WSU's O Temerário escrita por Lex Luthor, WSU


Capítulo 7
Roud VI - Marcos, O Temerário




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Aeroporto Internacional de Las Vegas, 2001

 

A equipe técnica descia no aeroporto de Las Vegas. A imprensa e alguns curiosos faziam enxame na descida de Marcos. De fato era para se fazer, o único estrangeiro do campeonato poderia ser o vencedor e ganhar um contrato no WMMA, já que havia chegado à final.

Quando Marcos vira-se para dar uma entrevista, um homem na multidão atira uma banana que acaba por acertar sua nuca. Um homem exaltado grita no meio da multidão.

Cucaracha! — gritou o homem com uma penca de bananas na mão.

Curioso, Marcos apenas olhou para a fruta ao chão.

— O que foi isso? — perguntou assustado.

— Fruto desse Bannet, teu adversário, dizendo que enquanto ele jogava videogame quando criança, você jogava bola na lama da favela — explicou Matheus.

— Um ufanista. — analisou Gabriel. — Tem maluco pra tudo aqui nos Estados Unidos, mais do que você.  — ironizou, olhando sério. — E esse aí não deve gostar da ideia de você tirar uma oportunidade de emprego de um americano — Sorriu. 

Marcos abaixou-se, pegou a banana, descascou-a e deu uma mordida.

— Vocês fantasiam demais, pra mim é só uma banana. — ergueu a fruta em direção ao homem. — Thank you!

 

 

 

Hoje, 00:17

 

Waaaaaaaaaaat? — indagou boquiaberto.

— O que foi? — Érico sorriu. — Achou que eu era um comediante contando as piadas do Ari? Eu iria morrer de fome!

— Talvez você não seja comediante, mas é um bom ator. — o esquizofrênico balançou a cabeça negativamente, caiu na real. — Na sua mente, Marcos. Literalmente.

— Parece que você não está entendendo o que está acontecendo aqui realmente. — disse o cadeirante, explicativo. — Mas eu vou organizar as suas ideias.

Instantaneamente, a mente do ex-lutador, ativou memórias do passado.  

Quer parar pra me escutar? A Elisa te ama e nunca iria te trair. Nunca houve essas ligações. Ela quer que você faça o tratamento, mas... — dizia Ari.

O quê?! — Marcos impedia que o padrasto terminasse de falar. — Eu já te odiava por comer a minha mãezinha, que Deus a tenha. Agora...

Eu falei alguma coisa errada? — perguntava o velho técnico, assustado.

Mais do que nunca, Marcos estava ciente de que seu problema era real e, além disso, a fonte de muitas das maiores dificuldades de sua vida.

— Todo esse tempo acreditando que você era alguém normal te fez ser movido por três coisas: o medo — explanou Érico.

— E aí, fracassado — disse Fagundes, a cabeça demoníaca, que de repente estava ao lado do esquizofrênico.

— O medo de fracassar, falhar com quem você ama novamente depois de ter perdido tudo. De família cristã, temia por sua alma e tinha que tomar cuidado com as suas atitudes.

— Olá! Vai de que hoje, patrão? Bandido ou mocinho? Ladrão ou vigilante? — perguntou o Gato, que surgiu atrás do herói.

— É, Marcos. Suas atitudes talvez nunca foram tão confusas como nesse período, esse é você! E como tomá-las sem a sua personalidade? — O deficiente levantou-se da cadeira. — Somos todos construídos de pedaços de outras pessoas, Ari, Marcelo, Neide, Elisa, Vanessa... Você é o que é! E pode ter sua família de volta com uma simples atitude.

— O remedinho — Gato sorriu ironicamente.

— Aleijado! — Marcos sorriu. — Tu nunca que me enganou.

— Sua personalidade é completamente sua de novo. — despediu-se Érico. — Receba-me bem.

Marcos pôs a mão no bolso da calça, pegou o pequeno frasco cilíndrico de remédios em seu bolso, tirou uma pílula e a engoliu. Entrou em seu automóvel e pegou nas papeladas de suas investigações, sem se dar contas, não havia mais alucinações.

