Start escrita por Queen Of The Clouds


Capítulo 13
Ainda preciso contar estrelas


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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 Armin

Me virei num sobressalto, como se o espelho não fosse suficiente para confiar. A pessoa já havia desaparecido, me deixando apenas com um buraco no peito. Uma sensação ruim. Meus ouvidos se fecharam, como se estivessem sob pressão. Minha cabeça inteira começou a doer em questão de segundos. Meu coração batia com tanta força que eu podia contar cada uma das batidas.

Aquele era o motivo plausível que sempre me fazia desistir de me aproximar de qualquer pessoa.

Eu sei o que eu vi. Mas não era possível que ela... não. Mesmo se fosse, ela não faria isso outra vez, certo?

Não era ela, Armin!

Uma buzina me despertou no mesmo momento que Annya tocou meu ombro. Eu estremeci, voltando à realidade. O caminho à minha frente estava livre.

—Armin? O que houve?—Sua expressão estava carregada de preocupação. Apenas avancei e estacionei sobre a calçada, desligando o carro por um minuto para recuperar o ar.—Você está sentindo alguma coisa? Precisa de ajuda?

—Só preciso de um minuto.

O carro parecia pequeno demais. Meus pulmões ardiam. Pensei em sair do carro, ir até lá e resolver a minha dúvida de uma vez.

Mas Annya estava ali. Eu não podia deixá-la sozinha de jeito nenhum.

Bati a cabeça no encosto do banco e apertei os olhos.

Eu devia estar parecendo um maluco. Não me surpreenderia se Annya abrisse a porta e voltasse pra casa agora.

Não sei quanto tempo fiquei assim. Mas quando abri os olhos, ela ainda estava ali. A preocupação ainda estampada em seus olhos. Me senti mal por isso. Quase podia ver uma interrogação desenhada em sua testa. Suspirei.

—Talvez devêssemos ir pra casa. Foi mal, e-eu... eu não sei se estou me sentindo muito bem.

Ela soltou o cinto e olhou para trás, tentando entender o que havia acontecido.

—O que você viu, Armin?

Eu não tocava nesse assunto há anos, nem mesmo com Alexy.

Hesitei. 

—Uma ex-namorada minha morava naquele bairro... as coisas não terminaram muito bem entre a gente.

Pensei que ela iria rir ou achar bobeira, mas ela permaneceu tensa, prestando atenção em cada uma das minhas palavras.

—O que ela fez?

Por que ela supôs que foi ela quem fez algo? Ninguém pensa nisso de primeira.

—Desculpe, não quero me intrometer. Mas pode conversar comigo... se quiser.

—Você não está se intrometendo. Ela... e-eu não sei por onde começar...

—Liga o carro. Vamos conversando no caminho.

—Acho melhor ir pra casa...

—Não é bom se isolar nessas horas. Você precisa distrair a cabeça. Vamos lá. Eu estou te devendo essa.—Seus lábios se curvaram num pequeno sorriso quando ela tocou meu ombro outra vez.—Te ignorei por um mês, não foi?

Respirei fundo. Liguei o carro. Não era possível que, depois de tanto tempo, isso ainda me afetasse dessa forma. Annya esperou até cairmos na estrada antes de voltar ao assunto.

—Como vocês se conheceram?

—Foi na época da escola. Ela fazia parte do grêmio estudantil junto com o Nathaniel e a Melody e eu... e-eu não era lá um aluno muito exemplar.

Me permiti uma pequena pausa quando notei que minha voz estava trêmula. Patético.

—Um dia a professora de química cansou de chamar a minha atenção e me falou umas coisas bem desagradáveis na frente de toda a turma.—Suspirei.—Eu não estava passando por uma situação muito legal, minhas notas estavam uma merda e a minha cabeça estava pior ainda. Saí da sala chorando e me escondi no porão atrás da escadaria.

De soslaio, pude ver que Annya me escutava atentamente.

—Rachel apareceu do nada. Ela era da minha turma, mas nunca havíamos nos falado antes. Passamos a manhã inteira conversando e, depois de me ouvir por horas, ela se ofereceu de me ajudar a estudar para química. Nós ficamos amigos e não demorou muito para começarmos a namorar.

