Start escrita por Queen Of The Clouds


Capítulo 7
Sempre




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Anastasia

—Como assim você não pode levá-la em casa?!—Alexy insistiu pela quinquagésima vez.

—O-car-ro-mor-reu, Alexy!—Armin girou na cadeira, impaciente, finalmente tirando os olhos do computador.

—E não tem como consertar agora?

O irmão de cabelos escuros apertou os olhos para ele.

—Você só sabe sentar no carro e dirigir, não é?

Alexy abriu os braços.

—Hello? Não é óbvio?!

Armin soltou um longo suspiro e se voltou para mim.

—Desculpe, Annya, mas não posso levá-la em casa.—Ele avisou, levantando as mãos em desistência.—Não dirigindo, pelo menos. Podemos ir caminhando, se quiser... ou pode dormir aqui.

Absolutamente não. Já não é uma boa ideia dormir aqui num dia normal, correndo o risco de surtar e ter um ataque de pânico é uma ideia pior ainda.

—Eu posso ir sozinha...—Murmurei, apesar da ideia aterrorizar cada célula do meu corpo.

Alexy puxou a cortina e apontou pela janela.

—Com essa chuva? Ah, com certeza, garota. A propósito...—Ele entrou no banheiro do seu irmão e alguns segundos depois reapareceu com uma cartela de comprimidos na mão. Parecia ser um daqueles ansiolíticos que eu costumava tomar quando morava com os meus avós.—Trate de colocar um desses para dentro logo. Essa tempestade não está com cara de quem vai passar nem tão cedo.

Tarde demais. Ele percebeu. É óbvio que ele percebeu. Com uma tonta entrando em total colapso bem na sua frente, quem não iria perceber?

Já estava tudo, literalmente, indo por água abaixo e eu não tinha muitas opções. Ir embora sozinha estava fora de questão e pedir para um dos dois me acompanhar nessa chuva era uma alternativa ridícula demais.

Aceitei a cartela em silêncio, pegando um comprimido e devolvendo-a novamente à Alexy. Armin nos observava, curioso, mas não perguntou nada.

—Bem, eu já estou indo dormir. —Suspirou, caminhando até a porta e parando para me esperar.—Você vem, Annya?

—Eu... é... não estou com sono.

—Pode ficar aqui comigo, se quiser.

—É, pode ficar com o Armin.

Eu olhei de um para o outro, sem saber o que fazer. Eu não estava com sono suficiente para ir dormir tão cedo, mas também não queria atrapalhar os estudos de Armin.

—Não vai me incomodar, se é o que está pensando.—Armin arqueou uma sobrancelha, como se pudesse ler os meus pensamentos. Eu abri a boca para responder quando Alexy pensou em voz alta:

—Só agora percebi que meu quarto não tem espaço para dois dormirem.—Comentou.—Posso dormir na sala e você fica na minha cama, se preferir.

—Não, eu não quero incomod...

—Eu durmo na sala, ela dorme na minha cama.—Armin decidiu.

—Beleza, então.—Alexy concordou prontamente.

—Mas...

Os dois logo trataram de me interromper outra vez.

—"Mas" nada, garota.

—Quanta teimosia.

—Tudo bem... me desculpem.—Ergui as mãos, em rendição, arrancando sorrisinhos satisfeitos dos dois.

—Então... boa noite, babies.—Alexy mandou beijos para mim e, antes de fechar a porta, apontou para o comprimido na minha mão, me advertindo de que eu deveria tomá-lo.

—Vem, vou pegar água pra você.—Armin se levantou.—Já sei que não vai querer abrir a geladeira por conta própria, mesmo que eu diga mil vezes para se sentir em casa.

—Que bom que finalmente entendeu.

—É mais um detalhe que precisamos trabalhar.—Resmungou quando descíamos a escada.

—O que disse?

—Eu? Nada.

Na cozinha, tentei ignorar a sensação de que estava sendo observada enquanto bebia a água. Terminei com um copo cheio em questão de segundos, sem ousar olhar na direção de Armin. Sei que só isso já seria o bastante para me deixar ainda mais tensa do que o normal.

