Start escrita por Queen Of The Clouds


Capítulo 6
Inseguranças entrelinhas




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Anastasia

Eu não costumava me sentir bem dentro de automóveis. Não conseguia ficar tranquila sabendo que estava no interior de uma máquina gigante que poderia perder o controle a qualquer segundo.

Demorei muito até aceitar o convite de Alexy de me dar carona até em casa depois da aulas. Recusei até acabarem todas as desculpas do meu estoque. Eu tinha medo de que ele fosse ainda mais agitado com um volante em mãos... mas, para minha surpresa, ambos os gêmeos eram extremamente tranquilos na direção. Dirigiam tão bem que às vezes eu até esquecia que estava dentro de um carro e, quando me dei conta, Alexy já me levava em casa todos os dias.

Agora mesmo eu estava tão distraída conversando com Armin, que nem notei quando chegamos na rua da sua casa.

—Por que está voltando para sua casa?—Perguntei, finalmente prestando atenção no mundo ao meu redor.

—Você não ia estudar com Alexy?

Eu bati na testa. Se ele não tivesse dito, eu nunca iria lembrar.

—Tinha se esquecido?

—Totalmente.

—Oh, não se sinta culpada, eu costumo provocar esse efeito nas pessoas...—Ele afirmou, cheio de si.

—Acho que deve estar me confundindo com alguma das suas garçonetes.—Provoquei, notando um leve rubor se formar em suas bochechas.

Armin constrangido? Essa é nova!

—Muito engraçada.—Sorriu, cinicamente para mim, me fazendo rir.

Ele desligou o carro e tirou a chave, deixando-a na palma de sua mão.

—Mas, sério, não diga essas coisas perto do Alexy, okay?—Pediu gentilmente, olhando em meus olhos. Eu franzi o cenho.—Quero evitar problemas.

A primeira regra para evitar que alguém se interesse pela sua vida é não se interessar pela vida alheia também. Essa tática costuma funcionar quase sempre e eu sou muito boa nela. Talvez tenham sido todos os anos de prática.

Mas agora senti um certo formigamento na língua, que me esforcei demais para controlar. Eu queria muito perguntar o porquê e eu sabia que Armin iria responder, ele mesmo disse que "não consegue calar a boca" quando está comigo... mas, se eu fizesse isso, estaria em débito com ele. Ele também teria o direito de perguntar mais sobre mim quando quisesse.

Por isso, me contentei apenas em concordar com a cabeça.

—E você? Não tem nenhuma tarefa da faculdade pra fazer?—Perguntei, soltando o cinto de segurança.

—Tenho bastante coisa, na verdade.—Deu de ombros, abrindo a porta.—E ainda estou em semana de provas, para completar a desgraça.—Completou, saindo do carro e parando no portão.

Eu continuei no carro, processando o que ele disse.

Isso foi uma reclamação? Por favor, que não seja uma reclamação.

Eu deveria ter ligado para o Alexy antes de vir. Armin já devia estar impaciente para voltar para casa, eu atrapalhei todo o seu dia. Eu sei que ele jamais reclamaria — pelo menos, não diretamente — mas eu cheguei sem avisar, interrompi sua partida e ainda o atrasei para começar a estudar. 

Idiota, intrometida, inconveniente. Nunca mais dou as caras por aqui.

Eu saí do carro e encolhi os ombros ao passar pelo portão entreaberto.

—Desculpe.—Murmurei, sem olhá-lo.—Por ter te atrasado.

Ele fechou o portão e se voltou para mim, com as sobrancelhas franzidas.

—Me atrasado?

—É, você tinha tudo isso pra fazer e ainda perdeu tempo na lanchonete.

—Ah, Annya, por favor.

—Eu ia ligar para o seu irmão antes de vir, mas ele não me disse um horário, então apenas tentei vir o mais tarde possível. Até perdi o ônibus e decidi vir andando para chegar mais tard...—Armin me segurou pelos ombros e só então percebi que estava tagarelando.

—Ei, relaxa! Não precisa me pedir desculpas.—Ele me balançou levemente.—Valeu a pena.

Pisquei, confusa.

—Ir à lanchonete valeu a pena?

—Sim!