Observou a planilha do Cobrador impressa num papel. Todas as pessoas que já haviam sido cobradas em um ano. Boa parte delas já havia sido morta, mas algo lhe impressionou, o nome de Ari não estava naquela planilha.

Olhou o próximo nome na lista e viu que se tratava de Clint Barcos, um lutador que abandonara a piscina com uma dívida de dez mil reais. Era o nome depois de Ventur, optou por ir até o endereço citado na planilha.

 

 

 

Final do Ultimate Fighter

Caesers Palace

 Las Vegas, 2001

 

Com o gongo do fim do primeiro round, as vaias começaram. Tanto Marcos como William Bannet, seu adversário, não haviam suado uma gota. Passaram o assalto inteiro se estudando e isso irritou bastante o público.

— Já chega de trocar olhares, garoto. — disse Billy, seu futuro adversário e agora técnico no reality. — Se você quiser ganhar essa luta, vai ter que ir pra cima. Está muito feia essa falta de combatividade.

— Desculpa, eu... — Marcos parecia uma girafa, seu corpo estava no octógono, mas a cabeça não. — Eu não tô conseguindo me concentrar direito.

Ele estava apreensivo com a piora do quadro de sua mãe naquele dia. Justo o dia decisivo da final. Matheus encostou um saco de gelo em seu peito.

— Nunca entendi o real sentido desse gelo no peito — comentou o jovem lutador —, como se fosse a solução para todos os problemas da vida. Está estressado? Gelo no peito. Brigou com a mulher? Gelo no peito. Tem um cara do outro lado querendo te matar? Gelo no peito.

— Isso é medo de perder?! — esbravejou Billy. — Saiba que vai ter que deixar isso de lado esse round se quiser vencer!

O gongo soou, Marcos levantou-se pensando naquelas palavras de seu ídolo e momentaneamente técnico. Foi à luta e tocou as luvas com oponente.  

Ficaram se estudando por um instante, as vaias continuaram. Foi quando Bannet tentou acertar um soco de direita, que passou no vazio. Marcos equivocadamente tentou segurar o americano pelo peito, para derrubá-lo, mas o curto espaço fez com que seu adversário apenas projetasse o corpo fazendo com que brasileiro fosse derrubado.

No chão, o americano estava em posição de “cem quilos”, jogando todo o seu peso em cima de Marcos, que girava para um lado e para outro, mas não conseguia fazer nada para sair da situação incômoda.

Nada acontecia, nem mesmo quem estava por cima parecia sem nenhum truque na manga, o que fez com que as vaias continuassem. Depois de mais de dois minutos, o árbitro pediu para que os dois se levantassem, por falta de combatividade.

 

Não tenho mais nada a perder.

 

O americano que já tomava o centro do octógono, Marcos abaixou a guarda completamente, quando viu Bannet não responder à provocação, mandou um direto no queixo do adversário e ao absorver o golpe, tentou responder:

Bannet manda um cruzado de esquerda, direita, esquerda. — O narrador começou a empolgar-se com a luta. — Que esquiva do garoto! — elogiou em extâse. — Marcos revida com um direto e o americano cai!

Uma aula de esquiva do Marcos! — O comentarista também se rendia às habilidades do jovem. — Três cruzados do americano no vazio!

Com as pernas de Bannet em guarda, levantadas, Marcos não teve muito a aproveitar. Decidido a provocar, pôs as mãos na cintura e deu tempo para seu adversário levantar-se.

Tentou um jab e Marcos, que desviou, respondeu com uma tapa.

A torcida enlouqueceu. Bannet se irritava cada vez mais com as provocações e seu oponente apenas sorria, o chamava para o combate.

— O povo quer show! — Escorou-se na grade do octógono. — Vamo, vem! — Chamou com as mãos enluvadas. — Bate em mim!

Bannet tentou surpreendê-lo dando um giro de trezentos e sessenta graus no eixo de seu próprio corpo para tentar uma cotovelada, porém, o atento brasileiro saiu do ângulo e o americano mais uma vez caiu.

Dessa vez, levantou-se rapidamente e Marcos partiu em sua direção, desferindo vários socos.

