Start escrita por Queen Of The Clouds


Capítulo 11
Apenas amigos




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Anastasia

Eu, Alexy e Rosalya passamos o restante da tarde trabalhando no projeto da faculdade. Ao menos o esforço valeu a pena, já que finalmente conseguimos dar os toques finais para a apresentação.

O projeto consistia no estudo da moda feminina através das décadas. Nosso grupo, por sorteio, ficou com a moda dos anos sessenta, uma das minhas favoritas. Nós confeccionamos três indumentárias diferentes para o projeto, focando no Movimento Hippie e no advento das minissaias e das calças compridas no cotidiano das mulheres.

Eu evitei sair do quarto de Alexy a todo custo. Não queria correr o risco de esbarrar com Armin pela casa. Eu precisava chegar na faculdade em menos de duas horas para apresentar meu projeto e decidi ir para casa, sem me despedir.

O único problema era que... minha mochila havia ficado no quarto dele. Eu precisava entrar. Bati na porta e esperei por uma resposta, mas não houve nenhuma.

Com sorte, o quarto poderia estar vazio.

Mas não estava. Armin estava dormindo sentado, com os braços dobrados sobre a mesa do computador. Minha mochila estava logo ao seu pé. Eu me ajoelhei e tentei pegá-la, mas logo notei que as alças estavam presa sob as rodinhas da cadeira. Eu não conseguiria puxá-la com Armin ali.

Suspirei pesadamente.

É claro que a mochila estaria presa. Óbvio! Por que nada na minha vida podia ser fácil, pelo menos uma vez?

Eu balancei o ombro de Armin e o chamei:

—Armin.—Ele não respondeu. Eu respirei fundo e me aproximei, balançando-o outra vez—Armin, acorde.

Ele abriu os olhos e se sentou, assustado. Acidentalmente, sua mão acertou meu queixo com toda força.

—Oh, meu Deus, Annya!—Exclamou, se levantando.—Eu te machuquei?

—Não... está tudo be...

—Deixe-me ver.

Ele segurou meu rosto em suas mãos, como se fosse um gesto totalmente corriqueiro. E lá estava eu, outra vez, perdendo a consciência. Suas mãos eram quentes e seu toque, cuidadoso. Eu já havia até esquecido o que ele estava fazendo, até que seu polegar pressionou de leve o meu queixo.

Ai!

—Me desculpe!—Ele afastou a mão rapidamente.—Como isso foi acontecer? O que você estava fazendo?—Questionou, preocupado.

—Eu só queria pegar minha mochila.

Ele seguiu meu olhar até a mochila e suspirou, soltando-a da cadeira e me entregando.

—Pelo menos agora estamos quites pela chave de fenda.—Balbuciou, em tom de brincadeira.

—Não acredito que você disse isso...—Reclamei, apesar do sorriso estampado em meu rosto.

—Desculpe.—Ele riu.—Vamos lá embaixo colocar gelo nisso aí.

Fiquei com uma compressa fria no queixo por bastante tempo, até minha cabeça também começar a doer pelo frio. E, assim, tão rápido quanto começamos a nos estranhar, logo eu e Armin estávamos bem outra vez. Ele continuou agindo como se nada tivesse acontecido e eu tratei de fazer o mesmo. Ele até mesmo perguntou o horário da minha apresentação, disse que tentaria ir para me ver.

—Só pra me ver?

—É. Nada contra o meu irmão, mas eu já o ouço falar demais.—Justificou, me fazendo rir.

Quando disse que precisava ir embora, precisei rejeitar carona por quase dez minutos até ele finalmente me deixar ir sozinha. Provavelmente estava se sentindo culpado por ter me machucado.

Pensando nisso, a palavra "adorável" começou a surgir em minha mente e eu a afastei. Sossega, Anastasia! Ele já deixou bem claro que somos apenas amigos! Esquece isso.