Percebi que estava com a boca aberta e a fechei.

—Por quê?

Ele apenas ergueu as sobrancelhas, como se eu soubesse a resposta. E eu... não faço ideia.

Não pode ser algo óbvio, não é possível que eu seja tão tonta assim!

Tentei disfarçar o meu nervosismo fazendo piada.

—Foi por causa do rapaz com o número de telefone, não é?

Ele revirou os olhos e deu uma gargalhada contagiante, subindo os degraus da varanda.

—Você é ridícula!

—Não foi por causa dele?—Insisti.

—Não. Valeu a pena porque eu te fiz rir.—Disse, entrando em casa. Eu paralisei no primeiro degrau.

O quê?

Não.

O quê?!

Eu devo ter escutado errado.

Ninguém diz esse tipo de coisa e simplesmente sai andando, não é?

...

Droga! O que ele quis dizer com isso?!

—Vai ficar aí fora?

—Acho que não entendi.—Confessei, tentando ao máximo parecer indiferente. Ele provavelmente só estava sendo gentil, mas eu precisava confirmar o que ele quis dizer para não fazer papel de otária.

Armin me puxou para dentro e fechou a porta quando me viu travada na varanda. Conseguiu interromper todos os meus pensamentos com aquele maldito rostinho bonito.

—A cada dia estou chegando mais perto do meu objetivo.—Afirmou, dando um passo à frente com um sorriso convencido nos lábios.

Eu continuava sem entender o que ele estava falando e reduzir a distância entre nós dois definitivamente não estava ajudando meu cérebro a funcionar. Ele cutucou minha testa de leve e finalmente disse:

—Eu não disse que ia mudar essa sua expressão séria? 

Ah. Sim.

Seus olhos que ora estavam quase brancos, ora azul-claros, agora pareciam escuros demais. Me lembraram as nuvens escuras que vi no céu hoje pela manhã. Era um pouco intimidador, pra falar a verdade; mas apesar de todos os músculos do meu corpo me dizerem para recuar, eu não me movi nem um centímetro. A tensão me corroía apenas fisicamente agora. De repente, meu cérebro não estava dando a mínima.

Não é como se ele estivesse fazendo isso porque se importa comigo. Afinal, Armin é só mais uma pessoa curiosa, incomodada por não saber nada sobre mim.

Apenas cruzei os braços e encarei de volta o rosto sorridente à minha frente, com um ar de desafio.

—Você nunca vai mudar a minha expressão séria, Armin.

—Ah, vocês chegaram!—A voz de Alexy fez com que eu e Armin nos afastássemos num pulo.—Minha mãe disse que vocês haviam saído, mas não pensei que fossem demorar tanto...—Ele terminou de descer os degraus da escada e colocou as mãos na cintura.—Onde estavam?

—Você abandonou a garota aqui, levei-a para dar uma volta.—Armin murmurou enquanto tirava o casaco. Alexy o encarava, inflexível.—Tô falando sério, ela estava com um olhar de cachorrinho abandonado que você precisava ver, quase me fez chorar.

—Ei!—Em reflexo, eu bati em seu ombro, fazendo-o rir.

Alexy apenas suspirou enquanto nos observava de braços cruzados. Não era o tipo de reação que eu esperava vindo da pessoa que sempre se tornava elétrica quando me via perto do seu irmão.

—Por que está tão sério hoje, irmãozinho?—Armin apertou a bochecha do irmão.

—Não estou sério... só estava preocupado.—Ele afastou a mão do outro e seus ombros pareceram relaxar, mas logo se ergueram outra vez.—E por que você está tão animado hoje, irmãozinho?

Meu olhar ia de um para o outro. Alexy cruzou os braços e Armin ergueu as sobrancelhas, com um olhar inocente.

—Eu? Sou o mesmo homem de sempre. Vocês não tinham um trabalho para fazer?—Questionou, apontando em direção à escada.

Alexy balançou a cabeça e notei um certo estresse em seu rosto.

—Sim, nós definitivamente temos. Vamos, Annya!—Ele segurou minha mão e logo me arrastou para o quarto dele. Tive tempo apenas de ver Armin me dirigir um "tchauzinho" enquanto eu era puxada escada acima.

