Lady Luck escrita por Fadaravena


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Um pequeno interlúdio com karaichi. Espero ter feito jus a Shinjuku nichoume, as referências são de uma música maravilhosa de um compositor maravilhoso, "Nichoume Blues" do Machigerita-P usando Kaito.



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Aqui é a cidade que não dorme – o distrito da luz vermelha de Shinjuku.

 

Há uma parte de Tóquio que costuma ser movimentada, mas que muitas pessoas evitam passar durante a noite. Essa parte possui muitos prédios, cheios de letreiros luminosos, vários bares dispersos com suas placas na entrada, distribuidores de panfletos nas esquinas, e muitos homens em busca de uma diversão. Ela ficava em Shinjuku, conhecida como a segunda avenida.

Dentre todos os bares que compunham sua paisagem, apenas um nos interessa. Ele ficava entre dois prédios comerciais, bem coloridos de luzes, era uma construção bem simpática se não julgasse as aparências. Entremos no bar, e nos deparemos com uma iluminação fraca, um galpão a onde se encontrava um atendente, algumas mesas redondas espalhadas e um palco amplo nos fundos. Nos concentremos no palco, agora acontecia um espetáculo.

À primeira vista vemos uma mulher de vestido azul com um microfone em mãos, seus cabelos curtos são de um preto intenso, seus olhos estão cobertos de sombra azul e seus lábios carnudos de um batom carmesim, ela usa um salto alto e envolta de seu pescoço cai como uma cachoeira um cachecol felpudo. Ela canta e sua voz é grave. Logo percebemos se tratar de um homem travestido. Um divertimento comum, trajes usuais para aquela região.

O homem canta uma canção melancólica, sua voz chora um amor perdido. Os homens nas mesas se emocionam com o espetáculo, também eles choram um amor. Muitos desses homens vêm se esconder em Shinjuku, o único lugar em que podem ser eles mesmos, que podem se libertar nem que por uma noite.

Os neons brilhantes, o cheiro de tabaco
Você vem ao meu encontro e sempre pede a mesma bebida
Quero conhecer o que se esconde em seu coração
Não me contaria esta noite?

No balcão sentava-se um outro homem, bebericava um uísque e fumava um cigarro. Ele não conhecia os garçons, nunca puxara conversa com eles, mas admirava o espetáculo como todos, talvez, ainda mais do que todos. O homem que se metamorfoseara no palco era seu amante, em segredo consumavam um amor proibido, assim como na canção. Assim como na vida de muitos que estavam ali. Eles também, assim que entravam no bar, mudavam. Deixavam de ser os assalariados de dia, escondendo da sociedade quem realmente eram, para subir naquele palco e abrir seus corações.

Assim era a noite na segunda avenida de Shinjuku.

Karamatsu entrou no pequeno camarim nos fundos do bar para se trocar, tirava o vestido e colocava uma camisa branca de manga comprida, por cima dela um casaco de algodão, vestia uma calça jeans e sapatos de couro.

— Belo trabalho lá em cima, você estava divina.

— Quantos Karamatsu boys não morreriam para ter um pedaço disto aqui. – Bateu em sua bunda, indicando essa parte.

— Eu, amor.

Karamatsu abriu um sorriso ao comentário de seu colega de trabalho e seus olhares se demoraram até ouvirem uma tosse atrás de si.

— Vim buscar meu irmão.

— É toda sua. Depois me liga, Kara-chan. – Fez um sinal de telefone com a mão e saiu pela porta dos fundos.

Seu irmão se aproximou e parou em frente a ele.

— Está pronto?

— Só falta a maquiagem, um momento.

Karamatsu se apoiou em um balcão com um extenso espelho que ia de uma ponta a outra. Pegou um pano umedecido e passou em seu rosto, dando mais ênfase para as bochechas, olhos e boca. Terminada a tarefa, jogou o pano num cestinho que ficava no canto.

— Pronto.

— Ótimo.