Até tapa levou! — O narrador soltou uma risada. — O americano está vivendo no inferno! Marcos, quer o nocaute e o americano só quer o fim do round! — O gongo soou. — Batem os sinos do paraíso e William Bannet respira aliviado!

 

 

 

Residência de Clint Barcos, Liberdade

Cidade do Corsário

Hoje, 00:38

 

Era uma pequena casa, a porta que ia direto para rua, estava escancarada. O Temerário adentrou por ela. Luzes apagadas, móveis revirados. Na cozinha, dois corpos: um homem e uma mulher.

Provavelmente eram Clint e sua esposa, que já haviam sido mortos pelo Cobrador. O Caveira havia tardado e falhado.

Um movimento brusco derrubou alguns pratos na pia, chamando a atenção do Temerário. Ele aproximou-se e achou um garoto cócoras. Assustado, o menino ameaçou um grito, mas o herói interrompeu-o pondo a mão em sua boca.

Estou aqui para te ajudar — sussurrou o Caveira.

O Temerário então foi surpreendido com um tiro, que atingiu o seu traje, e o fez desequilibrar-se levemente. O garoto correu em direção à porta e, friamente, o Cobrador apontou a arma para ele e atirou em suas costas.

— Não! — gritou, ao ver o garoto ao chão.

Avançou instantaneamente no mascarado, que estava na sala, clinchando-o para desferir joelhadas, o que fez com que sua arma caísse. O Temerário jogou-o violentamente contra a parede.  O Cobrador sacou uma faca para defender-se.

Logo, o Temerário segurou-o pela garganta contra a parede e guiou o punho que portava a lâmina contra a garganta de seu oponente, que com um braço livre socou o Caveira duas vezes no rosto, em seguida trocou a arma de mãos.

O herói afastou-se, olhou o garoto gritando e chorando ao chão, percebeu que seu oponente era um adversário à altura e que se aquele duelo continuasse, poderia custar a vida do menino. Tirou de seu traje uma bomba de fumaça e a arremessou ao chão, fazendo a cortina branca invadir a sala.

Quando a visibilidade aumentou, o Cobrador não podia mais ver ninguém. Apenas os corpos das vidas que havia tirado.

O Temerário levava o garoto nos braços para o carro, gemidos e gritos de dor chamavam atenção. Foi então que Marcos decidiu tirar a máscara de caveira e tentar acalmar o garoto.

— Não sinto as minhas pernas! — O garoto chorava.

— Calma, eu sou seu amigo. — tentou consolar. — Você vai ficar bem, eu te prometo — disse Marcos, desanimado.

 

 

 

Residência de Elisa, 06:45

 

Naquele domingo algo incomodava Elisa, levantou-se da cama, bocejou e abriu as janelas do quarto. Olhou para o canto da parede e lá estava seu ex-marido escorado.

— Meu Deus! — assustou-se.

Ele ainda estava com seu traje, mas sem a máscara. Exausto, machucado e bastante descontente ao mesmo tempo.

— Você está certa — disse Marcos.

— Do que está falando? — indagou, confusa.

— Acabei de ver uma cena hoje e... não quero que seja comigo, nem com vocês. — Suspirou, ergueu a cabeça segurando as lágrimas em seus olhos. — Vi uma criança perder os pais e também... ficar paraplégica em uma só noite.

Não foi suficiente, as águas começaram a rolar no rosto dele. O ombro de Elisa foi o seu consolo.

 

 

 

Hoje, 19:20

 

Não havia conseguido fazer nada naquele dia, nem mesmo brincar direito com sua filha. Olhava as mensagens em seu celular e lembrava que aquele era seu dia na “piscina”. Era a sua chance de abandonar tudo aquilo e ter novamente a sua velha vida de volta.

É só por hoje. Uma luta e não terei mais que lidar com essa loucura de “piscina”.

Arrumou suas coisas e foi até o seu carro. Vanessa, curiosa, foi até ele e perguntou:

— Aonde está indo, papai?

Ele não tinha forças nem para responder a sua filha. Então, Elisa chegou e o tirou daquele sufoco.

— Filha, vai brincar um pouco. Preciso falar com o papai. — esperou a garota entrar até falar novamente. — Pra onde vai, Marcos?