Senti a aflição começar a tomar conta de mim. Meu corpo parecia afundar no banco. Apertei as mãos contra o volante, como se precisasse me segurar em algo para não me afogar.

—Só que... ela começou a demonstrar um ciúme absurdo dos meus amigos. Até me afastou de muitos deles. Ela distorcia as coisas para me fazer acreditar que eles eram pessoas ruins. Eu me sinto um idiota contando isso hoje em dia, parecia tão óbvio, mas...

—É assim mesmo.—Annya me interrompeu, com sua voz mansa.—Não dá pra perceber o que está acontecendo quando você está dentro da situação.

—É! Exatamente. Eu parecia cego.—Falei, me lembrando da época.—O problema é que essa possessividade começou a se estender para estranhos também. Qualquer garota que se aproximava de mim, por menor que fosse a interação, acabava machucada. Eu não queria acreditar que era Rachel quem estava fazendo isso, mas ela estava indo cada vez mais longe.

Tentei buscar por uma lembrança em específico. A última depois de dezenas de "acidentes".

—Uma vez a escola organizou uma corrida de orientação. As turmas foram misturadas e eu fiz dupla com uma garota que não conhecia. Nós tínhamos apenas um mapa e uma bússola para a atividade e estávamos completamente perdidos. Nós acabamos desistindo da corrida e ficamos apenas conversando enquanto seguíamos pela trilha, esperando encontrar os professores em algum momento. Estava sendo divertido até começar a escurecer. Ninguém veio nos buscar.

Fiz uma pausa. De repente, eu conseguia até mesmo ouvir o som das folhas secas sendo pisoteadas.

—Eu pensei ter visto uma luz e decidi ir ver o que era, mas Olívia estava muito assustada e não quis me seguir. E-eu... eu nem me afastei demais. Andei por apenas alguns metros a frente quando escutei seus gritos. Encontrei um rastro extenso, como se ela tivesse sido arrastado na lama. A trilha terminava às margens de um barranco. Ela não parava de gritar. Eu não conseguia vê-la, mas desci mesmo assim. Fiquei cheio de arranhões e cortes e fraturei o braço no caminho. Mas ela... quando finalmente a alcancei, ela estava inconsciente. Eu não sabia o que fazer, não sabia se podia movê-la, sua cabeça sangrava muito. Fiquei ali por mais alguns minutos até os professores nos encontrarem e depois ainda precisei esperar pela emergência.

—Ela...ela...—Annya estava em choque.—E a Rachel?

—Ela estava junto com os professores. Parecia aliviada por ter me encontrado, me abraçava e beijava o meu rosto, mas... minha mente não estava mais ali. Eu sabia que havia sido ela. Eu precisava continuar fingindo que não sabia, mas era impossível. Eu estava morrendo de medo. Depois que Olívia foi internada, a polícia pegou o depoimento dela. Ela contou tudo aos policiais, mas eles não acreditavam que uma menina que parecia ser tão inofensiva pudesse ter feito aquilo. Pensaram que Olívia estivesse escondendo a verdade e eu me tornei um suspeito. Rachel só foi levada à sério depois que outras garotas também a denunciaram. Foram dezenas de casos, mas poucos deles não tinham relação comigo. Eu também precisei prestar depoimento.

—E ela foi presa?

—Ela fugiu. Ficou desaparecida por semanas, até que um dia invadiu a minha casa durante a noite. Ela me atacou, disse que eu a havia traído. Eu queria terminar aquilo de uma vez por todas, mas ela estava armada. Eu não podia arriscar... minha família estava dormindo. Era ridículo, eu era maior do que ela e mesmo assim me sentia impotente.

—O que você fez?

O GPS indicava que havíamos acabado de chegar ao nosso destino. Eu estacionei ao lado do caminho de pedras que nos levaria até os meus amigos e desliguei o carro. O silêncio agora estava ainda maior. Senti a vergonha começar a tomar conta de mim.

—Eu pedi desculpas. Implorei para que ela me perdoasse. Falei que iria fugir junto com ela e... assim que vi a oportunidade, a desarmei. Chamei meus pais e ligamos para a polícia. O olhar de ódio dela, ajoelhada no chão do meu quarto... eu nunca poderia me esquecer disso.