Eu precisava me contentar com o que tinha, que já era muito, pra falar a verdade. Conseguir criar uma amizade já era um passo importante demais pra mim, eu não precisava complicar as coisas com Armin. Eu estou feliz por ter Rosalya e os gêmeos na minha vida e ponto final.

A única explicação para aquele quase beijo ter acontecido é a de que... não havia explicação. Foi um deslize. Um erro. Estávamos próximos demais, isso pode tê-lo confundido de alguma forma. Talvez até eu estivesse confusa, será que eu queria mesmo beijá-lo? No fim, devia ser apenas coisa da minha cabeça. Sim, ele é extremamente atraente, bonito, engraçado, inteligente, gentil, criativo, sensível, divertido, doce... 

Certo, eu ainda quero beijá-lo, droga!

Mas querer não é poder! E eu posso conviver com isso. As chances de algo dar errado eram enormes e eu não queria me afundar de novo nessas probabilidades.

Tomei um banho frio e demorado quando cheguei em casa. Estudei a minha parte da apresentação e comecei a me arrumar para sair. Prendi meu cabelo num rabo de cavalo, vesti jeans, uma blusa verde de mangas compridas e, por fim, calcei meus tênis.

Meu queixo estava dolorido e começava a ficar roxo. Decidi passar uma base para cobrir o hematoma que com certeza iria se formar.

Cheguei adiantada na aula e aproveitei mais alguns minutos para rever o meu texto, mas meu cérebro ainda não estava totalmente conformado com o assunto "Armin". As tais probabilidades já estavam começando a me cercar. Não estudei como deveria, mas o lado bom de ter perdido os slides da apresentação é que depois de refazê-los pela segunda vez o assunto enraizou na minha mente. Não precisei me preocupar.

Encontrei Rosalya e Alexy na sala de aula. O nosso grupo era um dos últimos do dia a apresentar e a cada grupo que se sentava a minha ansiedade aumentava. Evitei o contato visual com o restante da turma e tentei me concentrar apenas na professora. De qualquer forma, era ela quem iria me avaliar mesmo. Depois que Alexy e Rosalya falaram, eu comecei a explicar o meu tópico:

—...além dessa grande revolução na moda feminina, com a chegada das minissaias e das calças no cotidiano das mulheres, a década de sessenta também foi marcada pelo Movimento Hippie que tomou conta dos Estados Unidos. As vestimentas, como mostram as imagens...

Eu continuei explicando tranquilamente, como se estivesse conversando com as paredes. E eu provavelmente estava, já que mais da metade da turma estava visivelmente distraída com o celular. Estava tudo fluindo bem até eu ver Armin parado do lado de fora do corredor, conversando com uma mulher ruiva e um homem de cabelos vermelhos. Meu foco se esvaiu completamente. Comecei a tropeçar nas palavras e sentir o olhar das pessoas sobre mim.

—Está tudo bem?—A professora me analisava.

—C-claro. Bem, como eu dizia... as vestimentas tinham essa influência da cultura ocidental, já que...

De repente, Armin disse algo que fez a garota se apoiar em seu ombro, dando risada. O homem apenas sorriu e balançou a cabeça.

Quem era essa garota?

—Hum... as cores e o caimento do tecido...—Murmurei, distraída.—Os olhos azuis e...

A mulher bagunçou o cabelo de Armin, fazendo-o entortar os lábios num sorriso sem graça. Senti meu sangue ferver.

—Hum... Annya?—A voz de Alexy me despertou. A professora me encarava, com uma sobrancelha arqueada. Alexy e Rosalya me fitavam, ansiosos.

—Olhos azuis?—A professora questionou.

—O quê?

Ela juntou as mãos sobre a mesa e respirou fundo antes de perguntar outra vez:

—Tem certeza de que está se sentindo bem, querida?

—Estou ótima!—Respondi, fingindo um sorriso. As pessoas pareciam começar a cochichar pelos cantos da sala. A mulher e o homem saíram do meu campo de visão, deixando Armin sozinho.

Foco, Anastasia.