Os dois saíram pela porta entreaberta dos fundos. Ventava um frio gélido do lado de fora, e tiveram que se encolher em seus casacos e cachecóis. Seu irmão, ainda no beco, lhe estendeu a mão, Karamatsu aceitou o gesto e a segurou, entrelaçando seus dedos, depois colocou ambas as mãos no bolso de seu sobretudo. Ninguém veria, mesmo à luz da noite. E assim os dois caminharam até um condomínio perto da área, ainda em Shinjuku.

Chegando no apartamento, Karamatsu procurou pelas chaves, encontrou-as e abriu a porta. A primeira coisa que ouviram foi um miado baixo e dengoso, seu irmão correu até o som e se ajoelhou para cumprimentar o pequeno gatinho. Karamatsu não se cansava de ver a mesma cena todas as noites, aquecia seu peito ver tamanhos cuidados e atenção dirigidos a um ser tão indefeso. Era um gatinho branco e marrom, de cauda curta e pelo longo. Seu irmão o acariciava, e logo podia-se ouvir a vibração de um ronronar.

Karamatsu fechou a porta atrás de si e se dirigiu para a cozinha.

— O que vai querer, honey?

— Pode fazer o mesmo de ontem, não tô com fome.

— Non, non, precisa se alimentar direito. Senão como vai manter essa barriguinha tão gostosa?

— Vai se ferrar, Merdamatsu. – Dirigiu-lhe um olhar ameaçador.

Em troca o sorriso de Karamatsu aumentou.

— Esse é o meu Ichimatsu. – Dizendo isso começou a arrumar os ingredientes na pia. – Aliás, como foi no trabalho hoje? – Separou algumas cenouras e batata.

— Uma merda. O chefe não parou de reclamar do modo como faço as coisas, ele não larga do meu pé, que saco.

Ichimatsu se levantou e começou a afrouxar a gravata, tirou o terno e o jogou em qualquer canto da sala. Depois fez o mesmo com a gravata.

— Sabe o que é mais engraçado? Eu fui o único a vender mais naquela porcaria de empresa, eu dei mais lucro e vem me jogar na cara que por minha causa as vendas estão caindo? Querem me fazer rir? Por que conseguiram.

— Calma, honey. Tenho certeza que tudo vai dar certo. – Colocou o arroz para cozinhar.

— Vai, é? Vai muito. Bando de hipócritas. – Tirou os sapatos e se estirou no sofá. – Tá um cheiro gostoso, é curry?

— Com todo o meu amor, para o meu querido Ichimatsu. – Cantarolou, abrindo os braços, ainda com a colher na mão.

— Bobo. – E abriu levemente um sorriso.

Um momento de silêncio se passou, escutavam-se somente alguns miados e a panela borbulhando a água no fogão. Os dois descansavam a mente da correria do dia, Karamatsu também trabalhava em uma empresa, tinha por descanso o trabalho noturno. E Ichimatsu apreciava-o, após voltar cansado gostava de relaxar ao som da voz do namorado.

O caso dos dois era complicado, afinal, não eram somente amantes, mas, antes de tudo, família. Conheceram-se ainda na barriga da mãe e passaram o restante da vida juntos, e continuou assim, sem que nenhum deles suspeitasse dos sentimentos que estavam surgindo. Era ainda mais reprovável, tanto por serem homens, quanto por serem irmãos. Para Karamatsu não houve dificuldade, ele via-se a si próprio como um homem cheio de pecados, não lhe era difícil aceitar o que sentia. Mas, Ichimatsu, por outro lado, repudiou seus sentimentos e passou a ver a si próprio como incurável, passou a odiar o irmão que o fazia perder os sentidos, que fazia seu coração palpitar.

Houve um dia em particular, um dia quente de verão. Os seis irmãos voltavam para casa do banho público, Ichimatsu ia atrás e Karamatsu ao seu lado, caminhavam sem pressa, o sol se punha no horizonte, e então, de repente, sem que os dois percebessem, Karamatsu roçara a mão na de Ichimatsu, o rosto dele pegou fogo, e, em vez de protestar, o puxou de canto e deu um beijo rápido em seus lábios, depois virou rápido a cabeça para o lado. Karamatsu parara estático, sentiu o toque com a ponta dos dedos, vislumbrou o acontecido como se abrisse passagem em meio a uma correnteza, chegava no fim dela e via um céu límpido.

