Camp Paradise - Interativa escrita por Aninha


Capítulo 12
Capítulo VII - Búfalos, recomeços e discussões


Notas iniciais do capítulo

Olá!
N tenho muito o q falar ahsuahs Provavelmente esse é o maior capítulo da fic e ficaria maior se o nyah não permitisse apenas 22.000 palavras -.- Para não correr o risco de passar acabei tirando algumas coisas, mas isso apenas significa que eu já tenho ideia para o próximo!

Aproveitem!



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Calíope Amelia Tormund-Styx, Cal

‘’Numa sociedade que lucra com nossa insegurança, gostar de si mesmo é um ato de rebeldia. ’’

— Autor desconhecido.

 

(Quinta-feira, manhã).

Suspirei fundo com o rosto apoiado na mão enquanto espero todo mundo terminar de comer. Minhas amigas conversam animadamente sobre o dia anterior enquanto Kenai mastiga seus ovos mexidos com linguiça com prazer nos olhos.

Olhei ao redor do Refeitório com tédio, passando os meus olhos verdes amendoados pela mesa dos Líderes onde todos estavam sentados comendo, inclusive o Dylan que conversava com um Matthew sério e um Elijah meio aéreo. Mavis fazia uma careta provavelmente se sentindo traída pelos amigos uma vez que eles conversavam com Dylan sem parecerem se importar com a raiva que a ruiva sente dele. Dei de ombros lembrando-me de como ela havia sido arrogante sem necessidade comigo aquela manhã quando foi ao Chalé das Larvas.

Percebi que de um modo geral os campistas aceitavam Dylan como Líder e falavam cada vez menos da Manson. Questionei-me se isso se devia ao passar dos dias ou ao fato de o loiro ter ocupado aquele cargo anos atrás. Lembrando-me da Manson pousei meus olhos na mesa das Raposas.

A toalha azul escura com bordados alaranjados de raposas entre outros desenhos coloridos está abarrotada de travessas de comida assim como todas as outras mesas. Não tenho certeza se é impressão minha porque vejo os campistas todos os dias, mas de repente as Raposas não me parecem tão frias e distantes. Elas conversam entre si, passando comida e trocando jarras de suco, dando risada e falando vez ou outra com alguém de outra mesa.

Acho que pelo fato de os campistas dessa Irmandade não serem tão barulhentos quantos os Lobos ou Búfalos, preocupados em ajudar como os Ursos e por as Raposas não saírem da Vila das Irmandades tanto como as Corujas, eles parecem meio esnobes. É claro que não interagir muito com as outras Irmandades como se fossem uma espécie de seita secreta e terem Elizabeth como Líder ajuda nessa imagem misteriosa, mas talvez não totalmente verdadeira.

Meu olhar cruza com o de Billie Pirate que sorri e pisca para mim antes de chutar o garoto ruivo sentado na sua frente por algum motivo que desconheço e eu me lembro da aula de dança da tarde anterior.

O sol se escondia por trás das nuvens que se acumulavam no céu, mas Telma nos garantiu que não choveria antes de se afastar em direção ao Chalé Cais com Dawn e Dominique.

— Acho que ela vai trocar a fascinação por insetos para nuvens – Evelyn comentou.

Ela, Ártemis, Maxine, Mackenzie, Kenai e eu caminhávamos pelos terrenos do Acampamento em direção as salas que circundam o lago numa espécie de escadinha para nossa primeira aula de dança. Graças ao horário e ao mormaço de verão procurávamos pelas sombras de árvores enquanto passávamos pelo Pomar e eu me perguntava se a decisão de irmos a pé porque estávamos muito sedentários ultimamente havia mesmo sido uma decisão sábia.

— Acho difícil – Max falou enquanto arrancava o esmalte da unha com os dentes.

— Concordo – Kenai falou mais a frente. – Lembra-se da discussão que tiveram no primeiro dia Lyn? Quando ela mandou você não se meter com os insetos?

Rimos, lembrando-nos da pequena discussão que Evelyn e Telma tiveram na sexta à tarde, algo que parecia ter ocorrido há um ano, mas não tinha nem uma semana. Avistei alguns campistas caminhando ao redor do lago, pescando e conversando felizes pela temporada estar de fato começando. Ao sul do lago as três salas exalavam vida, na orla da floresta.

A primeira sala, a de lutas, está ocupada por membros do segundo ano da Irmandade Lobo. Na terceira sala, a de música, campistas terceiranistas da Coruja. E na do meio, a sala de música nos aguarda com alguns poucos calouros.

Três degraus de pedra conduzem a varanda sustentada por pilastras de pedra clara que circunda toda a sala térrea. A porta preta de madeira com a parte superior de vidro da frente está fechada, mas o letreiro em neon vermelho acesso informa que podemos entrar. Assim que Kenai fecha a porta, o ar condicionado arrepia os pelos do meu braço por causa do frio e eu fico fascinada pela energia do ambiente.

Defronte a porta de entrada uma parede inteira formada por vidro, do chão ao teto, permite que vejamos a orla da floresta. O teto levemente inclinado para um dos lados com vigas de madeira à mostra encaixadas umas nas outras como um grande quebra-cabeça dá um ar rustico e moderno ao ambiente, assim como os lustres de ferro preto pendurados no teto e a cima dos espelhos que ocupam toda a extensão da parede a minha direita. Na parede da esquerda, janelas pretas com intervalos permitem que eu veja a parede creme. Sob as janelas fechadas sem cortinas, barras estão fixadas para alongamento.

Reparo que o chão de madeira encerado reflete o teto, mas surpreendentemente não é liso. Quadros de dançarinos e atores dançando em filmes famosos estão espalhados pela sala assim como as caixas de som. Reparo no sistema de som num dos cantos da sala onde uma garota usando uma camiseta da Raposa pendura uma bolsa num dos ganchos de metal da parede feitos para isso.

— Caramba – Evelyn fala num suspiro, andando lentamente para frente enquanto olha ao redor. – Isso deixa o estúdio de dança de São Francisco parecendo algo-

— Para amadores – a garota da Raposa fala sorrindo e se virando. – As instalações do Acampamento tem esse efeito. Se puderem se sentar em um circulo no chão, agradeço.

Troco olhares com os demais e reparo no grupo de campistas que já estavam sentados no chão antes de me sentar entre Lua e Evelyn com um sorriso no rosto. Eu gosto de dançar e ouvir música, mas como moro em Miami e amo praia passo a maior parte do tempo na areia de modo que nunca aperfeiçoei meus passos de dança, ao contrário de Evelyn que tem pernas incríveis graças às aulas que pratica duas vezes por semana em São Francisco.

Passo os olhos pelos campistas sentados em circulo. Evelyn está com um sorriso enorme no rosto que parece muito com o gato da Alice que estampa sua camiseta preta que deixa um dos ombros a mostra e consequentemente o top rosa. Lyn trocou seu costumeiro short jeans e coturno por um short de tecido leve e macio e um tênis.

Do lado esquerdo dela, Maxine veste uma calça de moletom com elástico na altura dos joelhos com estampa militar que aumenta sua bunda mediana, uma regata branca que deixa sua tatuagem de beija-flor a mostra e um tênis. A loira está com o cabelo liso preso num rabo de cavalo alto, os olhos castanhos grandes agitados como sempre e os lábios rosados finos num sorriso ansioso. Max olha para mim e da uma piscadela antes de encarar a garota da Raposa que está no centro da roda.

Sigo seu olhar e encaro a campista em pé que segura uma prancheta. Ela tem um sorriso calmo nos lábios carnudos e não parece nervosa apesar de estar sob tantos olhares. Percebo que as maiorias dos campistas que estão na sala são do Chalé das Larvas com exceção de um novato do Búfalo.

— Boa tarde, eu sou Billie Pirate e tenho quinze anos – a garota diz. – Nasci em São Francisco e pratico dança desde os meus cinco anos. Entrei no Acampamento e na minha Irmandade aos onze anos... – ela fez uma pausa olhando para o teto como se pensasse. – Bom, acho que por ora é o que eu tenho de interessante para dizer sobre mim.

A californiana de olhos azuis acinzentados, cabelos tingidos de cinza um pouco acima dos seios e estatura mediana sorri mostrando dentes alinhados e brancos. Apesar da fama das Raposas de serem metidas e de se manterem afastadas, o sorriso de Billie faz com que eu me sinta bem-vinda.

— Eu dou aulas de dança no Acampamento há três anos com base na minha experiência lá fora e aqui dentro – ela continua. – Não sei se vocês se lembram, mas numas das primeiras reuniões Effy disse que o Acampamento participa de concursos. Eu, assim como outros dançarinos daqui, já ganhei diversos prêmios e pontos para a minha Irmandade por meio desses concursos, mas o foco principal das aulas de dança não é preparar vocês para concursarem, por assim dizer. É permitir que vocês conheçam melhor o seu corpo e possam comanda-lo melhor, consequentemente. Antes de explicar mais a fundo como as coisas funcionam quero que vocês se sintam a vontade, por isso vamos interagir.

Sento-me mais ereta no chão assim como Lua, Max e Lyn, animadas por finalmente estarmos fazendo algo que não envolva a Manson para variar. Billie caminha para a mesa da sala e liga o rádio fazendo com que uma música indie toque num volume ambiente. Ela volta à roda e pede para que abramos espaço para que ela possa sentar conosco.

— Na minha prancheta eu tenho o nome de todos os campistas que devem estar presentes nessa aula – Billie fala. – Como Effy falou, e eu espero que vocês se lembrem, os campistas se inscrevem nas aulas que desejam, mas são obrigados a participar de todas as primeiras independentemente se inscreveram para ela ou não. Por isso todos aqueles que entraram no Acampamento nesse ano devem estar aqui.

Troco um olhar com Lua sabendo que pensamos em Telma, Dominique e Austen sentadas calmamente no café do Chalé Cais. Eu realmente não me importo se a Austen se der mal e tiver que limpar o estábulo, mas não quero que a sonhadora Dominique e a otimista Telma sejam punidas. Penso em pedir para ir ao banheiro e correr para chama-las, mas ao observar a porta dentro da sala que provavelmente tem essa finalidade desisto da ideia.

Billie aponta para a pessoa sentada a sua esquerda, uma menina com a pele negra como a noite e cabelos black power de doze anos, dizendo que seria ela a primeira a se apresentar e que deveríamos seguir nesse sentido até parar em Billie novamente. Tiana, a garota de doze anos, diz seu nome, idade, onde mora e em qual Irmandade quer entrar de modo que todos os outros repetem seus passos.

— Devemos chamar a Telma? – Evelyn sussurra ao meu lado com os olhos no garoto que se apresenta sentindo nossa vez se aproximar.

— Como sugere que façamos isso? – Lua pergunta irônica. – Billie com certeza vai perceber se pedirmos para sair e...

— Voltarmos com mais três meninas – completo.

— Eu sei, mas não posso deixar Telma e as outras se ferrarem apenas porque não quisemos ir chama-las – Evelyn falou demonstrando sua lealdade. – Isso não me parece certo.

Antes que Ártemis pudesse retrucar a vez dela de se apresentar chega e Billie nos pede para pararmos de conversar. Minha colega de quarto pisa no próprio pé antes de responder.

— Chamo-me Ártemis Gordon Bertinnelle, mas todos me chamam de Lua. Tenho 16 anos e nasci em Seattle, Washington. Eu quero entrar na Raposa. É isso.

Billie sorriu antes de escrever algo na prancheta e apontar para mim. Sorri.

— Calíope Amelia Tormund-Styx, Cal. 16 anos, nasci na Inglaterra, mas atualmente moro em Miami, Flórida. Quero entrar na Irmandade Urso e incialmente queria a Lobo também, mas depois que conheci o Líder deletei completamente essa ideia.

Billie levanta as sobrancelhas surpresa enquanto Maxine ri com gosto e Lua me dá uma cotovelada nas costelas com o intuito de me repreender.

— Posso saber por que mudou de ideia? – Billie pergunta inclinando a cabeça para um lado.

Mordo o interior da minha bochecha enquanto penso na melhor forma de dizer o que penso.

— Bem, eu tenho uma personalidade forte e opiniões tão fortes quanto – começo. – Eu odeio arrogância e pessoas que se acham superiores, homens que acham que conseguem qualquer garota apenas porque são bonitos, essa pose de machão. Tenho nojo desse tipo de pessoa. Eu odeio machistas, caras que falam e fazem coisas sem se importarem se os demais estão se sentindo incomodados com isso. E olha só – falei fingindo surpresa – Jason é tudo isso!

Algumas pessoas riem entre elas Billie, enquanto outras me lançam olhares repreendedores que eu ignoro totalmente. Aumento meu sorriso.

— Sei que Jason parece ser... – Billie começou, mas levanto as mãos pedindo que ela pare.

— Billie, eu realmente estava começando a gostar de você – falo –, por isso se for defender o Blood ou pior, dizer que é amiga, namorada ou qualquer coisa dele eu vou ficar extremamente decepcionada.

Billie gargalha a ponto de ter que inclinar seu corpo para frente. Kenai olha para ela com um olhar desconfiado, passando o piercing pelos lábios como se estivesse pensando na sanidade da garota e eu não fico surpresa ao encontrar a mesma expressão no rosto de Mackenzie.

— Pelos Deuses, não! – Billie fala um pouco ofegante. – Elizabeth me deserdaria e eu ainda não perdi meu senso de noção. O que eu ia dizer é que concordo com você em vários pontos, mas que Jason também tem suas qualidades, assim como todas as pessoas.

— Você só pode estar brincando – Lyn fala sarcástica e sorrindo com deboche.

Billie dá de ombros usando uma mão de apoio para se levantar.

— Ele não chegou ao posto de Líder com sorrisos charmosos.

— Bom argumento – falo. – E como foi? Com olhares penetrantes?

Billie balança a cabeça em negação sorrindo.

— Não cabe a mim contar. Agora, voltando à aula, estão faltando cinco campistas. Dominique Underwood e Dawn Margott não são as garotas que entraram em Irmandades pelo teste? – Billie pergunta olhando o grupo esperando a confirmação que veio de Tiana. A Raposa bufa. – Não se fazem mais campistas como antigamente. Certo. Hoje nós não vamos-

— Espera – Evelyn fala interrompendo. – Você não vai chamar os campistas que estão faltando?

Billie ergue uma sobrancelha quando olha a falsa ruiva ao meu lado.

— Não. Os respectivos Líderes serão informados e o atraso entrará na ficha deles.

— Ficha? – Lua pergunta parecendo interessada e preocupada ao mesmo tempo.

Billie ergue as mãos e olha para cima como se buscasse paciência.

— Me deixem terminar de falar! – exclamou. – Nós não vamos dançar hoje, teremos apenas uma hora para conversarmos e nos conhecermos o que significa que todos os novatos devem estar de volta a esta sala na próxima aula de dança. Porém, antes de jogarmos conversa fora quero explicar como as coisas funcionam e dar alguns conselhos com base na minha vida de campista.

‘’Em primeiro lugar, vocês não são punidos por tudo aquilo que fazem. Porém, atrasos com ou sem justificativa, brigas, bagunças, trabalho em equipe, iniciativa, tudo o que vocês fazem entra na ficha de vocês seja algo bom ou ruim. Todo campista tem uma ficha desde o momento em que se inscreve no Acampamento até a última vez que pisarão nessa propriedade. No caso de vocês, membros do Chalé das Larvas, a ficha é algo muito importante porque é com base nela que vocês são escolhidos para as Irmandades, ocupam cargos e são lembrados. ’’

— Isso quer dizer que todos os meus atrasos estão numa ficha que vai definir o meu futuro e ninguém me avisou? – Maxine pergunta indignada.

Billie assente.

— Os Líderes não querem que vocês saibam da existência das fichas até completarem cinco dias aqui dentro porque esse conhecimento afeta o comportamento de vocês – ela explica. – É com base nos primeiros dias, nas primeiras impressões que os Líderes definem em quem vão prestar mais atenção e quem vão ignorar completamente. Depois do quinto dia, com a informação da existência da ficha, a maioria anda na linha para ter chances maiores o que muda a personalidade de muitos.

— Acho que a Manson decidiu que nesse ano nenhum de nós valia a pena e por isso foi embora – Kenai comenta fazendo todos rirem. – Ei! Você é da Raposa, deve saber de algo que não está contando.

