WSU's O Temerário escrita por Lex Luthor, WSU


Capítulo 5
Round IV - Morte na Família




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Hoje, 7:30

 

Milagre ou massacre? Na noite desta quarta-feira, cerca de dez bandidos fortemente armados cercaram três policiais na “Operação Conceição”. Um deles, José Francisco Bonfim, de 32 anos, veio a falecer na mesma noite. Mas o que muitos considerariam impossível aconteceu. Os outros dois policiais sobreviventes, Wellington Barros e Vilson Matias e nove bandidos, foram salvos da morte iminente. Segundo o depoimento de Felipe Ramos, um dos sobreviventes, que prestou depoimento na delegacia, algo de sobrenatural aconteceu.

A entrevista cortou para o depoimento de um rapaz franzino na delegacia.

Uma caveira de dois metros, vestida de preto, cinza e vermelho conseguiu derrubar dez de nós e comemorava rindo a cada um que caía. Foi assustador. Ele disse que seu nome... era Temerário.

Entre os mortos estava Antônio Barbosa, o Fagundes. Fagundes era procurado pela polícia desde 200,3 por liderar bocas de fumo em sete cidades do país. Ele foi morto de forma brutal. Havia se deitado para proteger-se dos disparos — Jonas ameaçou uma antiética risada, mas se conteve —, quando um atropelamento o decapitou. Sua cabeça foi encontrada em pedaços. Pela natureza brutal de sua morte, a polícia agora investiga ligações do massacre com possíveis inimigos de Fagundes. Você acredita em fantasmas, Amélia? — referiu-se à âncora do jornal. —. Jonas Lins, da Cidade do Corsário, para o Primeiro Jornal. 

— Me queima agora, filho da mãe. — comentou Marcos, enquanto tomava seu café da manhã predileto: Budweiser gelada. — O desgraçado do Jonas trabalha bastante. Rádio, papel, televisão, internet. Só falta parar de mentir — continuava a dialogar consigo.

As notícias do Primeiro Jornal logo foram atrapalhadas por uma voz chamando por Marcos. Era uma voz conhecida, mas que não ouvia há bastante tempo. Desligou a TV e foi até o portão. Olhou pelo olho mágico.

Era Paulo, um policial, antigo amigo de infância de Marcos e Matheus. Paulo estava fardado e Marcos sabia exatamente por que ele estava ali.

— Precisamos dar uma palavrinha, Marcos. Abre aí essa merda, é rápido.

Marcos deixou o portão entreaberto. Já sabia do que se tratava.

— Isso é hora, bicho? — indagou, indignado.

— E isso é jeito de tratar polícia? — devolveu no mesmo tom. 

— Bom dia, oficial! — Sorriu ironicamente. — Em que posso ajudar?

— Ah, qual é? — disse com um tom debochante. — Não precisa de toda essa cordialidade.

— Sete da manhã. Por que tão cedo? Veio me vender leite? — ironizou Marcos.

— Pra um filho da mãe como você, eu só venderia leite de boi — devolveu o policial.

— Você e suas piadas de zoofilia que aprendeu morando na fazenda. — Abriu o portão. — Vamos entrando.

Paulo entrou, sentou-se no sofá duplo courine de frente à TV e Marcos na poltrona reclinável ao lado do sofá. Paulo tirou um pequeno bloco de notas do seu bolso na calça e uma caneta preta no bolso da camisa.

— Esteve na casa do Ari ontem pela manhã? — perguntou Paulo.

— Sim, estive — respondeu Marcos, apertando os olhos.

— E o que fazia lá?

O interrogado parou pensativo. Talvez aquelas palavras pudessem levar a um mau entendimento.

— Fui me desculpar por — titubeou a fala, constrangido —, você sabe.

Sabia que sua sinceridade poderia ter lhe posto em maus lençóis.

— É verdade. Não é fácil quando você escuta vozes, certamente Ari não fez aquilo. Já deu uma olhada no cara? Gordo, careca, bigode. — levou a mão à boca. — As vozes te disseram para matá-lo?

— Não dessa vez. Afinal, ele me perdoou — Sorriu.

— Comovente. — disse como que não ligasse. — Havia mais alguém com vocês?

— Só o Gabriel. — Olhou para baixo com as mãos no queixo. — Mas lembro-me de um cara a beira da piscina seca ao sair. Estava de costas, mas tinha uma tatuagem de beijo. É tudo que me lembro.

