Start escrita por Queen Of The Clouds


Capítulo 10
Proximidade perigosa




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Anastasia

Geralmente, a maioria vence. A união faz a força e tudo mais... só que nenhuma maioria vence o Alexy.

E é por isso que mesmo que eu e Armin quiséssemos muito assistir "Batman: O Cavaleiro das Trevas", passamos o fim de tarde assistindo Katherine Heigl e James Marsden em "Vestida Para Casar".

Pelo menos o filme não era ruim. Armin estava vidrado prestando atenção. Fiz uma nota mental para perguntar a ele o que achou do filme mais tarde.

Eu estava sentada entre os dois gêmeos — não por vontade própria, é claro; se eu pudesse, esconderia minha cabeça num buraco e jamais olharia para o Armin outra vez. Não falei nada para Alexy sobre o nosso incidente e, até onde sei, Armin também ficou de bico fechado. A última coisa que precisávamos era dar pano pra manga e alimentar a fixação de Alexy num relacionamento entre mim e o seu irmão.

Não passara nem uma hora de filme quando Alexy trouxe um cobertor e jogou por cima de nós três. Poucos minutos depois ele desapareceu da sala, deixando eu e Armin sozinhos outra vez.

Eu estava com sono por ter acordado cedo e minha cabeça pesava e encostava no ombro de Armin o tempo inteiro. Eu a levantava rapidamente, mas em algum momento ele a segurou com uma das mãos e me acomodou em seu ombro. E eu apaguei. Mas pelo menos dessa vez não houveram pesadelos.

Acordei num quarto que não era meu e logo reconheci como o de Armin. Ele estava no computador. Eu me sentei na cama, tentando me acostumar à luz.

—Armin.—Chamei, esfregando os olhos. Ele se virou, alarmado.

—Ah, você acordou. Que susto, Annya.—Resmungou, passando a mão pelo cabelo.

—Por que eu estou aqui?

—Porque o sofá é desconfortável?—Murmurou, como se fosse óbvio.—Não se preocupe, dessa vez eu vou dormir no chão.

Eu merecia um tapa na cara por ter ficado triste com isso.

—Que horas são?—Perguntei, esfregando os olhos.—Já deve ser tarde.

—São só duas da manhã. Eu não queria acordá-la.

Eu arregalei os olhos.

—E por que você não está dormindo?

—Estou fazendo trabalho. Só preciso terminar mais algumas coisas.

Eu voltei a me deitar. Depois de quase meia hora tentando dormir, comecei a observá-lo. A cada minuto que passava, os bocejos se tornavam mais constantes. Quando seu corpo parecia querer se desligar e a cabeça começava a pender, Armin se sacudia, consertava a postura e retomava o foco. Seus ombros estavam contraídos e sua perna balançava repetidamente. Ele parecia ansioso e, ao mesmo tempo, exausto.

—Armin...—Ele olhou na minha direção na mesma hora, parecia que eu havia o despertado de um transe.—Está tudo bem?

—O quê? Sim. Claro que está tudo bem. Eu só preciso de... como é o nome?—Estalou os dedos e estreitou os olhos pra mim, tentando se lembrar.—Aquela coisa escura...

—Café?—Arrisquei.

—Isso! Café é bom...

Ele olhou para o nada e respirou fundo. Ele estava quase enlouquecendo de sono e, até assim, era fofo.

—Vou pegar um pouco pra mim, você quer?

—Não, Armin, você precisa dormir.—Eu me levantei.

—Eu já estou indo. Programei o alarme para tocar em algumas horas e... olha só, falta apenas terminar esses slides e...

Eu olhei para a tela do computador. De quarenta slides, ao menos dez ainda estavam em branco, com apenas um título singelo preenchendo a parte superior da folha, e dois diziam a mesma coisa. Segurei minha vontade de rir.

—Amanhã você termina. Vamos.

—Mas eu preciso salvar o arquivo...

—Deixa comigo. Pode ir deitar.

Ele me fitou por alguns segundos e depois suspirou, rastejando até a cama. Eu franzi a testa, pensando em algo.