Billie dá um sorriso de lado que me parece levemente sinistro.

Volto para o café da manhã quando Telma ri escandalosamente sobre algo que Kenai havia falado. Percebo que o Refeitório está enchendo aos poucos e que Lua me lança olhares preocupados. Os campistas da Larva foram acordados às seis da manhã por uma Mavis Bittencourt empolgada nos dizendo que deveríamos terminar nosso café da manhã as oito – horário que geralmente a refeição começa – devido a programação do dia.

— O que foi Bertinnelle? – pergunto antes de tomar um gole do meu chá morno.

— Você está estranhamente aérea hoje. Nem constrangeu Evelyn com Kenai ainda.

— E estou adorando isso, pode continuar assim Cal – Evelyn fala sentada a minha frente sorrindo.

Ri com gosto e sorri marota. Ártemis está certa, eu estou me sentindo estranha hoje, mas não sei exatamente por que. Era como se de repente eu observasse tudo de fora, como se tivesse saído do meu corpo ou algo assim. Penso que pode ser a falta de sono.

— Acho que só estou cansada de ontem – falo quando percebo que elas ainda me olham parecendo preocupadas. – O Acampamento de fato começou a funcionar e eu não estava acostumada com isso.

— Nem me fale – Max fala sentada entre Kenai e Evelyn. – Odeio seguir regras, ter horário para tudo, mas aparentemente é apenas isso que vamos ter daqui pra frente.

— Antes termos o dia inteiro com horários e lugares para ir do que ficar encarando as paredes do Chalé das Larvas – Mackenzie fala sentada do meu lado direito o mais longe possível do Kenai. – Mas aparentemente as primeiras aulas serão como no colégio onde os professores se apresentam, perguntam nossos nomes...

— Fato – Evelyn concorda. – Mas até que a Billie ontem deu uns conselhos interessantes.

— Foi legal da parte dela nos falar das fichas – comento procurando um cupcake atrativo na cesta. – Por mais que os Líderes não quisessem que soubéssemos delas até o quinto dia algo me diz que não saberíamos mesmo se tivéssemos no nosso ultimo.

— Faz sentido uma vez que Billie só descobriu quando virou instrutora de dança e passou a ter que anotar tudo para passar para os Líderes – Kenai fala limpando os dedos engordurados no guardanapo.

— Eu achei mais interessante à teoria dos treze anos – Lua fala tomando seu achocolatado.

Todos concordam. Com a personalidade estudiosa que não acredita no clichê ‘’nerd popular’’ não fico surpresa com a informação de que o mais marcante para minha colega de quarto foi uma teoria.

Lua se cobra muito ao ponto de eu, uma pessoa desencanada que não gosta de opinar na vida alheia, achar que ela é paranoica às vezes. Ela está sempre estudando ou lendo algo e eu não me surpreendo mais quando entro no nosso quarto no Chalé das Larvas a noite e a encontro lendo algo da grade escolar, apesar de estarmos de férias. No começo eu até tentei falar que essa atitude não faz bem para ela, que relaxar e ficar com a cabeça longe do colégio é saudável, mas desisti quando percebi que Ártemis provavelmente é o ser humano mais teimoso que eu tive o prazer de conhecer.

Ela é teimosa e vai atrás do que quer não ligando para a opinião alheia o que é uma atitude que eu apoio na maioria dos casos, mas acho importante saber ouvir e diferenciar quando é um inimigo ou aliado que está falando com você.

De qualquer forma, na aula de dança do dia anterior Billie nos perguntou o que fazíamos ou o que queríamos fazer com treze anos. Depois de ter nos dado tempo para pensar ela pediu que algumas pessoas falassem suas respostas antes de falar sua teoria: quando Billie entrou no Acampamento Effy tinha doze anos assim como Elijah. Matthew era um ano mais velho, Jason dois e todos eles estavam no Acampamento desde os 11 anos. Mavis havia entrado no mesmo ano que Billie com 12 anos.

Aquele era o primeiro ano de Matthew e Jason como Líderes. Ela não quis nos dizer o que ambos haviam feito para merecer o posto aos 13 anos porque de acordo com Billie aquilo não era importante para sua teoria. Effy era membro da Raposa tendo Dylan como Líder e Billie estranhou como todos da Irmandade e até algumas pessoas das outras reparavam na garota, mas só descobriu o porque daquilo tudo quando ela entrou no grupo.

Naquele ano Effy se mostrara capaz de ocupar o posto de Dylan, mas deixou que o loiro terminasse a temporada ocupando apenas o cargo de Líder no ano seguinte, aos treze anos. Elijah não era Líder, mas estava sendo treinado para ocupar o lugar na temporada seguinte, ou seja, com 13 anos ele se mostrou capaz de assumir as Corujas assim como Mavis que no seu segundo ano no Acampamento era a favorita de sua Irmandade para ocupar a cadeira dos Búfalos na mesa dos Líderes, que logo ficaria vaga.

— O que estou tentando dizer – Billie falou depois de contar todos os dados – é que nem todos os atuais Líderes ocuparam seus cargos aos treze anos, mas todos haviam sido notados nessa idade. Todos fizeram coisas grandes e notáveis para merecerem o tipo de atenção que os colocaria no topo. É como aquela piada do Twitter que dizem que aos treze anos Harry Potter já havia enfrentado Voldemort duas vezes, matado um basilisco e enfrentado um homem que poderia ser o assassino dos seus pais, mas que na verdade era o seu padrinho quando muitos não sabem por que o shampoo e o condicionador têm lados contrários.

‘’A maioria de nós não é um Harry Potter da vida, mas todos nós podemos dar o nosso melhor para que sejamos lembrados não apenas por nossa Irmandade e pelo Acampamento, mas por todos os lugares que passarmos como pessoas especiais, que marcam os outros e não apenas passam pela vida’’.

— Por melhor que tenha sido a conversa e a teoria, que me fez pensar no assunto durante boa parte da madrugada, diga-se de passagem, eu queria ter dançado um pouco... – Evelyn fala fazendo uma careta triste.

— Poxa Kenai, você está com nada mesmo – comento sorrindo maliciosa. – Evelyn passou a noite pensando numa teoria em vez de pensar em você... Você tem que inverter isso campeão.

Evelyn revirou os olhos batucando com as unhas no tampo da mesa com toalha verde enquanto os outros riam.

— Evelyn não estava com o Carl? – Telma pergunta confusa fazendo a amiga bufar.

— Uma garota não pode ter amigos homens hoje em dia que tem que passar por esse tipo de comentário – Evelyn resmunga. – Valeu mesmo Telma.

— Desculpa amiga! – Telma grita abraçando Evelyn de lado atraindo muitos olhares para o nosso grupo. Como sempre.

— Vejo que a maioria já terminou – Mavis fala aparecendo na ponta da mesa com um sorriso. Bufo e reviro os olhos. – Nos encontramos na frente do Refeitório daqui dez minutos.

A Líder dos Búfalos havia ido ao Chalé das Larvas aquela manhã para nos aconselhar sobre como nos vestir. A intenção até havia sido boa, mas ela perdeu toda a credibilidade comigo quando foi ignorante sem motivo aparente.

Telma, Evelyn e Mackenzie levantam para irem ao banheiro enquanto Austen acena para Ártemis chamando-a perto de alguns campistas do Chalé dos Ursos que caminham para dentro do Refeitório.

— Se importa? – Lua pergunta me olhando.

Reviro os olhos achando a pergunta desnecessária uma vez que não sou ciumenta e o fato de não gostar da Austen não deve impedir Lua de conversar com a amiga.

— Claro que não Lua, contanto que você não a traga para cá – falo enchendo minha xícara com mais chá.

Minha amiga sorri antes de falar um ‘’eu apreciaria se você se esforçasse para ser no mínimo educada com ela’’ e se afastar antes que eu possa falar algo. Volto à atenção para o meu chá cantarolando em voz baixa uma música. Kenai havia se afastado para falar com Lucian Gonzales, Newt Brooke e Noah Evans, me deixando a sós com Maxine que arranca o esmalte das unhas com os dentes.

Encaro a garota que havia se mexido para sentar a minha frente enquanto ela olha as unhas de forma distraída. Seus cabelos loiros lisos estão presos numa trança intencionalmente frouxa. Ela usa uma legging preta na altura dos joelhos por baixo do short jeans azul claro com alguns rasgos nos bolsos numa combinação diferente que fica supreendentemente boa. A camiseta coral com estampa de formas geométricas num padrão destaca o rosado dos lábios. O tênis de cano alto preto combina com os brincos de perola da mesma cor. A falta de acessórios e o rosto sem maquiagem demonstram um pouco da personalidade agitada de Maxine Vause que prefere conhecer pessoas a perder tempo se arrumando.

Os olhos grandes com íris castanhas agitadas de Max carregam alegria, curiosidade e algo mais que não consigo identificar, mas que me faz ter um mau pressentimento quando ela me olha. O sorriso nos lábios rosados e finos apenas aumenta esse sentimento.

— Então – ela fala. – Como vai à vida?

Dou de ombros.

— Quão estranha eu sou por estar entediada quando as coisas finalmente começam?

Max ri.

— Não muito uma vez que não é a única. É impressão minha ou eles estão emendando aula depois de aula, trilhas depois de partidas de vôlei e assim por diante porque perderam muito tempo?

— Acho que querem compensar o tempo perdido ou algo assim – falo avistando Evelyn acenando perto da porta. – Vamos?

Maxine para de arrancar o esmalte e se levanta, me acompanhando em direção à saída. Descemos os degraus e eu percebo a quantidade grande de pessoas que se aglomeram em frente ao Refeitório. O Chalé das Larvas tem mais ou menos trinta campistas a cada ano o que permite as Irmandades terem seis novos membros. Olhando o grupo de pessoas posso perceber que os campistas das Irmandades estavam entre os novatos, chegando para o café da manhã.

— A trilha é cheia de cobras e aranhas venenosas – um garoto do Lobo fala para alguns novatos de onze e doze anos que estão num círculo ao seu redor.

Mordo meu lábio inferior com força incomodada com a mania que os Lobos têm de serem idiotas. Talvez seja um pré-requisito para entrar na Irmandade, penso sarcasticamente.

— Você não tem nada para fazer né Morgan – Evelyn fala para o Lobo que assusta os mais novos contando histórias sobre a trilha. – Se assustar novatos é o ponto alto do seu dia tenho pena de você.

— Olha só quem fala – Morgan responde sorrindo maroto e nos olhando. – Você está reparando em mim e sou eu quem não tem nada para fazer?

Evelyn suspira dramaticamente e leva uma mão a testa.

— Tem razão, acho que cheguei ao fundo do poço – ela fala sarcástica.

Morgan ri antes de ser chamado por um grupo de Lobos que se afasta e nos dar as costas. Olho para Lyn sorrindo com sua atitude.

Eu não conheço muito bem Evelyn Brooke. Ela é uma californiana de dezessete anos que mora com o pai e o irmão mais velho, Newt, que também está no Acampamento e com quem ela não se dá muito bem. Ela adora conhecer coisas novas, é extrovertida e às vezes sarcástica, detesta insetos, mas se dá muito bem com Telma, sua colega de quarto, e teve Kenai como seu canga. E por um motivo desconhecido insiste em conversar com Carl.

Eu não conheço sua história. Não sei por que ela não mora com a mãe, por que não tem um bom relacionamento com o irmão ou por que entrou no Acampamento. Mas não posso julgar uma vez que ela não sabe muito sobre mim. Com isso em mente decido que quando voltarmos da trilha, independentemente do horário, eu sentarei com minhas amigas de Chalé para conhecermos mais umas as outras. Afinal de contas, se a partida de Elizabeth me ensinou uma coisa foi que nós nunca conhecemos realmente alguém.

Percebendo que mais uma vez estou me distanciando volto a prestar atenção na conversa entre Evelyn e Maxine. Lyn rói as unhas da mão enquanto ouve Max falar sobre dança e cabelos coloridos.

— Verde é a melhor cor para cabelo, para tudo na verdade – Maxine fala como se fosse o ponto final da conversa.

— Obrigada pela parte que me toca – Lyn fala passando a mão pelo seu cabelo tingido de vermelho vivo.

Nós rimos. Lyn tem cabelo curto estilo Joãozinho, rosto fino que parece ainda mais branco graças à cor do cabelo. Os olhos mel estão cercados por cílios com um pouco de rímel e os lábios parecem mais rosados graças ao batom. Evelyn tem estatura média, é magra com algumas curvas e possui os músculos bem definidos, mas sem parecer musculosa, graças à dança.

Mesmo com a manhã abafada ela tem uma blusa de flanela amarrada na cintura por cima do short jeans larguinho e da camiseta regata com a frase no pain no gain, o que eu acho muito apropriado uma vez que estamos indo caminhar às oito da manhã.

Mavis pede para que façamos uma roda ao seu redor e que os demais campistas se retirem. O sol não está muito forte e a brisa da manhã impede que ficar sobre o gramado sem árvores não se torne uma tarefa insuportável. Max e Evelyn interrompem o debate sobre cores e se postam lado a lado. Telma e Mackenzie se despedem de Dominique e seu grupo de amigos da Coruja e correm em nossa direção ficando do lado direito da Lyn que tem Max e eu ao seu lado esquerdo.

Procuro Ártemis sobre as cabeças dos campistas e a encontro se despedindo da Austen, porém antes que ambas possam se mover Matthew se aproxima de ambas sorrindo calmamente e falando algo. Franzo o ceio e percebo que Elijah faz algo semelhante com Dominique.

— Muito bem – Mavis exclama do centro da roda com um sorriso enorme. – Fico feliz em ver que a maioria seguiu meu conselho de vestir algo mais apropriado. Lembrem-se: estejam sempre preparados.

Bufo e finco minhas unhas com esmalte nas palmas das mãos, reprimindo a raiva. Mavis Bittencourt foi àquela manhã ao Chalé das Larvas, um pouco antes do horário do café da manhã, com a boa intenção de nos aconselhar. Com todos os campistas das Larvas sentados nos sofás, pufes e tapetes ao seu redor ela disse:

— Vocês deram o primeiro passo para a Iniciação ao entrar na floresta e conhecer a alcateia. Hoje, prosseguiremos com o longo caminho que todos vocês devem percorrer em busca de uma Irmandade. Eu vim aqui bem antes do café da manhã para alerta-los que faremos uma trilha após a refeição, que vai acabar às oito horas para vocês, de modo que aqueles que não estão com roupas confortáveis devem se trocar imediatamente. Com Jason vocês tiveram o privilégio de virem ao Chalé das Larvas antes do primeiro passo e vou avisa-los que isso não é algo recorrente. Na maioria das vezes as atividades vão ser anunciadas e iniciadas ao mesmo tempo de modo que vocês irão fazê-las com a roupa que estiverem no corpo por isso sugiro que estejam preparados para tudo. Sempre.

A intenção dela talvez tenha sido boa, mas ela perdeu o crédito que ganhara comigo ao longo daqueles dias. Eu já estava com um pé atrás quando percebi que ela está cobrando muito dos seus campistas, descontando a raiva neles, e tudo apenas piorou quando ela foi rude comigo aquela manhã sem motivo. Eu apenas perguntei se a trilha seria muito longa ou se voltaríamos na hora do almoço e ela respondeu de modo grosseiro dizendo:

— Informações importantes chegam a pessoas importantes, Calíope – com um sorriso falso.

Lembro que respirei fundo, exatamente da mesma forma que estou fazendo agora, mas não pude controlar minha língua afiada quando Bittencourt respondeu a mesma pergunta educadamente quando ela foi feita por Telma.

Elijah e Matthew entram no centro da roda e interrompem o discurso de Mavis para lhe falar algo. Neste momento percebo que Dominique está entre Evelyn e Maxine dizendo algo a elas baixinho. Domi sorri para mim feliz e eu retribuo o sorriso, confusa, mas antes que eu possa perguntar algo Lua está ao meu lado com Austen.

Levanto uma sobrancelha e pergunto a Ártemis encarando Austen:

— O que ela está fazendo aqui?

Dawn sorri ironicamente.

— Devo lembrar-lhe que apesar de pertencer a uma Irmandade eu ainda sou novata Calíope e ainda não passei pela Iniciação.

