Herdeira da Lua escrita por Julipter, Julipter


Capítulo 27
Capítulo Vinte e Sete - Lettere per cosa?




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Matteo

Quando Pedro nasceu, Matteo não soube o que fazer.

A mãe entrou em trabalho de parto, e ele ligou para o Gabriel. “Chame seus tios. O Marcos, se ninguém puder.”, o pai dissera, antes de dar o endereço do hospital. “O vôo atrasou. Vou estar aí em poucas horas, eu prometo, juro que vou estar aí.”

Então ele chamou Marcos, que era o pai de Téo, e os cinco – Marcos, Téo, Matteo, Geovana e o Bebê – rumaram ao hospital.

Matteo teve que ficar na sala. Matteo cortou o cordão umbilical. Foi traumatizante, mas foi lindo, e ele seria o primeiro a segurar o irmão se Gabriel não tivesse chegado.

Pedro era uma coisinha gorducha, fofa e cabeluda.

Hoje em dia, Pedro era só uma coisinha cabeluda.

Tudo bem, fofo, ás vezes. Mas como irmão mais velho, Matteo não podia admitir.

O que podia admitir era que Pedro era sentimental demais, fazia birra demais, fora mimado demais. Entre tantas coisas que ele podia odiar, por que a guitarra de Matteo? Entre tantos que ele podia chamar de pai, por que Gabriel?

Clara estava lá, limpando o bumbum dele, ensinando a usar o penico. Geovana estava lá quando ele decidiu que gostava de fotos. Matteo estava lá no primeiro dia de aula dele. Então, por quê?

—Uma vez, você esqueceu de me buscar. A mamãe estava viajando, e ele foi até a escola. A diretora o chamou de irresponsável e não queria que ele me levasse. Ligamos pra você, porque você sempre foi o responsável por me buscar, mas nesse dia você tinha brigado com o Téo e ficou no colégio até mais tarde. Eu convenci a diretora e ela deixou a gente ir. – Ele apertava o papel que havia arrancado da mãe nas mãos. – Naquele dia ele me levou ao shopping e me comprou uma câmera. A melhor câmera. Nós tomamos sorvete e assistimos Toy Story 3 no cinema. Quando voltamos pra casa, ele me disse que me amava muito e que amava a mamãe mas ela não amava ele de volta. E que um dia, talvez, ele tivesse que ir embora. Mas que nunca ia me deixar.

—Eu me lembro desse dia, Pedro. Cheguei em casa e ele estava bêbado. – Matteo contestou, tentando tocar o rosto do irmão, que se afastou.

—Você também já ficou bêbado! Bêbados dizem verdades, eu já ouvi você dizer isso pro Thiago!

Eu sou um péssimo irmão.

—A Mali diz que a mamãe fez isso pro meu bem. E que é sempre melhor confiar nas mamães. Mas não é justo, sabe, ela só tem mães. E é mais nova, ela não sabe de nada.

—Quando você falou com a Mali?

—Eu liguei pra casa dela. Ela tinha que ir pra escola, mas se atrasou pra poder me ouvir.

Matteo ficou em silêncio. Olhou pro teto, pro céu de estrelas que pintava o quarto do irmão caçula. Ele gostava de estrelas.

Gabriel nunca levou Matteo pra tomar sorvete.

—Vocês são egoístas. – Pedro voltou a falar. – O papai não ama vocês, e vocês querem que ele não me ame também.

—Não é bem assim.

—Então como é!? – Ele estava gritando agora. Pequenas lágrimas se formavam em seus olhos. – Vocês vivem complicando questões simples! A mamãe e o papai ainda se gostam mas não vivem juntos! Eu amo ele mas não posso vê-lo! Você fica se remoendo pela Itália ao invés de simplesmente aceitar que ela vai embora! Não é justo que vocês me metam nos seus problemas, eu já tenho os meus problemas, eu tenho um braço quebrado e amigos que não gostam de mim e um pai que eu não posso ver!