— Vou passar em casa e depois... gostaria de dizer que “um lugar seguro”, mas não é. Ana tem uma proposta pra mim e depende disso. — desanimada e sem saber o que falar, Elisa olhou pra baixo. — Ei, cospe no chão. — ele sorriu, ao pedir e ela relutou em fazê-lo, até que o companheiro o fez. — Antes de disso secar eu volto. 

Ao chegar à sua casa Marcos revisou a planilha, lhe intrigava o fato do nome de seu padrasto não estar lá. Ele só poderia não ser um sócio, procurou por Gabriel e também não estava lá.

Pegou uma fita velha, a fita da final do Ultimate Fighter e tocou-a num velho vídeo cassete. Seu primo, que tinha sua chave, entrara na casa e estava vendo a cena na sala.

— Relembrando o passado? — perguntou Matheus.

— Eu me lembro dessa final como se fosse ontem, cada movimento — seus olhos tristes, brilhavam —, mas nem porque venci foi um dia feliz.

O primo balançou a cabeça positivamente, concordando. Mudando de assunto, Marcos falou:

— Acho que vou precisar de você hoje.

 

 

 

A Piscina do Norte, 00:00

 

Muitos carros cercavam o casarão onde o evento acontecia. O ex-campeão, colocava suas ataduras brancas nas mãos, alongava-se. Para aquecer-se, desferia chutes frontais e giratórios, socos, joelhadas e cotoveladas no ar. Sócios, apostadores, lutadores e expectadores estavam em sua volta, observando, vendo o ponto que chegara aquele que há alguns meses era o maior da atualidade. Foi anunciada a luta da noite: Gabriel vs. Marcos.

Em instantes os seguranças guiaram os dois para dentro da piscina seca. Olharam-se com seriedade. O gongo soou e Gabriel partiu para cima de Marcos, que se agachou e tocou três vezes o chão como sinal de desistência.

— O que está fazendo?! — perguntou Gabriel, exaltado. — Sabe o que isso significa aqui? Morte!

— Eu não vou lutar com você. — respondeu Marcos.

— Você não tem escolha, seu idiota! — As veias do adversário saltaram o pescoço, ao dizer. — Sou eu quem manda aqui e se você está nessa piscina é só mais um escravo!   

— Ontem uma vítima e hoje o “Manda-Chuva”? Devia se envergonhar disso, sabia? — A raiva era visível nos olhos do ex-campeão mundial. — Devia se envergonhar de ter matado seu pai, que nem membro dessa sujeira era!

— Meu pai?! — Levantou a voz. — Ele nunca foi o meu pai! Não como foi para você... que nem de seu sangue era! Ele ia denunciar todos! — Baixou a cabeça e riu, irônico. — Eu queria te mostrar o quanto eu sou melhor do que você, mas agora vai ser um prazer te enterrar.

— Eu disse que não ia lutar com você. — Sorriu. — E não vou. Vou te dar uma surra, que você vai ficar chorando em posição fetal, mas não vai mais ter o papai pra te dar colo.

Gabriel devolveu o sorriso. A multidão envolta da piscina gritava enlouquecida. Lutava agora não por um contrato sujo, agora pela honra de seu segundo pai, como um dia lutara pela vida de sua mãe.

— Uh, vai morrer! Uh, vai morrer! — vibravam as pessoas ao redor da piscina.

Era o mesmo grito que os brasileiros presentes no lotado Caesars Palace, entoavam naquela final de treze anos atrás.

— Começa o terceiro round! — anunciou o narrador, com o som metálico do martelo atritando ao gongo. — É incrível o que está acontecendo aqui, amigos. Certamente eu não vejo o outro desfeche que não seja a vitória do jovem brasileiro!

Marcos se aproximou com a guarda baixa e logo ocupou, dominantemente, o centro do octógono. O americano mais parecia outro espectador que um lutador. Um daqueles que ficava apreensivo e com medo, pois sabia que ao fim tudo daria errado.

— Marcos chama o americano — analisou o comentarista —, mas ele não vai entrar na pilha.

— Se você não for eu vou, asshole! — esbravejou o brasileiro, mandando um jab que ficou na guarda do americano.