— Bom, se você está aqui por isso por que não estava na floresta com a gente na segunda?

— Porque Domi, Frederico e eu fomos iniciados na segunda de madrugada e não na noite de segunda para terça como vocês – ela fala mexendo numa mecha do cabelo castanho ondulado de corte médio.

— Meninas, por favor – Lua fala interrompendo nossa troca de farpas pelo olhar. – Por Lady Gaga, nenhuma das duas fez algo a outra, vocês não tem que brigar toda vez que se encontram!

— Eu não confio nela – falo como uma criança birrenta, puxando o cabelo da nuca e encarando os olhos pequenos esverdeados com pontos em azul e castanho da garota.

— E você se acha a última bolacha do pacote – Dawn fala sem interromper o contato visual.

— Calem a boca – Maxine fala fazendo com que olhássemos para ela. – Não me importa quem não gosta de quem nem o porquê disso. Vocês duas gostam da Lua e eu não quero saber o motivo de viverem se alfinetando: vocês magoam a amiga de vocês assim. Pelo amor de Deus, até parece que tem uma tensão sexual entre vocês duas!

Finjo sentir um calafrio ruim pelo corpo. Não olho para Austen para ver sua reação, mas vejo pelo canto do olho Ártemis colocar uma mão no braço dela como se para acalma-la. Decido pensar sobre o que Maxine falou outra hora e canalizar minha raiva para Mavis o que pode não ser uma decisão muito sábia, mas não estou me importando.

Eu não lido bem com ordens e regras, sou independente e inconsequente, portanto prefiro fazer tudo do meu jeito. Eu me irrito com facilidade e não gosto de enrolação o que me faz ser curta e grossa na maioria das vezes fato que apenas piora já que eu não penso antes de falar. Eu sei que tenho defeitos e que erro às vezes, mas isso não significa que ache que tenha errado com Austen ou Bittencourt. Não me importo se Lua já perdoou à morena ou se a Líder não gosta de pessoas com cabelo ruivo alaranjado. Eu não gosto delas e ponto.

Dawn fingiu ser o que não era no trem quando fez amizade com Ártemis apenas para dispensa-la quando chegou ao Acampamento e conheceu novas pessoas. Sem contar que o fato de estar forçando amizade comigo só porque voltou a falar com minha amiga me irrita profundamente. Já Mavis foi arrogante sem necessidade e tenho quase certeza que se acha superior comparada aos demais campistas apenas porque ocupa uma cadeira na mesa dos Líderes e porque Manson é sua melhor amiga. Ela fingiu que era uma garota engraçada e adorável com todos apenas para parecer ser a Líder mais legal quando na verdade é uma víbora.

Reparo que apesar de ter nos aconselhado a vestir algo confortável para uma caminhada Bittencourt está com seu cabelo na altura dos ombros ruivos tom de cobre preso num rabo de cavalo que deixa boa parte dos fios soltos. Ela veste uma calça preta justa com rasgos nos joelhos e coxas, uma camiseta num tom de rosa com o símbolo de sua Irmandade sob um colar prata com o pingente do signo de Áries e um tênis que eu usaria no shopping e não numa caminhada.

Questiono-me se ela é a pessoa mais adequada para nos aconselhar o que vestir, mas como realmente não me importo paro de pensar e me concentro na cena a minha frente.

Matthew e Elijah se retiraram deixando apenas a Líder dos Búfalos como responsável por nós. Ela diz que todos os campistas do Chalé das Larvas devem estar presentes assim como os novatos das Irmandades e faz uma chamada para conferir. Depois diz que devemos subir nos carrinhos e segui-la até o ponto em que nossa trilha irá começar.

Voltei-me na direção das minhas amigas e da Austen e fizemos um circulo para decidir como seria a separação. Max revirou os olhos e eu falei pelo olhar que também achava aquilo muito exagerado. Era só alguém ir pra um carrinho e quem seguir vai, quem não seguir vai no outro. Simples. Mas para a perfeccionista Ártemis Bertinnelle e a racional Dominique isso é simples demais.

— Certo, não quero saber como isso vai funcionar só vou informar que eu vou dirigir um carrinho – Maxine falou sorrindo antes de me lançar uma piscadela e nos dar as costas caminhando em direção a um carrinho.

— E eu outro – Evelyn falou sorrindo. – Fechou.

— Eu vou com a Maxine – falo rápido.

— Eu vou com você – Lua fala como o esperado. Lanço a ela um olhar antes de desviar rapidamente o olhar para o lado da Austen e retornar. Encaro os olhos castanhos escuros que perto do sol ficam mel com pintinhas verdes invisíveis na iluminação artificial. – Ah... Ok, eu vou com a Lyn. Dawn?

Austen dá de ombros e segue uma Ártemis chateada sem dizer nada. Encaro a figura das duas se afastando. Lua é alguns bons centímetros menor que a amiga e seus cabelos longos castanho médio que vão até a cintura balançam suavemente conforme ela anda mesmo estando presos. Ela e magra com belas curvas, os traços delicados formam seu rosto de pele café com leite.

Lua adora moda, mas no Acampamento preferiu evitar usar suas roupas mais bonitas e optar pelas velhas do armário mesmo que algumas delas tenham estampas de animais e desenhos animados. Mesmo assim, suas roupas não parecem nem velhas nem fora de moda. Ela está vestindo um top preto com alças finas por baixo da blusa branca larguinha transparente. Um short curto de moletom cinza de amarrar na cintura com detalhes em preto deixa boa parte de suas pernas à mostra, mas sem parecer vulgar. Nos pés um coturno de cano baixo feito especialmente para trilhas cor de rosa claro dá um charme assim como o cabelo preso num rabo de cavalo alto com presilhas rosa.

Austen por sua vez possui cabelos castanhos ondulados na altura dos seios, corpo relativamente magro, possui quase 1,80 de altura e unhas compridas sempre com esmalte escuro. Ela está vestindo um short jeans escuro com uma regata de estampa militar e um all star preto nos pés. Lembro-me do batom verde escuro e do rímel que havia em seu rosto.

— Eu sei que você não gosta da Dawn, mas ela é uma garota legal e a atitude de vocês machuca a Lua – Dominique fala me encarando com seus olhos cinza azulados demonstrando sua calma e racionalidade. – Ela não deveria ter que escolher entre duas pessoas que gosta.

Finco as unhas nas mãos enquanto penso no que ela disse.

— Você vem comigo – falo para ela e me afasto.

Caminho pelo gramado até o carrinho sob a árvore que Maxine escolheu e sento no banco do passageiro. Max batuca com as mãos no volante e me lança um sorriso bonito antes de se virar para trás e encarar Dominique que sentou atrás de mim.

— Ao que devo a honra de sua companhia? – a loira sentada atrás do volante pergunta.

Olho pelo espelho retrovisor e vejo que Domi está com algumas flores no colo trançando-as numa coroa com um sorriso no rosto.

— Cal sabe ser bem intimidadora quando quer – fala dando de ombros.

Damos risada quando Mackenzie entra no carrinho perguntando qual é a piada. Max dá partida e começa a seguir os carrinhos que se afastam em direção ao norte do Acampamento, mas antes que possamos passar pelo pomar ouvimos um grito masculino atrás de nós e a loira freia com tudo fazendo com que eu quase beije o para brisa do carro.

— Mas que merda Vause! – Mackenzie exclama do banco de trás se segurando com força no banco para não cair para fora. – Você podia ter me lançado na grama, sua louca!

— Mas não lancei – Max fala sorrindo ironicamente enquanto se vira para trás.

Imito o gesto da outra e observo Mackenzie com as mãos fechadas em punhos olhando raivosa para Maxine. Vejo como plano de fundo Kenai correndo em direção ao nosso veiculo e sorrio maliciosamente quando prevejo que o humor da pequena Foster só tende a piorar.

— Obrigada por me esperarem – Kenai fala ironicamente com um fundo de gratidão na voz sem parecer ofegante graças à corrida. Franzo o nariz para isso, mas abro um sorriso largo quando Mack direciona o olhar para o garoto que está parado de pé ao seu lado.

— Pelo jeito as badaladas dessa manhã não te acordaram – Dominique fala rindo, cutucando a colega para que esta se mova. – Vamos Mackenzie, os carrinhos estão nos deixando para trás.

Antes que eu possa perguntar sobre o sino, a garota que nasceu em Atlanta, Geórgia, Mackenzie Foster de 15 anos, que tem a pele clara, cabelos ondulados compridos mel, corpo ampulheta cheio de curvas, rosto redondo e angelical, parece se recompor do choque inicial ao abrir a boca com expressão indignada e falar:

— O que pensa que está fazendo?

Kenai esfrega os olhos para se controlar e respira fundo antes de olhar para a garota que o impede de subir no carrinho.

— Estou indo fazer uma trilha – ele fala como se explicasse algo a uma criança. – Pode ir para o lado?

— Eu não gosto de você – Mackenzie fala cruzando os braços sem se mexer.

— Eu não perguntei e é reciproco – o homem fala começando a se irritar de verdade.

— Pessoal, eu sei que vocês não gostam um do outro, mas nós realmente estamos ficando para trás – Dominique fala num tom calmo de quem tenta apaziguar. – Podemos deixar para aceitar as diferenças depois e apenas seguirmos os demais?

— Concordo com a Domi – Max fala colocando as mãos no volante e acelerando sem sair do lugar. – Não quero ficar com a fama de sempre chegar atrasada. Então Foster, vamos deixar as briguinhas de lado, sim?

Bufando e com ar de quem preferia morrer Mackenzie senta entre Domi e Kenai que sobe no carrinho com uma cara não muito diferente da mais nova do grupo. Max pisa no acelerador para compensarmos o tempo perdido e avisto rapidamente na varanda do Refeitório Lucian com os braços cruzados e o sorriso de sempre balançando a cabeça negativamente ao lado de Jason que ri nos olhando.

— Obrigado senhorita jeans – Kenai fala para Mack sarcástico.

— Por favor, Nimble, não cutuca – Dominique fala lançando o primeiro olhar mau humorado que eu vejo para o moreno antes de olhar para o lado de fora.

— Okay...

— Certo, vamos ignorar o casal probleminha e focar na pergunta que não quer calar: o que foram os sinos essa manhã? – falo tentando quebrar o clima tenso que se instalou.

Max riu baixinho antes de me responder sem tirar os olhos do caminho.

— Eu perguntei sobre isso à Mavis e ela deu a entender que ao mesmo tempo em que é algo importante, nós não devemos nos preocupar. Na verdade eu acho que ela não sabe o significado, mas...

Relembro como acordei naquela manhã. Os sons de badaladas de sinos ao longe chegaram aos meus ouvidos, me despertando. Prestando mais atenção percebi que na verdade era apenas um grande sino como o de uma igreja. Ainda de olhos fechados, abraçando meu travesseiro e franzindo o rosto com preguiça de acordar contei quantas vezes ele ia e vinha. Uma vez, duas vezes, três, quatro... Quatro vezes.

Lembro que estranhei a quantidade, pois me lembrava com perfeição às dez badaladas nas manhãs de domingo que a igreja a algumas quadras dava ao inicio de cada missa. Porém, ao abrir meus olhos verdes amendoados redondos minimamente e piscar algumas vezes tentando me acostumar com a claridade mínima que entrava pela fresta da cortina e ver Ártemis deitada dormindo calmamente na cama de solteiro ao lado minha percebi que aquela não era a minha casa o que tornou tudo ainda mais estranho.

O Acampamento não possui uma igreja até onde eu percebi e mesmo que tenha é quarta-feira, então me pergunto qual o sentido do sino e onde ele estará. Até onde eu saiba as missas são aos domingos, pelo menos em Miami é assim. E o sino do Refeitório com certeza não faz tanto barulho.

— Elijah falou que cada badalada tem um significado – Domi fala calmamente me trazendo para o presente.

Reparo que deixamos a Enfermaria para trás e meus pensamentos se desviam rapidamente para Oliver, deitado numa cama num dos inúmeros quartos, talvez ainda desacordado. Lembro-me da história que Max contou na madrugada de terça-feira, contando as meninas e a mim onde havia passado sua tarde de segunda-feira.

Max entrou furtivamente na Enfermaria na esperança de achar o quarto de Oliver e matar sua curiosidade vendo o estado do garoto, mas tudo que ela conseguiu foi entrar na sala de arquivos, encontrar uma pasta sobre Elizabeth (sobre a qual ela não quer falar) e ser descoberta por um Dylan estranhamente bravo. Combinamos de entrar de novo juntas hoje ou quando tivermos oportunidade para achar o garoto ranzinza.  

Estamos bem mais perto dos outros carrinhos agora, que aceleram cada vez mais em direção ao nordeste, passando entre as quadras de esportes, o Chalé Cais e o lago.

Feliz em saber que alguém tem as respostas, me viro no banco de modo a ficar de frente para a Coruja que ajeita seus óculos de aro redondo antes de continuar.

— Não sei se posso falar sobre isso – Domi começa falando sozinha, mas antes que eu posso falar algo ela arqueia a sobrancelha. – Enfim. O sino fica no centro da Vila das Irmandades, ao lado do Chalé Principal onde os Líderes passam boa parte do tempo, numa torre alta de pedras que parecem pertencer a um castelo.

— Mas é só a torre lá no meio ou...? – Maxine interrompe para saciar sua curiosidade e percebo que todos do carrinho estão prestando atenção.

— Não, é uma das torres que fazem parte do Chalé Principal, mas essa fica mais afastada de modo a não atrapalhar tanto assim quando é tocado, o que eu acho meio idiota porque se aquele bagulho pode ser ouvido pelo Chalé das Larvas provavelmente pode ser ouvido pelo Acampamento inteiro, mas né, não sou eu a responsável pela construção.

— Até porque se fosse garanto que o sino estaria bem longe do seu quarto – Mackenzie fala rindo.

— Para a sua informação eu não me importo de acordar cedo – Domi fala fazendo careta para a amiga sentada ao lado. – Enfim — diz voltando seus olhos claros na minha direção. – Elijah disse que o sino é tocado numa forma de transmitir avisos para o Acampamento inteiro sem precisar mandar velocistas ou corujas.

— O que são velocistas? – pergunto.

— Campistas campeões de corrida que auxiliam os Líderes – ela fala calmamente, mas sinto no fundo um tom de irritação por ficarmos interrompendo por isso finjo que passo um zíper na boca e jogo a chave fora, fazendo-a rir. – Voltando, Elijah disse que eles contam as badaladas aos pares de modo que duas tenha um significado, quatro outro e assim por diante.

‘’Duas significam atenção ou fique alerta. Meu Líder disse que nunca houve apenas duas badaladas e que ele as acha desnecessárias, mas Effy implantou isso caso algum dia fosse necessário. ’’

— Ela acha o que? – Kenai perguntou num tom que deixou claro que ele não simpatiza com a Líder das Raposas.

— Quatro significa que alguém foi embora – Domi continuou como se não tivesse ouvido. – No caso de hoje foi um aviso atrasado para a ida de Effy.

— Bem atrasado, aliás – comento sarcástica. – E desnecessário porque acho difícil alguém ainda não ter notado que ela foi embora.

Antes que meus companheiros pudessem falar algo, Max diminuiu a velocidade até parar me fazendo virar para frente. Todos os carrinhos estavam estacionados numa certa organização perto da orla norte da floresta. Se virássemos para trás, inclinando e esticando a cabeça para a direita conseguiríamos ver um pedaço azul do lago, mas não do Chalé Cais que estava muito longe.

Descemos do carrinho em silêncio e nos aproximamos do grupo que se formava perto da floresta, na frente de todos os veículos. Evelyn acenou na nossa direção enquanto Telma gritava por nós, o que chamou a atenção de Mavis a algumas pessoas. A Líder dos Búfalos sorriu para Max e os demais, mas mordeu o lábio e me olhou de cima abaixo antes de virar o rosto em outra direção. Finco as unhas nas palmas das mãos com força, respirando fundo.

— Não achei que a Mavis fosse assim – Domi comenta tranquilamente ao meu lado, deixando-se ficar mais atrás do grupo que caminha em direção a Evelyn e as demais para me acompanhar.

— Assim como? – pergunto sem conseguir reprimir minha curiosidade.