Rosalya já estava no quarto quando cheguei. Pensei que os dois fossem me interrogar sobre minha saída com Armin, mas eles pareciam tão preocupados com o projeto que quase não falavam. E se Alexy e Rosalya não estavam falando era um sinal claro de que as coisas estavam realmente sérias. E o pior é que estavam.

O trabalho estava atrasado em todos os quesitos possíveis: a loja de tecidos nos enviou o material errado, a máquina de costura de Alexy quebrou, o computador não salvou os slides que fiz para a apresentação e a professora adiantou o prazo de entrega.

A vida é assim, feita de baixos e baixos!

E pra completar a situação, o clima parecia tenso entre a dupla dinâmica. Rosalya resmungava o tempo inteiro. Pelo que consegui pegar dos seus murmúrios, seu namorado tinha uma loja de roupas na cidade. Deveríamos ter encomendado os tecidos com os fornecedores dele, mas Alexy quis "dar um passo maior que a perna" e encomendou por conta própria, o que acabou nos atrasando.

E pelo que ouvi dos resmungos de Alexy, os fornecedores da loja do namorado da Rosalya cobravam caro demais, quem estava querendo "dar um passo maior que a perna" era ela que "nem tinha dinheiro para pagar pelo material e esperava que o namorado a bancasse".

Eu estava no meio desse fogo cruzado, imparcial. Não conheço o namorado de Rosalya, nem a loja dele e muito menos os fornecedores! Quem sou eu pra opinar sobre algo nesse assunto? Passei apenas o restante da noite calada, refazendo os benditos slides, um por um. Nem mesmo levantei para ir ao banheiro, ou acabaria dando de cara com um certo alguém que ainda não tinha certeza se queria encontrar.

Por sorte, esse certo alguém também não saiu do seu quarto em nenhum momento, então presumi que ele devia estar tão ocupado quanto a gente.

Tentando recuperar o tempo que desperdiçou comigo à tard...

Não!

Ele já disse que não o atrapalhei. Não vou deixar isso me incomodar.

Mas o que será que Armin está fazendo agora? Será que conseguiu...

Não importa o que ele está fazendo! Não é da minha conta!

Era irritante me pegar pensando em Armin. Eu sabia o quanto estava começando a gostar da companhia dele e também sabia que, quando eu menos esperasse, ela e tudo mais iria por água abaixo. E simplesmente pelo mesmo motivo de sempre: porque as pessoas enxergam em mim mais do que há de verdade.

E esse sentimento sempre vem acompanhado de uma lembrança bem recorrente para mim: o dia que encontrei uma estrela vermelha. Passei dias observando-a, sem contar para ninguém. Eu conseguia vê-la da janela do meu quarto, mas não entendia como num dia ela não estava lá e de repente apareceu entre as árvores! Talvez tenha sido falta de atenção da minha parte. Só sei que quando finalmente corri para chamar o meu pai e mostrar a minha descoberta, descobri que era simplesmente... a luz de uma torre de sinal. Nada de especial. Um troço elétrico, mecânico e artificial.

É assim que eu me sinto toda vez que encontro pessoas assim, tão exageradamente empenhadas em ir à fundo para me conhecer... como aquela droga de torre de sinal.

Não é como se não existissem estrelas vermelhas e brilhantes por aí... eu só não sou uma delas. As pessoas tendem a me confundir com algo melhor e depois desanimam quando percebem que não tenho nada demais para oferecer.

A culpa não é minha.

Pelo menos não totalmente.

Eu realmente não tenho nada para oferecer. Fato. Não sou a melhor das companhias, não tenho o costume de falar demais e nem de me interessar demais pela vida alheia, tenho medo de me acharem intrometida com tantas perguntas. Não sou aquela pessoa inteligente que sabe de vários assuntos e que consegue manter uma conversa interessante. Também não sou divertida. Acho que minha expressão séria simplesmente não casa com as minhas brincadeiras, me torna uma pessoa meio esquisita, daquele tipo que usa humor negro e ri sozinha das próprias piadas. Só que nem eu consigo rir das minhas próprias piadas, o que torna tudo ainda mais deprimente.