—Mas... ela foi presa?

—Foi internada num sanatório por cinco anos, diagnosticada com transtorno de personalidade antissocial. Além disso, o advogado alegou instabilidade emocional por conta da morte dos pais... e mais um monte de coisas que prefiro nem lembrar.

Um peso deveria ter saído das minhas costas, mas, ao invés disso, parecia ter voltado. Annya encostou no banco, como se ainda estivesse absorvendo toda a história.

—E foi ela que você pensou ter visto hoje?

—Sim, mas não é possível. Ela só vai ser liberada no ano que vem.

—Quando foi a audiência?

—No fim de 2017.

Ela me fitava, sem nem mesmo piscar.

—O que foi?

—Armin... ela já está solta.

 

Anastasia

Eu nunca poderia imaginar que algo desse nível tivesse acontecido a Armin. Quando Alexy disse que o seu irmão não teve "boas experiências" com relacionamentos, eu imaginava apenas um término ruim. Aquela história parecia surreal demais, era como ouvir "baseado em fatos reais" ao fim de um filme assustador.

Eu escutei tudo esperando que ele voltasse ao seu modo normal, dissesse que era brincadeira e que eu caí como uma patinha... mas não foi assim. Armin estava caindo aos pedaços na minha frente e eu não fazia ideia do que dizer. Suas mãos tremiam sobre os joelhos e seu olhar parecia estar em outro lugar. Eu sabia como era a sensação. Lembrar de tudo de ruim que você deixou para trás era como reviver o trauma.

Tentando não pensar muito, segurei sua mão.

—Eu não quero viver isso outra vez.—Ele falou, sem esboçar reação.

—Ela ficou internada, não foi? Talvez esteja sob controle.

—Não sei... não consigo imaginá-la agindo normalmente.

Armin olhava fixamente para frente e sua mão não se mexia sob a minha. Parecia paralisado.

—Você não pode tentar uma medida protetiva ou algo assim?—Arrisquei dizer.—A polícia ainda deve ter algum arquivo do caso, podem fazer rondas no seu bairro ou providenciar uma viatura para...

—Não estou tão preocupado comigo, Annya.

—Então com o quê está preocupado?

Seu olhar desceu até minha mão. Ele se calou e retirou a sua.

—Acho melhor a gente ir pra casa.

No mesmo instante, uma batida na minha janela fez com que nós dois nos virássemos num pulo. Alexy, no entanto, nos observava com um sorriso no rosto e uma generosa fatia de torta na mão. Armin abaixou o vidro.

—Finalmente chegaram!—Exclamou, já se virando e se afastando.—Se eu fosse vocês andaria depressa, Nathaniel não parou de mastigar desde que pisou aqui.

—Eu acho que seu irmão não está be...—Comecei a explicar, mas Armin me calou com um sibilo. Me virei para ele, sem entender.

—Não conte a ele.—Disse, simplesmente. Com um longo suspiro, ele abriu a porta do carro.—Vamos, não quero ficar aqui por muito tempo.

Nós subimos a encosta para um campo aberto. Estávamos no alto de uma colina. Haviam algumas árvores fazendo sombra no gramado e o vento soprava suavemente, assobiando entre os galhos. O clima estava agradável, mas sentia que em algumas horas o frio iria tomar conta do lugar.

—Que lindo.—Comentei quando uma brisa levantou algumas folhas douradas no ar.—Como vocês descobriram esse lugar?

—Ahn... é uma história complicada.—Armin escondeu as mãos no bolso do casaco.

—Mais uma?

Ele esboçou um sorriso.

—É, mais uma.

Eu cruzei os braços e o acompanhei enquanto caminhávamos até seus amigos.

—Tem algo que eu possa fazer?

Ele olhou para mim, mas antes que pudesse dizer algo, Alexy se aproximou, com os braços abertos.

—Pensei que não viriam mais!—Falou, entre o abraço e o beijo na minha testa.—Melody fez uma torta de maçã extraordinária, vocês vão adorar!

Deixando Alexy andar à nossa frente, eu sussurrei para Armin:

—O que posso fazer para te deixar melhor?

Ele respirou fundo.

—Pode ir se divertir e tentar conhecer melhor os meus amigos.

—Mas...