— Piscina seca? — perguntou o interrogador, confuso.

— Sim, a única. Antes da entrada — arrancou uma risada de Paulo.

— Parecia bem cheia ontem à noite.

Marcos preferiu ocultar o episódio em que fora ameaçado, aquilo poderia colocá-lo em maus lençóis na investigação.

Logo, o policial atentou para um aviso na porta do quarto de Gato: Mantenha distância.

— Posso ver o que tem no quarto? — questionou, levantando-se.

— Melhor não, cara.

Sem hesitar, o homem da lei abriu a porta e foi surpreendido.

This is Sparta! — bradou Gato, nervoso como Lêonidas em 300.

O felino deu um salto e avançou no rosto de Paulo com suas garras, que afastou-o com as mãos. 

— Eu te avisei, cara. Vou ter que pôr uma placa da próxima: Cuidado! Gato feroz.

— Gato miserável! Isso é um gato ou um demônio? — Passou a mão no rosto ensanguentado pelo arranhão. 

— Me chame do que quiser, princesa — disse Gato ao correr pela casa.

Paulo deu uma última olhada no quarto e não viu nada anormal. O cômodo estava vazio.

— Você ainda pode ser intimado a prestar depoimento, Marcos. Eu vou indo. Passar bem.

Lábios num batom vermelho marcante. Tinha lá os quarenta anos de idade, mas sabia disfarçá-los com seus louros cabelos curtos, roupas da moda e um rosto muito bem cuidado.

Estacionou o seu Porshe no estacionamento de seu próprio prédio empresarial, bem na vaga com seu nome: Ana Barros. Entrou, pegou o elevador e foi para oitavo andar.

Era aonde funcionava a sua agência. BaS, Be a Star. Ana não era empresária apenas de lutadores, mas também esportistas, cantores, bandas, dentre outros, porém o mais famoso deles estava sentado numa poltrona de tecido da recepção.

— Marcos, querido! — cumprimentou Ana, bastante perua. — Desculpe a demora. Eu não pretendia me atrasar.

— Nada, quê isso! Foram só uns — olhou para o relógio. — quarenta e sete minutos.

— Ah! O tempo passa tão rápido que a gente nem percebe! Venha para minha sala — falou, dando-lhe as costas.

Pegaram um corredor que dava para uma porta de vidro preto, uma daquelas que não dava pra se ver nada por fora, apenas por dentro. Era um escritório pessoal, uma grande mesa de marfim com um notebook em cima, com uma cadeira giratória a frente da outra. Paredes num leve papel magenta combinando com a miniatura de Penélope Charmosa e seu carro rosa em cima da mesa, que era um cinzeiro. Um frigobar, ao lado de um filtro d’água de duas saídas e uma TV Led de 42 polegadas num suporte para parede em frente da mesa.

— E então, Marcos. Em que posso lhe ajudar? — perguntou Ana, cética.

— O Ari, ele está morto — respondeu seco, triste.

— É verdade. Eu soube pelos jornais. — Pegou um cigarro fino, um isqueiro e acendeu. — Mas se for o caso, eu não consigo ressuscitar pessoas, ainda.

— Já que é tão poderosa como diz, acho que vai poder me ajudar. Tô metido numa encrenca. Foi quando fui visitá-lo ontem. — O desespero saltou em seu olhar. — Acho que armaram pra mim, minha arma não estava mais no meu porta-luvas, onde deixei. As péssimas janelas do único carro que você me deixou facilitaram isso.

Ana levantou-se bruscamente da cadeira que estava sentada.

— Alto lá! Único carro que você — Apontou agressivamente com ambos os indicadores para o ex-cliente. — se deixou! Eu não tenho nada a ver com seus descontroles emocionais por conta da sua esposinha que foi embora e suas dívidas quase sem fim! — Tragou o cigarro, suspirou e acalmou-se. — Mas parece que isto é mesmo grave. E eu estou disposta a te ajudar, se você me ajudar.

Marcos olhou para Ana. Sabia que ela não costumava fazer nada sem algo em troca. E geralmente seus pedidos eram um tanto indelicados.

— Falei com o comitê esportivo e eles estão dispostos a liberar novamente a sua licença. Entretanto, não confiam em você, mas em mim. Querem que eu faça uma avaliação para saber se você tem realmente condições físicas e psicológicas de entrar no octógono.

