Herdeira da Lua escrita por Julipter, Julipter


Capítulo 28
Capítulo Vinte e Oito - Nouvel an pour les enfant




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Itália

Ainda era estranho falar com a Isabela.

Simplesmente não parecia real.

Elas nunca mais se falaram por vídeo depois daquela vez, mas ainda trocavm mensagens. E isso não era nem de longe o mais impressionante. O mais impressionante era o Instagram de Isabela.

Itália o fuçava agora mesmo. Elas haviam acabado de terminar uma conversa, e Isabela postara um novo vídeo.

Ela não sabia como era a aparência da mãe quando mais nova, mas tinha certeza que não devia ter mudado muito. Isabela tocava violão e tinha uma voz linda. Ela cantava de olhos fechados e demonstrava muito sentimento nas músicas. Não se importava com como parecia, gravava de pijama, cabelos bagunçados, ou com o uniforme da loja em que trabalhava. Era ela, apenas ela e o violão.

Ela deu play no vídeo, sentindo que não era uma boa ideia.

Walking down 29th and Park (descend pela rua 29 com a Park)

I saw you in another's arms (eu te vi nos braços de outra pessoa)

Only a month we've been apart (só faz um mês que nos separamos)

You look happier (você parece mais feliz)

Era difífcil dizer para quem ela cantava. Itália desceu um pouco o vídeo, sem parar de ouvi-lo, e leu a descrição. Estava em francês. “Para aqueles a quem mais amei”.

Saw you walk inside a bar (te vi entrar num bar)

He said something to make you laugh (ele disse algo que te fez rir)

I saw that both your smiles were twice as wide as ours (eu vi que os sorrisos de vocês eram duas vezes maiores que os nossos)

Yeah, you look happier, you do (sim, você parece mais feliz, você parece)

Ela podia enxergar o homem que não sabia o nome. Podia vê-lo deixar Isabela sozinha com seus oito meses de gravidez, encontrar outra turista encantada, levá-la aos melhores bares e lugares que “uma garota incomum como ela” deveria conhecer.

Ain't nobody hurt you like I hurt you (ninguém te machucou como eu machuquei)

But ain't nobody love you like I do (mas ninguém tea ma como eu amo)

Promise that I will not take it personal, baby (prometo não levar pro lado pessoal, querida)

If you're moving on with someone new (se você está seguindo em frente com alguém novo)

Agora, Itália via que a mãe cantava para ela.

'Cause baby, you look happier, you do (porque, querida, você parece mais feliz, você parece)

My friends told me one day I'll feel it too (meus amigos me disseram que um ia sentirei isso também)

And until then I'll smile to hide the truth (e até lá eu vou sorrir pra esconder a verdade)

But I know I was happier with you (mas eu sei que eu era mais feliz com você)

Era um tanto contraditório. Itália imaginava, sim, Isabela praguejando toda vez que a pequena Itália chutava seu ventre. Mas também podia ver o sorriso quando a segurou pela primeira vez, a frustração ao deixá-la, o arrependimento crescendo em seu peito toda vez que pensava no quanto a filha estava melhor com outras pessoas.

Sat on the corner of the room (sentado no canto da sala)

Everything's reminding me of you (tudo está me fazendo lembrar de você)

Nursing an empty bottle and telling myself you're happier (bebendo de uma garrafa vazia e dizendo a mim mesmo que você está mais feliz)

Aren't you? (não está?)

Isabela contara que se mudou do galpão em que morava dois meses depois do nascimento de Itália. Que o colchão a fazia lembrar do ex namorado, e o espelho a fazia lembrar do bebê. Era grande demais porque ela pensou que seria bom ter espaço de sobra pra três pessoas, mas acabou percebendo que não era bom ter espaço de sobra para uma única.