Mas também não é como se eu me empenhasse muito para fazer com que as pessoas gostassem de mim. Eu não vou mudar nada disso. Eu não quero. Estou bem sozinha. Só me sentiria melhor se as pessoas parassem de colocar todas as suas expectativas nas minhas costas. Cansa, machuca. Não quero ser alguém que as pessoas gostem, quero ser alguém que eu goste e isso por si só já é uma tarefa difícil demais para mim. Eu apenas me tolero.

Eu sei que não sou interessante, tenho consciência disso. Mas, num âmbito individual, está tudo bem, eu aceito a minha própria companhia. O problema está no coletivo, quando começo a conviver com outras pessoas, me comparar com o resto do mundo... aí as coisas ficam difíceis. Eu começo a perceber o quão sozinha e deslocada das outras pessoas eu sou. Não consigo agir naturalmente, finjo tudo. Tenho um arsenal de sorrisos simpáticos, desculpas mal lavadas e falsa curiosidade sobre as histórias das outras pessoas. Mas não é porque eu não me importo... eu só não quero incomodar, deixar transparecer partes de mim que deixem as pessoas ao meu redor desconcertadas. Hoje mesmo, no carro, falei demais e deixei o Armin não simplesmente constrangido, mas desconfortável. A cada vez que a mãe dele sorria por causa de algo que saía da minha boca eu me sentia mais tensa do que aliviada, esperando pela próxima vez que tivesse que respondê-la, com receio de dizer alguma besteira.

 Essa é exatamente a parte mais assustadora de ser uma pessoa que não está acostumada à outras pessoas: falar. Interagir. Conviver. Conversas rasas são bem mais fáceis, até porque foi só isso que tive até agora. Lembro de conversar com as amigas da minha avó, senhoras ricas e aposentadas com suas perguntas automáticas sobre namorados e estudos... era tão fácil de contornar esses questionamentos... eu sabia o que elas queriam ouvir e simplesmente dava isso à elas. Respostas bobas para perguntas bobas.

Mas, de volta à França, eu estou lidando com pessoas diferentes, que mantêm conversas um pouco... complexas demais para mim. Pessoas parecidas comigo mas que, por outro lado, não têm nada a ver comigo. Eu não tive as mesmas experiências que elas, não consigo agir normalmente. Não posso falar da minha infância, não posso falar da minha adolescência, não posso falar da minha família e não posso falar das minhas amizades, porque, olhando bem para trás... eu não tive nada disso.

—...acreditar nisso?—Escutei a voz de Alexy e me virei, assustada.

Há quanto tempo ele devia estar falando?

—P-perdão, o que disse?—Perguntei, perdida.

—Rosa!—Ele junta todas as revistas que estavam no chão numa pilha e as coloca sobre a cama, tão irritado que faz com que a pilha se desfaça.—Eu não tenho nada contra o Leigh, entende? Mas não vou simplesmente deixar que o namorado dela financie todo o material do nosso trabalho. Não consigo acreditar que ela realmente pensou que eu fosse concordar com isso!

O namorado de Rosalya, Leigh, veio buscá-la agora pouco. Ela levou parte dos desenhos dos trajes para detalhar melhor em casa e eu fiquei sozinha com um Alexy nada feliz. Eu não fazia a mínima ideia do que dizer, então tentei não focar no problema principal.

—Eles namoram há muito tempo?

—Desde a época da escola.—Ele se sentou na cama, ainda irritado.—Mas a questão não é essa! Ela não pode simplesmente pensar que...

Tá. Ele não ia parar de falar até eu tomar partido. 

—Estamos bem atrasados, Alexy... se ele pode conseguir os tecidos com mais facilidade, não vejo porquê recusar isso.

—Não vou aceitar material de graça.

—Então pague.—Falei, me virando.—Dividindo para nós três não deve ficar tão caro. Se o Leigh quiser pagar a parte da Rosalya, deixe que eles se resolvam. O trabalho é para daqui a duas semanas, já deveríamos ter começado a confecção.

Ele juntou as mãos na frente do corpo. Ainda parecia contrariado, mas concordou com o que falei.

—Pode ser.—Balbuciou, baixinho.