Irritado, Bannet foi para cima e respondeu com um direto seguido de um cruzado de esquerda, ambos bloqueados por Marcos que saiu de seu raio de ação. Desta vez, era o americano quem ocupava o centro do ringue e decidiu avançar de forma imprudente.

— Marcos está lutando como se tivesse anos de experiência. — disse o narrador. — Afasta Bannet com um chute frontal e ele cai na grade do octógono. É hora de partir pra cima garoto um, dois...

            ...três uppers seguidos nas costelas do Gabriel, que estava encostado na parede da piscina.

O oponente agarrou os braços de Marcos, que tendo seus punhos imobilizados desferiu joelhadas na linha de cintura. Se vendo em desvantagem, Gabriel desferiu uma joelhada no meio das pernas de seu desafiante, soltou seus braços e aproveitou o momento para socá-lo no rosto.

— Essa foi baixa, hein? — ofegou Marcos, afastando-se logo em seguida. 

— Aqui não tem árbitro pra penalizar. — zombou com um sorriso malicioso. — Cada centavo que entra aqui, como os seus, vão pro bolso da companhia.

— Pois é cara, sobre isso... Vocês fizeram minha fama de louco nos tabloides na época e pela lei... loucos não podem assinar transferências e doações de renda e propriedade tão altas, não é? Acho que vocês vão ter que me devolver cada centavo desses.

Sorrindo, o esquizofrênico enxugou o sangue no em seu lábio superior...

— Parece que o Bannet abriu um corte na boca do brasileiro — percebeu o comentarista —, ele limpou o sangue nas luvas e ainda está rindo disso!

Marcos aproximou-se do centro do octógono, foi o bastante para que o americano tentasse a sorte com uma cotovelada giratória, mas sua sorte transformou-se em revés quando apenas um jab na ponta do queixo o fez cair, no chão deixou as pernas levantadas para proteger-se.

— Ele estende a mão para Bannet! — bradou o narrador, impressionado! Inacreditável! Isso não é mais uma luta, é um show do brasileiro! Ele é um showman! Tocam as luvas novamente e o americano já desfere um direto...

...que acertou Marcos no olho. Ele se desequilibrou, mas a parede da piscina seca não o deixou cair. Com as costas na cerâmica, tentou proteger o rosto da sequência de socos desferida por Gabriel. Havia um corte logo abaixo de seu olho e, atordoado, ele já não ouvia mais o som das pessoas ao redor da piscina, apenas zunidos.

“Ninguém bate mais forte do que a vida. E ela já bateu demais em você”.

A voz de Ari emergiu dos incômodos sons agudos de seus próprios tímpanos.

“Agora vai lá, usa o ombro pra proteger esse olho, sai do raio de ação dele e... derruba esse filho da puta!”

Atendeu o que as lembranças de seu mentor aconselharam-lhe, deslizou as costas nos azulejos da piscina saindo dos socos do oponente, desferindo o cruzado que raspou a boca de seu adversário, arrancando-lhe o protetor bucal.

Quando Gabriel tentou o equipamento caído, Marcos, com um grande impulso nas pernas, saltou e aplicou-lhe um direto no ar, levando o atingido ao chão.

— Que falta de fair play, campeão! — oscilou Gabriel, balbuciando atordoado e caído com o golpe.

— Aqui não tem árbitro pra penalizar — devolveu Marcos.

Ele girou a cintura, jogou o braço direito para trás e desferiu um chute de direita no rosto do que no chão, foi completamente nocauteado.

 

 

 

Final do Ultimate Fighter

Caesers Palace

 Las Vegas, 2001

 

— Desabou! Marcos Fonseca, prepare a caneta! — vibrou o narrador eufórico. — Você acaba de ser o mais novo contratado da WMMA

— Que joelhada voadora contundente do garoto. — elogiou o comentarista. — Isso é coisa de veterano.

O replay no telão do Caesars Palace mostrava Bannet cansado fazendo uma leitura equivocada do golpe, seu corpo, mais pesado que a mente, fez com que a esquiva fosse totalmente errada e Marcos atingisse uma joelhada em seu rosto. Caiu como um boneco de pano e, ao ver os olhos do competidor americano se revirando, o árbitro interrompeu a luta.