— Que julga os outros facilmente. Eu suspeitava que ela cria confrontos em sua mente com base naquilo que acredita, mas não achei que isso fizesse ela ter preconceitos.

— Como assim? – falo completamente confusa, parando para encara-la.

Dominique coloca uma das mãos no topo do chapéu de palha grande com fita rosa que usa e lembro-me de todas às vezes que a vi: sempre com algo na cabeça, seja um chapéu, uma bandana ou um lenço e começo a pensar que talvez seja uma mania. Ela arqueia uma sobrancelha antes de falar:

— Bem, eu tenho como mania observar tudo numa pessoa, todos os pequenos detalhes que a compõem.

— Jura? – pergunto sarcástica.

— A questão é – ela prossegue me ignorando – que eu tinha achado Mavis legal, um pouco surtada principalmente depois que Effy foi embora, espontânea no que fala e que não pensa antes de agir, então até cheguei a achar que vocês duas iam se dar bem. Porém, percebi que quando ela me viu conversando normalmente com o Dylan no café uma tarde e falou para o Elijah que ele deveria ficar de olho em mim porque o loiro poderia estar tentando arrancar informações de mim, cheguei à conclusão que ela tira conclusões precipitadas, criando histórias na sua cabeça que nem sempre são verdades. Teorias.

‘’Mas em nenhum momento imaginei que isso a impediria de se aproximar ou ser gentil com alguém, mas eu devia ter desconfiado. Sendo espontânea demais, Mavis claramente não é como a melhor amiga. Ela não consegue ser educada com você por educação. Se ela não gosta de você, ela não gosta de você e não vai fazer nada para esconder isso. ’’

 - E ela não gosta de mim? – pergunto meio perdida com a análise completa da Coruja. – Eu reparei que ela mudou drasticamente a forma como me trata, mas achei que ela não estivesse fingindo.

Domi suspirou direcionando seu olhar para Kenai e Mackenzie que discutiam um pouco mais a frente.

— Está vendo esses dois? – ela falou com ar de pêsames. – Ambos estão nesse conflito desnecessário há dias por um motivo quem nem eles sabem direito. É claro que para mim todos os conflitos são desnecessários, mas esse não é o caso. Ambos são tão parecidos na forma de agir, desconfiados com qualquer um que se aproxima, avaliando muito bem antes de definir se você é aliado e amigo, tão semelhantes que não conseguem conviver, aparentemente. Esse poderia ser a razão pra tanta discussão, mas na verdade não é.

‘’Uma frase errada de Kenai, uma resposta mal criada de Mackenzie e aqui estamos: nessa discussão sem fim. Ambos preconceituosos demais, errados demais com as avaliações que fizeram, mas acreditando tão fielmente que ela é verdadeira a ponto de não conseguirem baixar a guarda e tentar descobrir se estavam certos. ’’

— E o que isso tem haver com o assunto? – pergunto novamente confusa, mas entendo que Domi também não gosta de preconceitos.

Dominique sorri e começa a caminhar lentamente em direção ao grupo.

— É quase a mesma coisa entre você e Mavis. A Líder aparentemente não gosta de você por algum preconceito. Uma pergunta sua, uma resposta mal criada dela e voilá! Dois bicudos não se beijam.

— A culpa não é minha se ela é preconceituosa e fica tirando conclusões precipitadas. Eu não fiz nada para ela ser ignorante!

— Talvez não, mas não consegue pensar em nada que alguém possa ter feito para deixa-la assim?

— Por que a demora? – Lua pergunta quando chegamos ao grupo.

Confusa de novo e cansada de Dominique com seus enigmas, dou de ombros e olho para Mavis que está na frente do grupo. O que não ajuda uma vez que eu estou com raiva dela, mas decidi que seus sapatos pareciam à parte menos irritante dela de modo que passei a encara-los enquanto ouvia sua voz irritantemente animada.

— E finalmente estamos aqui! – ela falou. – Temos um belo e longo trajeto para seguir floresta adentro. Essa não será uma trilha parecida como a do primeiro passo da Iniciação, mas é importante seguirem as regras que aprenderam naquela ocasião. Mantenham-se o mais silenciosos o possível, juntem-se ao canga de vocês e tem uma garrafa por dupla na caixa perto daquele tronco caído. Elas já estão cheias.

‘’Andem lado a lado, em fila, em grupo, enfim, como o espaço permitir... Já falei do canga, da água, das regras... Acho que é isso! Vamos? ’’

Sem esperar respostas ela nos deu as costas e começou a caminhar em direção a floresta obrigando-nos a segui-la. Lua veio para ao meu lado e em silêncio pegamos nossa garrafa e esperamos as demais mais perto das árvores pelas quais os campistas passavam. Evelyn e Kenai se aproximaram assim como Telma e uma Mackenzie de mau humor. Dawn e Dominique conversavam animadas quando pararam perto do grupo, logo incluindo Lua na conversa que desistiu de fazer o mesmo comigo quando percebeu que eu estava absorta em pensamentos.

A conversa com Dominique Underwood, por mais confusa que tenha sido, me fez abrir os olhos para algumas coisas. Eu não sou do tipo que fica pensando na vida, mas era difícil não faze-lo depois do que ela e Max me disseram. Eu não ia perguntar qual é o problema para a arrogante da Bittencourt, mas podia questionar a Austen. Eu podia perceber agora, avaliando todos os momentos e inclusive a conversa que se desenrola na minha frente sem minha participação, que minha atitude preconceituosa com a Urso magoa Ártemis de alguma forma.

Já no primeiro dia eu declarei guerra com ela por uma causa que nem é minha. Ela feriu a Lua, mas quando mesmo a garota machucada a perdoou por que eu não deveria fazer o mesmo? Afinal de contas ela nunca fez nada para mim e pode estar tão na defensiva porque eu a fiz ficar assim. Eu talvez por que ela ache que eu sou a arrogante.

— Vamos? – Ártemis fala balançando meu braço.

Levanto meus olhos da grama escurecida pela sombra e percebo que Dominique me encara com um sorriso mínimo nos lábios. Ela pisca para mim como se aprovasse meus pensamentos antes de seguir na direção da trilha com Austen que apenas me olha com indiferença.

— Claro – falo.

A trilha é mais aberta e sem tantos obstáculos comparada aquela que fizemos com Jason, mas não é menos estreita. Na maior parte do tempo andamos em duplas, mas é possível ver clareiras em vários lugares. Durante o dia os animais ficam menos silenciosos de modo que é possível ouvir o canto dos pássaros, avistar esquilos e uma vez ou outra a figura de um lobo correndo. Eles não mexem conosco e Bittencourt diz que é graças a nossa Iniciação.

Para o desespero de Evelyn e alegria de Telma os insetos parecem mais visíveis à luz do dia. Lua e eu conversamos pouco, o clima estranhamente tenso entre nós. Passamos a garrafinha uma à outra e apontamos alguns animais, mas não mais que isso. A situação parece pior levando em conta as conversas animadas ao nosso redor.

De repente Ártemis aperta meu braço e aponta para algum ponto ao longe. Confusa, sigo seu dedo até achar uma clareira com nada de interessante. Observo um pouco mais, levantando meu olhar e enxergando um filhote de urso negro quando este se mexe perto da pedra grande e cinza.

— Se o filhote está aqui à mãe não deve estar muito longe – Austen fala num tom levemente tenso. – E não creio que a Bittencourt vai saber nos proteger.

— O que sugere? – Domi pergunta.

— Talvez Kenai possa usar o poder do seu nome e ir lá bater um papo – ela responde sarcástica, sorrindo e olhando para o garoto que está atrás de mim.

Surpreendo a mim mesma ao perceber que eu ri de sua péssima piada. Austen me olha com os olhos levemente arregalados, mas não diz nada.

— Ele poderia aproveitar para morrer – Mack fala malvadamente de algum ponto da frente e eu ouço o tapa que Telma lhe dá. – Ei!

— Não seja tão babaca Foster – Tel diz estranhamente séria.

— Ih, vai perder o namorado para a Telma, Lyn – falo maliciosamente.

Austen ri.

— Antes pra ela do que para o urso, acho – a morena fala me encarando.

Lua está parada nos olhando de boca aberta.

— Não sei, é difícil dizer no que a pequena Miller pode se transformar quando tiver suas garras em cima do rapaz aqui.

— Vamos parar, sim? – Kenai fala bravo, mas está sorrindo. – Você não tem algum amuleto de urso Dawn? Qual é o sentido de estar na Irmandade dele se não pode controla-lo.

— Não entramos nas Irmandades para aprender a controlar os animais, mas sim para respeita-los – Bittencourt fala surgindo do nada. – Vocês estão demorando demais e atrapalhando a fila. Continuem andando.

— Mas e se o urso atacar? – Dominique perguntou.

— Ele não vai – a Líder falou num tom que parecia mais desejar isso do que ter certeza.

Dando de ombros sigo em frente com o pensamento reconfortante de que se o urso me atacar Mavis estará completamente ferrada uma vez que estou sob sua proteção. Com o gelo inicial quebrado, começamos a conversar sobre diversos temas conforme andamos sem sabermos para onde. Fico surpresa com a quantidade de piadas ruins que Austen consegue fazer e mais surpresa inda por rir com elas.

— É um dom – ela fala. – Uma vez fiz uma amiga rir no meio de um funeral.

— Rir para não chorar, apoio essa ideia – Domi comenta.

— Funeral de quem? – pergunto sem conseguir reprimir minha curiosidade.

Observo o sorriso de Dawn ir diminuindo até desaparecer. Ela dá de ombros com o olhar vago.

— Não lembro – diz. – Só lembro que a fiz rir.

Sei que é mentira, mas prefiro não insistir e logo Kenai muda de assunto perguntando se alguém mais está ouvindo o barulho de corredeira. Algumas piadas e comentários sobre sua sanidade depois, todos nós estamos ouvindo. Meia hora de caminhada, risadas e conversa jogada fora, chegamos a uma clareira. No outro extremo do local há uma abertura entre as árvores de onde podemos ver uma ponte de madeira que liga o lado da floresta em que estamos com o outro.

Mavis caminha a frente do grupo, parando ao lado da ponte e conversando com os campistas enquanto aguardávamos todos chegarem. Poucos minutos depois ela voltou-se em direção do grupo inteiro e falou:

— Apesar da aparência essa ponte é extremamente segura. Vocês passarão um atrás do outro com um intervalo de tempo apenas para que ela não balance tanto. Nem todos conseguem ver ainda, mas a ponte tem o caminho feito com tabuas de madeira coladas uma a outra para dar mais estabilidade, cordas grossas como corrimões que estão presas nessas estacas de madeira bem fincadas ao chão – ela chuta uma estaca com o pé como se para confirmar suas palavras – e correntes que ligam as cordas a madeira para impedir que alguém caia no rio. Então ela é bem segura, mas não cem por cento estável. Naturalmente ela balança um pouco com o peso e o movimento, por isso peço que nenhum engraçadinho corra ou balance a ponte porque alguns aqui têm medo de altura.

Ela passa os olhos verdes rapidamente pelo grupo antes de prosseguir.

— Lembrem-se das fichas. Eu tenho certeza que Billie falou delas para vocês.

Com isso ela fez um gesto com a mão para que a primeira pessoa ande e quando o garoto loiro está quase na metade da ponte Mavis repete o gesto e Maxine segue os passos de sua dupla, olhando rapidamente sobre o ombro e sorrindo divertida para nós.

— Então – começo sorrindo maliciosamente e olhando meus amigos conforme a fila anda. – Alguém com medo de altura?

Para a minha completa frustração, ouço vários nãos com espaços de tempo e vozes diferentes.

— Droga – resmungo.

— Ainda podemos fazer alguém soltar um grito agudo – Dawn fala piscando para mim. – O que acham que vamos fazer? Entrar na floresta e voltar?

— Acho difícil – Evelyn comenta pensativa. – Não iam ter todo esse empenho apenas para isso, certo?

— Não sei – Kenai fala olhando a ponte sem enxerga-la, um sorriso mínimo nos lábios sob a barbicha. – Só sei que Oliver está perdendo toda a parte divertida.

— Ninguém mandou ser idiota – Mackenzie fala e recebe um balanço de cabeça afirmativo da Austen.

— De qualquer forma ele está perdendo os passos da Iniciação – Dominique comenta. – Como farão?

Ártemis faz uma cara de quem estava na mesma linha de raciocínio antes de falar.

— Eles não vão fazer todos os passos com ele depois, certo? Isso sim é muito empenho.

— Não sei, mas isso não é problema nosso – falo cortando o assunto sem querer.

— Graças ao Urso – Austen fala concordando.

— Urso? – pergunto com deboche.

Ela dá de ombros passando a mão no cabelo distraidamente.

— É uma expressão da minha Irmandade.

— Vocês também têm! – Domi exclama animada. – Vocês falam pelos olhos da Coruja ou algo nesse sentido?

— Pelo paladar do Urso – Dawn confessa rindo.

— Paladar do Urso? – Lyn fala sarcástica.

— É. Ursos têm memória gustativa ou algo nesse sentido.

— Acha que as expressões são com base no sentido mais apurado do animal? – Lua pergunta sem conseguir deixar seu lado nerd quieto o que me faz rir baixo.

— Faz sentido – Domi comenta e logo as três estão debatendo sobre o assunto.

— Certo nerds – falo – andem enquanto falam. É sua vez Foster.

Mackenzie caminha pela ponte e logo Telma a segue. Percebo que a adoradora de insetos está meio quieta, talvez acreditando estar sendo deixada de lado uma vez que pouco falou. Dou de ombros, afinal não é problema meu. Dawn segue pelo mesmo caminho assim como Domi, Lua e logo minha vez chega.

Não espero o sinal da Bittencourt e piso na madeira degastada da ponte quando percebo que Lua está quase na metade do trajeto. Ouço a Líder bufar e resmungar algo, mas não me importo.

O barulho da corredeira é incrivelmente alto. Olho para baixo e vejo a água azul correndo montanha a baixo, passando com força sobre as pedras cinza chumbo que não possuem musgo uma vez que estão sempre sob a força do liquido. O rio serpenteia tanto acima quanto abaixo da ponte, sumindo graças à curva da floresta.

Cardumes de peixes que acredito serem em sua maioria salmões passam nadando com o fluxo da corredeira, o que me informa que a água é gelada. As árvores de mesma espécie dão a impressão de organização, com algum arbusto ou planta destoando. O verde não é tão surreal quanto na parte mais movimentada do Acampamento. É de um verde escuro, mas sem parecer sinistro. Os galhos estão incrivelmente perto da ponte chegando a ponto de cobrirem o final do caminho o que me dá a impressão de que estou caminhando diretamente para a escuridão.

Sorrio com o pensamento de que esse momento poderia ser uma das viagens do Doutor em Doctor Who, minha série preferida, enquanto me seguro na corda com ambas às mãos. A ponte balança menos que o esperado, mas mantenho minhas mãos firmes para evitar maiores problemas.

Olho sobre meu ombro e observo Kenai pisando na ponte. O homem de 18 anos é alto e forte, tendo músculos pouco avantajados, mãos grandes que seguram as cordas, pés também grandes que pisam cautelosos na madeira, desconfiados. Mesmo depois de tantas pessoas terem passado na frente dele e sobrevivido, Kenai não pode deixar de suspeitar de uma armadilha ou algo do gênero.

Ele passa o piercing da língua nos lábios, concentrado. Os cabelos negros cacheados que batem na sua cintura estão soltos de modo que balançam bem levemente com o vento que encana. A pele negra parece mais escura na floresta assim como seus olhos castanhos sobre as sobrancelhas grossas franzidas numa mania que pegou de Oliver.

Volto a olhar para frente e vejo Lua entrando na escuridão da floresta na minha frente. Acelero o passo, curiosa, e a alcanço não muito tempo depois, entrando numa clareira mais escura que as demais como se a floresta quisesse avisar que este lado da floresta é mais sinistro.

Troncos de árvores estão caídos no chão onde alguns campistas sentam calmamente e aguardam. Aproximo-me de um deles onde Maxine está sentada, ao lado do garoto loiro que descubro se chamar Diego, com as demais. Conversamos sobre assuntos pouco importantes e quando o tédio está começando a dominar Mavis surge.

