Lady Luck escrita por Fadaravena


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Atenção: como mencionado antes, este capítulo terá cenas fortes, prossigam com cautela.



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Um amontoado de pessoas se aglomerava embaixo de gigantes painéis, todas erguiam pedaços pequenos de papéis, se entremeavam entre umas e outras, subiam em umas e outras, o barulho era ensurdecedor, um zumbido alto como o de várias cornetas, falatórios, ditos, mais pessoas entravam em espaço tão reduzido, todas em ternos ou blusas sociais e gravatas, todas gritando o mesmo hino: a ação de X subiu! Está caindo a ação de Y! Invistam em W! Agora é em W!

Osomatsu estava entre elas, espremido entre um senhor que parecia ter quarenta anos e um jovem que não sabia o que era tomar banhos, fazia o mesmo que todos e investira mais da metade de sua fortuna em uma única ação.

Ele estava certo de ganhar, tão certo quanto a terra girava em torno do sol.

À tarde daquele mesmo dia ocorreu mais um enterro, seu quinto irmão estava em prantos, nunca o vira assim, uma única linha formava seus lábios, seu olhar perdera o brilho, era uma estátua que se movia de acordo com a situação, se todos iam para a esquerda, ele ia para a esquerda, e assim se sucedia.

Osomatsu apertou com ainda mais força o punho rente ao corpo, sentia que ia rasgar a pele, e merecia rasgar a pele, sentir jorrar as lágrimas em vermelho que não deslizavam translúcidas em seu rosto. O sol da tarde era negro, estava apagado, só restava a sombra de uma frondosa árvore sobre todos eles.

Um bebê chorava no colo de Matsuyo, da senhora Matsuno.

******

Uma garota em torno de seus dezesseis anos apertava um travesseiro contra o rosto, um rosto quente e molhado. Faltava-lhe ar, faltava-lhe palavras, um misto de emoções se formava em seu interior, indagações sem fim, como a vida podia ser tão injusta, para existir tinha que tirar a vida de outro.

A garota, Mia, tinha terminado sua estreia no brilho dos holofotes, voltava para seu camarim quando escutou uma conversa em particular de outro produtor com um ajudante, falavam da secretária e só bastou uma palavra para seu mundo desabar. Meus pêsames.

O chão se tonara maleável sob seus pés, tudo passou a girar ao seu redor, sentiu sua mente apagando, uma vertigem assomou-lhe, caía de costas no chão.

Quando acordou estava sentada na cadeira de seu camarim, ao seu lado, em uma mesinha, tinha um copo com água.

— Como está se sentindo? Me desculpe por ter saído sem dizer nada, era um assunto urgente, mas vim o mais rápido que pude.

— A senhora Homura. – Interrompeu-o. – O que aconteceu com a senhora Homura?

Choromatsu teve um momento de hesitação, olhou para baixo, curvou o pescoço até onde pode.

— Podemos não falar sobre isso. – Estava sem jeito.

Mas a garota insistiu, chegou a se levantar da cadeira, o rosto distorcido em agonia.

— Eu preciso saber, Choro. O que houve?

Fez-se silêncio.

— O que houve! Eu tenho o direito de saber! – Ela se aproximou de seu agente, só lhe faltava puxar pela gola da camisa.

— Ela faleceu. – Com muito custo Choromatsu respondeu, a voz fraca, um suspiro deixando seus lábios secos.

Mia deu um passo para trás, quase tropeçou em seu pé, e então cobriu o rosto com as palmas das mãos, um choro mudo, contido em sua garganta, a desabou, sentou-se novamente na cadeira.

******

— Soube que foi muito bem hoje, um sucesso, meus parabéns, Mia. – Sua mãe a parabenizava da cozinha, tinha uma voz firme, mas não parecia dar muito crédito ao que falava.

A filha nada respondeu e se dirigiu direto ao quarto. Fechou a porta sem muito ânimo e se deitou, ou melhor, se largou na cama.

O teto rodava, tudo rodava, o mundo rodava, girava em torno do próprio eixo. Mia escutava, parecia ouvir lá de baixo o barulho de pratos se chocando, a louça sendo lavada, um cheiro insosso de arroz cozido. Mia escutava as buzinas dos carros, o barulho dos pássaros, o bater de asas, a vibração do vento, o nada.

Mia via o teto branco, o lençol de cama florido, os pôsteres de cantores pop na parede, seu computador em cima da escrivaninha, o próprio móvel abaixo da janela de duas vidraças que se abria para as laterais, Mia via. O nada.

Mia deixava-se levar, Mia não sentia. O nada.

