WSU's O Temerário escrita por Lex Luthor, WSU


Capítulo 6
Round V - O Cobrador


Notas iniciais do capítulo

Penúltimo capítulo de O Temerário.



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— Papai do céu, minha mãe diz, que o meu pai, que era casado com ela, é doido e que eles se separaram porque ele escutou o vovô Ari falar alguma besteira, mas ele não sabe que foi coisa da cabeça doida dele.

Era ainda manhã e Marcos da porta do quarto de sua filha, escutava a oração da menina sem que ela percebesse.

— Ele diz que não é pirado — continuou a garota —, mas outro dia peguei ele conversando com Cupipinho, o gato que ele cria. — O pai franziu o cenho, revoltado. — Eu sinto falta dos dois juntos. — Suspirou triste. — Desde que aconteceu eu oro quando durmo e quando acordo pra eles voltarem. Por favor, traz meu pai de volta. Amém.

Emocionado, decidiu surpreendê-la.

— E no sétimo dia Deus disse: que se faça um pai.

— Pai! — Ao ouvir voz de Marcos, levantou-se do pé da cama, onde estava de joelhos, para virar-se e então abraçá-lo.

— E viu que tudo aquilo era bom — completou emocionado.

— Você não pode estar aqui, sabia? Mandato de segurança. — sussurrou, como se fosse algo ultrassecreto.

— Mandado. — corrigiu o homem, a segurando nos braços. — Tá ficando muito espertinha, melhor trocar para um assunto de criança.

 — Sétimo dia é sábado? — perguntou, com um sorriso de orelha a orelha.

— É isso aí! — respondeu Marcos, colocando-a em seus braços. — Hoje é sábado e sabe o que acontece no sábado? Dia de pai e filha!

Vanessa, em êxtase, deu um grito estridente comemorando, quando Elisa entrou no quarto sorridente ao ver a reação dela.

Shh. — Levou o dedo à boca, pedindo silêncio. — A polícia não pode saber que eu estou aqui, meu amorzinho.

Elisa, com ternura, tomou Vanessa em seus braços.

— Posso conversar com você antes Marcos, a sós? — perguntou a esposa.

— Claro, meu amor — concordou, entregando a filha.

Amooooooooooooooooooooor? — Os olhos da menina brilharam, ao escutar essas palavras.

Com cuidado, a mãe levou-a ao chão.

— A sós, Vanessa — ela exigiu, com um olhar maternal, mas ao mesmo tempo repreensivo.

Eles foram até a cozinha, Elisa parecia preocupada e o marido sabia o motivo.

— Marcos, se você continuar com isso. Pode desconsiderar esta noite, pode desconsiderar uma vida juntos. — Com pesar nos olhos, ela indagou. — Você vai deixar sua filha órfã?

— Eu não vou precisar fazer isso sempre, mas tem a ver com o Ari e eu posso estar sendo incriminado por isso. — se justificou.  — E há algo mais, que ainda não entendo, mas não sou a única vítima no processo.

Elisa olhou para baixo, cabisbaixa, deixava transparecer a profunda tristeza.

— Ei, eu trago Vanessa à noitinha. — disse ele, beijando sua testa. — Se cuida.

A pequena garotinha estava pronta, entrou no velho Opala preto com o pai, que deu partida no carro. Curiosa, ela atentou para a mochila no banco de trás.

— O que tem na mochila, pai? — perguntou, esticando a mão em direção ao banco de trás, tentando tocar a bolsa.

— Não mexe aí não, meu amor, tem uma caveira — respondeu, tentando assustá-la.

Ainda curiosa, percebeu que o carro agora tinha, além de um toca fitas, um CD player. Abriu o porta-luvas, onde sabia que haviam fitas e viu, além delas, alguns discos. Pôs um deles no aparelho reprodutor.

If you wanna go take a ride wit me... — acompanhou a músic.

Irritado, o pai desligou o som.

— Ei, onde está aprendendo isso? — perguntou com um olhar inquisidor. — Isso não é música de criança.

