Start escrita por Queen Of The Clouds


Capítulo 14
Ressuscitando cicatrizes


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.
Por favor, leiam as notas finais do capítulo.



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Armin

Nós chegamos em casa, onde meus pais assistiam TV na sala. Annya parou para cumprimentá-los, enquanto eu os observava da escada. Era impressionante a rapidez com que os dois se afeiçoaram à ela. Mesmo meu pai que trabalhava o dia inteiro, arranjava tempo para me perguntar como ela estava.

Depois de uma sessão de abraços entre os três, nós dois subimos para o meu quarto. Annya se deitou na minha cama.

Eu ainda estava criando coragem para perguntar à ela sobre sua vida, apesar de estar inquieto e curioso. Eu havia acabado de lhe contar as minhas piores experiências e tinha consciência do quanto a deixei mal. Não queria forçá-la a falar sobre assuntos que pudessem deixá-la ainda mais incomodada.

No entanto, antes que eu pudesse pensar muito sobre o assunto, ela mesma disse:

—Você tem direito a três desejos, meu jovem. Sobre o que quer saber?

Sorri, surpreso.

—Acho que... o mesmo que você me perguntou: por que ainda está solteira?

Ela me observou por alguns segundos, pensando.

—Não encontrei ninguém digno. Sou como o Mjölnir do Thor.

—Muito engraçado.

Ela riu, mas seu sorriso logo se desfez.

—Eu tenho medo.

—De quê?

—Das outras pessoas.—Respondeu, me olhando nos olhos.—Eu não sei como me aproximei de você com tanta... facilidade. 

Era nesse ponto que eu queria chegar.

Eu puxei uma cadeira para perto e me sentei, concentrado.

—Quando começou esse medo?

Ela ergueu as sobrancelhas.

—É uma longa história, mas acho que posso tentar resumir.—Falou, se sentando.—Hum... alguns meses antes de ir para os Estados Unidos, eu conheci um cara. Ele era um ano mais velho do que eu e vinha de uma família rica... diferente de mim. Era bonito, esperto, engraçado... e muito persuasivo.

Ela suspirou, olhando para as próprias mãos em seu colo.

—Ele foi gentil no início, se aproximou de mim como um amigo... e quando eu percebi, já estava apaixonada por ele. Estava tudo perfeito, mas não demorou muito e ele...—Sua voz tremeu.—Ele tentou me forçar a fazer coisas que eu não queria... e eu recusei.

Ela fechou os olhos.

—Eu gostava dele, só não queria ir tão longe, entende?

Eu assenti com a cabeça, devagar.

—A partir daquele dia, tudo começou a desandar. Ele começou a agir de forma rude... criticava a minha aparência, minha postura, minhas roupas... e eu sempre relevei, até concordei algumas vezes... até que um dia resolvi retrucar. Foi a primeira vez que ele me agrediu.

Eu senti meus ombros caírem.

—Ele... m-mas, Annya... como eu nunca vi nada?—Perguntei, assustado.

—Era sempre em lugares cobertos pela roupa, para ninguém ver. A mente dele funcionava de uma forma curiosa, sabe. Ele me batia por eu não querer ter relações com ele, mas nunca me forçou diretamente à isso. Eu posso até dizer que tive sorte.—Annya me lançou um sorriso dolorosamente irônico.—Era como se, para ele, estupro fosse uma coisa ruim, mas espancamento? Hum... aceitável.

Ela respirou fundo antes de continuar.

—Quando ele percebeu que eu continuava recusando a me relacionar com ele, mesmo sob violência, começou a me trair. Dizia que a culpa era minha porque eu não fazia o que ele pedia.

—Isso é ridículo!

—Eu sei, mas... eu acreditava.—Annya deu um sorriso fraco.—Todos os adolescentes da minha idade pareciam animados na ideia de ter relações com outra pessoa... menos eu. Eu não me sentia preparada. Eu achava que eu estava errada, que eu estava com defeito.

—E a outra garota? Ele tratava a amante bem?

—Sim. Ele dizia que ela tinha um namorado parecido comigo, porque não aceitava fazer sexo com ela e tudo mais...—Ela balançou a cabeça, exasperada.—Eles eram igualmente horríveis, mereciam um ao outro.

—Mas se ele encontrou essa garota, então por que não te deixava em paz? Aliás, por que você não terminou com ele?

—Porque minha mãe me proibiu, Armin.—Ela encolheu os ombros, com um olhar triste.—Quando ela descobriu tudo que estava acontecendo, pediu o dinheiro dele em troca do silêncio dela. Ela dizia para mim que precisávamos do dinheiro e, bem... eu não tinha muito o que fazer.

Eu a observava, perplexo.

—Annya... você não tinha mais ninguém para te ajudar?