— Espero que tenham descansado – ela diz sorrindo. – Estamos quase lá.

— Onde exatamente seria lá? – Max pergunta, olhando-me rapidamente como se soubesse que eu pensava o mesmo.

— Você vai ver Max – a Líder responde rindo e seguindo para frente do grupo.

Voltamos a caminhar conversando cada vez menos por causa da demora e do tédio. Estamos andando a cerca de dez minutos quando Lua, que está ao meu lado, fala:

— Agradeço por estar sendo legal com a Dawn.

Olho para a dupla na minha frente. Dawn ri com Dominique sobre algo que aconteceu na Vila das Irmandades, ambas comparando seus Chalés. Sorrio um pouco antes de falar algo.

— Ela não é tão ruim.

— Não, não é. Mas não pergunte nada sobre a família ou o passado dela. Vai por mim.

— Foi por isso que brigaram no trem?

— É. Mais ou menos.

Voltamos a ficar em silêncio e penso conforme caminhamos que minha ideia sobre a roda de confraternização para nos conhecermos melhor é realmente uma boa ideia.

Alguns minutos depois, quando parece que estamos andando há horas em círculos e que aquilo não pode ficar mais chato, Kenai diz estar ouvindo barulho de animais provavelmente de grande porte. Forçamos nossos ouvidos e nossos olhos na busca do animal enquanto seguimos a trilha, mas só ouvimos uns dez minutos depois.

A princípio, acho que é apenas um animal, mas conforme nos aproximamos percebo que são vários. Não consigo definir se estão correndo ou brigando, talvez os dois, e Dominique comenta que se John Strokes ou sua irmã, Elle, estivessem conosco saberiam nos dizer uma vez que o avô tem um rodeio no Texas e eles trabalham no estabulo.

— Mas Maxine não mora numa fazenda de ovelhas? – Evelyn pergunta.

— Na verdade, eu nasci em Alexandria onde minha família cria gado e exporta couro bovino – a loira responde parada na nossa frente com seu canga. – Decidi esperar vocês, estava muito chato lá na frente.

— Então Vaqueira – Kenai fala sorrindo satisfeito com o seu novo apelido – o que são esses animas e o que estão fazendo?

— Pelo barulho devem ter porte grande, talvez seja uma espécie diferente de gado – Max responde pensativa enquanto anda conosco. – Na fazenda os animais não fazem esse barulho, mas é algo parecido. E é difícil dizer o que estão fazendo com precisão, mas acho que estão correndo. Parecem agitados.

— Espero que a Bittencourt não tenha feito à gente andar tanto para ver vacas – falo mal humorado.

— Não quer ver os parentes Calíope? – Dawn pergunta sorrindo debochada e me encarando.

Sorrio maliciosamente.

— Cuidado Austen.

O grupo ri e sinto que minha interação com Austen, por menor que seja, deixa o clima do grupo em geral mais leve e Ártemis feliz. Não posso deixar de pensar como as coisas ficariam se Mackenzie e Kenai parassem de brigar. Talvez Dominique tenha razão ao acreditar que conflitos são necessários, mas isso não significa que serei menos pavio curto por causa disso.

Aos poucos as árvores vão se espaçando até que não estamos mais cercados pela natureza, mas sim numa pradaria aberta. A trilha continua em frente até entrar novamente na floresta, mas Mavis desvia do caminho e começa a caminhar pela grama alta. As gramíneas alcançam meus joelhos e estão um pouco úmidas por causa do orvalho, mas não me importo de molhar minhas pernas brancas ou minha bota para trilha.

Percebo pequenas flores brancas na grama, que Telma diz serem de camomila, e algumas joaninhas, abelhas e libélulas ocasionalmente, o que faz Evelyn reprimir gritinhos e a cara de nojo. Sua colega de quarto, porém, está bem contente e animada diante a expectativa de encontrar uma joaninha amarela ou verde.

Dawn mantem a expressão neutra, mas acaba soltando um gritinho quando uma libélula bate em seu rosto o que faz Kenai e eu tirarmos com sua cara e ela confessar, mal humorada, que também não gosta de insetos. Evelyn se aproxima da Urso como se reconhecesse um semelhante a ouço ambas mal dizendo as pobres criaturas.

Percebo uma cerca feita de madeira e arame não muito a frente que percorre a pradaria até se perder de vista e só então paro de prestar atenção no grupo para olhar para o onde caminhamos enquanto ergo as mangas da minha camisa com estampa xadrez, que está por baixo da jardineira, até os cotovelos. Sinto como se meu coração quase saísse pela boca quando levanto os olhos e vejo um búfalo não muito longe da cerca, que parece incrivelmente frágil e incapaz de conter o animal se ele desejar correr em nossa direção.

— Não é uma vaca, mas é algo parecido – Max comenta parando ao meu lado.

— Essa cerca não vai conter esse cara e a família dele se decidirem nos atacar – Kenai fala parando do meu outro lado. – Isso vai ser divertido.

Desgrudo meus olhos do búfalo que está mais perto da cerca e percorro rapidamente o outro lado da cerca com o olhar, encontrando uma quantidade surpreendente de búfalos pastando, correndo ou fazendo sabe-se lá o que fazem.

— Se você quer morrer com um chifre dessa coisa te perfurando, fique a vontade, mas não me inclua nessa – Dominique fala não muito atrás.

— Vejo que vocês finalmente notaram que temos companhia – Bittencourt fala de trás do grupo. – Conheçam o símbolo da minha Irmandade, o Búfalo Americano!

— São búfalos cara! – Telma grita batendo palminhas o que atrai um olhar não muito animado do grupo de animais. E pessoas.

Mavis ri assim como alguns outros. Ártemis e eu trocamos sorrisos, eu por gostar de pessoas com personalidade e ela por gostar de pessoas animadas. Sempre fico um pouco surpresa com Telma por ela não conter sua personalidade, demonstrar o que sente e ser ela mesma sem se importar com que os outros vão pensar.

— Sim Telma. São búfalos – Mavis fala. – Búfalos americanos são animas extremamente raros devido à caça que sofreram no passado, principalmente nos Estados Unidos, chegando ao ponto de quase desaparecerem. O Acampamento atualmente é uma reserva ambiental responsável por garantir que esses animais não desapareçam do mapa, continuem se reproduzindo e se alimentando.

— Os lobos têm função no Acampamento, são responsáveis pela segurança – Mackenzie fala. – Os búfalos fazem o que?

— Leite, carne, animais de carga embora não usamos muito para essa finalidade – Mavis responde calmamente. – Graças a isso alguns campistas acreditam que eles não são muito importantes – deu de ombros. – Eles migram para o sul durante o inverno e andam em média três quilômetros por dia. Com os equipamentos rastreadores que foram colocados neles podemos compreender melhor a estrutura da propriedade entre outras coisas.

— Mas eles não têm uma função pré-determinada? – Maxine pergunta.

Bittencourt nega com a cabeça.

— Búfalos americanos são de extremos: ou muito agressivos ou muito agradáveis, tudo depende de como você se comparta ou o que faz para eles – dizendo isso ela pousa os olhas rapidamente em mim. – Eles gostam de companhia por isso vocês irão encontrar um búfalo sozinho em dois casos: se ele for macho na fase adulta ou para despistar predadores, que são raros.

‘’O que está diante de vocês não é apenas um rebanho, mas sim três. As fêmeas vivem em grupo com seus filhotes e os machos saem do rebanho quando completam três anos para viver com outro. Eles se juntam apenas no período fértil. Eles são uma espécie de repelentes de insetos, pois se esfregam em pinheiros e cedros que imitem um cheiro forte que afasta esses seres’’.

— Ela nos fez andar tanto apenas para falar curiosidades sobre búfalos? – pergunto levemente irrita.

— São informações interessantes Amy – Lua responde parecendo se prender a cada frase proferida.

— Conhecimento nunca é demais – Domi comenta.

Bufo e Dawn sorri para mim, compreensiva. Evelyn parece ter se interessado quando as palavras inseto e repelente foram usadas na mesma frase assim como Telma que teve sua atenção redobrada. Maxine parecia estar interessada porque foi criada numa fazenda de gado e Mack presta atenção como se estivesse tentando comprovar que apesar de tudo que Bittencourt diz os búfalos são menos importantes que os lobos.

Portanto, apenas Kenai e eu estamos de saco cheio e mal humorados por recebermos isso como recompensa depois de termos acordado cedo, tomada café da manhã rapidamente e caminhar durante quase duas horas.

— Estou começando a achar que o ataque de Oliver foi intencional – Kenai murmura ao meu lado. – Ele de alguma forma sabia que teríamos que passar por isso, então preferiu ficar deitado na Enfermaria.

— Certo, eu tropeço e bato a cabeça enquanto você cai da ponte – falo como se estivesse planejando um plano.

— Por que a minha parte é pior que a sua?

— Porque assim você fica mais tempo na Enfermaria.

— Justo.

Voltamos a prestar atenção quando na verdade tudo que queríamos era colocar nosso plano em prática. Dez minutos tediosos depois, Bittencourt se dá por satisfeita e decide colocar em prática sua fala, por isso pede que esperemos enquanto caminha até um chalé simples de madeira, onde poucos campistas do Búfalo estão, e volta com um balde. Tirando uma chave de seu colar prateado, ao lado de um apito e o pingente da sua Irmandade, ela abre o portão da cerca e passa para o lado de dentro, dando as costas aos animais enquanto fecha o portão.

— Ela é realmente louca – falo.

— Talvez como Jason tem uma conexão com os lobos ela tenha com os búfalos – Lua fala incerta.

— Espero que não – comento malvadamente, cruzando os braços e sorrindo.

Recebo um olhar cortante da Telma e uma careta da Evelyn, mas não me importo. Ártemis finge que não me ouviu assim como os demais. Bittencourt volta-se em nossa direção e sorri confiante antes de colocar a chave de volta no colar e o apito nos lábios.

O som é estranho, mas não baixo como o apito do Blood. Os búfalos mexem inquietos suas cabeças enormes e os rabos, mas não avançam. A Líder dos Búfalos caminha em direção ao animal que está mais perto de nós com passos lentos e sem desviar os olhos verdes dos negros do bisão que se mantem imóvel. A garota levanta a mão que não segura o balde como se fosse fazer carinho na cabeça do animal, mas este se mexe como se dispensasse e ouço alguns campistas prenderem a respiração. Telma agarra a mão da Lyn.

Bittencourt insiste no movimento e então desliza a mão da testa do búfalo para seu pescoço, começando a se mover para uma lateral do seu corpo sem interromper o contato.

— É importante vocês se manterem eretos mostrando que são mais poderosos do que o animal, mesmo que não sintam isso – ela fala. – O contato visual também é importante. Os búfalos gostam de saber onde você está por isso cheguem perto e coloquem a mão na testa para que possam sentir seu cheiro e nunca desgrudem se não quiserem acabar mortos.

Mavis coloca o balde em baixo do animal sem tirar uma das mãos dele. Ela se agacha, mas não se ajoelha mostrando que pode correr se for necessário. Então desliza a mão até as tetas do búfalo e começa a tirar o leite calmamente, como se fizesse isso todo dia.

— É como ordenhar uma vaca – Maxine fala.

— Uma vaca extremamente desconfiada – Domi diz acenando com a cabeça.

— Ela está falando passo a passo como Jason. Espero que isso não signifique que vamos ter que entrar ali – Lua fala incerta. – Eu gosto desse lado da cerca.

— Os búfalos não percorrem toda a propriedade – Dawn fala pensativa. – Acho que por causa disso eles não têm que sentir nosso cheiro ou algo assim. Talvez apenas aqueles que entrarem na Irmandade Búfalo vão precisar passar por isso.

— Ela disse que eles andam três quilômetros por dia – Kenai lembra. – Em algum momento devem ficar perto dos campistas.

— Acho que não – Evelyn retruca. – O Acampamento é grande, tem uma ponte que não os sustenta separando eles da gente, e a cerca vai na direção norte, não na direção dos Chalés.

Quando o balde está cheio Mavis se levanta devagar e volta a ficar de frente ao búfalo que parece mais feliz agora que suas tetas não estão pesando. Sorrio com esse pensamento. Sem dar as costas ao animal, Bittencourt caminha de volta ao portão e o abre, saindo e fechando rapidamente.

Um campista do Búfalo pega o balde e entra no chalé depois de acenar para o grupo. Mavis se aproxima dizendo que no chalé eles limpam o leite e o deixam pronto para consumo, colocando em garrafas de vidro ou fazendo queijo para mandarem para a cozinha no veículo que vem buscar todo final de tarde.

— Os búfalos tem que ser ordenhados todos os dias? – Max questiona.

— Apenas quando não é período de nascimento. Se for deixamos que os filhotes bebam tudo e paramos com o processo todo durante um tempo. Agora eu preciso lavar as mãos antes de prosseguirmos.

— É mesmo uma vaca – Maxine fala sorrindo vitoriosa.

— Sinto que alguém quer entrar no Búfalo – Austen comenta com um sorriso.

Max dá de ombros com um sorriso pequeno enquanto Telma começa a falar alto expressando sua alegria por ter conhecido os búfalos.

— Eles são repelentes ambulantes, o que é um ponto negativo, mas mesmo assim! – ela exclama.

— Positivo você quis dizer – Dawn, Evelyn e Dominique falam juntas.

— Até você Domi – falo balançando a cabeça negativamente como se lamentasse.

— Eu na verdade só tenho problema com baratas, mas por que você acha que uso a meia calça todos os dias? – ela falou.

Dei de ombros.

— Mania?

— Para me proteger dos insetos, é claro.

— Sinto pena dos seus braços – Dawn comenta fazendo uma cara que falsamente comprova isso.

— E do rosto – falo.

— Sem contar que eles podem entrar por de baixo das roupas – Kenai fala entrando na brincadeira. – Tadinha da nossa Di-Lua.

— Di-Lua? – Domi fala ignorando nossos comentários para seu próprio bem estar.

— Ou Lunática – o rapaz fala dando de ombros.

— Posso saber por que tanto amor com minha amiga? – Evelyn pergunta colocando uma mão na cintura e a outra no ombro da Dominique.

Sorrio com a lealdade de Evelyn, uma de suas qualidades.

— Ela vive olhando para o céu, está sempre calma e sempre tem teorias sobre tudo – Kenai enumera nos dedos.

Domi dá de ombros.

— Tem um motivo para eu ser assim Kenai.

Bittencourt retorna neste momento e logo todos nós estamos de volta à trilha caminhando pelo caminho que viemos em direção à floresta, porém antes de chegar à ponte a Líder faz uma curva para a esquerda pegando outro caminho.

As meninas, o canga de Maxine, Kenai e eu voltamos a ficar animados pensando onde estamos indos.

— Se ela levar a gente para a ponte por outro caminho vou ficar desapontada – Mack fala.

— Vai ver ela se confundiu e errou o caminho – Tel comenta rindo.

Alguns minutos depois as árvores voltam a se separar aos poucos e é possível ouvir o barulho de água se movendo muito mais devagar do que a água do rio, me informando que não é uma corredeira. Alguns passos a mais e estamos num lago de água azul escuro com algumas boias grandes e pretas por perto. O sol está mais quente e com base na posição da bola de fogo Dominique fala que são dez e pouco.

— Muito bem, esta manhã eu fui ao Chalé das Larvas e disse que vocês deveriam estar preparados para tudo e esse é o momento da verdade no qual eu vou saber quem realmente me ouviu – Bittencourt falou sorrindo ao lado das boias. – Este lago é seguro, não possui nenhum animal ou doença, por isso é próprio para banho. No centro a profundidade é de quase três metros, por isso sugiro que quem não sabe nadar não se aventura para longe das bordas.

‘’Vocês não são obrigados a entrar uma vez que não fizeram aula de natação. Ficarão aqui até às onze horas, nesse horário voltaremos para que possam tomar banho antes da hora do almoço. Nas caixas ao lado das boias tem protetor solar, toalhas e outras coisas que podem vir a precisar. ’’

Mavis mal termina de falar e a maioria dos meninos e meninas de onze a treze anos pula no lago de roupa e tudo, alguns parando apenas para tirar os sapatos.