Aqueles que vaiaram Marcos, agora aplaudiam e só havia uma torcida; apenas um nome era gritado.

— Marcos! Marcos! Marcos! — entoava a arena lotada.

— Parece que você tem uma grande torcida aqui agora! — observou o entrevistador no octógono.

Apontou o microfone na direção de Marcos. Ele suspirou e falou:

— Quando cheguei aqui — disse ofegante, pelo cansaço —, fui bastante mal recebido. Passei a noite em claro, mas não foram os rojões que vocês soltaram no hotel.

A multidão parou apreensiva para escutar as palavras do brasileiro, enquanto o tradutor.

— Eu estava preocupado com a melhor das minhas torcedoras — Algo entalou a sua garganta. —; minha mãe.

As lágrimas começaram a escorrer de seu rosto.

— Provavelmente você está na cama de hospital agora e nem está assistindo, mas não tem um minuto que eu não pense em você, porque foi você quem me moveu todo esse tempo. A tempestade já passou, minha princesa.            

Os brasileiros aplaudiram as palavras de Marcos, o restante do público acompanhou os aplausos. Depois que o tradutor reprisou suas palavras no idioma local, houveram mais salvas.

— Não te chamamos mais de garoto, cara. — comentou o entrevistador. — Hoje você tem um novo apelido: O Louco. — disse sorridente, arrancado sorrisos do jovem campeão. — O homem que converteu vaias em aplausos.

— Eu gostei. — Ele sorriu, já estava acostumado com o apelido. — É muito bom ver vaias convertidas em aplausos. É o valor inestimável da conquista e esta não tem nacionalidade. Talvez nós brasileiros sejamos as piores pessoas neste planeta, mas eu sei que podemos melhorar. — Abriu a bandeira brasileira que empunhava na mão esquerda e mostrou ao público. — E que toda vez que vocês virem esta bandeira, não menosprezem, ela significa amizade.

Saiu do octógono ovacionado em terras estrangeiras.

O que seria o dia perfeito para Marcos, tornou-se o pior quando Elisa, nos bastidores do evento, cheia de lágrimas, deu-lhe a notícia de que sua mãe, Neide, havia falecido.

 

 

 

A Piscina do Norte, 00:00

 

Derrotado e cambaleando, Gabriel levantou-se. Impotente e com visível raiva em seus olhos deformados pelos golpes, apelou para as pessoas ao redor da piscina:

— Peguem este homem! — berrou o derrotado. — Ele vai ferrar com todo mundo aqui! Um a um!

— Vou lhes dizer quem quer e vai ferrar vocês: Gabriel, o Cobrador — disse Marcos, mirando os homens e mulheres que rodeavam a piscina.

Eles olhavam um para o outro, como se não entendessem nada.

— Este, bem aqui à minha frente; acabou de levar uma bela surra e agora depois de ter causado o medo a vocês, está lhes rogando por sua ajuda.

Olhares revoltosos foram lançados ao competidor perdedor, que todos sabiam ser que encabeçava daquele esquema, mas não que era o executor. Marcos, calmo, apontou para a saída do casarão.

— Tem um comboio da polícia vindo pra cá agora e vocês tem duas opções: Podem evitar essa luta, que é o mais recomendável, sair daqui, fingir que nunca existiu essa droga de “piscina” e deixar esse crápula se ferrar sozinho, ou alguém quer dividir cela com ele?

Algumas pessoas deixavam o local, aqueles que temiam serem pegos por mais algo. Os lutadores foram os primeiros a se convencerem e com eles os sócios.

Marcos foi até sua bolsa, pegou uma fita adesiva e enquanto todos saíam, amarrou Gabriel e pegou seu telefone para discar um número.

— Pode vir buscar o pacote — disse ao ter sua chamada atendida, desligando em seguida.

— Acha que vai se safar disso assim? E a morte do coroa? — indagou Gabriel, com maldade. — Eu ainda tenho a sua arma.

— Exatamente, querido. — respondeu Marcos, sorrindo irônico. — Você... tem a minha arma.