—Quem sabe eles não se tornam seus amigos também?

Não era possível que, depois de tudo que Armin me contou, ele realmente esperava que eu fosse deixá-lo sozinho. Será que eu havia incomodado-o? Por qual outro motivo ele estava querendo me afastar?

Talvez ele só quisesse ficar sozinho.

—Tudo bem.—Concordei, por fim.

—Sabe que isso não tem nada a ver com você, não é? Eu só...

—Eu sei. Tente se distrair, ok?

Ele me dirigiu um meio sorriso.

—Você também.

Comecei a olhar ao redor para avaliar as minhas possíveis companhias. Rosalya e Alexy estavam fora de questão, já que eram os únicos que eu conhecia. Violette, infelizmente, estava conversando com Íris, de quem eu preferia manter distância. Castiel estava sentado sob uma árvore, com um violão em mãos, acompanhado por Lysandre. Eu não sabia que ele tocava. Eles pareciam alvos seguros, então resolvi me aproximar.

—Ora, ora, ora... se não é a namorada do Armin...—Castiel murmurou, sarcástico.

—Que bom que veio, Anastasia.

Lysandre apertou minha mão, cordialmente, enquanto Castiel se limitou a acenar com a cabeça.

 

—Alexy conseguiu convencer o irmão dele, afinal.—Comentou, deixando o violão de lado.

—Quem? Armin?

—É. Ele parecia um pouco contrariado a te convidar.

—Ah, parecia?—Não consegui esconder a decepção na minha voz.

—Da forma que você fala até parece que ele não queria chamá-la.—Lysandre o repreendeu.—Ele estava mais para envergonhado.

—Envergonhado? Por quê? De convidar a própria namorada?

Eu levei os dedos às têmporas, massageando-as.

—Eu não sou a namorada do Armin. Vocês não deveriam acreditar em tudo que Alexy diz.

—Então quer dizer que o cara te olhando a cada cinco segundos não te ama?—Castiel apontou para um ponto atrás de mim e eu me virei. Ele tinha razão. Armin estava conversando com Kentin, mas parecia continuava tenso, me dirigindo olhares o tempo todo.

—Ele só está preocupado... eu acho.—Pensei na Rachel, mas resolvi não mencioná-la.—Cheguei na cidade há poucos meses e não conheço quase ninguém.

Castiel abriu uma latinha de cerveja e a ergueu na minha direção, encenando um brinde.

—A minha proposta de amizade continua de pé.

Sorri cinicamente.

—Muito obrigada, mas eu tenho minha própria cama.

—É uma pena.

Por mais impossível que parecesse para mim, nós três continuamos conversando por bastante tempo. Descobri que os dois tinham uma banda, onde Castiel era o guitarrista e Lysandre o vocalista. Prometi à eles que um dia os ouviria tocar em algum show. Nossos gostos musicais eram parecidos, apesar de Lysandre gostar de músicas ainda mais antigas do que as que eu costumava ouvir com o meu pai.

As garotas estenderam uma toalha sobre o gramado, onde começaram a organizar dezenas de doces e lanches. Eu não sabia que deveria trazer algo. Na verdade, eu não sabia nem para onde estava indo até entrar no carro, se Armin tivesse me avisado eu teria preparado algum prato para trazer.

—Acho melhor eu ir ajudá-las. Com licença.—Lysandre me deixou com Castiel.

—Posso esperar por uma apresentação musical hoje?—Perguntei, observando-o afinar o violão.

Ele deu de ombros.

—Acho que sim. Eu não queria, mas eles insistiram para que eu trouxesse o violão.

—Hum... e qual é o plano de fuga?

—Beber até não conseguir distinguir as notas.

Eu dei uma risada.

—Se eles insistiram tanto, talvez seja porque gostem da sua música.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos.

—É, talvez.

Não demorou muito para chamarem nós dois. Sobre a toalha haviam pratos de sanduíches, bolos, sucos, sorvetes, refrigerantes, biscoitos, salgadinhos... um prato melhor que o outro. Eu não conseguia deixar de me sentir culpada por não ter levado nada. Pensei em não comer nada, mas Castiel logo percebeu o que eu planejava.

—O que você trouxe? Quero julgar seus talentos culinários.—Provocou, abrindo outra latinha de cerveja.