—Armin, por que você tem uma cama de casal?

—Gosto de espaço.—Ele respondeu.

—E eu não estou invadindo seu espaço?

—Oh, não, você não incomoda.

Ele acendeu a luminária e apagou a luz, se deitando na cama.

—É só que... eu gosto de... espaço.—Balbuciou, fechando os olhos. Eu não consegui conter um sorriso.

Terminei de salvar as dezenas de arquivos abertos e desliguei o computador. Eu o cobri com o cobertor e peguei outro para mim no closet, além de uma almofada para separar o espaço entre nós dois.

Eu me deitei ao seu lado, aproveitando os poucos segundos que tinha para admirá-lo. Agora seu semblante parecia mais tranquilo, descansado. Seus ombros estavam relaxados. Parecia algo ilegal, mas arrisquei tocar o seu rosto. Contornei seus traços com a ponta dos dedos e tirei os fios de cabelo que caíam sobre seus olhos. Mesmo dormindo, ele sorriu, fazendo meu coração derreter.

Suspirei pesadamente.

Aquele foi o sorriso mais perigoso que já vi em toda minha vida.

 ***

Quando acordei a primeira coisa que notei foi que a almofada entre nós dois não serviu para nada. Eu estava confortavelmente aninhada nos braços de Armin, com a cabeça sobre seu peito.

Eu tentei me movimentar sem acordá-lo mas não funcionou.

—Nem pense em me tirar da cama antes das nove outra vez.—Ele sussurrou.

—Mas...

—Shhh... só mais alguns minutos.

Eu sorri.

—Depois do que vi ontem, a última coisa que quero é privá-lo de sono.—Sussurrei em resposta.

—Hum...—Ele abriu os olhos e se afastou apenas a ponto de ver meu rosto.—Espera, o que você viu ontem?

—Não se lembra?

Ele negou com a cabeça. Seus olhos estavam pequenininhos de sono.

Como eu disse: fofo.

—Parece que o jogo virou.—Sorri, me referindo à madrugada de domingo.

—Pelo visto, sim. Então quer dizer que dessa vez foi você quem me colocou para dormir? O que houve?—Perguntou, com a voz ainda arrastada de sono.

—Ah, nada demais! Você só estava falando coisas como "Annya é a pessoa mais legal do mundo!" e tal.—Imitei-o, assim como ele havia dito pra me assustar. Ele gargalhou.

—Eu disse isso, é?

—Sim! E que sou divertida, interessante, charmosa, incrível... coisas bobas desse tipo.

Qual é o seu problema, Anastasia? O que está fazendo agora? Flertando com ele?!

Isso tudo não daria em nada. Estava tudo sob controle. Eu cruzei os braços e o encarei firmemente, seguindo minha brincadeira. Armin estreitou os olhos para mim e um sorriso começou a se formar em seus lábios.

Se eu tivesse dito isso...

—Você disse.—Reafirmei, como uma boa mentirosa.

—...eu não estaria exatamente mentindo.

Minha postura foi toda por água abaixo, se é que eu havia conseguido fingir alguma. Não tive reação, não imaginava que ele fosse devolver o golpe. E assim, num piscar de olhos, eu tive vontade de formatar todo o meu cérebro e recomeçar.

Seria tão ruim assim se eu me permitisse gostar do Armin?

—Mas eu com certeza adicionaria "teimosa" e "cabeça-dura" nessa lista.—Acrescentou. Eu ri de nervosismo.

—Eu discordo.

—O que confirma o que eu disse: teimosa e cabeça-dura.

Dessa vez, dei uma risada genuína. Como eu disse: era fácil estar com Armin. Ele era divertido, gentil e doce. Quando me recompus e notei que ele me observava, ele desviou o olhar.

—Annya, eu estive pensando...

Esperei que ele continuasse, mas o restante da frase não chegava. Sua expressão era indecifrável pra mim. Apenas o tamborilar de seus dedos sobre a cama pôde me dizer que ele parecia preocupado. Nervoso, talvez.

—Sobre...—Um sorriso rápido transpassou seu rosto e ele balançou a cabeça.—Esquece. É bobagem.

