Série Lobos II - O Clã da Lua escrita por M Schinder


Capítulo 22
Vigésima Segunda Caçada: Alfa


Notas iniciais do capítulo

A última batalha!
Katsuo corre o risco de perder a vida ou sua sanidade como humano. Será que ele irá perder tudo?

Boa leitura!



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Quando ele se chocou comigo pela terceira vez, eu o recebi com os dentes, que grudaram em seu flanco e o empurraram para baixo, contra o chão. Observei um pouco de sangue escorrer, mas ele logo se ergueu, pronto para atacar mais uma vez.

Meu pai era rápido e sempre buscava minhas patas. Uma estratégia bastante inteligente, mas óbvia. Não era preciso ser muito rápido para evitar que ele pegasse um de meus apoios, mas acabava sacrificando outros lugares muito importantes – como minha orelha esquerda. Ao desviar para o lado, impedindo que avançasse em minha pata, ele se levantou rapidamente e agarrou-a, puxando para baixo.

Gani, surpreso, mas permiti que meu corpo acompanhasse a direção em que ele me levava. Acabei deitado no chão, com o pelo cheio de terra e o corpo dele sobre o meu. Ele uivou, como se aquilo fosse o sinal da vitória. Considerava-me fraco, pois não tivera coragem de atacá-lo. Mas aquela luta era muito mais do que apenas medir nossas forças.

Girei meu corpo embaixo do dele, permitindo que meu focinho alcançasse sua pata direita. Mordi, com força. Obrigando-o a saltar para longe. Contudo, um pouco de estrago já estava feito. Sua pata sangrava e ele não conseguia colocá-la no chão direito.

Ergui-me mais uma mais, quieto. Os olhos amarelados de meu pai encaravam os meus com ódio. Não havia mais ninguém que pudesse derrotá-lo. Tinha que ser eu antes que tudo que eu conhecia acabasse.

Fui o primeiro a atacar dessa vez. Diferente dele, mirei em seu pescoço. Mesmo com medo, por opção própria, deixei que meu lado animal controlasse – ele, com certeza, deveria saber mais do que eu o que seria necessário para ganhar aquilo.

Kobayashi conseguiu escapar no primeiro momento, mas não foi longe o suficiente para que eu não alcançasse quando me virei. Prendi-o com os dentes no lugar. Foi a primeira vez que disputei em força com meu pai. Eu forçava-o para que ficasse abaixado e ele empurrava para cima.

Senti as presas atravessarem a carne e o sangue de meu pai escorrer por minha boca. Era uma sensação horrível, mas apertei mais ainda a mordida. Precisava que ele cedesse. Contudo, a experiência dele ainda era maior que a minha. Jogando-se em minha direção, fez com que nós dois caíssemos no chão, um por cima do outro, e uma de suas patas voou em direção ao meu olho.

Daquela vez foi o meu sangue que manchou o chão.

Meu olho se manteve fechado, como se protegendo de qualquer outra coisa que pudesse voar em sua direção. Meu pai escapara de minhas garras e fugia para o Iro no Seiiki (Santuário das Cores). O som dos uivos que vinham dos muros não podiam mais ser ouvidos. Eu ganhara... Mas aquilo não seria o fim se eu não desse um fim.

Lançando-me na mesma direção que ele fizera, desci a encosta e corria até encontrar as marcas de suas patas e uma pequena trilha de sangue. Por causa de sua pata quebrada, ele não conseguira ir muito longe.

Seu pelo estava bagunçado e sujo; ele se encolhia um pouco, por causa do machucado. Eu conhecia aqueles olhos amarelos de minha infância. Admirava-os por sua força de vontade em perseguir suas vontades – e foram essas vontades que o levaram a matar seu próprio protegido e a colocar nossa alcateia em conflito.

Rosnei.

Ele se encolheu.

Tudo poderia acabar ali. Eu só precisava saltar mais uma vez, grudar em seu pescoço e cortar sua garganta. O verdadeiro fim. Ele tentou correr e caiu no chão, patético. O sangue manchava sua pelagem. Rosnei mais uma vez. Era o fim.

— Katsuo! Katsuo!

Alguém chamava meu nome, mas a voz era tão distante que eu não sabia se era coisa da minha imaginação ou verdade. Voltei a focar minha visão em Kobayashi. Ele não tinha mais poder para lutar, nem vontade. Parecia, até mesmo, arrependido. “Patético” sussurrava algo em minha mente “Acabe com isso”.

— Katsuo, por favor!

Dois braços envolveram meu pescoço e me puxaram para trás, sem realmente me tirar do lugar. Pude sentir algo molhar meu pelo e, mesmo ainda rosnando, vi os olhos de meu pai arregalarem.

— Você não precisa fazer isso, já acabou.

A voz no fundo de minha mente pedia por sangue. Ela queria derrotá-lo, mostrar o poder do qual ele sempre duvidara. Minhas patas dianteiras se curvaram, como se estivessem se preparando para saltar. Os braços me apertaram ainda mais.

— Se fizer isso, Katsuo, será o fim. Você nunca mais voltará para perto de mim. Por favor.

Mais uma vez a sensação de molhado no meu pelo. Virei a cabeça para o lado. Os olhos acinzentados de Ailee me encaravam cheios de súplica; seu rosto manchado por lágrimas; seu corpo com muitas marcas roxas. Ela estava se joelhos ao meu lado e ficava ainda menor daquela maneira.

— Acabou. Você não precisa disso.

Voltei a olhar para frente, com o único olho que me restava. Talvez eu ficasse cego de um lado por causa dele; ninguém me respeitaria se eu o deixasse fugir. Contudo, uma pequena pontada no fundo de meu cérebro me fez engolir em seco.