Com apenas alguns minutos chegaram seis homens fortemente armados, vestidos de preto e com balaclavas no rosto, vendo o destino inevitável, Gabriel começou a rir.

— Então era um blefe? — Sorriu Gabriel faltando-lhe dentes. — Não tinha polícia nenhuma, só os famosos “Mão Branca”.

— É muito ruim essa fase da perda dos dentes de leite. — disse Matheus sob o disfarce. — Vamos te levar pra creche.     

 

 

 

Hoje, 01:25. Praça das Bandeiras

 

Sentado num dos bancos da praça, o mesmo banco em que se sentava com seu pai para alimentar os pombos, olhava para o nada reflexivo. Foi então que o mendigo que vira no estacionamento do mercado outro dia, e que fora espancado, aproximou-se.

— Alimentando os morcegos, senhor? — perguntou o velho, arrancado uma risada do mais jovem. — Acho que conheço você de algum lugar.

— É. A gente topou aí outros dias. — O mendigo balançou a cabeça negativamente. — Marcos “O Louco”, o famoso campeão? — Mais uma vez o senhor sujo e mal cheiroso negou.

— Alguém me pediu para te entregar isso, há muito tempo — disse o morador de rua, entregando-o um velho papel.

Marcos pegou-o, abriu-o e começou a ler:

Querido Coração de Ouro,

Hoje pela manhã eu tive uma complicação no meu quadro. Não quis fazer nenhum alarde, afinal, hoje é o seu dia.

Na verdade, o que eu queria mesmo era estar aí e ver toda essa alegria ao vivo. Mas a vida é essa coisa aleatória e cruel. Que loucura essa vida! Se os que te julgaram perceberem isto, irão se autoapedrejar.

Uma coisa foi boa hoje, eu vi o meu menino voar entre os homens, transformar vaias em aplausos, ser um vencedor. Quando escolhemos seu nome, você ainda estava nessa barriga, seu pai me disse que Marcos significava Marte, o deus romano da guerra, dos guerreiros, uma merda dessas. Hoje foi apenas uma demonstração do por que Marcos significa imbatível para mim.

Seja engenharia, octógono, o que quer que você faça será sempre imbatível. Enxerguei isto durante vinte e dois anos e não há nada em todo esse tempo que eu tenha me orgulhado, ou amado mais do que ter sido a sua mãe.

Eu te escrevo agora sorrindo, pois sei que esta carta lhe será entregue no tempo certo, que não sei qual é, mas também pelas mãos certas: as de Marcelo Fonseca, seu pai.

Se estiver lendo isso é por que aonde eu estou não tem MSN e eu preciso te dizer que assim como você, meu campeão... eu venci.

Eu venci porque tive uma família e amigos que me fizeram rir até o último momento, venci, pois vi o meu filho vencer e porque vi os seus momentos de felicidade, tenho a certeza de que muitos estão por vir. 

Amor incondicional, mamãe.

 

Marcos chorava como nunca havia chorado antes, era misto de felicidade e realização que nunca havia sentido. Buscou seu pai com os olhos, mas não o encontrou mais.

Não havia melhor lugar para se estar agora, do que com sua família.

 

 

 

Residência de Elisa, 01:49

 

Marcos acendeu a luz da sala e lá estava Elisa, o esperando.

— Achei que já estivesse dormindo — disse o marido.

— Não, Marcos. A Vanessa está. — Observou o rosto machucado dele e suspirou. — Quando vou me acostumar com isso? — indagou ao retirar-se da sala.

Elisa foi para a cama. Marcos tomou um banho e trocou-se. Foi até o quarto de sua filha e a beijou na testa, seguidamente de um abraço. Comeu um pedaço de pizza requentado, que sobrara da janta das duas e foi para a cama com Elisa.

— Quando é que eu vou me acostumar com isso? — indagou ele, ao deitar-se.

Elisa, mesmo virada para o lado da parede, perguntou-lhe:

— Isso o quê?

— Perder vocês. Perder tudo. Não dormir desse lado da cama. — Marcos suspirou. — Acho que te devo um pedido de perdão, por tudo.

Elisa virou-se e beijou-o, mas por um segundo interrompeu.

— Já abraçou a nossa filha? — perguntou a mulher.


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