Sua mãe gritou lá de baixo, berrou que a janta estava pronta. Mia se levantou, deixou o travesseiro a onde estava, desceu as escadas, empurrou a cadeira, pegou os hashis, uma porção de arroz, pôs na boca, mastigou. Pegou outra porção, pôs na boca, mastigou.

— Disseram que todos saíram satisfeitos da sua apresentação, como será que pode, tão jovem e já tem homem na sua saia. – Sua mãe disse.

Pegou outra porção, pôs na boca, mastigou.

— Vê se não esquece as suas notas, sei que a fama pode subir à cabeça, mas um bom emprego nunca é demais. Vê se depois desse momento de fama arranja um bom emprego, viu. Não quero uma qualquer, vagabunda, como filha.

Mastigou, engoliu.

— Seu pai estava falando ontem de um tal Matsuno, acho que é irmão do seu agente. É um vagabundo, acredita, ganhou por sorte nas ações e agora acha que é rico, um vagabundo! Não se arranjou na vida e esbanja! Ah, não, minha filha não vai ser uma qualquer, apostando até a casa nesses jogos de azar. Fiquei feliz com sua apresentação, é assim que tem que ser, um trabalho de talento, digno. Mas vê se arranja emprego, viu. Que foi que está tão apática.

Pegou outra porção, pôs na boca, mastigou, engoliu.

— A senhora Homura, ela faleceu. – Parecia que questionava a si própria.

— Meu Deus, pobrezinho do seu marido, e como vai ficar o bebê, eles tiveram filho, não? Ah, Meu Deus, mande minhas condolências para o marido e para o seu agente por mim. Que tragédia!

Mia agradeceu pela refeição, se levantou da cadeira e subiu novamente para o seu quarto. Em três semanas aconteceria outro show, ela precisava ser forte, tinha conquistado uma legião de fans em pouco tempo, todos torciam por ela, a senhora Matsuno torcia por ela. Comprimiu o rosto, seus lábios tremiam. Precisava ser forte.

******

Quando se viu outra vez no palco teve um momento de hesitação, seu agente minutos antes a consolara como se fizesse isso a si próprio, dissera que milhões de sorrisos dependiam dela, que ela fazia muita gente feliz, e se ela queria prova, ele era a prova viva.

Mia sorria enquanto cantava, mais maquinalmente do que qualquer outra coisa, ela estava exausta, seus movimentos estavam lentos, ela queria agradar uma multidão de homens. Ela vendia uma imagem, aquele sorriso não era ela, era uma imagem, ela deixava o bolso de seus pais mais avantajado. Uma imagem.

Mia continuou cantando. Uma imagem. A música falava de um artista que se apaixonara pelo céu, pelo retrato do amanhecer. Um retrato. Uma figura de decoração, um manequim, uma boneca sorridente e perfeita, uma ilusão.

Era isso, ela criava ilusões, ela fazia as pessoas doentes, elas sofriam por uma imagem. Mia terminou de cantar, pediu um momento no microfone, pediu perdão, não estava passando bem, talvez fosse o calor, pediu perdão outra vez, e retirou-se para fora do palco, para fora do mundo.

******

A última vez que Choromatsu vira Mia foi naquele dia, no seu último show, ela estava resplandecente, era um clarão magnífico em sua vida, o melhor que lhe tinha acontecido, se não fosse tão nova, se ele não fosse seu agente, ele a pedia em casamento. Ele jurou fazê-la feliz, como seu agente, como homem.

Ele não fora capaz de entender o abalo que foi a morte da secretária na vida da garota. Ele sabia que sempre que ela se sentia apreensiva, ela ia ao encontro de Homura, ia buscar conselhos com ela. Talvez fosse por ser mulher, por ter um ar maternal, mas ele sentia um pouco de inveja. Ainda assim, achava bom, gostava muito da esposa de seu irmão.

As revistas anunciaram que encontraram o corpo de Mia todo deformado, a costela sobressalente, o crânio amassado formando uma massa disforme sobre o asfalto, uma poça de sangue rodeava o corpo. Estava no beco entre dois prédios altos, devia ter subido a escada de incêndio até o topo de onde se jogou.

Ninguém tinha como entender por que aquilo acontecera, ela era tão jovem, tinha um futuro promissor pela frente. A verdade é que Mia perdera o rumo, perdera a única figura materna em que se apoiar. Achava que fazia o mal, achava com tanto afinco que passou a acreditar nisso, e então estava a um passo de acabar com todo esse mal.

Todos os seus fans entraram em luto no mesmo dia.

******

Osomatsu voltava para a casa de seus pais cantarolando, tinha apenas uma tarefa, uma tarefa importante: consolar três de seus irmãos.


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