Eu me aproximei e apenas arqueei uma sobrancelha, fazendo-o rir no milésimo de segundo que ele olhou pra mim.

—Eu acho que estou...

Ele começou a falar mas parou. Seus olhos se detiveram fixamente nos meus. Um arrepio percorreu o meu braço e eu estremeci, torcendo para que ele não tivesse notado. Seu rosto se aproximou perigosamente do meu, de modo que eu já conseguia ver as linhas azuis em sua íris, como as águas desconhecidas do mar, prestes a me envolver.

E eu não me importaria de mergulhar naquelas ondas.

Por mais que eu não notasse ou me recusasse a admitir, todo o meu corpo estava em expectativa. Não percebi quando meu queixo se inclinou ou quando descaradamente fitei seus lábios. Ou mesmo quando uma febre percorreu meu pescoço ao sentir sua respiração próxima a minha. Alguns míseros e terríveis centímetros me separavam de Armin.

Mas então... o despertador tocou. Nós nos afastamos num pulo e eu me sentei na cama, passando os dedos entre o cabelo. Armin se levantou rapidamente e desligou o alarme. Eu nem ao menos conseguia olhar para ele.

Onde eu estava com a cabeça?!

Ele pigarreou.

—Eu vou lá embaixo... ver se Alexy... precisa de ajuda com algo e...—Ele apontou para a porta e saiu, completamente perdido.

Eu me deitei na cama e cobri o rosto com o travesseiro. Senti vontade de gritar. Eu não podia passar nem mais um dia naquela casa ou iria enlouquecer!

Eu ia beijá-lo! Que ideia besta! Pior do que isso: eu quero beijá-lo. Não foi um impulso, não foi o calor do momento. Se ele entrasse por aquela porta agora, eu não hesitaria em quebrar um celular ao meio se um despertador ficasse entre nós dois outra vez.

Ergui o travesseiro e debilmente encarei a porta, torcendo para que ele voltasse. Obviamente não aconteceu. Voltei a afundar a cabeça no travesseiro.

Finalmente cheguei ao ponto em que não podia mais negar a atração que sentia por Armin. Bastaram dois dias consecutivos ao seu lado para eu comprovar essa triste verdade. Eu nunca havia me sentido assim antes, era assustador. Alexy estava certo, era só passar algumas horas com Armin e eu já agia como uma boba, sorrindo para tudo e fazendo gracinhas!

Me levantei da cama e respirei fundo, tentando recolocar a cabeça no lugar. Eu estava indo bem. Está tudo sob controle. Esse é o primeiro passo para se livrar de qualquer problema: admitir que tem um problema.

Qual é o segundo passo? Pense, Anastasia!

Eu comecei a andar de um lado para o outro, até que vi o meu próprio reflexo no espelho do pequeno closet. Os fantasmas do Pac-man estampados na blusa preta me encaravam de volta. Eu ainda estava vestindo a roupa dele.

Fui até o banheiro e tratei de tirá-la rapidamente substituindo-a pela minha blusa branca, levemente gelada pela umidade.

Segundo passo...

Eu olhei para a blusa preta em minhas mãos.

...eu precisava me afastar do meu problema...

E então olhei para a minha mochila.

...mas eu ainda não estava totalmente pronta para isso.

Suspirei e a dobrei cuidadosamente, colocando-a em um dos bolsos. Por ora, decidi roubá-la para mim, como uma singela recordação.

Fui até o banheiro e lavei o rosto, encarando de volta a figura pálida e magra no espelho. Percorri o olhar pelas covas que marcavam minha bochecha e terminei o caminho em meus próprios olhos. Julgadores. Era doloroso ver a indiferença que eu dirigia à mim mesma, mas não conseguia evitar.

"Divertida, interessante, charmosa e incrível". Não sei de onde tirei isso. Não havia nada em mim que me despertasse esse pensamento.

Mas Armin pensa assim. Ele concordou com o que você disse. Ele até tentou te beijar!

"A iniciativa foi dele", constatei junto à voz na minha cabeça.

