Start escrita por Queen Of The Clouds


Capítulo 16
Todos os sete mares




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Anastasia

Eu passei correndo pela sala sob os olhares atentos de Vitória e Arnaud. Não queria que eles me vissem chorando, mas acho que os meus olhos vermelhos estavam mais do que óbvios. Peguei um ônibus na esquina da casa e fui embora.

"O que eu sou para você?", minha própria voz ecoava no fundo da minha mente.

Eu fechei os olhos. Uma lágrima deslizou pela minha bochecha.

Ele estava certo. Eu estava mentindo para mim mesma. Passei todos esses anos achando que estava me protegendo, mas no fim estava me punindo. Eu não vim para a França porque queria uma nova vida... eu fugi dos Estados Unidos porque não me achava merecedora de toda aquela tranquilidade. Não depois de tudo que me aconteceu. Eu estava cercada pelo amor dos meus avós, morando numa casa grande,  tratando da minha saúde mental e emocional, estudando numa boa faculdade... eu não me achava digna de tudo aquilo.

Eu nunca aceitei a ideia de ter Alexy e Rosalya como amigos porque nunca tive  bons amigos. E a culpa era minha. Se eu atraí aquelas pessoas ruins, talvez fosse porque eu era tão ruim quanto elas. E eu não merecia ter alguém como eles dois.

Nunca me conformei em ter Armin ao meu lado porque acreditava que ele era bom demais para mim. Porque eu achava que, dessa vez, havia encontrado alguém que se preocupava comigo de verdade e eu jamais poderia ser tratada dessa forma.

No entanto, quando finalmente criei coragem de perguntar à ele seus sentimentos sobre mim... o que eu era para ele... não tive resposta. Tentei dar uma chance ao amor e tudo que obtive foi silêncio.

Era uma pergunta tão simples. Se ele realmente se preocupava comigo, então por que não me respondeu?

O que eu significo para ele?

Eu desci no ponto de ônibus perto de casa. Caminhava observando meus pés. A rua estava deserta, exceto pelo fluxo de carros e motos. Quando me aproximei do meu prédio, um jipe vermelho estacionava na calçada. Continuei andando até ouvir a porta do carro abrir e bater atrás de mim.

Ouvi passos apressados e de repente alguém segurou meu braço. Fiquei ainda mais irritada por ter reconhecido aquele toque.

—Annya, eu...

—Me solte.

—Eu preciso que você me escute.

Fitei seus olhos azuis.

—O que você quer?

—Conversar.

Eu me soltei e voltei a andar até o portão.

—Já conversamos o suficiente por hoje.

—Eu...

—Não precisa fingir que se importa comigo, Armin.—Afirmei, olhando-o de cima a baixo.—Me deixe em paz.

Eu cumprimentei o porteiro e subi até o meu apartamento. Assim que tranquei a porta, minha máscara de determinação foi por água abaixo. Deslizei até o chão e voltei a chorar imediatamente. Minha cabeça, meu peito, meus olhos... tudo doía. Queimava. Era só pensar nele e tudo saía do lugar. Os pensamentos que organizei por anos nas prateleiras da minha memória despencavam em direção ao chão.

Eu estava tão confusa e... furiosa. Eu sentia raiva por ter tolerado minha mãe, raiva por ter me rebaixado à tudo que Viktor dizia, raiva por ter abandonado a tranquilidade que tinha nos Estados Unidos, raiva por ter conhecido Alexy e principalmente... raiva por ter me apaixonado pelo Armin.

 

Armin

Eu respirei fundo e toquei o interfone. O portão se abriu e eu corri até a portaria.

—Boa noite, não sei se o senhor lembra de mim, mas eu vou me mudar para o apartamento no quinto andar daqui a...

O senhor sorriu para mim.

—Pode subir, filho, eu me lembro de você. O apartamento dela é o 507.—Respondeu, simpático.

—Ah, muito obrigado!

Eu corri até o elevador e apertei o botão de número cinco. Enquanto esperava-o chegar, passei o tempo olhando os degraus da escadaria.

Quem em sã consciência preferiria usar a escada ao invés do elevador?

Eu estava nervoso. Ainda não conseguia acreditar que iria morar no mesmo andar que Annya. Era a maior coincidência do mundo. Quando finalmente cheguei no quinto andar, parei em frente ao seu apartamento. Minha mão estava a centímetros da porta, prestes a bater... mas decidi aproximar o ouvido da madeira.

Annya estava chorando... baixinho, de um modo quase inaudível. Senti meu coração apertar. Encostei a cabeça na moldura da porta e a chamei:

—Annya?—Eu a escutei se mover.—Não vá embora, por favor. Olha, eu não queria te magoar, eu... eu errei, está bem? Me desculpe.

Silêncio. Eu só ouvia o mínimo ruído dos elevadores subindo e descendo. De repente, algo me veio à cabeça.

—Ainda quer saber o que você significa para mim?