— Prevejo muitas queimaduras e calos – Dawn comenta enquanto tira seu all star dos pés. – Uma pena.

Apesar de sua fala, a expressão de Austen mostrava que na verdade ela não se importa. Maxine tirou sua roupa revelando um biquíni meia taça verde oliva que valorizou seus seios e bumbum medianos. Max é magra, mas não do tipo super modelo. Ela possui um pouco de gordura na barriga e na parte interna das cochas o que, em minha opinião, a deixa mais bonita do que se não possuísse nenhum tipo de gordura. Max sorri e pisca o olho para Austen antes de se virar em direção ao lago e soltar seu cabelo da trança frouxa para prendê-lo num coque alto.

A forma com que Maxine sorriu para a Austen faz com que minhas entranhas se mexam de um jeito estranho e eu olho na direção da Ártemis esperando algum sinal de ciúmes em seus olhos, mas tudo o que vejo é minha amiga conversando com Evelyn enquanto caminham em direção a uma árvore. Dou de ombros enquanto tiro minhas próprias roupas para nadar um pouco, como a boa adoradora de praia que sou. O lago é bem diferente do mar de Miami, mas refrescante da mesma forma.

Tiro minhas botas de caminhada dos pés assim como as meias, para depois tirar meu macaquinho e a camisa xadrez de manga comprida. Ao contrário de Dawn, que dobrou sua roupa e a colocou cuidadosamente sobre um tronco de árvore, eu faço mais o estilo de Max ao simplesmente deixar tudo onde caiu e correr para a água.

— Bonito biquíni – Max fala olhando meu vestuário amarelo. – Sabe que seu cabelo vai molhar se deixa-lo solto, né?

— Apenas se eu for muito para o fundo – respondo passando a mão seca por meus fios alaranjados levemente ondulados de corte médio que caem sobre meus seios.

Max dá de ombros antes de seu canga jogar água em sua direção, começando uma guerra. Olho sobre um dos ombros e vejo Telma e Mackenzie conversando com Bittencourt que ri e balança a cabeça negativamente antes de leva-las pelo caminho pelo o qual viemos o que me faz pensar que elas foram ver os búfalos; Dominique está sentada num tronco de árvore desenhando a paisagem num caderninho de esboços balançando os pés num ritmo que só ela ouve; Kenai está com um grupo de garotos da sua idade do Chalé rindo e fazendo coisas de menino e Evelyn está ensinando Ártemis a subir numa árvore.

— Ela não vai entrar certo? – Austen pergunta seguindo meu olhar, sentada numa boia a minha frente, com apenas a bunda em contato com a água.

Percebo que ela não está com um biquíni, mas sim com suas roupas intimas pretas de renda. Dawn parece bem consciente desse fato e na verdade não está preocupada.

— Quem?

— Lua. Acho que ela tem problemas com a aparência.

Franzo a testa, confusa.

— Por que acha isso?

Dawn dá de ombros e ri como se tivesse sido pega na mentira.

— Na verdade foi Dominique do seu jeito observador de ser que tocou nesse assunto. Culpada.

— Underwood às vezes me dá medo – falo fingindo calafrios.

— Kenai e Mack são desconfiados então prestam atenção nas ações das pessoas, Domi é perceptiva, ela gosta de prestar atenção nos pequenos detalhes. Mas como ela quase sempre está certa sobre coisas que quase ninguém vê é meio assustador.

— Ela já falou algo sobre você? Das observações – pergunto curiosa.

Dawn sorri de canto rapidamente e dá de ombros e sei que isso é o máximo que vou conseguir dela. Vejo ao fundo Maxine pular em cima do seu canga, cujo nome não lembro, e sufoca-lo ao deixar o rapaz alguns segundos em baixo da água. Quando ele volta à superfície tossindo e sorrindo malvadamente antes de pular em Max, fico surpresa quando ela o para colocando as mãos nos ombros do loiro e lhe dando um selinho.

— Boa tática Vause! – grito fazendo Dawn virar para olhar a acabar caindo na água por estar na boia.

Maxine me mostra o dedo do meio de costas para mim enquanto o garoto passa os braços por sua cintura aprofundando o beijo e ela passa o braço por seu pescoço. Dawn surge na superfície tossindo e não posso deixar de rir mesmo quando ela joga água na minha cara. Fecho minha expressão e a encaro antes de fazer o mesmo e assim começamos a rir e jogar água uma na outra, às vezes acertando outras pessoas.

— Ok, ok – ela grita levantando as mãos em sinal de rendição. – Chega, você venceu!

Soco o ar vitoriosa sentindo meu cabelo molhado pingar, mas não dou à mínima. Ficamos rindo até que apenas sorrimos e o sorriso vai diminuindo até estarmos sérias apenas nos encarando. Max passa por nós dizendo que está entediada e vai explorar a área com Dominique, mas eu não presto muita atenção e apenas resmungo uma resposta.

— Podemos conversar Dawn? – pergunto.

Ela desvia os olhos dos meus, parecendo constrangida antes de voltar a se sentar na boia, dessa vez encostando suas costas na borracha preta e flutuando. Imito seu gesto com outra boia e encaramos o céu claro com algumas nuvens brancas, o topo das árvores e ocasionalmente uma ave.

— Fale Calíope – ela diz e sinto um frio na barriga.

Nunca é fácil pedir desculpas. Lycan Tormund-Styx, meu pai, diz isso todo domingo quando para o carro no ponto morto no meio fio na frente da casa de minha mãe, olhando com tristeza a mulher de braços cruzados em baixo da soleira da porta da frente. O casamento deles começou a desandar quando se mudaram de Londres para Miami graças a uma promoção no emprego de Lycan de modo que o homem se culpa pelo divorcio.

Eu me sinto quase como meu pai que não consegue descer do carro e ir falar com minha mãe, Aurora Tormund-Styx com quem eu moro, e apenas bate na minha mão num high-five antes de eu descer do carro e ele correr de volta a sua morada.

Apesar de que meu caso parece mais simples do que o dele. Dawn e eu nem somos amigas muito menos tivemos uma relação amorosa e eu não fiz nada para ela. Talvez eu seja orgulhosa igual a meu pai e não consiga admitir um erro e muito menos me desculpar, penso quando Austen se senta na boia e me encara.

— Desembucha Tormund – ela fala. – Ou o gato comeu sua língua?

Reviro os olhos antes de respirar fundo e começar a falar.

Jason Blood, Jay

‘’Eu sou um castigo de Deus. E se você não tivesse cometido grandes pecados, Deus não teria enviado um castigo como eu. ’’

— Gengis Khan.

(Manhã).

Fecho minha porta normalmente apesar da minha vontade ser de extravasar toda a minha raiva. Maldita novata, penso furioso enquanto caminho pela minha sala no Chalé Principal e me sento na confortável cadeira de couro preto atrás da mesa de madeira marrom.

Coloco meus pés com tênis de corrida sobre o tampo da mesa ao mesmo tempo em que apoio meus cotovelos no braço da cadeira e cruzo meus dedos sobre o lábio, respirando fundo enquanto fecho os olhos. A brisa que entra pela janela aberta é fresca, mas não o bastante para aliviar o calor da raiva. Abro os olhos e observo minha sala.

A sala do Líder dos Lobos é grande e espaçosa. O chão de madeira escura está sempre limpo e lustrado. Ao passar pela porta principal, é possível ver ao lado esquerdo uma estante de madeira escura com vários livros e outra com troféus ganhados pela minha Irmandade ao longo dos anos. O tapete macio cinza me lembra do pelo de Shot, apesar de ser sintético.

Ao lado direito, uma mesa em L com uma bandeja de dois andares de plástico laranja onde na parte de baixo eu coloco os documentos que devem ser despachados e em cima os que precisam da assinatura de alguém. Na bandeja ao lado são colocadas cartas, memorandos e documentos que eu preciso ler com urgência em cima e em baixo os papéis que podem esperar. Ambos os andares estão quase sempre cheios uma vez que eu não sou alguém muito responsável. Faço mais o estilo que evita responsabilidade até ver que não é mais possível faze-lo.

Calendários, porta canetas, porta retratos entre outras coisas também ocupam o tampo da mesa. Em cima da mesma um quadro com moldura alaranjada tem em papel amarelado onde uma pata de todos os líderes de alcateias com seus nomes em baixo estão gravados. Sempre sorrio ao observar esse quadro por um motivo que desconheço.

Na parede da direita estão as duas janelas com cortinas de um laranja por do sol, assim como quadros das fotos dos antigos líderes que também possuem molduras laranja. Todo Líder tira uma foto na frente do Chalé da sua Irmandade com todos os membros atrás no seu primeiro dia no cargo, foto que será pendurada na parede ao lado dos Líderes anteriores quando o ‘’mandato’’ acabar.

Paro meus olhos rapidamente na foto de Kairo Deallor. O garoto de quinze anos está na frente do Chalé do Lobo com toda Irmandade o rodeando. Os cabelos castanhos cacheados sempre arrumados assim como suas roupas impecáveis. Os olhos castanhos por trás dos óculos redondos exibem alegria pela conquista, assim como o sorriso. O 1,83 metros de altura fazem com que ele pareça poderoso na foto, impressão que os sapatos sociais, a camisa azul clara social de mangas curtas e a calça preta apenas aumentam.

Kairo sempre havia sido o favorito para ocupar o posto de Líder devido ao seu ar sério mesmo jovem, planos feitos e ideias completas que levavam o Lobo para a vitória e a preocupação com o trabalho. Os Líderes do Lobo foram em sua maioria parecidos comigo de modo que alguém mais responsável agradava os campistas ao mesmo tempo em que causava certa preocupação. Mas Kairo não desapontou levando a Irmandade a vitória durante dois anos, sendo lembrado de forma carinhosa pelos membros atuais.

Ele sempre foi uma espécie de fantasma para mim, de lenda, de exemplo. Kairo me escolheu quando eu entrei no Acampamento, foi ele o responsável por me colocar na Irmandade Lobo e mais tarde me apoiou para ocupar seu posto mesmo sabendo que eu não sou tão responsável quanto ele. Ele confiou em mim seu legado. E eu fracassei não trazendo nenhuma Taça das Irmandades desde que ocupei sua cadeira.

 Desvio os olhos da fotografia e afasto os pensamentos sombrios, voltando a passar meus olhos azuis penetrantes pela sala. Minha mesa fica exatamente no centro do cômodo, entre as duas janelas da parede da direita e na frente da porta dupla da esquerda. Um tapete fino claro fica sob minha mesa, cadeira e as duas poltronas de fronte o local em que sento para ocasionais visitas. Atrás de mim fica um grande armário de madeira com a parte de cima feita de prateleiras de vidro com troféus, prêmios e certificados e a parte de baixo com portas de madeira onde coloco pastas e outras coisas.

Armários sofisticados para arquivos, não aqueles gavetões cinzentos que vemos em filmes, estão ali com as fichas dos campistas da minha Irmandade, desde histórico escolar a vida no Acampamento.

Do meu lado esquerdo uma porta dupla de madeira leva a sala de estar para o convívio dos Lobos que trabalham no Chalé Principal com sofás, poltronas, mesas de centro, cafezinhos e pacotes de bolacha espalhados pelo local, assim como um lavabo.

Durante os anos de Líder eu acrescentei coisas a minha sala para me sentir mais a vontade. Camisetas dos meus jogadores de basquete preferidos assassinadas, enquadradas e penduras nas paredes; CDs e pôsteres das minhas bandas preferidas como AC CD e Rolling Stones; e é claro, mulheres de biquíni sobre carrões, ao lado de garrafas de cerveja e na praia são algumas dessas coisas.

Inclino minha cabeça para trás no encosto da minha cadeira, mas tiro os pés da mesa e me sento ereto quando ouço um barulho vindo do computador preto e laranja que fica sobre minha mesa de trabalho ao lado dos portas retratos com uma foto minha com meus pais no meu primeiro jogo de basquete; outra com meus amigos do colégio numa festa; uma num jogo de basquete do ano retrasado quando meu time ganhou a estadual e a última em que eu estou na frente do Chalé dos Lobos, com um braço sobre os ombros do meu melhor amigo, Lucian, com o resto da Irmandade ao nosso redor no meu primeiro dia de Líder, há cinco anos atrás.

Sorrio olhando aquela foto enquanto espero o computador dar sinal de vida e penso se Lucian ficará do meu lado quando souber da discussão.

A discussão. Por causa daquela novata intrometida e que se acha a última bolacha do pacote. Deus, se for uma mensagem de Elizabeth eu vou muito esganar aquela garota. Não que eu tenha medo da Raposinha, mas o que ela pode fazer quando acha que um de nós, Líderes, não estamos dando o exemplo não é nem um pouco agradável.  Eu ainda lembro-me do primeiro ano dela como Líder e realmente não quero repetir a dose.

Eu posso não ser a melhor pessoa do mundo e sei que o número de pessoas que não gostam do meu jeito de ser é grande, mas isso não justifica as ações dela. Eu sou um amigo extremamente fiel com quem me conquista, coloquei a mão no fogo por eles muitas vezes, não apenas pelos o que estão no Acampamento, mas todos aqueles que eu considero meus amigos. Porém, se pisar na bola comigo torno-me um inimigo impiedoso, cruel e vingativo sem me importar de quanto tempo vou ter que esperar para prejudicar a pessoa. É meu jeito de ser.

Por isso é com grande pesar que sei que uma hora ou outra irei passar a perna em Matthew Morningstar por causa de sua novata fedelha, Dawn Austen Margott, que teve a capacidade de me ofender no Twitter por causa de um retweet. Se fosse algo machista ou preconceituoso eu entenderia, mas não foi o caso.

Uma conta escreveu ‘’Se acha muito, e não é porra nenhuma’’ e eu escrevi ‘’sobre uns certos membros do Acampamento’’.  antes de retuitar. Austen surgiu das profundezas do inferno para responder um ‘’Inclusive você’’ que eu achei ofensivo.

Como eu disse, sei que o número de pessoas que não gostam de mim não é pequeno e eu realmente não me importo com ele, isso não vai mudar minha personalidade e quem eu sou, mas uma coisa é você não gostar de mim e ficar na sua e outra completamente diferente é você não gostar de mim e vir falar numa rede social. Se fosse na minha cara, talvez eu não estivesse tão bravo como estou agora e talvez Matthew, que apareceu com o intuito de acalmar os ânimos, mas acabou defendendo a novata e envolvendo Effy, não tivesse me irritado ainda mais.

Eu entendo Matthew, de verdade. Eu também iria defender os membros da minha Irmandade, mas é importante saber quem é o culpado para não acabar se queimando coisa que o Líder dos Ursos fez quando defendeu a pessoa errada.

Digitei a senha no computador e abri a caixa de mensagem, quase jogando o equipamento eletrônico janela a fora quando minhas suspeitas de que era Effy foram confirmadas. Se Austen não estivesse naquela trilha eu ia acabar com ela agora mesmo, penso enquanto clico no assunto e espero carregar, o que não demora.

Observando melhor percebo que o e-mail da Effy tem duas semanas, ou seja, foi enviado antes da temporada começar. As mensagens novas na minha conta são apenas anúncios e promoções. Nenhuma mensagem da Manson ameaçando comer meu fígado por brigar com uma caloura, discutir com Morningstar e dizer que Dylan é foda apenas porque está pegando ela. Talvez eu devesse ter previsto que ela não está muito preocupada com o Acampamento no momento.

Frustrado, volto a colocar os pés sobre a mesa e a me encostar a cadeira, fitando o teto com o símbolo da minha Irmandade desenhado em laranja. O lobo me encara como se perguntasse que merda eu estou fazendo com a minha vida e como nunca fui muito de me questionar sobre essas coisas, ignoro-o.

Alguém bate na porta e sem me mexer mando que entre. Fico encarando o teto enquanto a pessoa entra, fecha a porta e hesita antes de caminhar na minha direção, falando apenas quando puxa uma das poltronas para sentar.

— Você não parece muito nervoso levando em conta que discutiu com Matt e ofendeu o casal de ouro – Lucian fala.

Desvio meus olhos azuis para encarar meu melhor amigo. Lucian sorri, mas seus olhos castanhos escuros parecem preocupados. Sorrio cafajeste enquanto dirijo minha atenção para as janelas.

— As noticias correm rápidas nesse lugar – comento.