—Quem sabe numa outra ocasião?—Falei.—Não trouxe nada.

Castiel olhou para mim, parecendo desconfiado.

—E o que vai comer?

—Não estou com fome.

Ele estalou a língua, impaciente, e jogou um pacote de salgadinhos para mim.

—Não precisa mentir. Ninguém aqui vai brigar com você por uma bobagem dessas.—Resmungou, se afastando.—Bon appétit.

Eu me juntei à Kim, durante o lanche. Ela disse a mesma coisa que o mal-humorado de cabelos vermelhos, mesmo sem eu ter falado nada.

Mais tarde, para a tristeza de Castiel, todos se lembraram do violão e ele não teve tempo suficiente para ficar bêbado. Apesar da relutância no início, ele acabou aceitando. Ele tocava e cantava muito bem e a voz grave de Lysandre deixava as músicas ainda mais belas. Era a combinação perfeita.

No fim, foi uma tarde divertida. Consegui até mesmo flagrar Armin dando risadas enquanto conversava com Nathaniel. Fiquei feliz por tê-lo "forçado" a vir.

O sol já estava começando a se pôr quando ele se sentou ao meu lado. As nuvens alaranjadas pintavam desenhos no céu. Em poucos minutos, as estrelas começaram a pontuar o céu escuro. A noite estava linda.

—Ei, olhe.—Eu esbarrei no ombro dele.—As estrelas apareceram.

Ele olhou para cima e esboçou um sorriso.

—São incríveis.

Eu suspirei.

—Elas me lembram o meu pai.

—Por quê?

—Ele aprendeu e me ensinou cada constelação.

—Ele é astrônomo?

—Não.—Eu dei uma risada.—Ele cursou medicina, não entendia nada de astronomia... mas aprendeu o nome de cada constelação só porque eu pedi.

Armin continuava me fitando, prestando atenção em tudo que eu dizia.

—Quando eu era pequena, adorava histórias de piratas. Meu pai me chamava de Barba Ruiva.—Eu alisei minha barba inexistente, fazendo Armin sorrir.—As estrelas ajudavam os piratas a se guiarem pelos oceanos e eu queria aprender a ler o céu como eles. 

Eu sorri, me lembrando de algo.

—Eu sempre tive medo de tempestades. Quando chovia demais e meu pai não estava por perto para me acalmar, ele dizia para eu recitar o nome de todas as constelações que eu me lembrasse... porque elas me guiariam à paz.

—E funcionava?

Eu fiz um bico, pensativa.

—Existem mais de oitenta constelações. Lá pela vigésima, eu dormia, então... acho que funcionava, sim.

Armin sorriu e voltou a olhar o céu. Eles acenderam uma fogueira que eu passei um bom tempo observando... e em poucos minutos, senti que também estava sendo observada. Quando levantei os olhos, encontrei Íris me encarando fixamente do outro lado do fogo. Eu disfarcei e deitei a cabeça no ombro de Armin.

—Por que Íris parece não gostar de mim?—Sussurrei para ele. Ele inclinou a cabeça para ver meu rosto.

—Ela te fez alguma coisa?

—Não, mas... não gosto da forma que ela olha para mim.

Armin fez silêncio. Quando olhei para Íris outra vez, ela fitava Armin. Uma ideia me passou pela cabeça.

—Acho que ela gosta de você.—Murmurei, quase inaudível. Ele se virou para mim.—O que foi?

—Nada.

—É mais uma das coisas que você pretende me contar?

Ele demorou a responder. Castiel e Lysandre pararam de cantar e nós dois aplaudimos, junto aos outros.

—É, acho que sim.—Suspirou.—Annya, podemos ir embora? Já está tarde.

Eu olhei ao redor antes de focar em seu rosto. Apesar de tudo o que acontecera durante o dia, o sentimento de preocupação ainda nublava sua face.

—Tudo bem.

—Pessoal, acho que já vamos. Preciso levar Annya em casa.

Nós nos levantamos para nos despedirmos de todos. Eles pediram para ficarmos mais um pouco, mas decidi não pressionar Armin por mais tempo.

—Tem certeza de que vai só deixá-la em casa?—Castiel implicou, olhando para mim. Eu revirei os olhos, fazendo-o rir.