But ain't nobody hurt you like I hurt you (ninguém te machucou como eu machuquei)

But ain't nobody need you like I do (mas ninguém precisa de você como eu preciso)

I know that there's others that deserve you (eu sei que há outros que te merecem)

But my darling, I am still in love with you (mas, minha querida, eu ainda estou apaixonado por você)

Itália fazia ideia, agora, do quanto Isabela devia sentir que ele se afastou por causa do bebê. Que deixou de amá-la por causa do bebê. Talvez fosse compreensível, pelo sentimento de abandono, que ela culpasse o pequeno feto. Afinal, continuava amando esse pequeno feto. E ele jamais saberia, não é mesmo?

But I guess you look happier, you do (mas eu acho que você parece mais feliz, você parece)

My friends told me one day I'll feel it too (meus amigos me disseram que um dia sentirei isso também)

I could try to smile to hide the truth (eu poderia tentar sorrir pra esconder a verdade)

But I know I was happier with you (mas eu sei que eu era mais feliz com você)

 

'Cause baby, you look happier, you do (porque, querida, você parece mais feliz, você parece)

I knew one day you'd fall for someone new (eu sabia que um dia você se apaixonaria por alguém novo)

But if he breaks your heart like lovers do (mas se ele partir o seu coração, como amantes costumam fazer)

Just know that I'll be waiting here for you (só saiba que eu estarei aqui, esperando por você)

Continuava difícil acreditar que ela era mesmo mais feliz quando Itália estava por perto. Ela nem a teve por perto por tanto tempo assim. E se sabia que era mais feliz, por que se livrou da criança?

Isabela era uma incógnita.

Mães não costumam ser incógnitas. Itália se perguntava se um dia a chamaria de mãe.

(...)

—Foi... Ah, Itália, foi uma gracinha. Você nunca imaginaria o Téo daquele jeito.

—Você está apaixonada.

Julia chamara Itália para ir ao shopping porque precisava comprar tecido para a mãe. Agora estavam tomando sorvete em um dos quiosques.

A amiga não parava de sorrir.

—Talvez. Um pouquinho. Enfim... – Ela remexia o sorvtete que já começava a derreter. – Você vai no dia primeiro, mesmo?

Itália assente, com um olhar tristonho.

—É. Eu só dei a data pra você e pro Leo.

—Devia contar pra ele.

—Eu sei.

—Não vou me intrometer.

Itália sorri.

—Eu sei.

Então, o sorvete acabou. E Itália pensou na garota em sua frente.

—Ju, obrigada.

—O quê?

—Obrigada por me levar àquela festa. Obrigada por me perdoar depois das coisas que eu disse sobre a sua irmã, obrigada pelo guia de linhas de ônibus,  obrigada por falar com a diretora sobre o episódio do pijama, obrigada por ajudar a Lua a acontecer, obrigada por cuidar de mim quando fiquei bêbada e por me ajudar a estudar. Obrigada por ser minha amiga.

Julia tocou a mão dela por cima da mesa. Os olhos verdes salpicados por pontinhos amarelos não demonstravam nada mais que cumplicidade.

—Não é nenhum esforço, Itália. Você não tem que agradecer.

Mas ela tinha, sim.

Porque, de alguma forma, Itália sentia que Julia seria uma das pessoas com as quais, conforme o tempo for passando, as mensagens diárias vão se transformar em semanais, e então em um “oi, tudo bem? Que bom” por mês. Até que ela só ficaria com os “feliz aniversário” no Facebook. Então ela tinha que agradecer por tudo que a amiga fizera por ela naquele ano.

Naquele ano.

(...)

Seu último dia no café.

Ela poderia dizer que foi como qualquer outro dia, porque foi. Mas ainda havia algo diferente. Uma certa nostalgia antecipada.

—Está bem diferente de quando você chegou. – Henri disse de trás da bancada enquanto Itália fechava a porta da frente e apagava o letreiro.

—Alguns quadros, um palco e uma parede nova. Nada de mais.

Henri sorriu e fez que não com a cabeça.

—Não, Itália, é diferente. Você sabe que mudou um pouquinho a vida de todo mundo aqui. Como se fosse um anjinho que vem e vai embora depois de cumprir sua missão.

Ela não conseguiu segurar o riso.

—Qual é, Henri.

