Tratado dos Párias escrita por Isabela Allmeida


Capítulo 10
O Baile e o intrometido Real




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/708507/chapter/10

Enquanto muitos servos esvaziavam o salão os músicos se preparavam no palco, tudo muito rápido, bancos e mais bancos foram retirados e mesas foram postas nos cantos deixando o centro vazio.

Logo depois começou o baile. Meus nervos começavam a me dizer para sair dali, mas não podia e não queria, tinha começado e iria até o fim.

Dimitri dançou a primeira música comigo.

— Acha que eu consegui causar boa impressão?

— Com certeza causou Diana, os rostos ficaram em você o tempo todo desde que adentrou o salão.

Ignorei o comentário, não estava preocupada com isso. Homens olhavam até as galinhas no quintal se perguntando quanto elas valeriam se de seus ovos nascessem meninas. Queria saber de Nicolae, tinha medo que alguém o descobrisse e ele não tinha dado as caras ainda.

— Não vi Nicolae em nenhum lugar você o viu? Não quis parecer procurar alguém, mas já procurei por todo lado em nossas piruetas e não o vi.

— Ele está cuidando de você de longe não se preocupe eu o vi algumas vezes, está cumprindo o papel dele.

— Eu poderia ter a segunda dança com sua filha senhor?

Dimitri fez uma reverência e então eu sabia, para agir tão respeitoso só podia ser o príncipe, ele tinha direito a dançar com qualquer moça do salão que escolhesse. Minhas bochechas queimaram de receio, raiva daquele intrometido e sua empáfia. Tanta mulher no salão porque eu?

Pela ordem na cerimônia eu teria que dançar com Samuel para mostrar a sociedade que estava comprometida, isso poderia estragar meus planos, Dimitri nada podia fazer, era um percalço fora da rota que teríamos que contornar.

Não estava tudo perdido, de canto de olho vi Dimitri que falava ao pé do ouvido de Samuel e ele sorriu simpático em resposta, com certeza ele pediu desculpa e pediu para que ele me tirasse na terceira dança já que o príncipe não podia ser contestado.

Mantive a calma fiz uma reverência e logo ele pegou minha mão.

— Então você em breve será oficialmente a noiva de Samuel.

Não era uma pergunta e sim uma afirmação então apenas assenti com um sorriso singelo, não queria conversa, contudo não podia ignorar o filho do rei. Isso poderia me trazer complicações, mas o miserável continuou puxando assunto, eu não poderia fazer cara de gárgula teria que ser educada, ele continuou a falar.

— Ele é um homem de muita sorte, a maioria das moças em sua idade já não tem mais essa aura radiante, estão cansadas e sem brilho.

Deve ser porque sou bem cuidada e não engordada para o abate, pensei, mas não falei nada e novamente sorri, o intrometido continuou falando enquanto me guiava no salão.

— Você é uma peça rara e ainda uma forasteira. Está sendo muito comentada entre os homens do reino Senhora Diana.

Já estava com câimbras na bochecha não podia só sorrir a vida toda tinha que dizer algo, para não pecar por excesso e incentivá-lo a falar ainda mais apenas ia agradecer quem sabe ele calasse a boca até a música acabar.

— Obrigada vossa alteza. — Não muito pouco, precisava dizer algo mais que isso, falar o que sentia de verdade, aquela era uma oportunidade de espetar um ser real e desmanchar sua pose. —Não sei se me sinto lisonjeada com o comentário desse povo ou levemente irritada por ser o foco de tanta atenção.

Ele franziu o cenho enquanto me levava pelo salão. — Geralmente as moças ficariam lisonjeadas, já tivemos forasteiras aqui que ficaram muito felizes em saber que eram o centro das atenções, mas realmente nenhuma delas com essa beleza e corpo igual o seu.

Cretino tinha que terminar as frases com elogios, poderia ter ficado na historias das forasteiras. Ficando irritada mais ainda sorri amarela. Estava sendo tratada como um produto, o que não era incomum.

Ainda assim precisava mostrar a ele o que pensava, ele era o príncipe então com sorte poderia se envergonhar por seu pai, eram leis dele e por isso tudo estava daquele jeito.

— Sim, mas sinceramente não gosto muito alteza, não sou daqui, não estou habituada a ser vista como um objeto de consumo e muito menos como um produto que os compradores olham analisando suas qualidades e possíveis defeitos futuros.

Ele gargalhou alegremente e fiquei totalmente sem ação. Todos os rostos do salão se viraram para nós me deixando mais preocupada, maldito seja! Podia estragar tudo e nem se incomodou com o que eu havia dito, senti meu sangue começando esquentar, queria sair de perto daquele despojado que nem se tocava o quanto era irritante, ele falou ainda sorrindo.