Eu voltei minha atenção para o computador, no mesmo momento que um trovão ressoou entre as paredes. Apertei o mouse e tentei evitar tremer junto com a casa. Ainda sentada na cadeira, me inclinei lentamente para olhar pela janela.

Não, não, não... eu não podia deixar isso acontecer. Não hoje. Não ali.

—Então... como foi a tarde com o meu irmão? Se divertiram?

—Sim.—Respondi, sem tirar os olhos da janela. Um segundo de distração e eu provavelmente iria desmoronar.

—E o que fizeram?

—Fomos à sorveteria. Ele inventou uma competição de quem toma mais sorvete.

Alexy deu uma risadinha.

—Quem ganhou?

Armin, sem dúvidas.

Quando decidi focar novamente no meu trabalho, outro clarão entre as nuvens iluminou o quarto. Alguns segundos depois o barulho ecoou entre as paredes. Eu apertei os olhos, tentando me concentrar, mas já havia esquecido o que Alexy disse.

Tecidos. Rosalya. Namorado. Armin. Sorveteria. Competição. Quem ganhou?

—Hum... decidimos que foi empate.—Me lembrei de toda discussão que tivemos até Armin aceitar isso.

—Deve ter sido difícil de convencê-lo, Armin jamais aceita um empate.—Disse, pensativo.

—Ah, eu pensei que ele nunca mais iria parar de falar...—Falei, com um suspiro. Alexy riu e se deitou na cama, colocando as mãos atrás da cabeça.

A chuva começou a cair do lado de fora em questão de segundos, com força. Com uma janela à minha frente e outra à minha esquerda, eu conseguia ver a cada vez que o céu se esbranquiçava com os raios, como se fosse despencar.

Está tudo bem. Não é nada demais. É só uma tempestade.

—Havia muitas... mulheres na lanchonete?

Que tipo de pergunta era essa? Pensei que Alexy se interessasse por homens.

—Uma quantidade... normal... eu acho.—Estranhei a pergunta.

—Ficaram babando pelo meu irmão?

"Por favor, não diga essas coisas perto do Alexy", as palavras de Armin me voltaram à mente. Talvez ele soubesse que o irmão estava fazendo propaganda dele por aí, assim como fez comigo no primeiro dia de aula.

—E-eu não reparei.

—Eu sei que sim. Ele nem percebeu, não é?

—Não... até eu falar.

Isso pareceu despertar a atenção de Alexy. Ele se sentou na cama, com os olhos arregalados.

—Você falou? E o que ele fez?

Eu hesitei em responder. Armin disse que segurou minhas mãos apenas para incomodar as outras garotas... mas para mim não foi só isso. Eu não me senti numa simples brincadeira... infelizmente.

—Annya?

—Ele beijou minha mão.—Falei de uma só vez. Eu ainda me sentia confusa com isso, mas estava disposta a ouvir um Alexy agitado se isso me ajudasse a entender o seu irmão.—Sabe, para fazer as garotas pararem de olhar. Funcionou, pelo menos. Devem ter pensado que eu estava com ele. Tipo... com ele mesmo.

Eu parei de falar antes que começasse a tropeçar nas palavras outra vez, como na noite em que os conheci e me atrapalhei falando do "grau de beleza" dos dois gêmeos.

Mas, ao contrário do que eu esperava e precisava, Alexy apenas suspirou. Não houve nenhuma histeria pelo nosso contato.

Ele não estava bem.

—Eu queria que meu irmão percebesse esses olhares, se interessasse por alguém... ele deveria aproveitar melhor a liberdade dele.

—Por que se preocupa tanto com...—Eu dei um pulo e estremeci quando outro trovão me pegou de surpresa. Me levantei, nervosa e apontei para as janelas.—Posso fechar essas coisas?

Ele franziu o cenho.

—Claro.

Ergui as mãos para fechar a primeira janela, mas não conseguia parar de tremer. Raios seguidos se exibiam à minha frente. Minhas mãos suavam e escorregavam pelo vidro, não importava o quanto eu as secava no jeans da minha calça. Eu estava quase cara a cara com os relâmpagos e sentia meu corpo amolecer como se fosse desmaiar.

Nem percebi quando Alexy se pôs atrás de mim. Ele empurrou a janela e puxou as cortinas, se curvando para olhar em meus olhos.