Ambos ficaram em silêncio, o que deu espaço para Vanessa pensar alto por um instante, milhares de coisas em poucos segundos. Olhou para seu pai e parecia inconformada com algo. Marcos, ao perceber, sorriu e perguntou-lhe.

— O que foi?  

— Você odeia mesmo deficientes, pai? — perguntou a menina, de cenho franzido.

— As crianças da escola de novo? — devolveu a pergunta, sorridente.

— É sim — respondeu triste.

— Não, princesa. — afirmou, despreocupado. — Só casos particulares de deficientes babacas, como o tal Bruno Freitas, que quis aparecer na mídia me processando. Mas o papai até tem um amigo deficiente agora, o Érico.

— Como eu posso acreditar? — perguntou a menina, arqueando as sobrancelhas.

—Nossa, trocaram minha filha por uma anã? Quanto tempo eu passei sem te ver? — indagou o homem, espantado com as perguntas da filha. — Você vai conhecê-lo.

Quando chegaram à academia, Marcos tinha que dar uma aula e levou Vanessa consigo para assistir ao treino, mas estava receosa em fazê-lo.

Os alunos colocavam suas ataduras, Matheus exercitava-se com alguns halteres, quando a garotinha decidiu falar com o pai. 

— Minha mãe não gosta que eu venha aqui, ela diz que é um ambiente pesado pra mim e cheio de palavras feias.

— Pois a sua mamãe está completamente errada — repreendeu Marcos, absoluto —, aqui é um ambiente que transmite hábitos bastante sau... — foi interrompido com seu primo soltando bruscamente os pesados halteres que levantava.

BIRL! — berrou, com o esforço. — Aqui é Bodybuilder, porra! — esbravejou Matheus. — Agora eu vou pra casa comer que só a desgraça!

— ...dáveis. — terminou a fala. — Tudo bem, vai pra casa com esse idiota, que eu já chego.

Cidade do Corsário, 2001

 

— Você vai mesmo fazer isso? — perguntou Elisa, tristemente.

Estavam sentados no meio fio em frente aonde ela morava. Uma casa rosa, simples e com um telhado bastante antigo.

— Amor, é a minha mãe que está internada no hospital agora... e com câncer. Eu quero dar o melhor tratamento a ela e não vou medir as consequências para isso — respondeu Marcos, preocupado.

— Mas e o seu curso? — perguntou, desamparada. — Vai interromper?

— Vão ser quatro meses nos Estados Unidos, apenas. Eu vou terminá-lo quando voltar.

A garota olhou para baixo, e perguntou apelativa:

— Mas e... e eu? — uma lágrima solitária descia de seu olho esquerdo.

Ele não tinha força e nem palavras para responder.

— Eu vou amanhã logo cedo, minha mala já está pronta. — Os olhos dela encheram-se de lágrimas. — Então trate de arrumar a sua mala também, você vai comigo.

 

 

 

Hoje, instantes após o treino

 

A última aula da manhã havia terminado. Marcos ouvia os comentários dos alunos sobre as reportagens:

— Gosto desse Temerário, ele humilha os bandidos. Faz o que a polícia deveria fazer — disse Roni, o gordinho.

— Não acho que ele esteja fazendo isso, bandido bom é bandido morto. — Henrique estava indignado.

— Vai dizer que ele não teve pena de matar o Fagundes — ironizou dona Fátima.

— É diferente, minha senhora! — Roni ergueu a mão direita para o alto. — Os caras iam matar os policiais. Eram os bandidos ou eles. Mesmo assim sobreviveram nove dos dez.

— Exatamente! — Marcos exclamou do nada concordando, com o aluno.

Todos o olharam estranhando a repentina atitude, claramente ele percebeu e um silêncio constrangedor se alastrou pelo local.

— Esse é fanboy — constatou Henrique.

Felícia, namorada de Roni, aproximou-se do mestre para dar uma boa nova, tentando quebrar o gelo da estranha reação do professor.