—Bem, pense como quiser. Eu sei que você iluminou meus fatídicos dias nesse lugar. Além do mais, eu não conheceria a Lucy se não fosse por você. – Ele não parecia estar brincando, apesar do sorriso. – Vem cá.

Itália contorna o balcão e o abraça.

—Você vai fazer falta. – Ele diz.

—Eeeeeeu shippo! – Uma voz conhecida disse da porta da cozinha.

Itália se soltou de Henri e olhou para a garotinha.

—O quê? Gosto mais dele do que do Matteo! Mas eu também gosto do Matteo, porque o Pedro se parece com ele, e eu gosto do Pedro.

—Eu vou te dizer, Mali, eles não se parecem nada.

Itália sentou-se no chão e abriu os braços. A garotinha se ajoelhou e encaixou-se ali.

—O Pedro é bom. Eu sei que é. Só está com raiva.

—Isso vai passar, Mali. E ele vai ver a ótima amiga que você é.

—Ah, ele já sabe. Todo mundo sabe! – Ela ri, mas logo o sorriso morre. – Você vai embora, não é? É seu último dia. Mamãe me contou.

A garota de cabelo não-mais-tão-colorido-assim vacilou.

Ela não tinha o direito de mentir só porque seria pra uma criança, tinha?

Gabriel disse ao Pedro que nunca o deixaria.

Não, ela não podia dizer à Mali que não ia embora, que ficaria sempre por perto, porque por mais tentador que fosse causar uma pequena felicidade instantânea com a mentira, esta causaria uma decepção muito maior depois.

—É. Eu vou sim, Mali. Em dois dias.

—Ah, não faz mal, sabe? Você pode me mandar um montão de correspondências com um montão de endereços.

A distância não importa pras crianças.

Crianças não perdem contato. Crianças não tem medo de ligar.

Crianças não esquecem.

(...)

No dia 25 de Setembro, Itália vestiu roupas brancas.

Ela se olhou no espelho e sorriu. O vestido ia até pouco acima dos joelhos, era detalhado com flores de renda. Não tinha mangas, deixava as costas a mostra. Uma sandalha de tiras acobreadas contornava os pés dela e, para completar o visual, a coroa de flores brancas repousava em seu cabelo completamente solto.

—E um ano novo cheio de paz. –Ela disse, para ninguém.

Ou para Cheshire, talvez.

Era estranho pensar naquilo. No quanto ela queria fazer algo especial. Talvez nem Matteo comemorasse essa data, já que toda a família da mãe dele, estava na Itália. A Itália de verdade.

Mas ali estava ela, prontinha para o ano novo judaico.

(...)

Geovana atendeu a porta.

Ela parecia despedaçada.

O cravo brigou com a rosa.

Itália sorriu para ela. Segurava uma vela, acesa.

Ao perceber o que acontecia, Geovana abriu um sorriso também.

—Ai meu Deus! Você... Ah, me dê um abraço aqui. Matteo! – A mulher se pronunciou animadamente enquanto colocava a vela num lugar seguro para poder abraçar a menina.

—Rosh Hashaná! – Disse Itália.

—Mas o quê...

As duas olharam para Matteo ao mesmo tempo. Ambas sorrindo. A vela na mesa ao lado da porta. Itália carregava uma mochila.

—Você convidou ela? – Geo perguntou e, Matteo, ainda estático, só fez que não com a cabeça. – Então você certamente tem a melhor namorada do mundo, garoto. Vamos, Itália, entre!

—Na verdade, - Itália levantou a mão, apontando para cima com o indicador. – eu estava pensando que poderíamos sair.

—Ah, certo. Vai trocar essa roupa, Matteo, é um encontro.

Itália solta uma risada.

—Não, eu quis dizer nós, eu, Matteo, você e o Pedro.

(...)

No final da tarde, os quatro estavam na grama do Jardim Botânico, comendo maçãs com mel. Todos vestindo branco – apesar de Pedro já ter sujado toda a bermuda.

—Faz tanto tempo. – Comentou Geo. – Você não deve lembrar, devia ter uns três anos, mas passamos um Rosh Hashaná na Itália com a sua vó.

