Start escrita por Queen Of The Clouds


Capítulo 20
Pequenas demonstrações




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/707796/chapter/20

Anastasia

Luz. Um feixe de luz exatamente nos meus olhos foi a primeira coisa que senti ao acordar. Eu esfreguei os olhos e me sentei no colchão. Ouvi um gemido ao meu lado. Quando olhei, Armin franzia o rosto, encolhido na cama. Seu braço estava arrepiado e ele tremia.

Por que esse idiota estava sem o cobertor?

Eu olhei para minhas pernas.

Ah... eu estava com os dois cobertores dele. Droga, por que ele tinha que ser tão protetor?! Eu estava tentando odiá-lo!

Quando me levantei para cobrí-lo ele segurou meus dedos e murmurou algo.

—O quê?—Perguntei, com a voz baixa.

—Annya...—Sussurrou.

Senti um aperto no peito.

—Não é possível... você está tentando me amolecer.—Murmurei, soltando minha mão. Ainda assim, o observei por mais alguns segundos. Suspirei.

Eu me perguntava quem seria a garota de sorte que o veria todo dia pela manhã.

Eu respirei profundamente e saí do quarto. Quando desci as escadas, tomando todo cuidado para não cair outra vez, meus olhos focaram no sofá onde Armin havia me segurado ontem. Porque absolutamente tudo me lembrava ele.

Eu me dirigi à varanda e me sentei nos degraus. As nuvens que se juntaram ontem já estavam se dispersando, mas eu ainda conseguia sentir o cheiro de terra molhada. Fazia ainda mais frio do lado de fora da casa, mas eu não queria entrar. Aquele clima me trazia paz.

Eu encostei minha cabeça na coluna de madeira ao meu lado e fechei os olhos, cansada. Não sei quanto tempo passou ou se cochilei, mas fiquei assim até sentir algo cair sobre as minhas costas. Um... cobertor.

—Você não sente frio?—Armin fungou e se sentou ao meu lado.—Eu estou congelando aqui fora.

Que ironia. Lá dentro ele também estava.

—Ah, você não está falando comigo, certo? Eu já havia esquecido.

É, você esquece muitas coisas, pensei.

Eu fechei os olhos.

—Ótimo, então. Não precisamos nos falar.

Continuei em silêncio. Ele se moveu, desconfortável, e voltou ao assunto. Tão contraditório...

—Você não sabe a raiva que estou sentindo de você nesse momento...

—Estou me sentindo bem melhor agora com esse comentário, obrigada.

—...você é ciumenta, irritante, antipática, ignorante...

—Eu já entendi, sou uma pessoa horrível!

—Não. Você é incrível, mesmo com todos os defeitos. Até porque, eu não quero que você seja perfeita.—Eu olhei para ele.—Mas não pode ficar brava comigo só porque conversei com uma garota!

—Eu não estou com raiva por causa disso! Estou com raiva porque você me esqueceu por ela!

Ele perdeu a paciência.

—Annya, eu conversei com ela por cinco minutos! Num mercado! O que você achou? Que eu fosse te trocar por ela?!

Eu fechei a cara e desviei o olhar.

—Foi... exatamente o que você pensou... não é?—Sua voz amansou. Eu não respondi. Ele se aproximou e colocou o cobertor sobre seus ombros também.—Me desculpe, eu não sabia. Você realmente acredita que eu te abandonaria assim? Não vou deixar que escape tão fácil de mim, Annya.

—Tá.

Eu não queria falar demais ou voltaria a chorar outra vez. Ele me empurrou com o ombro.

—Eu não mereço nem um sorriso?

Eu sorri por um milésimo de segundo e voltei a ficar séria. Armin tirou o lençol de sobre os ombros.

—Certo, foi você quem pediu.

—O qu...

Ele começou a me fazer cócegas, fazendo com que eu me contorcesse no chão, rindo.

—A-Armin! P-para com isso!

Ele parou sobre mim e segurou meus pulsos.

—Só preciso de um sorriso.

Eu escancarei um sorriso e por fim mostrei a língua. Ele resmungou pela última parte mas fez o mesmo para mim, se afastando.

—Estamos bem outra vez?

—Só quando você admitir que é um idiota.

—Eu? Não.—Seus lábios se curvaram num sorriso convencido.—Primeiro admita que estava com ciúmes de mim.

—Eu não posso admitir uma mentira.

—Exatamente, nem eu.

—Mas você é um idiota.

Ele riu e eu o acompanhei. Mesmo depois de meses, eu ainda não acreditava na facilidade que ele tinha de acabar com as nossas brigas e transformar totalmente o clima entre nós dois. Eu queria que todos os nossos momentos fossem leves assim.

—Okay, falando sério agora, Annya. Precisamos conversar sobre... umas coisas.—Armin escondeu as mãos entre os joelhos.

—Que tipo de... coisas?

Um ruído à nossas costas fez com que nós dois nos virássemos ao mesmo tempo. Arnaud nos encarava, como quem havia acabado de acordar e não fazia ideia de como foi parar ali.