Ela hesitou em responder. Seus olhos começaram a ficar vermelhos, mas ela fez uma força enorme para não chorar.

—Não, eu não tinha ninguém... um dia descobri o número dos meus avós e liguei para eles, pedindo ajuda. Eles viajaram dos Estados Unidos para a França e entraram num processo pela minha guarda. Por isso me mudei para lá.

De repenti, me senti incomodado. Eu queria falar o que estava em minha mente há semanas, mas não queria pressioná-la. Eu olhei para suas mãos, me lembrando do dia que a levei para a lanchonete. Ela havia dito que as cicatrizes em suas mãos eram arranhões de gatos, mas agora eu já tinha minhas dúvidas.

Eu não sabia o que dizer à ela. Sabia que não havia mais nada a se fazer, entendia-a completamente... mas eu nunca poderia imaginar que algo tão ruim teria acontecido à ela. Só de pensar em alguém machucando-a, eu sentia meu corpo queimar em raiva.

Como alguém podia ser tão ruim?

—E o que aconteceu com o imbecil do seu ex-namorado? Ele foi preso?

Ela me fitou.

—Viktor era rico, Armin. É claro que ele não foi preso.

Eu pisquei.

—Viktor... Chavalier?

—Sim. Você o conhec...?

Ela parou de falar. Seus olhos arregalaram-se. Ela percebeu a mesma coisa que eu.

—Oh, droga...

—Preciso falar com meus pais.

—Armin, não...

Eu desci até a sala  e Annya me seguiu, apesar de insistir que deveríamos deixar esse problema para lá. Eu os lembrei sobre o caso da Rachel e expliquei brevemente o que Annya passou, omitindo quase todos os detalhes. Não queria expôr  tudo que ela havia me contado.

Meu pai respirou fundo.

—Então você está me dizendo que o ex-namorado da Annya...

—...era o amante da Rachel?—Minha mãe completou.

—Exatamente! Nós precisamos dar um jeito de falar com a polícia, buscar por alguma ordem judicial de afastamento, sei lá!—Disse, agitado.—Rachel já deve odiar Annya por causa do Viktor e agora pode a odiar mais ainda por estar perto de mim!

Minha mãe se levantou.

—Tudo bem... se acalme, Armin. Nós ainda temos tempo, okay? Rachel ainda está presa.

—Não... ela foi solta no início do ano, mãe. Droga, se eu tivesse percebido isso antes não teria me aproximado da Annya.

Eu me sentei no sofá, correndo os dedos pelo cabelo. Sentia o olhar dos meus pais sobre mim. Eu não conseguia acreditar que aqueles fantasmas estavam voltando para me assombrar. Minhas mãos suavam frio e minha respiração estava acelerada. Eu não conseguia raciocinar com clareza... mas de uma coisa eu tinha certeza: eu precisava proteger Annya.

—Eu posso...—Balbuciei.—Ir até a delegacia amanhã e...

—Não.—Annya finalmente se pronunciou. Eu olhei para ela.

—Como assim "não"?

—Não quero que vá a delegacia. E  também não quero que se preocupem comigo.

—É impossível não me preocupar.

—Então torne possível.—Retrucou, me lançando um olhar frio como mármore. Como sua expressão havia mudado tão rápido?—Armin, não fazem nem vinte e quatro horas desde que descobrimos que Rachel está solta e você já está tendo um ataque de ansiedade. Não quero que nenhum de vocês se enfie nessa confusão outra vez por minha causa. E eu não preciso de... ordem judicial ou qualquer outra coisa.

—Annya, ela é perigosa.

—E o que ela vai fazer? Quebrar a minha perna? Eu tenho duas, não me importo.

—Ela pode quebrar as duas!—Eu me levantei.

—Ótimo. Como eu já havia dito: eu não me importo.

—Você não sabe do que está falando.—Grunhi enquanto subia as escadas.

—Eu sei muito bem do que estou falando.

Eu me virei, prestes a gritar com ela, mas parei no meio do caminho. Ela estava de braços cruzados e me encarava completamente calma. Não havia traço algum de emoção em seu rosto. Enquanto eu me afogava em preocupação, ela agia como se morrer não fosse nada demais, como se não ligasse ou...

Então é verdade. Eu realmente estava certo.

Eu cerrei a mandíbula e voltei a subir as escadas. Bati a porta do quarto ao entrar.


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Notas finais do capítulo

Um relacionamento abusivo não é necessariamente marcado por violência física.

Excesso de ciúmes, controle sobre a sua vida e suas decisões, humilhações e brigas constantes não são sinônimos de amor. São marcas de um relacionamento abusivo e isso pode acontecer com qualquer um(a).

Se informe e procure ajuda!

Você não precisa ficar preso(a) à isso!