— Me perdoe se a deixei indignada não passou pela minha cabeça realmente tratá-la como um produto, abomino esse tipo de transação e deve ser por isso que nunca adquiri esposa, não as quero passeando pelo jardim de meu pai de dia e sendo recolhidas a noite como animais de estimação. Por isso acho que me interpretou mal, se a ofendi peço que me perdoe.

Aquilo tinha passado dos limites. Achei que meus nervos seriam ativados com Samuel e ali estava um homem me tirando do sério e chamando a atenção daqueles malditos fofoqueiros que não tiravam os olhos de cima de nós.

Príncipe idiota. Se fosse outro homem eu o teria largado ali no meio do salão com sua cabeça abaixada, talvez até tivesse lhe mandado um tapa certeiro na cara se sua casta fosse inferior a minha ou mesmo um croque em sua cabeça abaixada na minha frente pedindo isso.

Pela raiva que estava começando a brotar de mim via a hora que ia fazer isso, respirei devagar para me acalmar e não fazer besteira, só precisava me acalmar, não era hora de por tudo a perder por causa de um filhinho de papai real, com calma e disfarçando minha raiva eu falei baixo.

— Senhor, peço que não me deixe constrangida ainda mais do que estou, acho que o salão inteiro está comentando, não param de olhar para nós.

Vi sua cabeça virando de leve de um lado a outro e então me tomou novamente pela cintura e continuou me guiando pelo salão, não disse mais nada, ficamos ali girando e atraindo os olhares.

Sentia que minha mão começava a suar de nervoso e os malditos músicos tocavam uma canção por atos, então era uma musica longa com vários poemas sendo ministrados com pequenas pausas e aquele inferno não acabava e eu queria sair dali.

Estava com receio que ele abrisse a boca novamente e começasse com suas graças, não saberia como agiria, paciência estava no limite, estava a ponto de perder a compostura sendo mal criada e me colocando em maus lençóis.

Engraçado que ele estava olhando para mim pensativo parecendo até envergonhado.

— Realmente estou lhe constrangendo?

Não respondi, não conseguiria formar uma frase sem acrescentar um dois palavrões no meio.

— Realmente interpretou mal minha conversa senhora, então para me redimir peço que venha ao salão real no domingo. Teremos o grande baile aonde meu pai irá procurar moças para me casar, sei que não gosta de ser tratada como produto, mas verá nesse dia que eu realmente não gosto desse tratamento porque sou tratado assim todos os dias.

Antes que a música acabasse ele me entregou a Dimitri beijando de leve minha mão, Samuel o olhava com sede de sangue, ele queria matar o príncipe ali pela humilhação, já tinha conhecido esse olhar há dois anos, mas o príncipe não sabia ou não se importou. Cumprimentou Samuel com um aceno de cabeça e recebeu em troca uma vênia forçada onde os olhos se mantiveram focados nos seus.

Samuel era corajoso, não se podia olhar diretamente nos olhos da família real, caso houvesse reclamação uma das penas seria a morte dependendo do humor do rei.

Ele me pegou pela mão, ainda estava possesso, mas tentava a todo custo ser gentil ao olhar pra mim. E então a dança iniciou e por outra provação eu tinha certeza que iria passar. 

Nicolae havia pesquisado e fuçado enquanto planejávamos tudo. Leu e releu minuciosamente o código de conduta e encontrou uma brecha que agora salvaria minha sanidade ao dançar com Samuel.

Transferência dominial, ou popularmente chamada entre eles de molho. Era um período de dois meses para a efetivação completa do pagamento do dote, e então Dimitri havia usado essa regra de forma diferente quando combinou meu noivado com Samuel.

Não receberia nada por mim. Não em espécie, porém eu teria dois meses de noivado sem que Samuel tivesse direito de me tocar.

Segundo Dimitri ele queria ver se meu noivo me trataria bem e se saberia me tratar como uma principal merecia, e também se era realmente isso ele que eu queria, caso não fosse então depois dos dois meses Samuel receberia a quantia da multa equivalente a quebra do acordo. Pelo fato de nenhuma moeda sair de seu bolso Samuel aceitou prontamente.

Então quando pegou minha mão eu repeti pra mim mesma muitas vezes enquanto o acompanhava que era apenas uma dança, que ele não poderia tocar em mim e quando chegamos ao centro todos os olhos do salão estavam nos noivos.

Quando a música iniciou ele sorriu pra mim e retribui com um sorriso casto. Por sorte mantínhamos uma distância suportável e nossos corpos não se tocavam, ainda assim, sentia arder minha cintura onde estava sua mão, meu coração batia rápido e senti o suor começar a se formar em minha nuca. Havia chegado o momento do meu confronto com o medo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Tratado dos Párias" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.