Me desculpe, professora, acho que senti um mal estar mas agora estou me sentindo bem melhor. Posso continuar?

Ela suspirou e fez um gesto para que eu continuasse:

—À vontade.

Armin encostou na moldura da porta e cruzou os braços, parecendo concentrado na apresentação. Inspirei com dificuldade e escondi minhas mãos trêmulas no bolso de trás da calça. Se antes ninguém estava prestando atenção, agora a turma era toda ouvidos. Eu me recusava a falhar outra vez.

—Os ideais do Movimento Hippie foram difundidos principalmente pelos soldados que lutaram durante a Guerra do Vietnã.—Voltei a explicar, ignorando o Príncipe Encantado que me observava.—O contato com a cultura oriental não só influenciou na revolta contra as guerras da época, o consumismo e todo o estilo de vida ocidental, mas também influenciou na moda. As roupas largas e coloridas, comuns em sessões de meditação e...

Dessa vez, consegui ir até o final da explicação, motivada pela raiva que estava sentindo por ter me distraído. A aula chegou ao fim e os grupos das outras décadas restantes tiveram as datas das suas apresentações remarcadas para outra semana.

Armin me esperava com uma expressão exageradamente impressionada e começou a bater palmas quando eu saí da sala.

—Sua explicação foi tão boa que eu quase tive vontade de trocar de curso.—Elogiou, enquanto descíamos a escadaria. Eu inclinei meus lábios num pequeno sorriso e balbuciei um "obrigada".

Enquanto os três conversavam animadamente, eu me deixei ficar para trás. O rosto daquela garota não saía da minha cabeça. Talvez Armin estivesse saindo com alguém, afinal. Não tem como Alexy saber de tudo, não é?

—Ei, Armin. O que estava conversando com a Íris e o Castiel?—Alexy perguntou.

Correção: Alexy realmente sabe de tudo.

—Eles nos convidaram para ir na lanchonete da rua de trás. Disseram que a turma toda da escola já está lá.

Escola! Então, eles se conhecem há anos. Eu não tenho a menor chance contra ela.

—Uau, essa é uma ocasião rara!—Rosalya exclamou.—Acho que nunca conseguimos reunir todos.

—Pois é.—Armin se voltou para mim quando chegamos no pátio.—Você vem, Annya?

Eu levantei a cabeça como se tivesse sido pega no flagra. Estava tão absorta nessa história que sentia como se o ciúme estivesse estampado na minha cara, o que eu esperava desesperadamente que não.

—A-ah, acho melhor não.

—Ah, vamos! Vai ser divertido, tenho certeza que você vai gostar deles.

Deles? Não sei se aguento passar mais nem um segundo acompanhada, ainda mais por pessoas que eu não conheço. Quero ir pra casa, onde posso ficar sozinha e...

Longe do Armin.

Um sentimento de egoísmo tomou conta de mim por pensar em deixá-lo ir encontrar aquela garota.

—Vamos! Eu pago a sua conta!—Alexy passou os braços pelos meus ombros e sorriu.

Depois de mais alguns poucos segundos de insistência, obviamente, não consegui recusar. Passamos no estacionamento para deixar as mochilas no carro de Armin e caminhamos até a lanchonete. O lugar estava cheio e barulhento, mas havia uma mesa muito mais barulhenta do que as outras, onde todos conversavam e riam alto. E, pra minha infelicidade, nós nos dirigimos à essa mesa. Alexy e Rosalya cumprimentaram a todos, enquanto Armin puxou uma cadeira para mim e se sentou ao meu lado.

—Não vai nos apresentar à convidada, Armin?—Uma voz áspera chamou a minha atenção do outro lado da mesa.