—O que vocês estão fazendo aqui fora?—Perguntou, confuso.

—Conversando.—Disse Armin.

—Admirando a paisagem.—Falei ao mesmo tempo que ele.

—Conversando e admirando a paisagem.—Armin corrigiu.

—Não podem admirar a paisagem pela janela e conversar na sala? Está muito frio.

—Mas aqui tem ar puro...—Argumentei.

—É, não que eu goste disso, mas acho que às vezes faz bem, não é?—Armin olhou para mim.

Arnaud alternava olhares entre nós dois.

—Vocês dois...—Ele passou a mão pelo rosto.—Dupla infalível.

—Como Batman e Robin.—Armin sugeriu.

—Eu sou o Batman.—Falei.

—Claro que não.

—Por que não?

—Quem é o único moreno lindo o suficiente para ser o bilionário herdeiro das Indústrias Wayne?

Eu o fitei.

—O Christian Bale?—Perguntei, provocando-o. Armin revirou os olhos e Arnaud entrou em casa, rindo.

Esperei um pouco antes de decidir perguntar:

—Sobre o que queria conversar?

—Hum?

—Você disse que precisávamos conversar sobre umas coisas.

Ele piscou, sem expressão, e se levantou.

—Fique aqui.

Segundos depois, Armin voltou carregando um estojo rosê estampado com flores douradas.

—O quê...?

Ele puxou o zíper e despejou todo o conteúdo sobre o assoalho de madeira: havia acetona, lixas, alicates, bases fortalecedoras, palitos de unha, algodão e mais um monte de coisas.

—Armin, o que é tudo isso?—Perguntei, rindo.

Ele levantou os olhos para mim, mas logo desviou.

—Eu não sabia o que precisava comprar então comprei tudo.—Ele segurou os frascos de esmalte.—Certo, nós temos "Azul da Cor do Mar", "Verde Amazônia", "Renda" e "Laranjeira", qual você quer, ma chérie?

Eu não conseguia parar de rir.

—Por que está fazendo isso?

—Por que eu não estaria fazendo isso?—Ele me ofereceu os quatro esmaltes. Eu escolhi o azul.—Ótima escolha, mademoiselle. Tenho permissão para tocar suas mãos?

Eu sorri e as estendi na sua direção. Seus dedos tocaram a palma da minha mão gentilmente. Ele corria os olhos pelo monte de itens à sua disposição, totalmente desnorteado.

—Então, primeiro eu tenho que...

—Lixar as unhas.

—...claro. Eu já sabia. E a lixa é...?

—Para um manicure, você é um ótimo designer de jogos.—Provoquei, lembrando de quando o machuquei com a chave de fenda. Ele me espiou pelo canto dos olhos e sorriu.—Armin, não precisa se dar tanto ao trabalho.

—Eu faço questão.—Disse, começando a lixar. Depois de muitos "eu estou fazendo certo?", ele terminou.—Agora posso pintar?

—À vontade.

Ele abriu o esmalte azul e passou o pincel na primeira unha.

—Pensei que fosse escolher o verde. Não é a sua cor preferida?

—Como sabe que é a minha cor preferida?

Ele deu de ombros.

—Você sempre usa verde.

Eu analisei seus olhos azuis, concentrados. Então eu estava sendo observada?

—É, mas... ultimamente venho desenvolvendo uma atração por tons de azul...—Falei, sem pensar. Por sorte, ele não pareceu entender.

—É uma bela cor.

—E qual a sua cor favorita?—Perguntei.

—Acho que não tenho uma cor favorita. Gosto de todas... mas roxo é bem legal.

—Ah.—Suspirei, decepcionada.

Vitória abriu a porta para a varanda e cruzou os braços.

—O que é isso? Vocês abriram um salão na minha varanda? Eu sou a próxima.

Armin balançou a cabeça.

—Nada disso. Sinto muito, mas você não marcou horário.

Alexy esticou o pescoço por cima do ombro da mãe.

—Ei, eu também quero...

Eu dei uma risada.

—Custa cinco euros.—Armin resmungou.

—Eu sou seu irmão!

—Verdade. Nesse caso, custa dez euros.

Arnaud abriu a janela e se apoiou no parapeito.

—Pensei que você precisasse de um simulador virtual para tudo, filho.

Armin riu, sarcástico.

—Eu sou tão bom no mundo real quanto no mundo virtual.

—Eu acho que você só sabe apertar botões...—Arnaud provocou, como quem não queria nada.

Armin fechou o frasco de esmalte. Eu não conseguia levá-lo à sério com o palito de unha atrás da orelha.

—Quer apostar?

Arnaud lhe dirigiu um sorriso desafiador. Quando estava prestes a propôr o desafio, Vitória interveio:

—Esperem aí, gracinhas. Primeiro, vocês irão tomar café e arrumar as camas. Depois façam o que quiserem.

