Mickey falar meu nome e palavrões várias vezes. – Miguel?

— Puta que o pariu, onde você esteve? – ele exclama. – Espero que isso signifique que está chegando.

— Não posso fazer isso. Não posso deixar Will e os outros. São minha família, eu querendo ou não.

— Eu temia que dissesse isso – Mickey fala com voz de enterro. – Eu não acredito que vou fazer isso.

Espero que tenha dito tudo o que queria porque seu tempo acabou — a voz diz com pressa, como se não quisesse ver as cenas seguintes. Ou como se tivesse visto esse filme várias vezes e soubesse o roteiro de cor.

— Quem é você? – perguntou e recebo um olhar muito estranho de Will, mas eu não estou falando com ele.

A voz suspira infeliz.

Eu sou o Corvo, mas todos me chamam de Enamor. E a primeira lição que eu tenho para você é: todo mundo pode trair todo mundo.

 

Meus olhos se arregalam e sinto um grito de horror subir pela minha garganta quando a fala da voz faz sentido. Mas em vez disso ouço apenas a voz de Mickey calma e ritmada no celular.

E assim como aconteceu a um tempo, que eu não consigo determinar, no passado, quando Stephan foi me visitar em Lake Tahoe, as palavras de Mickey parecem nunca chegar aos meus ouvidos. Franzo as sobrancelhas, confusa, e sinto meus músculos tencionarem e relaxarem. Will fala comigo, mas eu não consigo ouvi-lo. Não consigo dizer nada quando o vejo dar as costas para mim e correr na direção de um táxi.

Observo meu primo se afastar. Então ele abre a porta do carro preto e se vira na minha direção com um sorriso no rosto como se agradecesse toda a merda que eu fiz porque isso proporcionou uma aventura para ele. Will diz algo que eu deveria ouvir com perfeição porque não estamos tão longe. Ele fala ‘’Effy.’’ Mas ela não está mais aqui. Eu não sou a Effy.

Eu sou o Corvo, mas todos me chamam de Enamor.

Está caindo, caindo, caindo

Está caindo, caindo, caindo

Está caindo, caindo, caindo

Está caindo, caindo, caindo

Está caindo, caindo, caindo

Está caindo, caindo, caindo


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Notas finais do capítulo

Will: https://data.whicdn.com/images/295879526/large.png

Espero q tenham gostado. Comentem para eu saber o q estão achando! Ou apenas para falarem o q comeram/vão comer. Eu vou comer pizza ahsuahs

Até.
XOXO,
Tia Mad.