Era o homem de cabelos vermelhos que vi durante a minha apresentação. Seu olhar não desgrudava do meu, a ponto de me deixar desconfortável. Na verdade, ele por inteiro parecia uma grande bandeira vermelha para mim. Usava uma camisa com a estampa de uma banda de rock que pensei já ter visto em algum lugar e, assim como o bad boy mais clichê de qualquer filme, vestia uma jaqueta de couro preta. Ele estava confortavelmente esparramado em sua cadeira, com os braços apoiados nas cadeiras de Rosalya, que havia sentado ao seu lado, e de uma outra mulher, que eu não conhecia. Ambas reclamavam e tentavam empurrar o seu braço, mas ele nem se movia.

—Ah, que falta de educação a minha! Pessoal, essa é a namorada do Armin, Anastasia.—Alexy me apresentou dramaticamente com floreios de mãos, me trazendo de volta à realidade. Eu abri a boca para responder, mas com todo o burburinho do grupo, desisti.

Alexy era inacreditável. Tive vontade de esganá-lo!

—Namorada? Pensei que Armin ainda fosse virgem.—O de cabelos vermelhos zombou. Armin amassou um guardanapo e atirou nele. Os dois riam.

Eles pareciam tão diferentes um do outro, de onde surgiu essa amizade?

—Ah, fico feliz por ter ouvido meus conselhos! A propósito, ela é bem mais bonita do que a garçonete!—Um rapaz loiro ergueu seu copo de cerveja em minha direção ao me cumprimentar.

Garçonete? Que história é essa?

Uma garota morena empurrou o loiro e ralhou com ele pelo comentário, enquanto ele apenas pendia a cabeça para trás e revirava os olhos, entediado. Ele estava claramente bêbado. Sua blusa branca parecia úmida, talvez tenha derrubado bebida em si mesmo.

Isso me trouxe uma péssima lembrança de casa.

—Ela não é minha namorada, Alexy está inventando coisas, pra variar.—Armin fuzilou o irmão com os olhos.

—Então está disponível, é?—O de cabelos vermelhos se inclinou, apoiando os cotovelos sobre a mesa e piscando para mim. Seu olhar me constrangia. Cruzei os braços e me recostei na cadeira.

—Pra você, não.—Respondi, ríspida.

Um caos ainda maior tomou conta da mesa quando todos começaram a caçoar o próprio amigo. Ele ria, apesar da minha resposta. Armin parecia quase orgulhoso.

—Depois de anos se gabando, é ótimo ver você em ação, garanhão.—Armin apontou para ele.—Annya, esse é o Castiel. Não dá muita ideia pra ele, a pose de machão é pra esconder o coraçãozinho de princesa.

—Falando em princesa, essa sentada ao seu lado é a Violette.—Alexy me indicou uma garota de cabelos lilás e bochechas extremamente vermelhas. Ela mal olhava para o Alexy, parecia envergonhada.

—É um prazer conhecê-la, Anastasia.—A garota de cabelos lilás sorriu para mim, em meio à confusão.

—Obrigada, Violette, o prazer é meu.—Sorri.—A propósito, pode me chamar de Annya.

—Annya, por favor, não dê ouvidos às bobagens que o Castiel diz. Ele é um imbecil!—Uma mulher de pele negra e cabelo curto se esticou do seu lugar para bater na cabeça do tal Castiel antes de apertar minha mão.—Eu me chamo Kim, é um prazer conhecê-la!

Eu dei risada e a cumprimentei. Fui apresentada à várias outras pessoas e todas foram simpáticas comigo, com exceção da Íris, que apenas ergueu as sobrancelhas quando me apresentei. Seu cabelo era de um laranja vibrante e ela parecia entretida demais em fazer e refazer sua trança ao invés de olhar para mim. Por outro lado, havia um homem educado, de cabelos platinados e pele alva chamado Lysandre sentado ao seu lado. Descobri que o loiro bêbado se chamava Nathaniel e a mulher de expressão séria que bateu nele era a Melody. Depois de conhecer todos, refiz o caminho pela mesa para ter certeza de memorizar os nomes.