—Isso não...

—Os meus problemas não são menos importantes que os seus, Matteo, não importa a gravidade deles. Você não entende que eu não queria que ele ficasse longe? Que ele é meu pai e essa decisão era minha? Ele é meu pai, e não importa o que vocês façam, ele vai continuar sendo meu pai!

Pedro largou o papel.

Na verdade, jogou. Em Matteo.

Era só uma foto. Geovana e Gabriel, juntos, sorrindo.

—Eu não quero que ele se afaste. – Os soluços fizeram a voz do menino sumir.

—Pedro. – Matteo chamou. O mais novo afundou o rosto no travesseiro. – Olha pra mim, só um pouquinho. Por favor.

O garoto levantou os olhos, sem nenhuma animação.

—O papai e a mamãe não se amam mais.

—É mentira.

—Não, Pedro, você precisa entender. – Matteo se levantou do chão, no qual estava sentado, e aconchegou-se na cama ao lado do irmão. – Eles não se amam mais. Mas isso não significa que eles não amem você. Os dois amam. Demais.

—Mas o papai não vai me amar quando estiver longe.

—É claro que vai. Olha, você não pode ficar com ele porque ele tem uma coisa. Mas, daqui um tempo, quando ele se livrar dessa coisa, vai ter permissão jurídica pra ver você.

Pedro funga.

—Isso vai demorar?

—Talvez. – Matteo envolveu o irmão em seus braços. – Mas se ele quiser muito te ver, se te amar o bastante, vai conseguir rápido. E eu tenho certeza que ama. Tudo bem?

O mais novo o abraçou e chorou até secar.

—Pedro. Tudo bem?

—Tudo bem.

No entanto, enquanto Pedro chorava, Matteo enfiou a foto no bolso da calça. Porque apesar de tudo, uma esperança irreal como aquela, de ter os pais juntos de novo, não podia ser alimentada.

(...)

Itália estava chorando.

E sinceramente não era muito notável se o choro era de tristeza.

—Se foram. Todas elas. Foram embora!

Ele havia acabado de dar uma aula de guitarra e estava no refeitório com Alice, quando ela chegou em prantos.

—No começo só tinham três meninos. Eles foram os primeiros a sumir. Aí os alunos foram diminuindo e diminuindo... E as meninas também sumiram, gente!

Quando passou pro terceiro ano, Matteo decidiu que continuaria com as aulas de guitarra, por ter a sensação de que não teria uma boa experiência visitando orfanatos.

Itália dava aulas de desenho. E sua turma era composta especialmente por meninas.

—Você... Acha que foi uma professora ruim ou o quê? – Alice questionou. Matteo quase lhe chutou por baixo da mesa, porque não era assim que Itália via o mundo, mas se conteu.

Itália abriu um sorriso enorme.

—Não é nada disso! Vocês não entendem? Elas foram adotadas! A turma inteira,  elas foram adotadas!

Ah, certo. Lágrimas de alegria.

—Na verdade, a Flávia me disse que muitas tinham abandonado os cursos... – Alice pronunciou-se novamente. E dessa vez, ela levou um chute.

—Qual é, Lice, quem abandonaria ela? – Matteo aponta para Itália. – Eu certamente não abandonaria ela.

—Bom, eu também não, mas é uma realidade.

—Eu prefiro acreditar que elas foram adotadas. – Itália diz ao se sentar. – A maioria era pequena. E todas uns amores. Com certeza elas têm uma família agora.

Matteo fez que sim com a cabeça, carregando um sorriso bobo. Alice revirou os olhos.

—Seja qual for o motivo de elas terem parado, - falou a morena. – você fez a sua parte, Itália, e fez muito bem.

Então Alice sorriu.

E Matteo percebeu que ela sorria demais para a Itália e a Lucy.

Esse meu ciúme é completamente irreal.

