Anne segurou minha mão, sim isso mesmo, ela não me atravessou como os outros, ela segurou de verdade a minha mão, o toque dela era muito frio mas de certa forma bem reconfortante já que eu não conseguia tocar em ninguém.

Andamos em silêncio até sairmos do hospital, ela parecia realmente saber para onde estava indo, naquele momento me veio um certo sentimento de incapacidade, uma garota mais nova do que eu estava me guiando, era como se ela fosse mais velha do que eu, esse pensamento me causou um gosto amargo na boca, mas decidi não pensar muito sobre isso.

Quando já estávamos no estacionamento do hospital ela parou suspirou, e virou-se para mim.

— Olha, sei que você deve estar confusa e assustada, no começo também fiquei assim.. mas eu vou te mostrar o motivo pelo qual estou em coma, e é muito doloroso para mim lembrar daquele dia ainda, então por favor não faça nenhuma pergunta.

Ela baixou o rosto, fitando os próprios pés.

— Anne, fique sossegada, nem sei o que aconteceu comigo, eu nem estaria em posição de julgar você por alguma coisa.

Ela me olhou e deu um sorriso triste, como se desconfiasse do que eu tinha dito, recomeçamos a caminhada, indo para uma parte isolada da cidade, a area mais pobre, paramos em frente a uma casa bem simples que estava em destroços, havia uma fita já puída de "não ultrapasse", olhei para Anne.

— O que estamos fazendo aqui ? - indaguei.

— Lou, posso te chamar assim não é ? Não temos muitas regras de etiqueta no nevoeiro. Eu já entendi o seu problema, você só vê como as coisas estão agora, o que não entende é que não está mais presa no seu corpo, é a sua alma, ela pode ir para trás, voltar no tempo, quero dizer, não literalmente, você não poderia mudar nada no passado, mas pode observar, pare de ver como se ainda estivesse no seu corpo senão você nunca vai saber o que realmente aconteceu com você..

Fiquei alguns segundos tentando digerir aquela informação, porém acho que meus segundos demoraram mais do que Anne estava esperando, ela suspirou exasperada.

— Talvez seja mais fácil se você fechar seus olhos.

Concordei com a cabeça, ainda duvidava um pouco daquilo, quer dizer, como eu poderia voltar ao passado e observar tudo como ela disse ? Tinha certeza de que aquela menina estava apenas se referindo à lembranças.

Fechei meus olhos, e nada aconteceu.

— Respire fundo, relaxe, quase como se você fosse dormir em pé. -sussurrou ela.

Fiz o que ela dizia, e para a minha surpresa aconteceu o inesperado. Eu via a mesma casa, e ela estava inteira e com vários brinquedos jogados no quintal, olhei para onde Anne estava segundos atrás, mas ela não estava mais ali, andei em direção à casa, lá dentro vi uma versão carrancuda da Anne, ela olhava uma garotinha muito parecida com ela, com cerca de 1 ano de idade, provavelmente sua irmãzinha.

Elas pareciam estar sozinhas em casa, mas com toda certeza Anne não estava contente, ela andou até uma cozinha bem humilde aonde tinha uma leiteira no fogão, ela tentou pegar a leiteira e acabou queimando a mão, essa visão, lembrança ou viagem no tempo não tinha som como na última vez, porém pela leitura labial ela não disse nada muito bonito.

Anne pegou um pano, para segurar o cabo de leiteira, e acabou chegando ele perto demais do fogo, vi o momento em que o pano pegou fogo e ela entrou em pânico, jogou-o contra a parede, mas acabou atingindo a cortina da cozinha, em pouco tempo o fogo estava tomando conta da cozinha, e Anne que antes tentava apagar o fogo com água, percebeu que estava sendo em vão.

Ela correu para a sala, passando reto por sua irmã e saiu pela porta da frente,  fechando-a em seguida, ela ficou olhando pela janela o fogo se alastrar, a pequena garotinha de 1 ano começou a chorar, e Anne apenas a observava, quase podia ver os pensamentos dela, se realmente valia a pena enfrentar o fogo para salvar a sua irmã, o fogo começou a tomar conta dos outros pequenos cômodos, Anne por fim resolveu entrar e pegar sua irmã, porém um pedaço da estante da sala se soltou em meio as chamas e a atingiu na cabeça, Anne desmaiou.

A cena se modificou a casa estava destruída com fumaça subindo vários metrôs de altura, na ambulância, socorristas estavam dando os primeiros socorro à Anne, ela estava da mesma forma que vi na cama do hospital, perto da porta de entrada estava o corpo completamente carbonizado de uma criança de 1 ano, e um casal chorando desoladamente.