Tratado dos Párias escrita por Isabela Allmeida


Capítulo 4
Trauma


Notas iniciais do capítulo

Ai que medo u.u
Mais um pedacinho para vocês rs



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Não me mexi, nem poderia na verdade estava paralisada. O medo gelava meus ossos. Fazia meu coração ganhar vida própria.

Um homem, um estranho e eu estava em suas mãos. Fechei os olhos e tentei respirar fundo para me acalmar, meu coração parecia que estava arrumando as malas, não demoraria muito e ele sairia correndo pela minha boca, se ao menos ele saísse logo e fizesse menos barulho.

Cada batida parecia vibrar por todo o meu corpo, batia tão rápido que eu me sentia chacoalhar.

Mantive os olhos fechados. Queria desesperadamente que o homem fosse embora. Sabia que teria que encarar ele mais cedo ou mais tarde, mas sua voz rouca e masculina me trazia as lembranças dos gemidos de Samuel insistindo em me lembrar da crueldade e força que um homem pode ter.

— Ela dormiu senhor, assim que se alimentou.

— Trouxe algo leve a ela como foi pedido?

— Sim, apenas sopas de legumes sem nenhum tipo de carne, pão, frutas e suco apenas.

— Viu se ela rejeitou a comida?

— Não me pareceu tão empolgada para uma menina que praticamente não se alimentava há dias.

— Isso não é bom. E o suco Eva?

— Preparei como o senhor mandou, dilui com três quartos do sumo apenas para a nutrir e para suprir as novas necessidades do corpo.

— Muito bom! E ela falou algo?

— Nada. Nem uma única palavra, entretanto afirmou que veio do templo quando perguntei.

Ouvi seu suspiro, ele parecia cansado, relaxei um pouco quando aquietaram, mas não demorou muito o silêncio e agora parecia mais próxima a voz.

— Pobre menina. O que fizeram a algumas foi cruel. Duas delas violadas cruelmente por frente e por trás e outras quatro totalmente feridas por baixo. Já analisou ela Eva?

— Sim senhor, ela não foi tocada.

— Então acho que ela foi atacada pelo agressor gentil. Havia dois distintos um cruel e sanguinário e outro apenas cumprindo ordens dando uma punhalada limpa e mais nada e essa menina prova isso. Precisamos de nomes. Saber se conversaram algo, e nossa única pista é ela. Somente ela poderá nos dizer o que realmente aconteceu naquele celeiro.

Senti meu corpo amolecer, ele iria vir direto até eu ter respostas e eu não saberia como responder, não tinha conseguido soltar um som sequer desde o templo. Também não era letrada então nem poderia escrever, e se ele me torturasse eu apenas morreria sem poder dizer o que ele queria.

— Ela dorme senhor, acho que esta muito cansada ainda.

— Não Eva. Essa menina está traumatizada. Está acordada e lúcida. Ouço seu coração acelerar sempre que escuta minha voz e se acalmar quando escuta a sua.

Isso era estranho para mim, ele sabia que sua voz me apavorava e como conseguia escutar meu coração de onde estava? Que audição desmedida era essa?

Se tivesse como, meu medo poderia ter aumentado, mas não tinha mais espaço, eu estava no meu limite. Senti a cama afundar de um lado e do outro. A minha frente era a senhora Eva, então as minhas costas era o homem estranho, eu ouvia sua respiração ao longe e me arrepiei. Poderia ser no meu pescoço como fez Samuel com as meninas, fiquei atenta, o coração disparado com a aproximação do homem.

— Mudou muito? — Ele perguntou baixo.

— Completamente Senhor. Vai precisar aprender muita coisa em pouco tempo.

Se eu não tivesse apavorada poderia até ficar curiosa, porém o medo do homem me fazia perder a razão. Não poderia ofendê-lo, mas era mais forte que eu, senti sua mão em meu ombro.

Não havia saída apenas Eva a minha frente então pulei e me agarrei a ela como uma tábua de salvação. Sabia que ela não poderia me ajudar, que se ele pedisse ela teria que sair do quarto e me deixar a sós com ele. Ainda assim me escondi, enfiei o rosto em seu peito e me encolhi em seu corpo, me encolhi mais ainda quando senti seus braços gordinhos me amparar.

— O que faremos senhor? Ela está fora de si.

Eu sabia a resposta, ele mandaria me recompor e parar com isso ou levaria uma surra de chicote.

— Não faremos nada por agora, ela precisa de tempo e um banho. Todos os tipos de hormônios já passaram por ela junto com a febre. Agora ela precisa ser lavada e a roupa de cama trocada.

— Sinto muito. Não foi desleixo meu. O senhor Rael disse para não mexer com ela até que estivesse lúcida.