Eu agira exatamente daquele jeito na Bokuyaku no han’i (cordilheira do esquecimento) com minhas presas.

Deixei que Ailee me puxasse para perto de si, distanciando-me de meus instintos animais mais uma vez. Kobayashi fugiu se arrastando, sem olhar para trás. Era tão fácil assim abandonar uma família?

— Obrigada, Katsuo, obrigada — murmurava Ailee fazendo leves carinhos em meu pelo. — Eu não poderia continuar sem você...

Meu corpo caiu sentado. Minha cabeça girava. Era como se alguma coisa dentro de mim estivesse se revoltando, pedindo um espaço que eu não poderia dar. Era disso que Tsukuyomi queria que eu fugisse – desse lado assassino e perigoso que eu, como um animal, sempre tivera.

Olhei mais uma vez para Ailee, que se curvara sobre mim e colocou, gentilmente, a mão em meu olho ferido. Lá estava ela, me curando mais uma vez, acreditando que eu ainda era o mesmo Katsuo de sempre. Meu coração apertou. Seria esse o fardo de ser o alfa? Muitas perguntas se reuniram em meu cérebro e conforme a sensação quente do poder de Ailee restaurando minha pele surgia, minha consciência se esvaia, deixando uma única pergunta: serei eu o Katsuo ou o alfa?

***

— Você foi incrível lá.

Meus olhos se abriram assim que eu ouvi a voz do deus. Tsukuyomi estava sentado em uma das raízes de uma árvore muito velha e sorria da mesma forma que sempre. Estávamos de volta a Bokuyaku no han’i (cordilheira do esquecimento). E eu ainda era um lobo.

Gani, tanto me erguer.

— Não faça isso, ainda está bastante machucado.

“E o que devo fazer então?”.

— A verdade é que é a primeira vez que nenhum deus sabe — respondeu ficando sério. Ele podia ler pensamentos? Era uma coisa nova para mim. — Você atingiu um patamar de poder que nenhum de nós esperava e, para deixar as coisas ainda mais interessantes, você destruiu a linha do destino que fora traçada em seu nascimento e construiu uma nova e desconhecida.

“Isso é ruim?”.

— Como sempre, só vai depender de você — completou com um dar de ombros. — Como alfa, as decisões sobre os lobos estão todas sobre seus ombros agora. Só existiu alfa antes da família Tsukiko, mas Ailee ainda é uma criança e não pode assumir tantas responsabilidades sozinha.

“Eu vou ajudá-la”.

— Eu sei que vai. Mas eles virão atrás de você, Katsuo. Ainda mais poderosos — avisou ficando um pouco sombrio. — Você é o alfa, o mais poderoso e foi misericordioso. Você não desistiu de seus sentimentos humanos pela posição e isso pode te matar.

“Me conta uma novidade...”.

— Como sempre, muito espertinho — riu sem acreditar no que eu dissera. — Mas tudo tem dois lados. Pode te matar, mas pode fazer com que viva sua vida com mais plenitude. Só vai depender de você.

Eu fechei os olhos, cansado. Algo pedia para que eu voltasse do mundo dos sonhos. Mais uma vez, uma risada leve saiu dos lábios do deus. Vocês sabem o quão bipolar eu acredito que ele é?

— Está na hora de volta mais uma vez. Não desperdice suas oportunidades e, para o que precisar, chame por mim.

E tudo ficou escuro mais uma vez.

***

Quando abri meus olhos, o Sol nascia pela janela e sua luz incomodou o único olho que a recebia. O outro estava tampado. Ia tentar me erguer, mas um peso em meu peito impediu o movimento. Eu era humano e a cabeça de Ailee repousava sobre mim, junto a Issa, que ocupava minha barriga.

Aquele poderia ser um dia qualquer em minha rotina antiga, mas algo estava diferente, uma força muito antiga pesava sobre nossas cabeças e eu sabia que a culpa era minha. Eu desafiara o destino e sofreria as consequências eventualmente.

Entretanto, mesmo percebendo aquilo, relaxei ao sentir a princesa se aconchegar mais a mim. Ela voltara para casa, estava bem (claro que eu lembrava de ter visto machucados e escoriações em sua pele, mas eu deixaria para perguntar sobre aquilo quando ela despertasse) e era isso que me deixou muito melhor.

— Ailee. Ailee — chamei aos sussurros. Não queria que ela acordasse completamente.

— Katsuo? — perguntou bocejando. — Você acordou? Você...

— Shiu — pediu puxando seu braço com a única mão livre que possuía, a outra estava quase amarrada a cama. — Só suba aqui. Deite comigo. A posição em que você está é desconfortável.

Sem dizer nada, ela fez o que pedi e se ajeitou ao meu lado. Issa se moveu brevemente, apenas para se espalhar ainda mais sobre minha barriga. Senti certa pressão na área, já que ele já não era tão pequeno quanto fora uma vez.

— Katsuo — chamou Ailee que deitara sua cabeça sobre meu ombro. Lembram-se dos limites? Eles nunca existiram para ela. — Você voltou mesmo? Para mim?

— Claro que sim — respondi apoiando minha bochecha em sua testa. E querem saber uma novidade? Eu estava mandando eles para o lixo também. — Eu sempre voltarei.

Ela segurou minha blusa com força e murmurou algo por entre os lábios. Virei ainda mais minha cabeça, tentando ouvir, mas o sono voltava aos meus olhos e acabei adormecendo com ela – pela primeira vez em muito tempo sem sonhos esquisitos ou assustadores.


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Notas finais do capítulo

O que tem a me dizer? Quem é o melhor e o verdadeiro, alfa?



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