Lucian ri pelo nariz.

— É e eu tenho Twitter. Você falou com ele pessoalmente?

Faço uma careta rapidamente antes de falar.

— Eu não chamaria exatamente de conversa. Quer dizer, fomos civilizados no café da manhã na frente dos outros, mas quando todos saíram do Refeitório e finalmente tocamos no assunto a coisa ficou feia.

— Não posso dizer que estou surpreso. Matt é um cara calmo e não busca confusão, mas sempre vira uma fera quando mexem com ele, um campista do Urso ou um amigo então era esperado que ele não lidasse muito bem com a situação principalmente quando está falando com você, que não é o cara mais calmo do mundo.

Balanço a cabeça negativamente.

— Morningstar falou um monte de baboseira desnecessária, me segurei muito para não meter um soco nele.

Vejo Lucian dar de ombros pela minha visão periférica.

— Ele é muito sincero, não tem medo de levar um soco e como estava irritado não esperava atitude diferente – meu amigo diz e faz uma pausa como se esperasse um comentário da minha parte, o que não ocorre. Lucian suspira fundo antes de prosseguir. – Olha Jay, você é meu melhor amigo e tal, mas temos que admitir que você não esta ao todo certo. Dawn fez errado em te alfinetar, mas você não devia ter explodido com ela e muito menos com Matt.

— E o que você sugeria que eu fizesse? – pergunto tirando os pés da mesa e me sentando corretamente rápido para encara-lo com raiva. – Ficasse quieto e apenas visse ela me importunar?

Como o esperado, Lucian não se retrai diante do meu ataque. Apesar de não gostar de violência ele não é um covarde, por isso não mexe um musculo diante da minha raiva, apenas suspira cansado como se esperasse minha reação e continua no seu tom normal.

— Sim. É isso que Líderes, pessoas responsáveis deveriam fazer. Bloqueasse-a, fosse falar com Matthew calmamente para ele controlar melhor a Dawn e sua língua afiada. Sei lá! Talvez ir falar com ela pessoalmente para acertar as diferenças, não fazer toda essa merda.

— Ah, claro! – comento irônico. Tenho que respirar fundo algumas vezes antes de continuar. – Caso não tenha percebido Gonzales, eu não penso muito no amanhã, tomo as decisões rápido. O que às vezes acaba em desgraça, mas eu sou assim! E você como meu melhor amigo devia estar me apoiando e planejando matar aquela novata desgraçada não a defendendo!

— Posso ser seu melhor amigo, mas não sou cego Jason! – Lucian exclama se levantando. – Você fez merda e eu não vou fechar os olhos e acreditar que está tudo lindo e cor-de-rosa! Matt é meu amigo também, você brigar com ele afeta o grupo inteiro, até mesmo o Acampamento, então resolva essa merda de uma vez antes que estoure em todo mundo!

— E como você sugere que eu faça isso? – pergunto alto me levantando e batendo com as mãos fechadas na mesa. – Vá lá na sala dele e peça desculpas?

— Sim, se essa é a forma mais rápida de acabar com isso, sim – Lucian fala cruzando os braços e balançando-se nos pés ainda irritado. – Olha Jay, Matthew não consegue abandonar ninguém, mesmo que a pessoa tenha feito algo muito ruim. Ele acredita em segundas chances para tudo. Por isso vá lá e se desculpe antes que isso fique muito feio.

Lucian Gonzales é um homem de 18 anos que nasceu em Manhattan, mas se mudou para Flórida aos seis meses por causa do trabalho de jornalista da mãe. Ele é sorridente e brincalhão, do tipo que conta piadas ruins que às vezes funcionam, sempre evitando ser um babaca, ao contrário de mim. Lucian é responsável, nunca deixa os trabalhos para última hora.

Ele é um pouco feliz demais para algumas pessoas e eu acreditava nisso no começo de nossa amizade principalmente pelo fato de que Lucian não gosta de manifestar tristeza na frente dos outros e sempre conta piadas para disfarçar o sentimento. Ele até tenta dar uma de durão, mas na maioria das vezes fracassa uma vez que os outros o veem apenas como o garoto bobo e engraçado da turma.

Por isso é extremamente estranho perceber que Lucian consegue ser muito duro e sério quando realmente quer. O fato de ele estar na minha sala tentando me convencer a pedir desculpas a Matthew sem ter contado uma piada ruim desde que parara com a enrolação me surpreendeu e me fez questionar se não estou agindo como um babaca de novo, mas antes que possa chegar a uma conclusão a porta da minha sala é aberta e fechada rapidamente por Elijah que nos olha sorrindo.

— Olá, Jason, Lucian – saudou-o Elijah, sorridente. – Pensei ter ouvido as vozes suaves de vocês.  Não quero que reprimam a raiva, botem tudo para fora. Vai ver tem alguém a cem quilômetros de distancia que ainda não ouviu.

Olho para Lucian, que está com um ar confuso, antes de suspirar e me sentar.

— O que foi Elijah? – pergunto.

— Ah, vocês sabem. Mesmo estando no andar de cima pude ouvir boa parte da conversa que tinha como conteúdo resolver o problema antes que ele se espalhasse e o Acampamento inteiro soubesse... – ele responde caminhando tranquilamente em direção à janela. – Uma intenção nobre, admito, mas completamente inútil agora uma vez que se eu, que não sou a pessoa mais ligada do mundo, ouvi e prestei atenção na conversa de vocês, pessoas mais perto e mais curiosas também ouviram o que essa altura significa que o Acampamento inteiro já sabe da discussão.

Bato com um punho na mesa. Se Elizabeth não tinha demonstrado sinal de vida até aquele momento, agora ela não tardaria. Lucian suspira frustrado ao se sentar largado sobre a poltrona que outrora ocupara. Elijah observa serenamente a vista que minha sala proporciona.

As Irmandades Búfalo e Coruja dividem o terceiro andar se você contar de cima para baixo. Do meu ponto de vista as Corujas deveriam ocupar o segundo andar uma vez que é uma ave, voo, céu e tal, mas como as Raposas são a Irmandade vencedora há seis anos são eles que ocupam o andar mais perto da sala do Líder do Acampamento, que fica na cobertura.

Os Lobos ficam no quarto andar de cima para baixo dividindo-o com os...

— Puta merda! – exclamo alto atraindo o olhar dos outros dois. – Se Eli ouviu quer dizer que...

— Matthew também ouviu ou se não ouviu algum Urso deve ter ido contar a ele – Elijah completa. – Acho que alguém foi contar a ele de qualquer forma. Vocês deveriam ter pensado que estão dividindo o andar com a Irmandade Urso, ou melhor, com todas as Irmandades antes de ficarem berrando. Mas como eu disse anteriormente, não reprimam a raiva.

— Bom, eu tentei ajudar, mas parece que mais atrapalhei do que qualquer coisa – Lucian comenta sorrindo levemente. – Acho melhor ir embora. Tenho turno nas quadras daqui a pouco.

Porém antes que ele possa se mover Elijah solta um palavrão quando um vulto penado passa rapidamente por ele, entrando pela janela. Meu coração perde uma batida para depois acelera enquanto eu espero a ave pousar no ferro alaranjado feito exatamente para essa finalidade.

A coruja suindara com cara branca em formato de coração, olhos negros como besouros, com o corpo cor de ferrugem parecendo canela com algumas partes salpicadas de cinza exceto o rosto e peito, sobrevoa a sala antes de pousar e soltar um pio suave.

— É a Thalia – Lucian sussurra. – A coruja da Effy.

— Errado – Elijah fala presunçoso enquanto caminha em direção à ave, parecendo ter se recuperado do susto. – Ela é a coruja que envia as mensagens do Líder das Raposas, ou seja, no momento a carta é do Dylan.

Percebo pelo canto do olho Lucian franzir o rosto com o nome, mas não me importo. Eu estava momentaneamente paralisado diante da perspectiva de receber uma carta da Effy, mas quando processo que a carta não é dela meus músculos começam a relaxar.

É tolice ter medo de Elizabeth, eu sei disso. O que uma garota de estatura mediana e um tanto quanto magricela pode fazer contra mim, um homem de dois metros de altura e musculoso? Nada. Pelo menos é o que eu gostaria de acreditar, mas minhas memórias me traem.

Effy lutara com Dylan, um rapaz tão alto e tão forte quanto eu, e ganhara com apenas doze anos. Há alguns dias ela lutara contra o homem misterioso que não deixara rastros, o que me fez supor que também vencera esta batalha. Sem contar seu olhar misterioso, o poder de sua Família, as histórias que circulam ao seu redor, a desagradável experiência de acampar... Só de lembrar aquele dia a quase cinco anos meu corpo treme involuntariamente.

Portanto, eu estava afastando todas as histórias e memórias que meu cérebro estava trazendo a tona, empurrando tudo para o fundo da mente, me levantando porque meus músculos estavam relaxados o bastante para isso, e caminhando em direção à carta que Elijah segurava com a esperança que minhas mãos parassem de tremer quando o Líder das Corujas fala:

Aquela é a coruja da Effy.

E então tudo vem à tona novamente enquanto eu me viro petrificado para a outra janela, a mais perto do fundo da minha sala.

Uma informação sobre corujas: existem mil e uma raças delas, tipos, cores, tamanhos, funções, moradas, tudo. Mas você não encontra uma coruja negra com facilidade. Corujas negras de olhos claros são ainda mais raras.

Por isso, quando eu vi aquela ave sobrevoando a vila tive esperança de que fosse apenas uma coruja negra qualquer que um campista de sorte achara, mas quando ela passou para dentro da minha sala e pousou ao lado de Thalia, eu sabia que Eli estava novamente certo.

Eu realmente havia sido burro ao ponto de criar esperanças de que Elizabeth estava tão nem aí para o Acampamento que não se importaria com uma discussão entre Líderes. Eu havia deixado de fora daquela equação o fato de que a pessoa em questão é Elizabeth Naomi Manson e que ela tem inclinação para dramaticidade, entradas triunfais e mistério.

— Eu deveria ter esperado por isso – murmuro.

— Bem, você foi bastante burro se acreditou que ela não estava se importando porque não mandou um e-mail ou não ligou – Elijah fala calmamente, como se falasse do tempo. – Decepcionado, porém não surpreso.

Lanço lhe um olhar de raiva, mas não tenho argumentos. Arranco a carta de Dylan de suas mãos e encaro o selo azul escuro com borda dourada das Raposas enquanto caminho novamente para a minha mesa. A raposa do selo está de frente para mim, como se me encarasse, me julgasse. Ignorando essa sensação, abro o envelope e tiro a carta de dentro.

Numa letra legível e inclinada, Dylan escreve:

Blood,

Na minha sala. Agora.

Dylan Black.

Nada do costumeiro Líder das Raposas, Líder do Acampamento e Herdeira Corvo que Elizabeth usa no final de todas as cartas como se eu precisasse ser lembrado constantemente de que ela é de alguma forma superior a mim. Eu nunca entendi aquele Herdeira Corvo-Leão, mas sempre esqueço de perguntar quando vou a sala dela. Uma vez que Billie assinou como Herdeira Pirata numa das poucas cartas que trocamos, suspeito que seja uma espécie de piada interna.

Dou de ombros e balanço a cabeça, percebendo que estou divagando. Volto a reler a mensagem, mas antes de atender a ordem olho para as corujas. Thalia havia se retirado sem que eu percebesse e agora é Lucian que esta perto do poleiro, fazendo carinho na coruja negra, cujo nome eu não me lembro, e tentando pegar a carta tendo apenas arranhões como resposta a suas tentativas. Revirando os olhos, peço que ele me entregue à carta.

— Ele não vai conseguir pegar – Elijah fala. – Imp entrega as cartas apenas ao destinatário.

Resmungando, vou até a coruja que me permite pegar sua entrega e volto para minha mesa. O envelope negro me parece um mau presságio, sentimento que apenas aumenta quando reparo no lacre. Ao contrário do que eu esperava Effy não usou o símbolo das Raposas. No lugar, um corvo com as asas abertas como se estivesse em pleno voo, prestes a pegar uma presa, elevou a piada interna ao outro nível. Ao invés do azul das Raposas, um vermelho sangue me aguarda. Viro o envelope apenas por curiosidade e identifico a caligrafia de Effy em dourado.

A coruja negra pia impaciente o que me faz abrir o envelope, prendendo a respiração e sentindo como se o clima tivesse ficado pesado de repente.

— O que ela escreveu? – Lucian pergunta curioso. – Sua sentença de morte?

Percebo que ele está fazendo outra de suas piadas ruins, provavelmente estimulado pelo envelope sinistro. Mando o calar a boca enquanto leio.

Blood.

Dê um jeito nisso, agora.

Sei que a essa altura provavelmente o Acampamento inteiro já sabe do ocorrido, portanto trate de se desculpar com Matthew e acertar as contas civilizadamente com a novata.

Quero uma aparição publica que deixe claro para todos que tudo não passou de um mal entendido. Mesmo que seja mentira. Não me faça ter que organizar outra expedição na floresta.

Estou de olho em você.

Elizabeth N. Manson,

Líder das Raposas

Líder do Acampamento

Herdeira Corvo-Leão

Suspiro fundo e penso que se ela é Herdeira Corvo-Leão, cadê o leão da carta?

— E então? – Elijah pergunta, mas arranca a carta da minha mão quando não respondo. – É. Isso é sua sentença de morte. E quero deixar claro que se ela fizer uma expedição e eu for arrastado por sua culpa, eu acabo com você.

— Não é possível que ela não enxergue que a culpa não é minha! – grito batendo na mesa e levantando. – Aposto que Austen não recebeu uma carta, talvez nem mesmo Matthew! Por que eu tenho que concertar a merda toda?

— Hum, talvez porque tudo começou quando você retuitou algo? – Lucian pergunta inocentemente sorrindo.

Lanço lhe um olhar mortal enquanto coloco as mãos na cintura e balanço a cabeça negativamente. Volto a me sentar, colocando os cotovelos na mesa e apoiando minha boca nas mãos, indignado e com raiva. Muita raiva. Puxo o teclado laranja para perto de mim e aperto o enter, fazendo a tela do computador se iluminar. O plano de fundo, Shot dócil com o rosto na palma da minha mão, diminui a minha raiva, mas não a ponto de me acalmar.

— Opa, opa! – Elijah exclama, puxando o teclado para longe de mim e me encarando. – Quer merda você vai fazer agora?

— Vocês podem me falar o que tem na carta? – Lucian pergunta, perdido.

— Mandar um e-mail – respondo ignorando meu melhor amigo. – Não posso ser dramático e enviar uma coruja, mas posso mandar um e-mail trazendo-a a realidade.

— Jason, Effy não está muito feliz e um e-mail grosseiro é tudo que ela não precisa agora- ele começa, mas corto-o.

— E eu com isso? Se ela quer brincar de princesa no castelo da praia e ser irresponsável, eu estou nem aí, mas eu não vou tolerar todas essas ordens. Ela sabe que eu não sou o único errado nessa historia, então por que eu tenho que consertar tudo?

— Vai ver ela até sabe disso, mas confia que você é mais capaz de consertar a situação que os outros – Lucian fala, mas seu sorriso debochado denuncia que não tem certeza de sua fala.

Elizabeth confiando em mim? – pergunto debochado parando de lutar com Elijah pelo teclado, ficando ereto e colocando minhas mãos na cintura para encarar meus amigos, sorrindo.

— Ela tem motivos para confiar em você – Lucian responde dando de ombros. – Pelo o que as histórias contam você salvou a vida dela.

— Isso não significa que ela confie em mim – retruco desistindo de pegar o teclado de novo. Em vez disso, tiro o a parte superior do computador do suporte, transformando-o num tablete e aperto o aplicativo do e-mail.

Elijah suspira profundamente colocando o teclado em cima da mesa com ar de derrotado enquanto Lucian leva a coruja negra até a janela, observando-a alçar voo. O Líder das Corujas caminha em direção à porta dizendo que vai ter muito prazer em me falar um ‘’eu te avisei’’ quando tudo acabar, mas um palavrão gritado por mim faz com que Eli pare com a mão na maçaneta para me olhar.

— O que foi? – Lucian pergunta se aproximando.

— Aquela...! – exclamo. – A desgraçada cancelou a internet!