Por que estou fazendo esse tratamento de choque? Eu não preciso me desintoxicar de Armin como se ele fosse um veneno. Gosto da companhia dele, de sua voz, suas conversas e, pelo visto, gosto quando ele tenta me beijar. Eu sei o que quero e sei que não fiz por impulso, eu poderia tentar outra vez.

E quebrar o coração em milhões de pedacinhos outra vez também. Mais uma angústia para a coleção.

Suspirei e lavei o rosto uma última vez, empurrando meu pessimismo ralo abaixo, junto com a água. Juntei o pouco de coragem que havia em mim e, quando desci, encontrei Armin, Alexy e Rosalya na cozinha, tomando café da manhã.

—Bom dia, flor do dia.—Alexy me cumprimentou.

—Temos muito trabalho para hoje. Dormiu bem, Annya?—Rosalya perguntou, com um sorriso contido.

Por que tanta simpatia, de repente?

Dei uma breve olhada em cada um deles antes de me sentar à mesa. Ao contrário da dupla sorridente, Armin estava de olhos fechados e massageava a têmpora direita com as pontas dos dedos. Seu café parecia intocado.

Ele me parecia arrependido. Com certeza percebeu que cometeu um erro.

—Foi uma noite normal... como qualquer outra.—Respondi pausadamente.

Senti algo apagar dentro de mim. Só porque eu me sentia bem, não podia confiar que Armin também se sentia da mesma forma. E mesmo que sentisse, em algum momento iria dar errado. Eu sei disso. Não tive sucesso em nada na minha vida, por que seria diferente agora?

—Entendo.—Alexy bebericou seu copo de suco.—Eu fui até o quarto para buscar suas roupas para colocar na secadora, mas vocês dois ainda estavam dormindo e pareciam tão... tão... Como é mesmo a palavra?

—Confortáveis.—Rosalya completou.

—Exato. Vocês pareciam tão confortáveis que preferi não incomodá-los.

Armin pigarreou e se ajeitou na cadeira, permanecendo calado. Seu silêncio começava a me incomodar. Com certeza Alexy e Rosa estavam esperando que eu comentasse algo sobre o assunto, mas eu me recusava a presenteá-los dessa forma.

—Bem, como pode ver...—Eu olhei para a minha blusa.—Minha roupa já  está seca. Mas obrigada, mesmo assim.

Alexy sorriu cordialmente para mim.

—E você, Armin? Dormiu bem?—Rosalya perguntou. Ele deu de ombros e respirou fundo.

—Dormi normalmente, Rosalya. E voc...

—Tudo bem, já chega!—Alexy interveio, inquieto.—Eu preciso saber se aconteceu alguma coisa entre vocês dois, é uma questão de vida ou morte. Vocês estavam dormindo abraçados e...

Armin abriu a boca para falar, mas eu me adiantei:

—E o que tem demais em dormirmos abraçados? Isso não quer dizer nada.—Eu o interrompi. Um certo par de olhos azuis se voltou para mim e eu retribuí o olhar.—Eu e seu irmão somos apenas amigos e nada além disso... não é, Armin?

Ele me encarou por mais alguns segundos e então sorriu, olhando para o irmão.

—Com certeza. Somos apenas amigos, Alexy.

Seus olhos não acompanhavam seu sorriso. Ele estava visivelmente incomodado com algo e eu me sentia a própria pedra no sapato.

—E nunca pintou nenhum clima entre vocês?—Rosalya questionou, direta.

—Que bobagem, Alexy. É claro que nunca aconteceu nada entre nós dois.—Menti descaradamente, fazendo Armin se virar para mim com as sobrancelhas erguidas.

—E nunca acontecerá, óbvio.—Ele afirmou com um sorriso frio. Talvez eu tenha sido dura demais. E se eu tiver entendido errado? Por um segundo tive vontade de voltar atrás.

Ele não sente o mesmo. Vocês estavam próximos, foi só um impulso. Pare de fantasiar, Anastasia.

—Exatamente.—Murmurei, forçando-me a sorrir como se tudo aquilo não passasse de uma piada.—Nunca acontecerá.


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