— Moleza. É lógico que eu tenho! — Animou-se com a oportunidade da empresária. — Me dê uma luta agora que eu derrubo o cretino.

— Ótimo. — Sentou-se lentamente e despejou as cinzas no carro de Penélope Charmosa. — Isso mostraria que você tem condições físicas, mas... e psicológicas? — Levantou as sobrancelhas. — E é exatamente o que quero que faça.  Quero casar uma luta, no entanto, você não pode fazer isso sem uma licença e isso é um problema para nós. — Olhou nos olhos de Marcos. — Ouvi falar em algo que vai resolver este problema.

 

 

 

2000, Academia de Ari

 

Marcos contemplava a garota no banco do carro ao seu lado. Seu belo sorriso, cabelos longos e levemente cacheados com o baby liss, os olhos castanhos o faziam não querer estar ali na frente da academia em que treinava com seu padrasto. 

No som do Opala tocava “Olha”, de Roberto Carlos. O casal brincava, dizendo que pela semelhança da letra com os fatos, aquela era a música deles.

— Você não está pensando realmente em lutar, não é?

— Cadê esse careca? — Marcos olhava para fora do carro, procurando Ari. — Acho que ele não vai querer pegar bigu hoje.

— Você se dedica tanto a isso. — comentou Elisa, de cenho franzido. — E mais com esse olheiro da BaS hoje... parecia até um profissional!

Tsc. — desdenhou. — Claro que não, já estou na universidade há três anos, estou mais perto do que nunca de terminar. 

— Ainda bem. — disse a bela moça, olhando para baixo. — Seria horrível te ver do jeito que os outros saem das lutas.

— Eu não consigo prestar muita atenção no que você fala, sua boca é muito sexy. Que tal a gente? — ele reclinou o banco do acompanhante e foi deitando aos em cima dela.

— Marcos, para! — repreendeu a garota. — Seu louco!

— Os laudos médicos concordam com você — afirmou o namorado.

Os dois são interrompidos por uma gargalhada e bruscas batidas no vidro do carro do lado do motorista.

— Merda! — gritou o garoto, espantado.

Levantou-se, ajustou o banco do passageiro novamente e abriu a porta. Era Ari que continuava rindo.

— Marcos! — O velho mal conseguia falar sem dar uma risada. — Qual é o santo padroeiro dos gordinhos?

— Não sei, Ari — murmurou sem se importar.

— O São Duíche! — completou a piada com um sorriso no rosto. — Não é engraçado?!

— Eu precisava mesmo dessa informação para mudar o mundo? — Abaixou a cabeça massageando as têmporas. — Vambora! — gritou, impaciente. — Que demora da desgraça! Quem pede carona tem que ser pontual!

Marcos deixou Elisa na casa dela e foi com Ari partiu para a sua. Porém, ao chegarem, algo no mínimo incomum havia acontecido; sua mãe não respondia quando chamavam no portão. Ele decidiu então, pular o muro.

Entrou pela porta dos fundos, que dava acesso à cozinha. Pôde ouvir o som da pressão de uma chaleira no fogão, desligou a boca que a esquentava. Foi até a sala e lá estava sua mãe de olhos abertos ao chão. Desesperado, aproximou-se, checou sua pulsação no pescoço; ainda estava viva.

 

 

 

Hoje, 21:00

 

Vestido com o traje de aramida preto, segurava a máscara de caveira sobre seu colo, observando-a sentado na poltrona reclinável da sala. Pensava no homem da tatuagem, em como Gabriel estava encarando a morte recente de seu pai, em quem poderia ter sido o assassino; quem havia retirado sua arma do porta-luvas do carro?

Sabia que se a arma fosse encontrada pela perícia, seria incriminado, pois a numeração da arma não fora raspada e estava em seu nome. Mas mais do que isso, seu segundo pai havia sido morto. E Marcos precisava do Temerário.

Matheus chamou-o ao portão e logo foi atender.

— Valeu por guardar as coisas lá. Seu coleguinha dos Mão Branca esteve mesmo aqui de manhã. 

Os “Mão Branca” eram uma organização não oficial, de policiais que exterminavam bandidos. Usavam balaclavas para não serem reconhecidos. Matheus e Paulo eram dois dos integrantes.