— Soube que pode ter sua licença de volta, Marcão. Parabéns, só não abandone a gente!

— É meio cedo pra dizer isso — ele rebateu —, mas obrigado, Felícia. Vou levar os meus primeiros e fiéis quatro alunos pra primeira fila do meu retorno.

Marcos fechou a academia para o almoço, mas antes de ir até em casa, Érico, o cadeirante resolver dar as caras.

— E aí, Temerário! — cumprimentou o deficiente.

— Fala, aleijado. — Marcos atentou para sua cadeira. — Essa daí é nova? É da Hot Whells?

— Acabei de comprar, flexível. Dá pra por em carros.

— Uh, legal. Já que tem isso agora, tá indo pra onde? Te dou uma carona pra estrear.

— Beleza! — concordou o paraplégico.

Marcos tirou Érico da cadeira e o sentou no banco de passageiro do Opala.  Enquanto isso, curiosos olhavam-no de forma perplexa. Constrangido, respondeu:

— O que é? Bando de preconceituosos! — esbravejou enquanto colocava a cadeira no banco de trás.

Entrou no carro, parecia bastante irritado com aqueles transeuntes inconvenientes.

— Pra onde vai? — perguntou o motorista, ainda estressado.

— Pode me deixar na esquina da Almirante com a Alagoas — Érico percebeu o transtorno do companheiro.

Olhou para o painel e ligou o toca CDs, mas o tocador retrocedeu à última leitura do pendrive — que pertencia a Santana, mas Marcos tinha posto algumas músicas — e reproduziu a faixa Because I Got High, de Afroman. 

Yo, yo, man! Parece que temos muito em comum — Animou-se Érico.

Marcos sorriu, mas ainda meio sem graça. Até que veio o refrão da música.

Cuz I Got High, Because I Got High, Because I Got High — cantaram juntos, sorrindo.

— Ei, cara! — o passageiro chamou atenção. — Você não é um babaca, não liga pra isso.

— Não me importo, mas alguns cretinos enchem o saco da minha filha. — Logo, chegaram ao destino que era próximo e o carro foi bruscamente freado. — Ela até pensa que eu sou mesmo preconceituoso. Porém, tenho eu a solução. Vou levá-la ao cinema mais tarde e você vai junto, pra provar que não sou.

— Não sei se é boa ideia, cara — Érico parecia inseguro com o convite.

Ao sair do veículo, Marcos tirou a cadeira de rodas, mas quando o dono sentou-se nela, avistou um homem estacionando um sedan na vaga de deficientes de um estacionamento vazio de um supermercado.

— Ah, viado. — o ex-lutador murmurou, ao observar a indecente atitude. — Com tanta vaga, logo essa... Passa essa flanela aí, bicho. 

Érico entregou a flanela que estava no painel do Opala.

— Não viaja, cara! — disse Érico, preocupado.

Marcos aproximou-se do sedan, pegou uma pedra grande o suficiente para encher a palma de sua mão direita e arrombou o tanque de gasolina. Pegou a flanela, encharcou-a com o combustível, colocou-a na entrada do reservatório, acendeu-a com um isqueiro com folhas de maconha numa estampa branca e correu para seu carro. Apenas acompanhou de longe a explosão do veículo no supermercado.

— Tá pegando fogo, bicho! — exclamou Érico, surpreendido com a labareda na vaga do estacionamento.

Bruno Freitas, o cadeirante que o processara outrora, saiu do estabelecimento, junto do homem que estacionara o sedan.

— Meu Deus! Meu carro! — desesperou-se o dono.

— Eu só estacionei para o senhor, seu Bruno. — disse o manobrista preocupado. — Não foi culpa minha!

Vendo a situação e querendo livrar-se de outro processo, Marcos despediu-se rapidamente de seu colega.

— Que merda, hein! — riu nervoso. — Se bem que ele mereceu isso e eu vou ralar peito antes de outro processo, bicho! Te vejo às seis da tarde no CinePartage!