Ao voltar para o quarto, Armin logo retornou à sua posição inicial na frente do computador, enquanto eu parei para dar uma olhada nas dezenas de livros e HQ's na estante ao lado de sua cama. Havia desde livros de algoritmos e programação à histórias do Batman e do Thor, além de um exemplar bem espesso dos Contos de Grimm. Alguns livros de Star Wars ainda estavam lacrados, junto à um modelo de "A Arte da Guerra" bem castigado. Uma série de livros e manuais sobre arte, ilustração, programação e animação preenchiam metade de uma das prateleiras. Quando, de repente, meus olhos bateram num exemplar de "Romeu e Julieta", não consegui me conter:

"Romeu e Julieta", Armin?

Ele se virou, surpreso.

—Ei, foi para um trabalho da escola, okay?

Eu sorri.

—Ele parece ter tido uma vida agitada, como se tivesse sido lido e manuseado diversas vezes...—Falei, puxando uma página que pendia para fora do livro.

—Coisa da sua cabeça.

—Vou fingir que acredito. Posso ler?

Ele me mediu com o olhar.

—"Romeu e Julieta", Annya?—Perguntou, sarcástico, mas também sorriu.—Claro que pode ler. E pode deitar na cama também, antes que pergunte. Não precisa pedir minha permissão.

Ele voltou a atenção para o computador e eu me sentei na cama para ler. Eu nunca tinha lido Shakespeare, por isso me interessei. Até que estava gostando apesar da linguagem rebuscada tornar tudo um pouco mais complicado, ainda mais com o sono que eu estava começando a sentir. Já tinha me esquecido da facilidade que esses remédios tinham para me derrubar.

Me assustei um pouco ao descobrir que Julieta tinha apenas quatorze anos quando conheceu Romeu. Deixei o livro praticamente de lado para pensar sobre isso e, quando me dei conta, estava fitando descaradamente as costas de Armin e me perguntando qual seria a largura de um ombro ao outro. Tão rápido quanto veio o pensamento, eu o afastei. Não faço ideia de onde tirei isso e, definitivamente, não queria saber. Voltei a ler.

Bobagem. Pura bobagem.

Me desconcentrei mais uma vez. Retomei à reflexão sobre os quatorze anos.

Se com vinte e dois anos eu ainda não faço a mínima ideia do que estou fazendo com a minha vida, como uma garota de quatorze anos pode afirmar tão ardentemente que ama esse cara que acabou de conhecer? É ridículo! Por que diabos as pessoas consideram Romeu e Julieta como um exemplo de amor, afinal? Espiando algumas páginas a frente, descobri ainda que a história toda acontece em apenas três dias e, num geral, tem mais mortes e tragédias do que romance e afeto.

Assustador!

Quando cheguei no segundo ato, comecei a me sentir desconfortável e voltei a me distrair. Eu não sou o tipo de pessoa que sabe puxar assunto com as outras pessoas. Não sou boa nisso e acho que nunca vou ser. Mas estando na cama de Armin, com um livro dele... talvez eu devesse ser um pouco mais sociável, certo?

Redondamente errada.

Sempre que eu tentava iniciar um assunto sobre qualquer coisa, Armin me dava respostas curtas e voltava toda sua atenção para a tela do computador. Acabei desistindo da ideia, que percebi tardiamente ser idiota. Ele devia estar tentando estudar e eu com certeza estava atrapalhando-o. Decidi ficar quieta.

Continuei lendo por mais um tempo, até sentir minhas costas doerem. Me levantei para ver a hora no computador por trás de Armin e, sem precisar procurar, descobri o porquê dele estar me respondendo tão mal: ele já estava conversando com uma outra garota... àtrês da manhã.

Isso me deixou mais irritada do que deveria. Eu saí do quarto e desci as escadas, decidida a dormir na sala. Me deitei resmungando e me cobri com a manta do sofá.

Por isso ele estava me ignorando? Por uma outra garota?

Eu estava irritada por ele estar falando com outra garota e mais irritada ainda por estar irritada! Era um sentimento idiota. Eu tinha plena certeza do quanto estava exagerando, mas ainda assim não conseguia afastar aquela péssima sensação. Eu precisava me controlar: éramos apenas amigos e ele podia ter outras amigas, isso é óbvio.

Eu respirei fundo, tentando me acalmar. Se é óbvio, por que eu me sentia tão mal?

Vá em frente, fale mal de Romeu e Julieta agora. Está falando mal da garota que se apaixonou em três dias mas está queimando de ciúmes pelo cara que conheceu há pouco menos de dois meses.

É diferente! Cala a boca, Anastasia!

—Annya? O que você pensa que está fazendo?—Escutei a voz dele acima de mim alguns minutos depois. Senti meu sangue ferver.