— Cara, que merda, hein? — lamentou o primo. — Vou te passar o relatório da perícia até onde sei. O Gabriel saiu da casa logo depois de você e passou o dia inteiro fora, só foi chegar tarde da noite. Disse não haver nenhum cara de tatuagem de beijo no pescoço. O velho estava sozinho.

— Então pode ser considerado como falso testemunho meu? — pasmou o vigilante.

— Ou insanidade — Sorriu o policial, ao dizer.

— E as balas no corpo? — perguntou Marcos, curioso e apreensivo.

— Ainda nada. Estão procurando dados e o exame da balística sai amanhã. Agora, tatuagem de beijo no pescoço — olhou para cima como que tentasse lembrar de algo —, já vi alguém assim. Tive uma ideia sensacional. — Matheus saiu de casa, porém voltou em cerca de dois minutos. — Fiz uma apreensão de dois quilos de maconha de um peixe pequeno, mas é claro que só declarei um. Tá a fim de clarear as ideias?

Os dois abriram um saco de um quilo de maconha, pegaram uma quantidade bem generosa, um enorme papel seda e fizeram um grande baseado.

Quando acabaram de fumar, sentados no sofá, foram discutir as ideias.

— Esse baseado é uma bosta! — bradou Marcos, irritado. — Ainda tô de cara limpa, só com sede. Estranho. Deveria dar fome.

— Vou roubar algo na tua geladeira — Levantou-se ao dizer.

Matheus abriu a geladeira, pegou duas garrafas de Budweiser e as abriu. Então, voltou para a sala.

Budweiser? Que vida mansa! O negócio é ser vigilante! Ser bom.— falou ao levantar a garrafa para um brinde.

— Ser feliz — completou o primo.

— Cerveja! — disseram ambos ao brindar.

Enquanto Marcos bebia sentado no sofá, Gato aproximou-se dele e subiu em seu colo, apoiou as patas dianteiras em seu peito e começou a lamber seu rosto com a áspera língua.

— Levanta daí, canalha! O seu padrasto morreu ontem, você é um suspeito e ainda tem tempo pra ficar chapado?

Ele observou o felino, franzindo o cenho.

— Mas Gato... eu acabei de dar um tapinha, cara. Tem que esperar um pouco pra sair.

Logo, o militar começou a rir incontroladamente.

— Ih, rapaz! Essa é da boa mesmo! — Ria histericamente. — O cara tá tirando um lero com um gato! — Deu uma palmada na própria coxa direita. — Ficou doidão sem nem perceber! A partir de agora só vou prender os peixes pequenos do... — Matheus ergueu os olhos, parecia ter tido uma epifania. — Santana!

— Pode prender os peixinhos, por que uma cara de “retarda” como essa... fez efeito — comentou o Gato.  

— Você tá parecendo um autista! Fala logo, porra! — esbravejou Marcos.

— Santana tem uma dessas tatuagens de beijo no pescoço. Traficante, dos grandes... e tem jeito que curte essa parada de “piscina”.

— Ele vai ter que construir uma na prisão, por que... — pegou a máscara de aramida e vestiu-a. — vai ver a caveira sorrir.

 

 

 

Mansão Santana, Ernesto Geisel

Cidade do Corsário

Hoje, 23:10

 

Jogo de luzes, som alto tocando “Quiero Sexo”. Apenas três homens e duas prostitutas. Santana cheirava cocaína na perna de uma das mulheres. Então, um guarda-costas ensanguentado abriu a porta dupla que dá acesso à boate particular de Santana.

— A... Ca-ca-veira. — disse o guarda-costas, gaguejando antes de desfalecer.

As mulheres se assustaram e, logo, os três sacaram suas armas. Um deles sacou uma cromada. Quando as luzes se apagaram, arfou nervoso e em segundos a janela por trás dele estava em estilhaços, instantaneamente o homem foi puxado para fora da boate.

Foi quando a impressionante risada pausada e melancólica tomou o lugar da música alta que cessara.

— Eu posso sentir o cheiro fétido — disse a voz que gargalhava frenética, em meio a escuridão, claramente alterada para parecer mais grave e sinistra, por um modulador.

 As luzes se acenderam e o Temerário surge no meio da boate.

— Do seu medo! — completou, ao correr em direção aos dois restantes.