 

 

 

Cidade do Corsário, 2001

 

Neide estava na maca de um quarto de hospital. Marcos, sentado numa cadeira ao seu lado, estava triste, mas seus olhos estavam cheios de esperança.

— Mãe, eu aceitei a proposta. Vou participar do Ultimate Fighter do World Mixed Martial Arts. O campeão ganha um contrato milionário no grupo profissional.

— Mas filho; e o seu sonho? — perguntou, espantada. — Você quer ser um engenheiro.

— Meu sonho é que minha mãe veja meus momentos de felicidade. Nossa vida sempre foi uma merda desde que o meu pai foi embora e essa é a chance de mudar isso.

— Eu fico muito triste de ser o motivo — disse Neide, franzindo a testa.

— Oh, mãe. — Levantou-se e foi até a senhora deitada a abraçando e deu-lhe um beijo na testa. — A senhora é o motivo pelo qual eu vou lutar o desafio mais difícil da minha vida e vou fazer isso com maior prazer, por que a senhora vai me ver campeão e engenheiro também. — Sua voz entristeceu. — Eu vou precisar ir agora, tenho que resolver umas coisas antes da viagem. — Envolveu-a em seus braços novamente. — Eu te amo, vê se melhora. A benção?

— Deus te abençoe, meu coração de ouro — disse com os olhos cheios de lágrimas.

Ao sair do quarto, com o coração de ouro em pedaços, avistou Gabriel, Matheus e Ari na sala de espera. O primo, empolgado com a participação de Marcos no Ultimate Fighter avançou como um fã.

— Cara, ainda não acredito! Você tá no Big Brother do MMA, vai conhecer o Billy Ruas! Tenho certeza que vai ser Team Billy. — Foi ao ouvido de Marcos e cochichou. — Quem não ficou muito satisfeito foi o Gabriel — deu risinho sarcástico.

— Posso fazer nada. — Ari aproximou-se dos dois. — Corta o assunto! — exigiu do primo.

Ari vinha desanimado por sua esposa, fingia a alegria que não tinha, sorrindo com as olheiras estampando seu rosto.

— E aí, campeão! Não esquece esse velho aqui quando estiver no teu reino. — Percebeu a tristeza no olhar do enteado. — Fica tranquilo, rapaz, vou cuidar dela.

— Tenho certeza que vai, velho — abraçou Ari, com gratidão e tristeza ao mesmo temo.

Os braços se desvencilharam, estavam prontos para separarem-se

— Ei! — exclamou o padrasto. — Uma última antes de ir embora, é sobre deficiente físico, mas eu só vou contar a metade...

 

 

 

Casa de Elisa, hoje

 

— Papai, vâmo embora! — exclamou Marcos, chamando a filha. — A gente tá atrasado.

Impaciente, sentou-se no sofá da sala. Pegou o celular e destravou-o. Antes que fosse usá-lo, surpreendeu-se com Gato vestido com um tutu rosa, purpurina e uma tiara. Ele riu alto e provocou:

— Tá uma gata! Eu pegava!

— Vá se ferrar, otário! — praguejou o felino irritado. — Traga essa garota de novo aqui e ela nunca vai ter um irmão, porque eu arranco o seu pinto quando estiver dormindo.

— Você está fofa demais para eu considerar qualquer insulto-barra-ameaça!

Escutou sua filha cantar ao chuveiro. Olhou para a sua estante da sala e viu seu pequeno tubo de remédios, que por tolice não o tomava. Decidiu agir diferente e aproveitar a chance única de ter novamente sua família. Pegou uma pílula e tomou-a.

No celular havia uma mensagem de Ana, decidiu lê-la.

ANA “JITANA”: Enviou localização via GPS. Hoje às 17:00.

ANA “JITANA”: Esteja neste local amanhã às 00:00, sua luta está casada. Hoje às 17:01.

MARCODEUS: Hoje vai até 23:59, então quando for 00:00 tenho que estar lá? Hoje às 17:01.

ANA “JITANA”: Você entendeu. Hoje às 17:02.