—Annya, você está bem?—Sua mão descansava em minhas costas. Olhei para baixo, notando meu peito subir e descer. Eu quase não conseguia respirar.—Annya?

Armin. Olhares. Liberdade. Preocupação.

—Estou bem.—Menti, cruzando os braços para evitar os tremores. Eu não conseguia olhá-lo nos olhos.—Do que eu estava falando? Ah, por que se preocupa tanto com os relacionamentos do seu irmão?

Minha respiração normalizava aos poucos, mas meu coração dava um salto a cada vez que aquele som horrível voltava a se fazer alto demais.

Eu sabia que Alexy me observava, mas não podia encará-lo de volta, ele devia estar me olhando como se eu fosse uma maluca. Preferi fingir que nada aconteceu. Voltei a fazer os slides.

—Eu me preocupo porque...—Ele se sentou e começou a falar, mas parou no meio do caminho.—Armin não teve boas experiências no amor. Na verdade, teve péssimas experiências. Tenho medo de que isso o impeça de tentar outra vez ou pior... que ele siga o mesmo caminho que eu.

—Como assim?

—Sabe... que ele se interesse pela... outra... fruta.

Eu não consegui deixar de reprimir uma risada.

—Alexy!—Eu abaixei meu tom de voz.—Acha mesmo que o seu irmão é gay?

—Não, mas... sei lá.

—Certo, e se ele fosse? Qual é o problema?

Além do fato de eu perder a minha chance, uma voz sussurrou no fundo da minha mente. Ah, como se eu tivesse uma chance!

—O problema...?—Alexy murmurou.

—Sim. O que tem de errado nisso?

Seu olhar se deteve no meu. Ele parecia cansado.

—O mundo ainda não é um bom lugar para pessoas como eu... deveria ser, mas não é. Mesmo vivendo numa cidade pequena como essa, não me sinto nem um pouco seguro em ter uma vida normal, poder sair com quem eu quiser e na hora que eu quiser. Às vezes penso até em evitar relacionamentos.—Ele suspirou.—Você não sabe o medo que sinto de segurar a mão de outro homem ou andar sozinho na rua e...

Ele estremeceu. Eu o observava, sem saber o que dizer. Por um segundo, pensei realmente que ele estivesse brincando. Suas mãos apertavam a barra da blusa e instintivamente eu as segurei. Nunca havia o visto dessa forma, não sabia o que deveria falar para acalmá-lo. Ainda estava me acostumando à ter pessoas próximas a mim.

—Eu não sei o que dizer, Alexy. Não sei nem como posso opinar sobre isso, mas... não acredito que Armin seja como você. E mesmo se fosse, você iria preferir que ele passasse a vida evitando esse sentimento ou... que buscasse a felicidade? Eu entendo a sua insegurança, mas... você não deve ter medo de ser você mesmo, Alexy. Ninguém deve.

Ele apertou minhas mãos e respirou fundo.

—Acho que estou sendo idiota, não é?

—Só um pouquinho.—Brinquei. Ele sorriu.

—Vou pensar sobre isso. Obrigado, Annya.

Eu acenei com a cabeça e me levantei para arrumar minha mochila.

—Você não acredita realmente nisso, não é? Sobre o Armin ser gay?

Ele me olhou de soslaio.

—Por que a pergunta?

—Não sei, mas tive a sensação de que você só precisava... desabafar. Você esteve sério o dia inteiro, aconteceu alguma coisa?

Ele esticou o braço e acariciou minha bochecha, com um sorriso no rosto.

—Você é muito observadora. Pode esquecer que falamos sobre isso? Prometo que a gente conversa sobre isso num outro dia.—Jurou, numa clara tentativa de mudar o assunto.

—Quando quiser.—Senti meus lábios também se curvarem num pequeno sorriso.—Mas agora... preciso ir para casa, Alexy...

—Sério? Ainda está cedo...

—Já passou da meia-noite. Está mais do que tarde!

—Hum... tem razão. Então, nesse caso, acho melhor pedir ao Armin para te levar...—Ele piscou para mim e correu para fora do quarto, antes que eu pudesse contestar.

Droga, Alexy! Eu não posso baixar a guarda nem por um segundo?!


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