Depois que todos fizeram seus pedidos e voltaram a conversar, eu fiquei em silêncio, apenas rindo enquanto escutava suas brincadeiras. Primeiro eles estavam tentando organizar um encontro para um piquenique, ou algo do tipo, mas depois começaram a falar de aventuras antigas do tempo de escola que eu não conseguia entender totalmente. Eles contaram histórias sobre um show que fizeram no porão da escola, um sequestro de coelhos, uma peça de teatro, uma explosão no laboratório de ciências... parecia ter sido uma adolescência divertida.

Eu queria ter vivido isso. Me peguei pensando em como seria se eu tivesse estudado nessa escola. As coisas seriam diferentes? Talvez eu reconheceria algumas dessas pessoas como meus amigos. Faria piadas sobre o cabelo do Castiel, seria amiga da Kim, ajudaria o Lysandre a sequestrar coelhos, pintaria os cenários das peças de teatro junto com a Violette... e, quem sabe, até teria um namorado.

Senti alguém esbarrar em mim e me virei para encontrar Armin me olhando.

—Está tudo bem? Já se cansou da gente?

—Ainda não.—Brinquei.

—Preferia estar com seus amigos?

Deixei escapar uma risada.

—Meus amigos? As pessoas da minha antiga escola não eram legais assim.

Ele apoiou o cotovelo sobre a mesa e ficou de costas para os outros, automaticamente criando uma redoma ao nosso redor.

—Sério?

—É.

—Como eles eram?

Pensei por um segundo.

—Ricos.—Sorri e ele copiou minha expressão.—Estupidamente ricos. Foram meus avós que insistiram em pagar essa escola para mim, já que minha mãe não tinha condições.

—E o seu pai?

—Ele... fez o que podia. Quando eu era criança, estudava em casa junto com ele, sabe?—Respirei fundo.—Talvez seja por isso que nunca me encaixei muito bem na escola.

Armin parecia atento ao que eu dizia. Ainda havia dezenas de pessoas ao nosso redor e o barulho era constante, mas eu me sentia segura para conversar com ele, sem pressa.

—Eu troquei de escola muitas vezes quando estava no orfanato.—Comentou.—Os garotos implicavam comigo e eu não tinha paciência para discutir.

—Você batia neles?—A imagem de um mini Armin irritado me parecia fofa demais para ser levada a sério.—Quem diria.

Ele se espreguiçou.

—Eu disse que era impaciente, não que batia neles. Eu apanhava de segunda à sexta, sem folga.—Falou, me fazendo rir.—As pessoas mexiam com você na sua nova escola também?

Desviei o olhar, buscando algo para distrair minhas mãos. Teria que me contentar com a barra da toalha de mesa.

—No início, não.—Hesitei, deslizando os dedos sobre a costura do tecido.—Só depois que descobriram que meus pais não tinham os bolsos cheios de dinheiro iguais aos deles... aí eu me tornei a pária esquisita da sala.

Armin fez uma careta.

—Que ridículo.

—É...—Dei uma pausa, ponderando se deveria ou não continuar falando.—As coisas pioraram quando descobriram que minha mãe era alcoólatra.

Pelo canto dos olhos, notei-o mudando de posição e se aproximando mais de mim, como se diminuísse nossa redoma e nos desse mais privacidade.

—Aí começaram as piadinhas... se qualquer coisa sumisse dentro da sala, era eu quem havia roubado para comprar bebidas para a minha mãe.—Suspirei, sentindo um peso voltar às minhas costas.—Foi um longo ano.

—Deve ter sido um inferno. Sinto muito.

—Obrigada.

—Azar o deles por não ter conhecido você.

Ainda assimilando a gentileza de Armin ao dizer isso, meu cérebro tratou de pegar a direção contrária. Azar? Não é como se eles tivessem perdido alguma coisa, eu não tenho nada a oferecer. Pensar no quão insignificante eu fui na vida dessas pessoas era o que me trazia segurança, Armin não podia tirar isso de mim dessa forma.