MARCODEUS: Não, não entendi. Hoje às 17:02.

ANA “JITANA”: De meia-noite esteja dormindo, por que vai precisar estar descansado na próxima meia-noite. Hoje às 17:02.

MARCODEUS: Continuo sem entender. Hoje às 17:03.

ANA “JITANA”: _/_ Hoje às 17:03.

MARCODEUS: Indelicada. Põe aonde o sol não bate, nem vai sentir, arrombada. Hoje às 17:03.

 

Travou a tela, guardou o celular e as pílulas no bolso e observou o gato passar. O felino de tutu acariciou sua perna com a cabeça e miou. Escutou sua filha noutro plano:

— Gostou do visual do Cupipinho, pai?

— Foda demais! — respondeu com um grito.

 

 

 

Hoje 21:27

 

Após o término da sessão de cinema, o Opala foi estacionado na frente da casa de Elisa e o pai beijo a testa de sua filha.

O adulto estava tão descontente, que a garota decidiu consolá-lo.

— Ei, pai. — chamou a atenção, tocando no queixo barbudo dele. — Não fica triste, porque seu amigo não veio. Foi ótimo, sério! — Fez um coração com as mãos, sorrindo. — Adorei ver Frozen com você.

— Não fiquei triste, filha. Talvez o meu amigo tenha tido algum imprevisto — tentou justificar, dando um abraço demorado na filha.

Elisa veio buscar Vanessa na porta do carro.

— Vai entrando, filha — disse a mãe, quando a filha saiu do Opala, carregando a sua mochila nas costas.

A ex-esposa olhou seriamente para seu antigo afeto, que evitou, mirando a rua.

— Eu estou muito perto de pegar quem quer que tenha feito isso. — Marcos usava o que tinha como desculpas. — É só uma questão de tempo.

— Isso não é trabalho seu. — falou, irritada. — É da polícia.

— Não quando a polícia acha que eu sou o culpado. — Foi a vez de ele enfezar-se. — Vou fazer isso, Elisa. Sua vontade ou não, é a minha integridade em jogo. — disse Marcos irritado ao acelerar.

Sabe o que tinha dito à mãe de sua filha, uma meia verdade. Em verdade, sabe que havia mais que sua integridade em jogo: vidas.

Passou pela casa de Ari e lá parou. Percebeu que não estava mais interditada e resolveu ir até a casa. Tocou o interfone.

Quem é? — perguntou a familiar voz no interfone.

— É o Marcos, preciso falar com você.

O portão automático logo se abriu, o visitante estava impressionado por não ter havido alguma resistência por parte de Gabriel. Entrou com o Opala, observou que a piscina estava cheia novamente.

— Pode entrar — convidou da porta o anfitrião.

Sentaram-se na sala ao entrarem, o vinho foi servido a ambos.

— Senti sua falta no velório — comentou Gabriel.

— Quis evitar o alvoroço da mídia. — devorou a taça num gole único. — E é sobre o Ari que eu quero conversar. A morte dele está ligada ao meu advogado, Fernando Franklin Ventur.

— E você diz isso baseado em quê? — indagou, confusamente assustado.

— “Baseadim”? — devolveu a interrogação, como se as palavras ditas anteriormente lhe ativassem um transe mental.

— Que? — Gabriel franziu a testa.

— Quero — respondeu Marcos, sorrindo.

— Pelo amor de Deus, bicho! — esbravejou. — Meu pai morreu e não temos mais dezessete anos!

— Calma, estressado. Descobri uma lista de um cara, chamam ele de “O Cobrador” e provavelmente, ele matou o Ari. O coroa estava envolvido em algo errado e eu sei que você sabia. Então me diga — pediu, obstinado a saber a verdade.

— Não. Eu não posso. — disse, com suas mãos trêmulas a implorar. — Não posso virar um alvo do Cobrador. Quero te dizer uma coisa, bicho.

— Pode dizer, irmão — falou Marcos, compreensivamente.