— Que bom que você o escutou Eva, se tivesse feito isso estaríamos com problemas maiores agora. Já pode cuidar disso e Eva?

— Sim?

— Já sabe que vai ter que nos ajudar com isso não é?

— Sim senhor. Pode contar comigo.

— Vou me retirar e amanhã traremos outra criada para não te sobrecarregar. Isso te tomará muito tempo.

— Obrigada.

Quando ouvi o barulho da porta abrindo e fechando de seguida consegui relaxar. Não sabia o que me aguardava por minha atitude, mas de Eva eu não morreria de susto ao ser castigada.

— Precisa controlar esse medo menina. O senhor Dimitri não é mau. Pode parecer severo às vezes, mas é apenas isso. Poderia gostar muito dele se o conhecesse melhor, toda essa seriedade dele hoje é por conta da preocupação com o ocorrido e apenas isso.

Mantive a cabeça baixa envergonhada e receosa, mas também pensativa. Ele realmente pareceu gentil, não tratou Eva mal, pediu sua ajuda sem ordenar que fizesse e ainda ia trazer ajuda para que ela não ficasse sobrecarregada de trabalho.

Só que isso não queria dizer nada, ele era homem, tinha muita força com certeza era muito grande e... Fechei os olhos. Tomara que não tivesse olhos azuis.

Eram dois tipos de azuis. Um azul claro sanguinário e cruel que brilhava de prazer ao machucar as meninas e outro azul escuro gentil e assassino que parecia sofrer pelo que tinha que fazer. Samuel e André, dois olhos distintos, dois olhos de assassinos. Novamente fechei os olhos com força. Por favor... Não sejam olhos azuis o desse Dimitri.

Eva puxou meus lençóis e me encolhi, estava em segurança ali embaixo. Ter o lençol tirado de mim foi como ter a lona arrancada de meu esconderijo, como ter sido descoberta em meu refúgio. Ela apertou os olhos quando viu minha reação. — Pelos vistos você estava escondida quando te pegaram.

Afirmei e abracei meus joelhos, sentia um misto de cheiros em mim e nenhum era agradável.

— Olhe menina não faremos mal a você de nenhum tipo consegue entender isso?

Não me mexi, apenas olhei o nada. Não consegui dizer sim e nem concordar com a cabeça. Apenas senti esperança que fosse verdade.

Uma mancha escura no lençol me tirou do torpor, encolhi mais as pernas e vi que a mancha era enorme, minha camisola também estava manchada e minhas pernas também estavam coberta de sangue.

Senti meu corpo arrepiar, era sangue demais, queria gritar, mas não conseguia, ainda assim tapei a boca e fiquei em pé na cama para fugir daquilo. Tentei rasgar a roupa, tinha que tirar ela de mim. Não tive forças e então sai da cama desesperada procurando uma saída. Só havia a janela e eu fugiria por ela. Era muita coisa para mim, tinha que fugir. Esquecer sangue esquecer tudo.

Senti os braços de Eva me segurando com força. — Calma você precisa se acalmar. Pare de lutar comigo isso não é ferimento.

Continuei me debatendo, sangue muito sangue, eu não ouvia nada, só queria tirar aquela roupa e sair de perto de tanto vermelho. Senti o tapa como um balde de água fria, pisquei várias vezes de susto, então sentei no chão e chorei em silêncio. Eva me deixou ali sentada e andava apressada pelo quarto.

Vi de soslaio quando ela arrancou os lençóis, quando abriu a porta voltando em seguida depois de gritar umas ordens. Minhas lágrimas corriam, mas eu já estava lúcida. Com o histerismo passando consegui analisar muitas coisas.

Uma delas era que eu poderia ser morta, todavia não seria naquele dia. Realmente aquele sangue todo não era do corte antigo ou de um novo porque eu não sentia dor e isso era um bom sinal. Se o homem que esteve ali me quisesse fazer mal teria feito quando eu o ofendi. Ele era meu senhor e poderia me castigar pelos meus modos, mas não fez... Não ainda.

Alguma coisa iria acontecer comigo. Coisa boa, ruim, normal, não importava mais.

Eu não era ninguém, fui vendida pelos meus pais a sacerdotisa para ser preparada para a encomenda, era um destino sem volta. Para casa nunca mais voltaria, talvez meus pais nem soubesse o que tinha acontecido comigo.

E se soubessem não se importariam, já tinham recebido o pagamento.

E se por ventura já estivessem sabendo, estariam sim preocupados. Mas essa preocupação seria apenas com a possibilidade de ter que devolver o que receberam por mim.


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Notas finais do capítulo

Bom é isso espero que estejam gostando :)



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