Os três se dispersaram e Armin voltou a se concentrar nas minhas mãos. Meus dedos estavam mais pintados do que as minhas unhas, mas eu não me importava. Sua atitude foi tão fofa que eu não conseguiria criticá-lo.

Ele limpou os cantos das unhas e passou minutos admirando seu trabalho, até eu o arrastar até a cozinha para tomar café.

"Talvez eu devesse abrir um salão de beleza", dizia, convencido.

Arnaud passou o restante da manhã implicando com Armin. Por fim, o desafiou a jogar uma partida de futebol com ele.

Mas eu não jogo isso nem no videogame! Jogos de futebol são horríveis...—Armin fechou a cara com a proposta.

—Eu acho que você está inventando desculpas.—Arnaud entrelaçou os dedos atrás da cabeça e se inclinou na cadeira.

—Nada disso! Pode ter certeza que eu vou ganhar de você!

Conclusão: eu e Vitória fomos colocadas no meio da briga. Eu não via sentido em estarmos ali já que a briga não era nossa, mas nós duas nos tornamos as goleiras dos "times". Eu e Arnaud contra Armin e a mãe.

Alexy se aproveitou dos números pares para escapar do jogo e se sentar ao meu lado. Ficamos conversando.

—Você e Armin são estranhos.

—Hum? Por quê?

—Vocês brigam e voltam o tempo todo.

—Ahn... isso é bom, não?

Eu me afastei dele e agarrei uma bola que Armin havia chutado mais uma vez forte demais na minha direção.

—Se jogar forte de novo eu te mato.—Ameacei, quando ele chegou perto. Ele riu e eu devolvi a bola para Arnaud .

—Vocês deveriam se assumir logo.—Alexy apoiou os cotovelos sobre os joelhos, frustrado. Eu dei uma risada.

—Assumir o que, Alexy?

—Que vocês se gostam, droga!

Eu revirei os olhos.

—Eu e Armin somos apenas bons amigos.

—Não, eu e você somos bons amigos! Vocês dois são um casal.

—Alexy, eu já disse mil vezes que...—Eu escutei algo e me calei.—Ouviu isso?

Alexy levantou a cabeça, alerta.

—O quê?

—Um som parecido com guizos.—Murmurei, me virando, tentando ver de onde vinha o barulho. Alexy se levantou.

—Deve ser um sino dos ventos.

Eu estreitei meus olhos. Havia algo entre as árvores... como a silhueta de alguém. Dei um passo a frente, prestes a começar a correr quando algo atingiu minha coxa, com força. Eu desequilibrei e fui ao chão, vendo a bola que me acertou rolar para longe. Minha perna queimava.

Armin correu na minha direção.

—Oh, não.

—Droga, Armin.

—Foi mal, foi mal mesmo!

Ele me pegou no colo e Vitória parou ao meu lado com um semblante preocupado.

—Annya, querida, você está bem?—Ela acariciava meu cabelo.—Ele te machucou?

—Mais ou men...

—Armin! Seu... bruto!—Ela deu um tapa no braço dele, ignorando minha resposta. Eu segurei o riso.—Olha o que você fez com ela!

—Ei, calma, ela está viva!—Disse.—Bem, não por muito tempo...—Completou ao se afastar.

Nós dois rimos, enquanto ele me carregava até o chalé. Armin me colocou no sofá e esticou minhas pernas, colocando uma compressa de gelo sobre o local. Eu estava me segurando para não dizer que podia fazer aquilo sozinha. Parte de mim adorava ter a atenção dele, mas outra parte não suportava receber ajuda de ninguém.

Ai...

—Foi mal.—Murmurou, tirando a compressa bruscamente.

Ai!

—Foi mal!

Eu encostei a cabeça na almofada e suspirei pesadamente.

—Acho que já vi essa cena antes.—Sussurrou. Eu sorri.—Como não conseguiu defender aquela bola?

—Eu me distraí... ouvi sons de guizos.

—Guizos?

—Sim, você não ouviu?

—Ahn... não.—Ele franziu o cenho.—Na verdade, faz muito tempo que não ouço esse barulho.

—Parecia ter vindo do meio das árvores. E também parecia ter alguém lá.

Armin me encarou.

—O que foi?

—Eu acertei sua cabeça ou sua perna?

—Está me chamando de maluca?

—Claro que não!

Espetei seu peito com o dedo.

Eu-ouvi-os-guizos!—Eu olhei para minha coxa quando ele levantou a compressa.—Ei, minha perna está ficando mais roxa?

Shhh, você está deliraaando!—Armin colocou a mão na minha testa. Eu a afastei com um tapa.

—Estou falando sério. Parece estar piorando, Armin.

—Ah, por favor. Só porque está passando de roxo para preto não quer dizer que está piorando, Annya.

Ele olhou para mim, claramente segurando o riso e eu revirei os olhos, voltando a me deitar. Senti meus lábios se curvarem num sorriso involuntário.

Essa sensação de ter alguém cuidando de mim... não era tão ruim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Vocabulário
Ma chérie = Minha querida