— Eu luto na “piscina”, a vida não está fácil pra ninguém. Mesmo sócio, o meu pai conseguiu endividar-se e isso lhe custou a cabeça.

Inconsolado, Gabriel olhou para o chão.

— Puta merda! — Levou a mão à cabeça. — Fica tranquilo, bicho. Eu vou te tirar dessa. Vou pegar esse miserável, confia em mim. — Marcos levantou-se e indo em direção ao filho do finado Ari, abraçou-o tentando confortá-lo daquele trágico luto.

Estava destinado a acabar com aquela pressão, que afetava muitas pessoas.

 

 

 

Residência de Fernando Ventur, 22:47

 

O Temerário observava de um beco sem saída em frente à casa de seu advogado, a chegada do mesmo. Antes dos portões automáticos se abrirem, puxou uma pistola que atirava projéteis de piche. Ele mesmo, como fã de armas e engenheiro formado, desenhou e desenvolveu a pistola. Acertou o tiro na lente da câmera do portão na primeira tentativa. Quando o carro de Ventur entrou, furtivamente o Caveira foi junto.

Notou que não havia mais câmeras no local.

Roubou minhas propriedades e meu dinheiro e resolveu economizar nas câmeras?

Passou por um longo corredor escuro com paredes cobertas por plantas. Adentrou na casa pela porta da frente, que estava destrancada. O advogado morava só, Marcos conhecia bem a casa dos churrascos de fim de semana. Um dia eles bebiam juntos, noutro Ventur o extorquia.

Ventur, gordo, baixinho e calvo num terno caro, entrou em seu quarto. O guarda-roupa tinha espelhos do lado de fora das portas, abriu uma para pegar uma toalha limpa. Quando a fechou novamente assustou-se com reflexo da caveira.

— Santo Deus! — exclamou, ao ver a figura refletida.

A voz demoníaca do modulador piorava a tensão sentida.

— Fernando Franklin Ventur, você tem sido visitado por Santana ultimamente?

— É você não é? O ta-tal cobrador? — gaguejou, faltando-lhe ar para respirar.

Uma luz vermelha vinda de uma janela aberta projetou-se no peito do advogado.

— Se abaixe! — gritou o Caveira, jogando-se do alvo.

Uma rajada de tiros passou pela janela.

— Saia do quarto abaixado! — a grave voz modificada, instruía nervosa e abafada pelo som dos disparos.

Os dois rastejaram até a saída do quarto. Enquanto os rombos brotavam nas paredes da casa, ambos rastejavam como cobras até a escada. Quando os tiros cessaram, levantaram e desceram as escadas rústicas com corrimão de madeira para o térreo, com papéis de paredes floridos e claros, fizeram isso o mais rápido possível, indo até a saída.

Quando Ventur tocou a maçaneta de aço da porta da frente, pôde ver pela porta de vidro o rosto numa máscara branca de face humanoide, sem expressões nem emoções, com pequenos furos para os olhos, e mais dois para o nariz. Bem trajado de terno cinza, seus cabelos loiros eram visivelmente falsos e empunhava uma automática na mão direita.

O Temerário que vinha logo atrás do proprietário da casa, percebendo a figura macabra do Cobrador, derrubou Ventur com uma rasteira antes que o assassino disparasse a arma, quando o bandido o fez, os tiros atingiram o traje do Caveira. Baqueado, o herói deu dois passos para trás, antes que tomasse o equilíbrio novamente e avançou nas pernas do estranho mascarado.

— Está tentando me ajudar, ou me matar?! — esbravejou Ventur, indignado com a brutalidade da queda sofrida por ele.

— Corre, gordo! — gritou a voz deformada, que rapidamente foi obedecida pelo advogado.

O Cobrador fechou a guarda completa com as pernas na cintura do Temerário, que se levantou, soltou a guarda, ergueu-o e aplicou um bate-estaca, mas não conseguiu desvencilhar o braço nas pernas do assassino, que mesmo, atordoado pelo golpe, pôde, no chão, aplicar um armlock no herói. 