Ela se referia a Matteo, é claro. Olhou por cima do ombro para conferir se Pedro estava suficientemente entretido com sua bola de futebol para que continuasse a falar.

—Seu pai estava junto, foi pouco antes de as brigas começarem. Foi muito bom, sabe? Nunca passei um ano novo tão bom. A família do seu pai não é nada religiosa, ele achou divertido algo assim.

Matteo deitou a cabeça no colo de Itália, que desatou a fazer trancinhas em seu cabelo, grande o suficiente para isso.

—Acho que o tempo o deixou intolerante, então. – Matteo desdenhou.

—Ele só me achava ingênua quando eu falava sobre Deus. Mas adorou a Itália. Quem não adoraria? É maravilhoso lá.

—Isabela já esteve lá. – Itália disse, finalmente. Matteo levantou o olhar para ela. – Ela me disse que o meu “pai” me deu esse nome porque os dois se conheceram lá. Nessa época eles passaram por um monte de lugares.

—Vocês tem conversado bastante? – Geovana questionou.

—Bastante. – Matteo interrompeu, revirando os olhos para em seguida receber um discreto puxão de cabelo.

—É. É engraçado, sabe, eu fiquei a minha vida toda no mesmo país que ela e só resolvi tentar contato quando vim pro outro lado do oceano.

—Isso se chama jogo de interesse. – Resmungou o namorado.

—Espero que tudo fique bem entre vocês duas. Vão ter que se ver uma hora ou outra, afinal. – Geovana mordeu mais uma maçã.

—Ou não, sabe. – Matteo intrometeu-se novamente.

—Que saco, Matteo, o que foi? – Itália tira a mão do cabelo dele e o encara.

—Ok. Certo. Estamos aqui nessa reuniãozinha bonitinha que você fez e, conforme as tradições, falamos dos acontecimentos do ano que passou. Então eu queria dizer que, neste ano, eu não entendi o que você tem com a Isabela.

Itália percebeu que Geovana levantou cautelosamente e foi brincar com Pedro.

Soltou um suspiro.

—...Você gosta dela. – Ele diz, por fim

—É, Matteo. É, eu gosto dela. Admito. Era isso que você queria ouvir? Que eu gosto de conversar com ela e saber cada vez mais que sou como ela? Que quero ajudá-la porque ela tem uma merda de vida? Que gosto de ouvi-la cantar, que quero conhecê-la, vê-la de verdade, abraçá-la?

Que eu quero amá-la?

—Você precisava dizer isso. – Matteo levanta uma mão e toca o rosto dela.

—Idiota. – Ele ri.

—É verdade. Você sabe que precisava. Não tem coragem de dizer pro Adrien que quer se apegar a ela.

—Ele iria surtar.

Era a absoluta verdade.

Itália riu sozinha, porque Matteo sempre fazia aquilo. Provocava a fim de conseguir arrancar informações de Itália, e ela sempre caía. Como no primeiro encontro frustrado dos dois. Ela sentiria falta disso.

Queria se apegar a Isabela, queria tê-la. Queria tê-la como teve Marjorie, como teve Amanda. Precisava disso. E Adrien, qualquer dia, precisaria entender. Tudo bem.

Estava tudo bem.

Era ano novo.

—Eu sei que ela não está demonstrando, mas ela adorou isso. – Matteo olhava para a mãe. – Ela não tem demonstrado muita coisa ultimamente, mas isso vai passar. O Pedro está perdoando. Ela adora você, Itália.

—Adora? – Agora ela voltara a fazer trancinhas no cabelo do namorado.

—Ela adora tudo que me faz bem.

Itália sabia que aquilo significava “obrigado pelo que fez hoje”. Ele sempre se enaltecia assim para dizer certas coisas.

E tudo bem, talvez crianças não esqueçam. Mas Matteo esqueceu do ano novo na Itália e Geovana não. Tudo depende do quanto você quer lembrar, talvez.

Ela queria lembrar de Matteo, só não queria admitir isso. E tinha certeza que ele queria lembrar dela também.


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Notas finais do capítulo

Música citada:

Happier - Ed Sheeran



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