Eu só passei pela vida deles, ganhei péssimas experiências e segui em frente. Ninguém nem se lembrava mais de mim, os problemas agora só existiam dentro da minha cabeça. No fim das contas, era isso que me reconfortava e me trazia coragem em certas situações. Esse era o meu superpoder secreto: eu era invisível e não tinha nada a perder.

—Sinto muito pela sua infância também. Se aqueles garotos tivessem te conhecido, aposto que se arrependeriam de ter implicado com você.

Armin abanou a mão como se não ligasse.

—Eles estavam ocupados demais enchendo minha cara de socos, aposto que nunca nem pensaram nisso.—Ele abriu um sorriso e se recostou na cadeira quando o garçom posicionou uma pizza enorme no centro da mesa. O queijo ainda parecia borbulhar. Foi o único momento que todos à mesa ficaram em silêncio.

Eu admirava o modo como Armin não parecia preso às coisas ruins que lhe aconteceram. Enquanto eu vivia assombrada e acuada, procurando novas formas de aceitar o que me aconteceu, ele sempre finalizava suas histórias com um sorrisinho.

Eu não conseguia ser assim. Minha cabeça não parava. Eu estava finalmente livre dos meus problemas, minha mente deveria estar vazia, mas parecia que agora eu sempre estava tentando entender o que cada um deles causou dentro de mim. Eu teorizava o porquê de ser assim, dava nomes aos meus medos e procurava um significado em tudo que eu dizia ou fazia. Um pouco de autoconhecimento era bom, mas viver presa dentro do meu próprio mundo drenava minhas energias e me impedia de manter os pés na realidade.

—Que tal uma competição de quem come mais pizza?—Armin sussurrou ao meu ouvido, de repente, quando as vozes voltaram a se fazer presentes na mesa.

Ultimamente, a única pessoa que conseguia me tirar desse mundo, era Armin.

—Nem pensar.—Recusei de primeira, balançando a cabeça.

—Está com medo de perder assim como aconteceu com o sorvete?

—Estou com medo de vomitar!

Ele riu, chamando atenção.

—E aí? Como vocês se conheceram?—Íris interrompeu nossa conversa com um sorriso tão natural quanto o de uma boneca.—Acho que ainda não ouvimos a história...

Armin engoliu o último pedaço da sua pizza antes de responder.

—Não tem "história".—Ele fez aspas com os dedos.—Annya estuda com Alexy e nós somos amigos.

—Só amigos?—Melody o encarou com os olhos semicerrados.

—É claro!

Kim acenou para mim e cobriu a boca, como se tentasse me contar um segredo mesmo estando do outro lado da mesa.

—Olha, Annya: Armin é um pouco tímido, sabe? Precisa insistir um pouco se quiser mesmo que ele assuma vocês...

Não pude evitar a risada.

—Vocês não deveriam escutar o que Alexy diz. Nós não temos nada, somos apenas amigos.

A tosse repentina de Rosalya misturada à suas risadas estragou toda a seriedade do que eu havia acabado de falar.

—Não foi o que me pareceu quando encontrei os dois dormindo juntinhos hoje de manhã.—Alexy resmungou para a amiga, com um olhar travesso.

Armin largou o garfo e a faca sobre o prato e respirou fundo quando uma onda de escândalo voltou à mesa. Rosalya ria sem parar enquanto exclamava "eu também vi!". 

—Está vendo? Pra que ter amigos?—Armin fingia irritação.—Talvez fosse melhor apanhar todos os dias.

—Quer ser a minha amiga assim também? Eu tenho uma cama espaçosa e confortável.—Castiel exibiu um sorriso de canto.

—Então aproveite para dormir nela sozinho.—Respondi, piscando para Castiel. Ele riu e esticou os braços, colocando as mãos atrás da cabeça.

—Gostei de você.

Armin pigarreou.

—Podemos mudar de assunto, por favor? Obrigado!—Armin disse, fazendo todos darem risadas do seu comentário. As brincadeiras sobre ele estar com ciúmes tomaram o lugar pelo restante da noite.

Foi um momento divertido. Não parecia ser tão ruim assim ter amigos.


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