O Temerário gemeu de dor, aguentando a pressão de ter seu braço quase quebrado, quando Ventur ligou o carro e chamou atenção do Cobrador, que soltou o membro do Caveira e chutou-o para afastá-lo. O assassino, então, levantou-se e correu para tentar alcançar o carro e o herói, fez o mesmo.

O automóvel derrubou o portão automático, derrapou na rua e bateu num poste.

— Caramba, gordo não tem vez nesse mundo. — lamentou o Temerário. — Mas foi legal de se ver.

Vendo que não alcançaria mais o adversário correndo, puxou a pistola de piche e mirou. O Cobrador olhou para o carro esfumaçado de Ventur, que estava desmaiado no banco do motorista, recarregou a automática e na hora de disparar teve piche espalhado em seu rosto, atrapalhando sua visão.

Atordoado e sem visão, teve de tirar a máscara e correr o mais rapidamente para não ser descoberta sua identidade. Mesmo assim, cabelos negros e uma cicatriz no lado esquerdo do rosto, foram observados pelo herói.

— Isso foi ridículo. — O Caveira sorriu. — Mas deu certo, então foda-se! 

Edifício Empresarial BaS, 23:40

 

Nada se podia ver, apenas o negro de uma escuridão profunda. Era como se ele fosse cego, conseguia somente ouvir. Sentia a pressão do sangue indo para a sua cabeça.

— “Frankie Ventur”... — começou a cantarolar a voz modificada. — I was walking down the street one day... Hey, Frankie! Do you remember me?          

— Onde é que eu estou? — perguntou o advogado.

— Não vai querer saber. — respondeu o Caveira, irônico. — Vai por mim, o que os olhos não veem o coração não sente. — Soltou uma histérica risada, se divertia. — Que tal contribuir? — Seu tom alterou-se de divertido, para raivoso em um instante. — Marcos Fonseca! O que fizeram com as contas dele?

— Não vou te falar nada seu miserável. — negou-se com ceticismo.

— Você quem pediu — disse o Temerário.

Ventur foi puxado para cima e teve a venda retirada dos olhos. Estava pendurado numa escada de incêndios pela perna esquerda por uma corda no prédio empresarial de Ana, mais de dez andares do solo. 

— Santo Deus! — Tomou o ar. — Eu falo! Eu falo o que você quiser! Eu tenho acrofobia!

— Eu sei, então é melhor começar a piar.

— O cara não perdia mais nada, era ruim para as apostas! Então a Ana deixou expor o caso da prisão, esquizofrenia e aproveitamos pra limpar as contas dele e dividir o bolo! A gente fez ele assinar transferências, repasse de imóveis... — Foi interrompido.

— Por quê?! — alterou o tom, visivelmente irritado.

Ventur começou a chorar.

— Me tira daqui, cara! — chorava tanto que gemia. — A gente era sócio na “piscina” e eu resolvi sair, agora tenho um monstro me perseguindo!

— É tudo o que eu queria ouvir — disse, dando uma risada irônica.

O Temerário subiu a corda para a escada e amarrou as mãos, pés e boca de Ventur com fita adesiva.

— Só uma correção, você tem dois monstros te perseguindo.

— Não vai me tirar daqui, porra?! — esperneou o advogado, nervoso.

— Fica caladinho aí! Já chamei a polícia e vai pra cadeia se tiver sorte da polícia chegar antes do Cobrador. 

Descendo o edifício, deparou-se com o seu carro num local pouco arejado, no estreito espaço de um beco entre um prédio e outro. Porém, viu uma silhueta estranha ao lado de seu Opala; um homem sentado.

— E aí, Caveirão! — Érico revelou-se na escuridão.

— Aleijado? — perguntou o Temerário, confuso. — O que caralhos você está fazendo aqui?

— Como assim? — Sorriu o cadeirante. — Você não queria me ver? Se não queria... Era só tomar essas pílulas no seu bolso de novo.

 

 


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