Santana e seu capanga descarregaram suas armas no peito do Carveira, que caiu no chão, as prostitutas gritavam acompanhando o som estridente dos disparos.

— Acho que matamos o infeliz. — comentou Santana, quando o fogo parou.

 Os dois aproximaram-se, Santana deu um pequeno chute no corpo caído, que não respondeu ao impulso.

— Fantasma porra nenhuma! — comentou o capanga, em êxtase.

Juntos, começaram uma tímida e insegura risadagem.

Surprise, motherfuckers! — Levantou-se segurando os pescoços dos dois.

Os pés de ambos já não tocavam mais o chão, os punhos do Temerário os sufocavam. Jogou o capanga na adega de vinhos.

— Minha adega! — gritou Santana, quase sem voz.

O Caveira olhou o líder criminoso nos olhos, jogou-o de costas no chão e viu a tatuagem idêntica. As prostitutas estavam assustadas, abraçadas no chão, observavam a atitude do vigilante.

— Não saiam daí. — avisou o Temerário, apontando para as duas. — Quero falar com vocês depois que eu terminar com esse monte de merda.

Chutou-o na boca do estômago.

— Todos somos iguais, Santana. Você não tem nada de diferente dessas belas garotas... A não ser uma coisinha minúscula que você tem no meio das pernas. — Puxou um canivete. — Mas estou disposto a lhe deixar como elas se não contribuir.

Raspou a ponta da lâmina na região genital do homem, que engoliu seco e começou a gemer.

— Você matou Ari Fontes?

— Não, cara. Não matei! — desesperou-se, assustado. — Eu só faço a cobrança formal, ele quem faz o jogo sujo.

— Fale o meu português, seu bosta! — Temerário chutou-o nas costas.

Um gemido alto e Santana leva as mãos às costas.

— No mínimo, Ari era um dos sócios da piscina e devia apostas. O Cobrador o matou.  É assim com os sócios infiéis, lutadores que não pagam empréstimos...

— Quem é esse?! — esbravejou e o tom da voz do modulador da máscara ficava mais assustador.

 — Eu não sei! Ninguém sabe! — gritou quase que aos prantos, acalmando-se as poucos. — Ninguém sabe...

— Resposta errada! — empunhou o canivete para ameaçá-lo, apontando ao à garganta.

— Não, pera! Pega essa merda. Tem todas as próximas visitas do Cobrador. — disse, puxando um pendrive do bolso.

— Não queria ser você se isto for uma informação falsa. É por isso que antes de sair, farei uma experiência científica com vocês. Já que “quierem sexo”... — esboçou uma risada de criança indisciplinada. — viram o filme Centopeia Humana?

 

 

 

Hoje, 23:40

 

O Temerário estava no carro, sentado banco de trás, no meio das duas prostitutas, uma loira e outra morena. Elas tinham medo daquele homem vestido de caveira.

— Não quero saber a lista de “A” à “Z” das doenças que vocês têm. Quero que minha língua caia hoje e espero que tenham fetiche em caveiras. — disse, irônico. — Gostam de fazer no carro?

A loira tentou se acostumar com a situação abrindo-se ao diálogo:

— Prefiro um quarto.

— Eu também prefiro no quarto, no quinto, no sexto... mas o melhor lugar sempre será o motel móvel — rebateu o Caveira.

A morena, assustada, percebeu uma foto no banco. Na imagem estava Marcos fantasiado de uísque Jack Daniel’s e Vanessa de cigarro Malboro.

— Quem são? — Mostrou a foto.

A partir daquele ponto, ele não era mais o Temerário e sim Marcos novamente. Começou a chorar e quando isso acontecia, o seu nariz assobiava. Isto acontecia desde a luta contra Billy que deixou suas narinas um tanto defeituosas.

— Sou eu e minha filha, fantasiados no Halloween de Nova York. — O choro engolia suas palavras. — Me separei da minha mulher.

 — Ouuun. — Juntas as duas se apiedaram, fazendo biquinho e abraçando-o, tentando consolá-lo.   

— Ouvi falar em um ótimo grupo de terapia coletiva pra fracassados no Rio, mas vão começar aqui também.

O choro parou. O assobio também. Logo, notaram a postura agressiva do homem.

— Desçam do carro, putas. — Elas para inertes e assustadas com o grito. — Agora!

— Que maluco! — berrou a morena, antes de descer.

