Tratado dos Párias escrita por Isabela Allmeida


Capítulo 9
O compromisso.




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A carruagem parava em frente ao grande salão e agora comecei a ficar nervosa, chegava minha hora de enfrentar meu fantasma, era importante para mim isso.

Uma torre circular imensa, feita de pequeninos tijolos brancos com janelas retangulares compridas e com vitrais florais estava a minha frente. Pessoas bem vestidas entravam na grande porta dupla agora aberta.

O salão do farol, o mais nobre perdendo somente para o salão do castelo. Ali todas as famílias abastadas esperavam para ver a ascensão de Samuel que saia do posto de guarda particular do rei para o posto de general supremo do exército, ali onde depois dessa cerimônia ele me entregaria uma flor de lótus e eu beijaria a flor entregando a ele um lenço mostrando a todos que eu aceitava seu pedido.

Minha primeira prova de amor logo no inicio da cerimônia dele para mostrar que o negócio estava feito e esse gesto era apenas para todos saberem que o noivado seria feito logo após o evento. Esse dia tinha sido escolhido por sua família aproveitando que todas as famílias das castas superiores estariam ali porque ostentação era o que regia aqueles humanos idiotas sedento por poder.

Com o coração aos pulos enganchei no braço oferecido por Dimitri e Eva fez o mesmo do outro lado e juntos entramos no salão.

Dimitri andava ereto e firme apesar da idade que aparentava, mostrando orgulho e poder. Essa soberba era necessária para se igualar com os outros homens presentes, assim como eu e Eva não olhamos para os lados e não cumprimentamos ninguém. Não precisávamos abaixar a cabeça para nenhuma família onde teoricamente o nome Salazar tinha tanto ou mais poder que muitas famílias naquele ciclo.

Eu era Diana Salazar, uma menina criada fora das muralhas. Escondida por meus pais até aquela data para que fosse apresentada a sociedade na idade madura. Nascida em uma família com muitas posses que fornecia o que o reino mais presava, os tecidos e as pedrarias, e era por isso a escolha tão nobre de minha roupa, uma família que oferecia esses materiais ao reino não podia ter uma filha vestida com tecidos menos valiosos do que os vendidos para as esposas dos nobres.

Tinha sido um trabalho duro para Eva, Dimitri e Nicolae aprender e decorar tantos nomes de tecidos, mais ainda foi trocar os criados levando os antigos para o reino sombrio e deixando ali os fieis, foram dois meses de aprendizado.

Um criado passando a outro a arte da manufatura do tecido desde a colheita do algodão até as máquinas de tear, não demorou muito e já saiam belas peças dos criados dos sombrios, enquanto que os antigos criados desses sítios agora tinham moradia no reino sombrio.

Alguns sempre iam agradecer diariamente sua boa sorte aos senhores prometendo ser fieis a eles e cuidar dos afazeres que os antigos criados faziam, tinham medo de serem mandados de volta aos verdadeiros Salazar e isso dava pena.

Como dizia Rael sempre: “Ainda terão muito para provar sua lealdade, a confiança tem que ser conquistada e somente o tempo mostrará que eles dizem a verdade”. Eu sentia pena de todos que chegavam ao reino sombrio, todo mundo quer ter uma vida melhor e se conseguem isso, não querem mais uma vida miserável e sem nenhuma dignidade e respeito.

Andávamos devagar, havia pessoas dos dois lados, com o coração apertado me sentia já sendo levada ao altar, se fosse mesmo um casamento um monge cristão estaria ali a frente.

O monge era uma criaturinha miserável, em suas regras religiosas havia uma bíblia onde somente dava direito religioso ao homem. Uma religião recriada depois do tratado e a única aceita pelo rei. Segundo essa mesma bíblia a mulher nasceu para servir, tudo provava isso porque a primeira mulher serviu Adão lhe entregando submissa uma fruta.

Regiam ainda em seu pequeno templo que a mulher tinha sido feita a partir do homem, então sendo assim elas lhes deviam a vida e deveriam servir sem reclamar. Assim seguia um monte de coisas que Nicolae me jurava que não tinha nenhum fundamento e que eu não desse ouvidos a isso.

Se realmente fosse um casamento eu teria que me sujeitar ao juramento injusto sem reclamar porque era a lei, apenas a esposa juraria fidelidade e obediência já o marido juraria apenas que seguiria as regras da conduta Humanis e isso queria dizer que tudo valia para ele, ela não teria nenhum direito, nada.

Continuamos andando, nosso lugar estava à frente, para resistir ao impulso de olhar para os lados fixei meus olhos nas cortinas que enfeitavam o palco, estava bizarramente calma naquele momento, Dimitri estava mais tenso que eu, sentia seu corpo rígido ao meu lado.