No dia seguinte nada foi mencionado, cada um ficara em seu canto. Os dias se passaram e Karamatsu ia suportando em silêncio, até um momento em que explodira, não conseguia mais suportar, levara Ichimatsu a um local particular e tiveram a conversa. Disse o quanto o amava, que não havia um dia sequer que não pensasse nele, que achava fofo quando brincava com os gatos, que era adorável quando era sarcástico, que era lindo, era tudo. Ichimatsu quase chorara, não admitiu a princípio, mas uma lágrima lhe escapou dos olhos. Minutos depois estavam nos braços um do outro.

Numa tarde, Karamatsu chegara em seu namorado com a ideia de se mudarem juntos para uma casa própria, ele o deu um olhar inquisitivo, mas aceitou-a de bom grado. Fizeram os preparativos, arranjaram um emprego e indo no trem de seus outros irmãos, alugaram um apartamento perto de seus trabalhos. Ninguém suspeitou de nada, eram irmãos dividindo um mesmo teto como sempre fora, dividindo as despesas para que o custo diminuísse.

E dessa forma conseguiram manter seus empregos.

Apesar de terem conquistado um lugar para ficarem, ainda sentiam falta de algo. Podiam expressar seu amor entre quatro paredes, mas não lhes era permitido andar de mãos dadas na rua como qualquer outro casal, ou mesmo se casarem no papel. Sentiam em seus íntimos uma espécie de vazio, e tentavam consolar-se na companhia um do outro.

Foi quando Karamatsu encontrou uma saída no bar, precisavam de alguém para ocupar um lugar vago em entretenimento, ele aceitou o cargo e passou a fazer apresentações noturnas. Foi uma saída para os dois, pois Ichimatsu aproveitava para se distrair também.

Assim que a janta ficou pronta, arrumaram a mesa baixa e sentaram-se no chão. Durante a refeição, Karamatsu falava do seu dia, conversavam de assuntos variados, desde o que faltava em casa, até um fato interessante que se noticiava nos jornais.

— Faz tempo que não tomamos banho juntos, que tal? – Karamatsu disse num tom mais provocativo.

— Pode ser.

Karamatsu levantou-se, guardou a louça e se aproximou furtivamente do namorado. Abraçou-o por trás e aos poucos foi desabotoando sua camisa. Ichimatsu abriu um sorriso esperto e guiou a mão do outro.

— Estamos um pouco impacientes, não?

— Não resisto ao meu Ichimatsu.

Puxou Karamatsu pelo braço e selou seus lábios. Em pouco tempo o beijo se intensificava, carícias passaram a ser distribuídas pelo pescoço e gemidos abafados se faziam escutar pela sala. Karamatsu guiava Ichimatsu até o banheiro, enquanto este o despia, roupas eram espalhadas pelo caminho e quase tropeçavam em uma delas. Chegando no banheiro, Karamatsu deu um beijo final em seus lábios e se separou para encher a banheira.

Enquanto aguardavam, Ichimatsu se aventurou a agachar e envolver o membro do namorado, lambeu a base e plantou um beijo na ponta para depois começar a abaixar e subir a cabeça. A respiração de Karamatsu se conteve e gemidos escaparam por seus lábios entreabertos. De repente escutaram um miado perto da porta. Ichimatsu parou o que fazia e foi até lá.

— É a Mimi. Não quero que ela nos veja.

— Então é melhor fecharmos a porta, honey. Estava chegando na melhor parte.

— Está mesmo impaciente, hein.

Ichimatsu fechou a porta e continuaram as carícias na banheira. Abraços e beijos se intercalavam em um acorde harmônico, sons úmidos preenchiam o espaço. Um amor de anos se concretizava uma vez mais. Ichimatsu e Karamatsu compartilhavam do mesmo sangue, e do mesmo coração, e naquele momento se tornavam um só.


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