Depois que as moças desceram, Marcos foi para o banco da frente, pôs o cinto e enxugou as lágrimas. Sabia o que ia fazer, até que:

— E aí, fracassado! — cumprimentou a Cabeça Demoníaca no banco ao lado.

— Que susto! — esbravejou Marcos. — Como você pode chegar aqui sem pernas?

— Do mesmo jeito que você chegou sem cérebro.

— Beleza. — Virou para frente olhando a rua.

Avistou as moças indo embora, quando a loira mostrou o dedo médio.

— Eu puxei um fuminho, então me ajuda aí. — Pisou fundo no acelerador, enquanto manuseava o volante atentamente. — Tô dirigindo legal?

— Tâmo parado — respondeu Fagundes, a Cabeça Demoníaca.

Elisa levantou-se da cama, desceu as escadas e foi até a cozinha. Estava com sede então abriu a geladeira, pegou uma garrafa e encheu um copo d’água. Ao dar o primeiro gole, a luz foi acesa e com ela o som do vidro quebrando-se ao cair do recipiente com o líquido no chão.

— Jesus! — ela assustou-se.

Marcos, ainda com o traje de aramida respondeu:

— Menos, Elisa. Sou eu, Marcos.

— Você é... você é ele? A Caveira?

— Eu preciso de você. Levei uns tiros, o traje é bem resistente, mas dói quando as balas tocam. — Suspirou. — Sou péssimo em falar sobre sentimentos, mas não dói mais do que a saudade que eu tenho de estar aqui com vocês.

Elisa balançou a cabeça negativamente.

— Isso é loucura, sai daqui Marcos. Está brincando com a própria vida agora? — aproximou-se o empurrando pela porta dos fundos.

— Eu acabei de me abrir pra você, droga! — Seus olhos encheram-se de lágrimas. — Louco? Não é assim mesmo que me chamam? Que sempre me chamaram?! — gritou.

Elisa o respondeu com uma tapa no rosto. Marcos tocou o lado quente da face, abaixou os olhos.

— Acho que você está certa, você e todo mundo — murmurou, cabisbaixo.

Ela o observou, coçando os olhos, tentando disfarçar as lágrimas escorrendo por eles.

— Mas quero dizer uma coisa. — Aproximou-se da mulher confusa. — Naquele dia no supermercado, eu estava ali para fazer algo ruim. Eu ia assaltar aquele lugar, mas quando vi aquela cena... tudo mudou... e agora eu sei porque tudo na minha vida está dando errado; é que eu não tenho mais vocês.

Marcos virou as costas e, de saída, levou a mão na maçaneta da porta.

Olha você tem todas as coisas, que um dia eu sonhei pra mim. A cabeça cheia de problemas. — cantou com uma voz macia e aveludada, quando deu sorriso triste.

Porém, não girou a maçaneta.

Não me importo, eu gosto mesmo assim — ela continuou a cantoria.   

Sem hesitar, Marcos virou-se e andou até a esposa para, enfim, agarrá-la a beijando.

 Como uma reprise dos tempos deixados para trás, Elisa cuidou de seus ferimentos, para depois, cederem aos aconchegos da cama.

De manhã Marcos levantou cedo. Fez café, assou torradas. Já conhecia a casa, afinal. Não houve dificuldades em achar o notebook de Vanessa, a senha do usuário era a mesma sequência de caracteres ininterruptos: “eu amo papai”.

Abriu o seu e-mail, mas antes leu uma manchete: “Temerário invade casa de Santana e amarra bandidos como no filme Centopeia Humana”.

O que a maconha não faz — pensou, sorrindo.       

Subiu o único arquivo no pendrive de Santana para seu e-mail. Era uma planilha do Excel com o nome dos sócios e lutadores da “piscina”. Percebeu que o nome de Ari não estava lá, mas descobriu que o evento não acontecia em apenas um local, eram sete as propriedades da cidade, e a casa de seu ex-treinador e padrasto era uma delas. 

Para sua surpresa, quatro dessas propriedades já foram suas. Não se tratava de uma mera coincidência para ele. Marcos as perdera como pagamentos de dívidas, o que era muito suspeito para ele. Chamou-lhe atenção o nome de um dos proprietários: Fernando Ventur, seu advogado.

— Filho da puta! — esbravejou, olhando para a tela.


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