—Eu penso que estou dormindo.

—No sofá?

—Sim.

—Por quê?

—Porque sim, Armin.

—Não prefere deitar na minha cama?

Parei para pensar na oferta por alguns segundos até lembrar que estava com raiva dele.

—Não.

—Você hesitou.

—Eu não hesito.

—É, estou vendo.

Eu suspirei e não falei mais nada. De repente senti mãos me levantando e Armin me pegou no colo.

Ei!

—Você... é uma pessoa... muito... teimosa.—Murmurou enquanto subia os degraus.

—Armin, me solta!

Eu estava prestes a reclamar outra vez, quando ele finalmente me deitou em sua cama. Eu empurrei seu ombro quando ele ficou sobre mim.

—Eu disse que não queria deitar na droga da cama!—Reclamei, fitando-o de perto.

—E eu escutei, mas acho que está mentindo.

—Não estou...! M-mentindo!—Franzi o cenho pela minha inconveniente gagueira.

—Ah, não está? Sério?

Ele observava meu estresse com um olhar divertido. Sua respiração estava descompassada e a minha não estava muito diferente.

—Pode sair de cima de mim?

Ele finalmente se moveu.

—Claro. Durma bem.—Disse ao bagunçar meu cabelo e se levantar.—Eu vou voltar para o meu trabalho... preciso conversar com o meu grupo.

Desconfio que ele frisou a última palavra quando olhou para mim, como se soubesse que eu vi algo no computador. Eu bufei e puxei o lençol até o queixo. Não me importo se o trabalho é em grupo ou não. E também não me importo se ele está conversando com alguém! Droga, o que é isso? Estou com ciúmes dele? Eu não posso sentir ciúmes dele! Não posso sentir nada por ele!

Afinal, o que eu estava fazendo ali? Eu deveria estar em casa, me concentrando em estudar, não em fazer amigos e me apaixonar pelos irmãos deles! Eu deveria ter me enfiado na chuva e ido embora. Levar um raio não seria tão doloroso quanto o estresse de gostar de alguém!

Encarei a parede branca.

Eu realmente disse "gostar"?

Virei para o lado e fechei os olhos, estressada. Minha cabeça não parava nem por um segundo. Infelizmente ou não, logo me senti sonolenta, e dormi relutantemente na cama de Armin. Até que um ruído me despertou. Me apoiei nos cotovelos e esquadrinhei o quarto, tanto quanto meus olhos permitiam. A luz estava baixa. Eu não conseguia distinguir se era dia ou noite, mas ainda podia escutar a chuva caindo com toda força do lado de fora. Resmunguei alto alguma coisa qualquer e voltei a bater a cabeça no travesseiro. 

Escutei outro ruído. Pisquei algumas vezes, enxergando, dessa vez, um par de olhos azuis diante de mim. Armin falou alguma coisa que não entendi.

—O que... você... quer?—Sussurrei.

—Você parece mais simpática dormindo, sabia?—Sua voz parecia abafada, distante.

—Me deixe em paz, Armin... eu estou com frio... e com sono...—Resmunguei me virando para o outro lado. Senti o colchão afundar um pouco ao meu lado e me encolhi debaixo do lençol.

—Suas mãos parecem frias. Está com frio nas mãos?—Sentado ao meu lado, ele segurou minhas mãos.

—No corpo todo...

Acho que o escutei rir.

—No corpo todo? Vou ter que pegar todos os cobertores da casa para você, então, miss simpatia.

—Armin...

—Eu?

—Cai... fora.

—Tudo bem, foi mal.—Sussurrou, enquanto ajeitava o meu lençol com a mão livre.—Pelo visto você só parece mais simpática. Bons sonhos, garota.

Escutei um trovão rimbombar em algum lugar bem longe e, ao invés de soltá-lo, segurei sua mão com mais força.

—Não... espere... não me deixe aqui sozinha...

—O quê?

O quê?

—Fique aqui... comigo...

Espera, o que foi que eu disse?

—Mas você disse que...

—Armin... você vai ficar comigo?

Ele demorou a responder dessa vez. Eu só sabia que ele ainda estava ali porque conseguia sentir sua mão quente sobre a minha. Eu queria vê-lo, mas meus olhos pesavam, quase implorando para serem fechados.

—Sempre que precisar, Annya.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado desse capítulo tanto quanto eu gosto.