— Como sabe que foi Effy? – meu melhor amigo pergunta naturalmente defendendo sua melhor amiga. – Vai ver o sinal está ruim.

Rio sarcasticamente ficando ainda mais irritado quando Elijah cruza os braços, vitorioso, ao lado da porta. Eu preciso urgentemente descontar minha raiva em algo antes que desfigure a cara de alguém. Lucian senta-se na minha cadeira e puxa o teclado com o intuito de ver qual é o problema no equipamento eletrônico. Ele pega o tablete das minhas mãos e encaixa no suporte.

— Posso usar sua coruja? – Lucian pergunta enquanto eu caminho em direção à janela tentando não quebrar algo. – Carl vai saber mexer nisso aqui melhor que eu. Isso se você não se importar de ter uma Coruja na sua sala, claro.

— Faça o que achar que tiver que fazer – falo.

Elijah se retira dizendo que tem trabalho a fazer. Minha sala fica na parte de trás do Chalé Principal de modo que eu tenho vista para as ruas secundárias da Vila, o Chalé do Lobo mais a frente e num ponto ainda mais distante consigo ver as quadras de esportes e a floresta num tamanho reduzido. Eu não me importo muito com as montanhas ainda mais distantes, mas Lucian sempre olha para elas quando vem a minha sala com tempo.

Sorrio. Eu gosto de lugares altos e abertos, de sentir o vento no meu rosto. Minha sala não é tão alta quanto eu gostaria, mas mesmo assim ficar na janela onde eu posso ver os campistas nas ruas vivendo suas vidas com a brisa leve em meu rosto me dá uma sensação de paz. Não o suficiente para me acalmar, mas o suficiente para eu não desejar matar de forma dolorosa o primeiro que me encher o saco.

Olho sobre um dos ombros e observo Lucian fechar o bilhete que mandará a Carl. A escolha de roupas feitas pelo Gonzales mais velho no Acampamento sempre me faz questionar por que nenhuma alma boa o ajuda na hora de escolher o que vestir. Acho que pelo fato de Lucian ser daltônico ele não tem muita noção de como combinar roupas, por isso a blusa de algodão fina com o escudo do Capitão América, a bermuda com estampa tropical com cores predominantemente quentes e o all star verde limão sobre as meias vermelhas não me surpreende depois de anos de amizade.

 Lucian se levanta e caminha para a gaiola no fundo da sala onde minha coruja bufo-real, a maior espécie do mundo, esta dormindo calmamente com a cabeça sob a asa. Jagger pia bravo quando Lucian abre à gaiola e o cutuca levemente, fazendo a ave acordar. Com maestria meu amigo estica o braço para que Jagger saia da gaiola, levando uma bicada dolorosa no dedo no processo.

Rio baixinho e recebo um olhar mal humorado de Lucian, que coloca minha coruja no lugar que a coruja de Elizabeth ocupara anteriormente, prendendo o bilhete na perna da ave. Jagger lança um olhar rancoroso para Lucian antes de voar até o parapeito da janela em que eu estou e piar.

— Tenho certeza que Lucian acha que você é malvado Jagger – falo quando passo a mão na cabeça do meu animal de estimação. Ele pia como se não ligasse. – Isso aí, Lucian que foi malvado ao acordar você. Tome uma guloseima.

— Fico feliz em saber que sua coruja é recompensada quando me ataca – Gonzales fala quando Jagger sai pela janela. O rapaz volta a sentar na cadeira e digita algo, mas eu tenho quase certeza que ele está jogando.

Apoio minhas costas no parapeito da janela, mas sem que eu possa retrucar uma batida soa na porta e a pessoa abre antes que eu possa falar algo. Billie Pirate, a californiana de quinze anos, amiga da Effy e membro da Raposa, para na porta, cruza os braços e passa os olhos pela sala com a expressão séria.

Os olhos cinzentos de Billie não mudam de expressão quando Lucian desvia o olhar de volta ao computador, provavelmente por sentir um leve medo da garota, por mais que não admita. Ao encarar meu sorriso cafajeste e meus olhos azuis penetrantes, a menina de cabelos cinza, lábios carnudos, nariz arrebitado e sobrancelhas morenas faz uma expressão rápida de repugnância.

Quando Billie desvia os olhos e continua a observar o local, desço meus olhos por seu corpo de estatura mediana. Os seios grandes dela ficam evidentes sob a camiseta vermelha justa que deixa parte da barriga a mostra. As calças vermelhas largas impedem que se tenha uma noção da grossura das pernas e a bota sem cano de salto alto preto a deixa mais alta. Billie é bonita, mas não faz o meu tipo de modo que flerto ela apenas para irrita-la.

Lembro-me de que dei em cima dela quando chegou ao Acampamento, apesar de preferir as ruivas. Porém Billie sabia bem quem eu era de modo que nunca tivemos nada. Ela sempre foi amiga da Manson então estava bem informada sobre todos enquanto nós não sabíamos nada sobre ela. Uma visão muito parecida de quando Effy entrou.

— Creio que Thalia passou por aqui e o fato dela não estar no poleiro ou na gaiola e a carta estar sobre a mesa e aberta me informa que você está ciente da convocação de Dylan – ela fala finalmente me encarando sem alterar sua expressão. – Acha prudente ignorar o chamado do seu Líder, Blood?

— Nós dois sabemos que Dylan não é meu Líder, meu anjo – falo caminhando em sua direção.

— Primeiramente, não sou seu anjo nem seu nada. Segundo, Dylan é o Líder, aceita que dói menos. Terceiro, suba essas escadas agora e vá ver o que ele quer.

— Se não o que? – pergunto imitando sua pose de braços cruzados quando paro na sua frente, mas ao contrário dela estou sorrindo.

Billie suspira e olha para cima como se pensasse, mas sei que ela já tem a resposta.

— Vejamos... Você não está entregando os relatórios e documentos no prazo, sua pilha de não lidos está bem maior do que a de lidos, que opa! Na verdade você não leu nenhum documento! – ela fala numa falsa surpresa, o primeiro sentimento que ouço em sua voz. – Os lobos encontraram dois quintanistas seus na floresta seminus... Em suma, você não é um bom Líder Blood. E você gosta de poder. Então suba e entre naquela sala agora ou ficarei extremamente feliz de informar Elizabeth que vamos depor você.

Rio de forma debochada.

— Ela não está falando nem com os melhores amigos, o que te faz pensar que falaria com você? – pergunto.

Billie sorri ironicamente enquanto tira um aparelho preto do seu ouvido que percebo ser um comunicador. Ela estende para mim e manda que eu coloque no ouvido antes de tirar do bolso grande da frente de sua calça um walkie talkie sem a antena e apertar alguns botões.

— Manson – ouço no meu ouvido.

— Elizabeth? – pergunto surpreso. Ouço o som da minha cadeira ser afastada e passos rápidos as minhas costas enquanto Lucian se aproxima.

Faz silêncio na outra linha antes dela falar:

— Jason? Que surpresa desagradável. Espero que isso não signifique que está sendo um pé no saco como de costume.

— Se é como de costume deveria saber que estou – falo colocando a mão no peito largo de Lucian que tenta pegar o aparelho do meu ouvido.

Elizabeth ri ironicamente.

— Passe para Billie.

— É... Não.

— Ótimo.

Ficamos em silêncio e penso que ela desligou quando ouço um som agudo que alfineta meu cérebro. Arranco o comunicador e aperto meu ouvido com força enquanto grito.

— Que merda aquela vagabunda fez?

Billie ri enquanto tira o aparelho das minhas mãos e mexe no volume do walkie talkie antes de coloca-lo na orelha.

— Pirate. Sim, ele está reclamando como um menininho mimado. Sim, Lucian está aqui. Diria que está meio desesperado na verdade – a risada malvada de Billie me faz pensar no que as duas estão conversando. – Blood não atendeu a convocação de Dylan. Sim, muitos documentos não lidos.

Cada sentença é dada com alguns segundos de pausa entre elas. Lucian cruza os braços atrás das costas e ficou se erguendo na ponta dos pés, ansioso.

— Blood? – Billie fala chamando nossa atenção. – Vá para a sala de Dylan, faça suas funções de Líder e informe a todos os outros que vocês vão acampar.

— O que?! – exclamo.

Billie dá de ombros.

— Recado da Effy junto com um eu te avisei.

Controlo-me para não socar a parede. Respiro profundamente enquanto Lucian pede que Billie o deixe falar com Effy, algo que não acontece uma vez que a morena fechou a linha.

— Por que você pode falar com ela e a gente não? – Lucian pergunta indignado. – Somos amigos dela tanto quanto você!

— Exatamente – falo. – Só a primeira parte no meu caso, mas mesmo assim. Elizabeth acha que não valemos o tempo dela?

Billie dá de ombros.

— Informações importantes chegam a pessoas importantes. Faça o que foi ordenado Blood. Lucian pare de tentar invadir o sistema. E Carl, não siga os passos deles.

Ela nos vira as costas, mas volta em nossa direção logo em seguida como se lembrasse de algo. Billie sorri sinistramente antes de dar um soco bem dado no meu nariz que começa a sangrar.

— Filha da puta! – grito levando minhas mãos para a área atingida.

— Isso é por chamar Effy de vagabunda – ela diz simplesmente.

 Então se vira e segue em direção ao lado Urso do andar sem olhar para trás. Só naquele momento percebo Carl Gonzales parado do lado da porta nos olhando com uma expressão intrigada. Antes que eu possa dizer algo, Lucian soca a parede no exato local que eu desejava e sai bufando escadas a baixo. Carl me lança um olhar rápido antes de seguir o irmão, me deixando sozinho.

Alguns campistas que estão nos corredores me olham surpresos. Ainda com as mãos no nariz, fecho a porta da minha sala e sorrio, sentindo sangue entrar na minha boca.

— Obrigada pela preocupação de todos – falo. – Eu estou ótimo.

Antes que mais alguém apareça decido subir as escadas e ver o que Dylan quer antes que a cavalaria venha me buscar e eu ferre com a vida de mais alguém.

(Final da manhã).

Soco o saco de areia e então o seguro. Minha respiração está ofegante, minhas mãos doem mesmo com as faixas brancas graças às horas que eu estou ali.

Mavis ainda não retornou do passeio com as Larvas, mas como não está falando comigo desde a trilha que eu fiz com os novatos isso não faz diferença. Elijah está na Biblioteca lendo algo que Elizabeth Indicou. Matthew está fazendo algumas de suas funções no Chalé Principal. E Lucian foi atrás da Mavis a pedido de Dylan porque as Larvas estão atrasadas ou algo assim.

Eu estou na sala de lutas com alguns campistas do Lobo que treinam. Eu sou o instrutor do ultimo nível, mas não estou dando aula no momento porque os quintanistas de forma geral não estão prontos para isso. São um ou outro dessa idade que se destacam e eles não estão na sala no momento.

Ao contrario do que acontece geralmente, ninguém veio falar comigo desde que entrei e comecei a socar o que me fez pensar que provavelmente eu pareço bem furioso. Kendrik, o Búfalo instrutor, não parece se importar com isso, uma vez que permite a minha presença durante suas aulas desde que eu não atrapalhe.

Dylan havia sido breve comigo na reuniãozinha que tivemos em sua sala. Depois de pedir para eu me sentar ele terminou de assinar os documentos que um membro da Raposa lhe passava antes de levantar e ir para o armário de arquivos da sala do Líder do Acampamento, que é bem maior do que o meu uma vez que contem informações dos campistas de todas as Irmandades, funcionários, entre outras coisas, e abrir uma das gavetas de cima.

Ele voltou a se sentar depois de pegar a minha ficha e coloca-la diante de mim, me olhando calmamente e fazendo sinal para eu mexesse no arquivo. Depois de fazer algumas perguntas e chegar a algumas conclusões, Dylan falou que entendia meu lado na discussão com Austen, mas que perdi completamente o apoio dele quando me rebaixei e passei a discutir com ela e Matthew.

— Sei que não gosta de mim Jason, mas deve saber como a minha opinião é importante uma vez que já ocupei e estou ocupando provisoriamente o posto de Líder. Seus campistas acham que você é um bom Líder, mas nem todos concordam com isso – ele falou. – Sei que a opinião geral não é importante para você, mas isso não significa que se os outros Líderes não aprovarem seu trabalho você irá continuar intacto.

‘’Você é uma engrenagem no sistema do Acampamento e se não fizer seu trabalho ferra com todo mundo. Sei que é da sua personalidade evitar responsabilidades até não poder mais, mas se não mudar isso perderá seu posto Blood. A corda está no seu pescoço há muito tempo e você sabe disso. Então lide com a situação antes que ela acabe com você. Está liberado. ’’

Mesmo com vontade de falar muita coisa, pela primeira vez na vida segui um dos conselhos de Lucian e fiquei quieto e me levantei, balançando a cabeça em sinal de despedida antes de caminhar em direção à porta. Quando estava com a mão na maçaneta Dylan falou:

— Blood? Não vou esquecer sua opinião sobre mim. Muito menos sobre Effy. Pode ir.

Dylan Black nunca fez nada para mim. Porém ele era o Líder há um ano quando eu entrei neste posto, sendo ele o campista mais jovem a ocupar o cargo, e mesmo sem eu pedir me deu conselhos preciosos e me mostrou que pode ser um inimigo poderoso. Como Manson. Por isso quando ele disse aquela simples frase eu sabia que era melhor eu ir à sala de Matthew se não quisesse me dar mal. Mas eu não fiz isso.

Eu segui para o meu quarto no Chalé dos Lobos, onde Lucian me esperava com a informação de que Carl havia entrado no sistema e tinha uma resposta para o mau funcionamento da internet.

— A internet foi bloqueada. Não temos acesso a sites de relacionamento tipo Twitter, nada de jogos, de filmes, séries, nada. Se quisermos fazer uma pesquisa temos que preencher um questionário que aparece na tela e dizer a finalidade e caso mudemos alguma coisa a internet trava.

— Como assim mudemos alguma coisa? – perguntei enquanto colocava minha roupa de luta no banheiro, ouvindo a voz dele pela fresta da porta.

— Por exemplo, se eu colocar que minha pesquisa é sobre... Elizabeth Short e acabar me desviando para A menina submersa, que é um livro que ela aparece, mas não é sobre ela, a internet trava. Não consigo mais fazer pesquisas e tenho que preencher outro formulário que de acordo com o Carl é enviado para o e-mail de alguém.

— Quem é Elizabeth Short? Ah, não quero saber! Consegue mexer na internet depois disso?

— Não. Fica meia hora travada. Acho.

Com aquela informação, a conversa com Dylan, Billie Pirate, a carta da Manson e outras coisas que se acumulavam na minha cabeça, tudo que eu consegui fazer foi descer as escadas falando frases e palavrões que definiam Elizabeth Manson como um ser humano bem desprezível. O que não fez Lucian ficar ao meu lado, é claro. Até aquele momento ele havia se mantido neutro e estava disposto a me ajudar com Matthew, Mavis e com meu cargo de Líder, mas tudo foi por água a baixo quando ofendi sua paixão platônica.

Jason Blood e seu dom de estragar as coisas, prazer.

Soco o saco de areia algumas vezes pensando em como consertar toda essa merda quando faz um completo silêncio na sala e ao redor. Seguro o saco e ergo minha cabeça atento. E então ouço as seis badaladas.

Alguém voltou para o Acampamento.


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Notas finais do capítulo

Calíope: https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/originals/f8/68/42/f86842bddbe163f6724cb39ef700719c.png

Jason: http://66.media.tumblr.com/9fbfe82a9938e3e1ebc8b1277eeae077/tumblr_nqu6infMz91u3wveao10_1280.jpg

Símbolo Corvo: https://i.pinimg.com/736x/03/69/e4/0369e4cc8336bf40752e8dac76c3dfbb--tattoo-cover-up-a-tattoo.jpg

Protetor de tela Jason: https://static.tumblr.com/7e3c8b031f01227c73353125f2cb2ddc/fizbhhb/PNmndflrl/tumblr_static_tumblr_static_filename_640.jpg

Acho q é isso. Espero q tenham gostado ;)
Comentem, a opinião de vcs é muito importante e deixa uma autora feliz!

Até.
XOXO,
Tia Mad.