Desafio de mini fics Star Wars escrita por Livia Y


Capítulo 7
Droides sonham com tauntauns elétricos?


Notas iniciais do capítulo

Desafio de André Tornado: "C-3PO (ou See-Threepio) e R2-D2 (ou Artoo-Detoo) acabados de chegar a Hoth."
Este foi um dos mais difíceis!



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Terrível, terrível, terrível.

C3PO sacolejava dentro da nave, como se fosse um parafuso solto perdido no interior da lataria de um astromech avariado. Tentava se segurar como podia às paredes metálicas do lamentável cargueiro corelliano, mas estava 67,4% certo de que não sobreviveria ao pouso na nova base rebelde. Aquele vôo representaria o fim da tripulação, irremediavelmente.

E ele nem podia reclamar em voz alta – o rude capitão Solo ameaçara jogá-lo no espaço se emitisse mais um beep sequer. Bem, sacolejar dentro da nave certamente era melhor do que flutuar à deriva fora dela, mas não emitir opiniões era difícil para um droide programado para, bem, emiti-las o tempo inteiro.

E em mais de seis milhões de idiomas.

Teria suspirado, se pudesse. Céus, se pudesse teria reclamado e protestado e se queixado. Mas tudo o que podia fazer era manter seus microfones mudos, para evitar tonar-se alvo da fúria de Han Solo mais uma vez. O último chute que levara quase desarticulou as juntas de seu membro inferior esquerdo.

“Vou derreter você, sua carcaça inútil!”, o piloto ralhara com C3PO.

Nem mesmo sua alteza real, Princesa Leia Organa, tomara o seu partido contra o grosseirão. Calculou que sua situação não estaria tão miserável se ao menos R2 estivesse com eles, mas seu rotundo companheiro estava servindo mestre Luke em um X-Wing. Resignado, manteve os microfones silenciosos enquanto pôde.

Analisando as informações disponíveis, concluiu que passar muito tempo apenas entre pessoas talvez não fosse a forma ideal de trabalhar. Apenas uma criatura mecânica compreendia verdadeiramente um construto artificial, e ele sentia falta da lógica e da previsibilidade de outro robô – mesmo que este outro fosse o por vezes incompreensível R2-D2. Pessoas eram confusas, criaturas levadas pela arbitrariedade, pavorosamente irracionais. E violentas. Ai, como eram violentas! E assim ali estava ele, sozinho naquele cargueiro caindo aos pedaços, vítima dos maus tratos de mestres irascíveis, sem nem mesmo a lata velha azul para lhe fazer companhia!

Nada disso teria acontecido se a Princesa tivesse ouvido seus apelos. Mas princesas como a que ele servia não escutavam ninguém. Já havia vasculhado sua programação em busca das normas de comportamento real em centenas de culturas, mas nenhuma delas cobria princesas insurgentes em guerras galácticas. Princesas casamenteiras, sim. Princesas que cantavam em corais, sim. Princesas que se casavam e viravam rainhas, sim. Mas princesas guerreiras contra um grande império galáctico, essas ninguém se preocupara em incluir no seu banco de dados.

O balanço na nave ainda piorou antes de melhorar, até que finalmente parou por completo. A parte orgânica da tripulação comemorou o pouso, mas C3PO, até onde lhe foi possível, permaneceu cabisbaixo e calado. Limitou-se a murmurar, com o volume mínimo, que não tinha a quem agradecer por não ter virado sucata. E assim como ninguém ligava se a viagem havia sido agradável para ele, também ninguém se importou em ajudá-lo a descer quando a rampa da Millenium Falcon tocou o solo de Hoth pela primeira vez, e o frio quase congelou seus circuitos.

Oh, não.

Desejou um banho de óleo, dentro do que lhe cabia desejar. Deixou a nave ainda mais bamboleante que o habitual, temeroso em desprender por completo a articulação que Han Solo golpeara. Assim que pudesse, providenciaria reparos. Tentou comunicar a avaria à princesa, mas ela o dispensou com um gesto e sumiu na multidão branca e laranja que apinhava a base.

Calculou que, se estivesse programado para sentir como os humanos, estaria se sentindo melancólico. Andou pela base sem um objetivo definido, o que não era nada comum para um droide, avaliando que talvez estivesse com algum fungo em seus processadores. As pessoas passavam por ele sem vê-lo. Mesmo os outros droides circulavam apressados, sem tempo para escutá-lo quando ele tentava, em vão, detê-los para conversar. Talvez não passasse mesmo de uma carcaça inútil. Avaliou a si próprio, e sua lataria dourada lhe pareceu opaca, cheia de arranhões e detritos.

Caminhou até uma das saídas. Mais uma vez, ninguém se importou com o droide que passava cambaleante pelo portão. O frio era tão extremo que uma luz de alerta se acendeu em seu painel, indicando que o termômetro havia parado de funcionar. Afastou-se da entrada o máximo que pôde, sem entender ao certo por que fugia do contato com aqueles a quem deveria servir. Talvez fosse mais prático para todos os envolvidos se ele simplesmente descartasse a si mesmo na neve.

* * *

R2-D2 procurou C3PO por todo o interior da base. Vasculhou a nave de Han Solo, a ala mecânica, a enfermaria, até mesmo os banheiros. Comunicou Luke e Leia do desaparecimento do amigo, e recebeu a incumbência de estender a busca imediatamente para a área externa. Em voo baixo, escaneou como pôde o deserto branco e gelado ao seu redor, emitindo silvos em Binário que seriam incompreensíveis para a maioria dos humanos. Rodou por mais de uma hora até seu radar acusar algo de positivo. Aterrissou cuidadosamente sobre uma pedra, e vasculhou mais uma vez ao seu redor.

Ao longe, avistou algo. Acelerou e atirou-se contra a mancha dourada brilhando fracamente ao longe, semi-encoberta pela neve que caíra durante a noite. Com o impacto, conseguiu desenterrar o corpo humanoide do gelo, e percebeu que faltava carga ao outro droide. Apitando em tom apreensivo, usou seu braço mecânico para fornecer um pouco de energia a 3PO, pelo menos o suficiente para retornarem. Por sorte ele entrara em suspensão ainda no perímetro da base, em um local rastreável e acessível.

O astromech avaliou rapidamente os danos no companheiro. O termômetro havia se desregulado com o extremo de temperatura, e tudo indicava que a bateria de 3PO secara antes que ele pudesse ter ido mais longe. Provavelmente seus sensores de movimento também apresentaram algum mal funcionamento, levando-o a sair sem rumo do esconderijo rebelde. Em poucos instantes as luzes que indicavam o modo de economia de energia de C3PO se acenderam, e ele piscou os leds que eram seus olhos.

— Oh, céus, R2-D2! O que estamos fazendo aqui fora? O quê, eu estava dormindo no meio da neve e você me recarregou? Ora essa, que coisa mais sem sentido! A última memória que tenho em meu registro é de ter descido da Millenium Falcon com a princesa. Fizemos uma viagem péssima. Péssima, eu lhe digo! Não fale bobagens, seu pedaço oco de metal. Por que eu tentaria fugir? Não, não, não. Sabe no que eu estava pensando, R2? Que quando tudo isso acabar, eu acho que vou arrumar um bichinho de estimação. Sim, sim. Um companheiro. Um tauntaun elétrico? Mas é claro que não... algo menor, R2... às vezes me sinto solitário. Ai, ai.


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Notas finais do capítulo

"Minha agenda de hoje lista um período de depressão auto-acusatória de seis horas"

Philip K. Dick