Íris estava abraçando Armin quando Nathaniel, ainda embriagado, disse:

—Armin, você tem fetiche por ruivas ou algo do tipo?

O rosto de Armin se fechou em segundos. Todos ficaram em silêncio, enquanto Rosalya, Alexy e Kentin fuzilavam Nathaniel com os olhos, sem discrição alguma.

—Nathaniel...—Melody o repreendeu.

—Do que ele está falando?—Perguntei, imediatamente olhando para Íris, que sorria para mim.

Eu juro que vou matar essa garota.

—Nathaniel, faça um favor ao mundo e cale a boca.—Castiel resmungou, passando a mão pelo rosto.

Armin se despediu uma última vez e gentilmente segurou-me pelo cotovelo para irmos embora.

—Por que ele disse aquilo?—Questionei, mas ele não respondeu.

Nós entramos no carro e descemos a encosta. Armin não parecia bem. Quando finalmente chegamos à estrada, ele finalmente disse:

—Você havia perguntado sobre como descobrimos aquele lugar, não é?

Eu assenti e ele continuou.

—Foi na única vez que eu fiquei bêbado em toda a minha vida.

—Faz muito tempo?

—Aconteceu pouco depois da prisão de Rachel.—Ele respirou fundo.—Eu fiquei péssimo com tudo que havia acontecido e o pessoal estava tentando me animar. Fizeram um piquenique, como hoje, e depois fomos para a casa da Íris para uma festa. Eu ainda não estava me sentindo bem, então Íris me chamou até a cozinha e insistiu para que eu bebesse, para me soltar um pouco. Eu aceitei a ideia. Só que... ela havia colocado alguma coisa na minha bebida.

Eu me voltei para ele, irritada.

—Ela fez o quê?!

Ele franziu o cenho.

—Eu não lembro de quase nada daquela noite, mas... todos disseram que eu e ela desaparecemos da festa e... pela manhã, eu acordei na cama dela. Ela estava dormindo ao meu lado e minhas roupas estavam no chão, junto com as dela.

Ele respirou fundo.

—Aquela noite só piorou tudo. Eu acordei assustado e não lembrava de nada... pensei que tivesse feito algo errado, algo ruim.  Pensei que eu pudesse tê-la machucado. Aos poucos minhas memórias começaram a voltar e o meu desespero mudou de foco quando eu percebi que... não era minha culpa.

—Armin, ela cometeu um crime.—Falei, horrorizada.—Você sabe disso, não é? Você falou sobre isso com mais alguém?

—Alexy, Rosalya, Castiel, Kentin... os outros pensam que foi consensual.

—E o que eles disseram?

—Disseram para eu denunciá-la.

Eu continuei olhando-o, esperando que ele continuasse. Seus ombros caíram e ele murmurou:

—Eu não tive coragem de denunciá-la, Annya.

—Armin!

—Eu havia acabado de me livrar da Rachel, não queria passar por todo aquele processo judicial outra vez! Ela confessou para nós cinco, pediu perdão a mim e implorou para que eu não a denunciasse.

Eu balancei a cabeça, perplexa.

—Eu vou matar aquela garota!

—Annya, já passou. Não há mais nada a fazer. Eu e ela continuamos no mesmo círculo de amizade, eu mantenho distância dela e é isso.

Eu continuei olhando-o.

Todas as pessoas possuem cicatrizes, e eu sempre soube disso. Mas eu não sabia que as cicatrizes de Armin eram tão profundas quanto as minhas.

Então aqueles eram os motivos pelos quais ele não havia se relacionado com mais ninguém. Ele ainda tinha medo. Ele não merecia ter passado por tudo aquilo. Ninguém merece passar por tudo aquilo.

—Armin, ela confessou, você tem testemunhas...—Insisti.—Ainda pode denunciá-la.

—Eu não quero. Estou bem.

—Mas...

—Annya, eu não vou mudar de ideia.

Eu me calei. Infelizmente, eu precisava respeitar sua decisão. Cruzei os braços, inconformada.

—Eu bateria nela...

—Annya...

—...com a Rachel.

Ele olhou para mim e sorriu.

—Acredito em você. Obrigado.


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