Eu fiz uma pausa. Não acreditava que ia dizer aquelas palavras. Era como eu me sentia, mas ainda assim era tão... dramático.

—Sabe aquelas estrelas que você gosta tanto de admirar?—Perguntei, sorrindo.—Acho que você é como uma delas... não importa o quanto se afaste de mim, eu ainda vou continuar vendo o seu brilho... porque eu preciso dele. Você me acalma. Eu sou como um viajante perdido no mar, me orientando apenas pelas constelações. Sem as estrelas, sem você... eu navego em círculos. Todos os sete mares me parecem iguais. Eu preciso de você, Annya.

Ela não respondeu. Não escutei nem um único som. Me deitei no chão e tentei ver por debaixo da porta. Annya estava sentada de costas para mim.

—Quando quiser falar comigo, estarei aqui.

Eu me sentei e apoiei as costas na parede. Não falei mais nada. Depois de muito tempo encarando a parede branca, meus olhos começaram a pesar, até finalmente se fecharem e eu adormecer.

 

Anastasia

Eu abri os olhos, sentindo a superfície gelada em minha bochecha. Afastei o cabelo do rosto e bocejei. Eu ainda vestia a mesma roupa de ontem. Não me lembrava de ter dormido no chão.

Me levantei, ainda trocando os pés e abri a geladeira: não havia nada. Suspirei. Eu deveria ter reabastecido ontem, mas Armin bagunçou o resto do meu dia.

Eu lavei o meu rosto inchado na pia do banheiro e escovei os dentes, para ir até o mercado. Infelizmente, eu precisava sair de casa. Quando abri a porta, encontrei um homem deitado no meu tapete azul de bem-vindo. Bastou reconhecer suas mechas escuras, para o meu coração dar um salto.

Eu revirei os olhos e pulei por cima dele, saindo do prédio debaixo do sol quente. Não demorei muito no mercado. Comprei o que precisava e carreguei o monte de compras até meu apartamento, sozinha.

Vendo pelo lado bom, pelo menos Armin não estava mais no meu tapete, pensei aliviada ao girar a maçaneta.

Eu entrei em casa e empurrei a porta com o pé. Quando deixei as sacolas sobre a bancada, me assustei com Armin sentado no meu sofá, me encarando, de braços cruzados. Parecia uma criança irritada por estar de castigo.

Eu disfarcei o susto e o ignorei. Comecei a guardar as compras.

Sério? Não vai falar comigo?

Eu guardei o saco de açucar no armário.

—Não tenho o que falar com você.

—Você tem muita coisa para falar comigo. Quer que eu cite uma delas?—Eu não o respondi.—Certo, vamos começar pelo principal. Como você teve a audácia de sair do meu quarto daquela forma? Nem me deu tempo para responder!

—Você não ia responder.

—É claro que eu ia responder! Você acha mesmo que não significa nada para mim?

—Sim?

Ele abriu a boca para reclamar, indignado, mas mudou de ideia. Ao invés disso, passou os dedos pelo cabelo e respirou profundamente.

—Você escutou alguma palavra do que eu falei por trás daquela porta?

—Escutei todas as palavras.

Ele mordeu o lábio, reprimindo uma risada nervosa.

—E como ainda pode pensar que... droga, Annya! Eu estou tentando proteger você! Eu me preocupo com você!

Eu estava prestes a responder, quando escutei batidas à porta. Quando a abri, minha vizinha me olhava, assustada.

—Hum... bom dia. Desculpe pelo barulho.—Falei, antes mesmo que ela reclamasse.

—Só queria saber se está tudo bem.—Sorriu timidamente.

—Está tudo bem. É só...

Eu olhei para Armin.

—Ah, namorado...—Ela murmurou.

—Não, ele não é...—Eu respirei fundo. Não aguentava mais ter que explicar aquilo.—É, é meu namorado.

—Entendi. Eu estou tentando fazer meu menino dormir... então...

—Me desculpe, vamos fazer silêncio.

—Obrigada.

—De nada.

Fechei a porta e voltei minha atenção para as compras.

—Quer saber onde paramos?

—Não.

—Eu estava falando sobre o quanto me preocupo com você e...

—Armin, chega!

Ele se calou, enquanto eu sentava na bancada da cozinha.

—Chega de discussões, chega de brigas, eu não quero mais gritar com você... vamos apenas esquecer tudo isso, por favor.—Eu escondi meu rosto nas mãos.

Escutei-o suspirar. Ele afastou minhas mãos e passou os braços ao redor da minha cintura, me abraçando. Eu estava surpresa. Não sabia se deveria retribuir.

Parecia mais um dos nossos acordos não verbais.

O apartamento estava silencioso e por um momento eu pensei ter ouvido as batidas do coração de Armin.

Pareciam sincronizadas com as minhas.

Eu inclinei minha cabeça sobre a sua e, hesitante, passei os braços sobre seus ombros. Ficamos assim por alguns segundos, até ele se afastar e sair pela porta, sem mais nenhuma palavra.


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Notas finais do capítulo

S2