Muitos olhos se viraram para meu lado quando eu passava, estava ciente que chamaria a atenção em qualquer lugar dentro do reino. Então já estava preparada para isso, um dos motivos era minha idade e outro era que eu não estava sendo vendida.

Samuel não estava pagando nada por mim e isso era o mais bizarro a todos.

Um moça imaculada e bela não tendo sido entregue ainda a nenhum homem, não tendo sido parte ainda de nenhum acordo comercial entre minha família e outras estava noivando sem obrigada. O que demonstrava poder, não precisar usar os filhos como parte nos negócios, uma coisa rara e uma tolice em um reino onde a mulher era praticamente um produto de valor incalculável, ou melhor calculável de acordo com a beleza.

A desculpa de Dimitri quando aparecemos no reino era que eu era sua única filha e estávamos ali para que eu conhecesse a cidade e não para me entregar como parte do pagamento em acordos comerciais mesmo que fosse vantajoso.

Um pai podia amar de verdade sua filha e querer o melhor para ela, mesmo que isso fosse visto como um ato conservador e velho e ate mesmo errado. Mulheres eram moedas de troca, e ali estava um homem perdendo grandes oportunidades nos negócios apenas por amar a filha e não o dinheiro e poder que ela poderia lhe fornecer, ele estava me dando o direito de escolha.

Isso foi deixado claro quando os preparativos começaram, assim que o resultado do cargo foi anunciado Dimitri começou tudo abrindo as portas para vários bailes na casa que tínhamos alugado alguns meses antes e então em uma de nossas festas Samuel apareceu.

Compareceu por mais outras várias festas, sempre me encarando e eu sempre retribuindo seus singelos avanços. Tudo parte da minha encenação, quanto mais eu me mostrasse interessada quando ele estava longe, mais tinha que fingir desinteresse quando ele se aproximava.

Um jogo de caça e caçador e nesse ele era a presa. Esses pequenos encontros aliviaram um pouco o misticismo do medo que eu carregava sobre o passado.

Depois de quatro visitas eu me mostrei apaixonada então Dimitri encerrou as festas, sinal que sua filha estava compromissada e não era de bom tom receber homens solteiros em festas em sua casa e então começava mais uma etapa do conselho simples de meu malfeitor.

Viver eu vivi .

Ficar forte, ele não sabe o quanto eu treinei para isso e o quanto estudei para fortificar minha inteligência pelo menos já que não servia para luta física.

Descobrir o motivo era a última etapa. E estava começando.

Me sentei na primeira fila, lugares reservados a família Salazar e assim começou tudo então meu nervosismo aumentou. Samuel se aproximou e me entregou uma linda flor de Lótus, baixei os olhos e recebi sua flor, em seguida olhando em seus olhos dei um suave beijo nas pétalas macias. Queria cuspir nelas, mas estragaria tudo, sem contar que era uma flor muito rara e talvez ainda tivesse utilidade para Eva depois.

Deixei meu coração gritar martelando minha caixa torácica, mas eu estava mais forte, mais segura e acreditava na igualdade dos sexos e essa crença me deu coragem para seguir em frente mesmo com medo. Sem luta não há mudanças, graças aos sombrios aprendi isso.

Tremi um pouquinho, estava nervosa, mas ninguém podia estranhar esse tremor, supostamente era um dia especial para mim, entreguei então a ele um lenço azul de seda bordada com arabescos as inicias da família Salazar. Ele o cheirou, colocou em sua lapela e pronto compromisso anunciado, agora todos os homens olhavam para Dimitri como se ele fosse idiota.

E então Samuel foi condecorado pelo príncipe, um homem belo de feições suaves que não foi simpático com Samuel em nenhum momento e eu achei estranho, estava vestido a rigor para a ocasião, uma farda branca e uma faixa vermelha, tinha cabelos castanhos bem aparados, não deu para ver a cor de seus olhos, mas ele tinha um belo porte, isso não queria dizer nada porque eu não confiava na beleza exterior.

Samuel era bonito, forte e até sabia ser galante, mas dentro dele guardava um monstro que estuprava garotas e as estripava por puro prazer, que sorria enquanto via suas entranhas saindo.  Samuel era um sádico vestido de soldado justo, vestido de herói.

O príncipe olhou em minha direção apenas uma única vez e então vi a cor, seus olhos eram negros e penetraram os meus. Fiz uma suave vênia e voltei meu olhar ao meu amado noivo, os pais dele observavam todos os meus movimentos, eu sentia seus olhos sobre mim.

No fim da cerimônia Eva me acompanhou até o lavatório, retoquei minha maquiagem com as mãos trêmulas, meus olhos verdes tão claros agora combinavam com meu rosto que estava branco como papel. Samuel ia tocar em mim, respirei fundo e sai para ficar ao lado de Dimitri, Eva me acompanhou sem dizer palavra, estava mais nervosa que eu, segurei sua mão e ficamos esperando tudo ficar pronto.


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