—Acabo de me dar conta de que não vou estar na sua formatura. – Itália diz, tirando Matteo de seus devaneios. Ele sorri.

—Tudo bem. Você só ia poder participar da colação mesmo, a festa é só pros formandos. E eu nem sei se vou.

—Querido, eu sou dos segundo ano e estarei lá. – Lice assoprou as unhas.

—Vai perder a magia da sua própria formatura.

—Hum, não, na minha formatura eu vou pagar pra dançar enquanto na sua, vocês vão me pagar pra ser DJ.

Touché.

O assunto morreu aí.

Acontece que Itália parecia nostálgica. Como se já sentisse falta de tudo. Matteo sabia o que ela estava pensando. Só faltam duas semanas. E aí ela vai embora.

Mas se ele a conhecia bem, Itália estava tentando não contar. Ela já sabia o que ia acontecer. Ela não teria nenhuma supresa – e estava muito feliz com isso. Agora, não adiantava nada contar.

Então o que era?

—Será que você desligou de novo? – Perguntou, balançando os dedos em frente aos olhos dela.

Itália sorriu.

—Não, só tô... Pensativa.

Ainda tinha uma pontinha de sotaque. Só uma pontinha. Ela já pronunciava quase que perfeitamente.

Isso chegava a ser um pouquinho deprimente, porque, quando a visse de novo, Matteo tinha certeza de que o sotaque voltaria a ser forte.

Ela vai passar bastante tempo sem o português.

Sem muitas coisas.

—É, eu estava pensando nas cartas. – Ela continuou. – Mas não quero fazer uma carta pra você.

—Cartas? – Matteo sorriu de canto. – Ah, por que eu não posso ter uma?

—Você é o rebelde da lista.

—Esse cargo é a cara do Téo.

Itália se levantou e estendeu a mão para ele. Matteo segurou.

—Me sinto o próprio Lumiére. – Alice resmungou, mas tinha um sorriso no rosto.

—Aonde vamos? – Matteo perguntou a namorada.

—Qualquer lugar.

(...)

Ela os levou para debaixo da escada que dava em um dos pavilhões de salas de aula. Um pouco a frente, estava o refeitório, e ali era silencioso aos sábados.

—Eu fiz duas cartas. – Itália começou. – Uma pro Leo e uma pra Ju. E aí, quando comecei a escrever a sua, percebi que não devia.

—Isso tem um motivo?

Ela balança a cabeça negativamente.

—Só não devia. Eu não quero que guarde num pedaço de papel algo que você nunca ouviu da minha boca, algo que não possa imaginar com a minha voz, sabe? E eu não saberia o que escrever pra você. Mas... Eu sei algumas coisas. – Ela segurou as mãos dele e o puxou pra perto. – Eu sei que eu não fazia ideia do que estava fazendo quando aceitei sair com você. Era o cara que eu conheci na porta do banheiro no qual ele estava se pegando com alguém. Mas eu saí. E você me viu chorar.

Matteo só conseguia sorrir.

—Eu não sabia o que estava fazendo quando aceitei de bom grado que você procurasse o Adrien, que trouxesse ele pra mim, se metesse nas minhas coisas. E você continuou se metendo, até chegar num ponto que eu era simplesmente incapaz de te tirar da minha vida. Pra quê? Eu não fazia a menor questão de te tirar da minha vida. Só que com o passar do tempo eu tive que aceitar que ia precisar fazer isso uma hora, e que você ia ter que me tirar da sua também. Então você não merece uma carta, Matteo, não merece algo que uma futura namorada sua possa achar no fundo de uma gaveta e te fazer lembrar de mim. Você não tem que lembrar e mim. E isso é bom.

—Eu vejo as coisas de um outro jeito.

—As cartas deixam algo pra eles. O gato pro Leo. O pendrive pra Ju. E não seria simplesmente egoísta que eu deixasse alguma coisa pra você, logo quando digo que quero que você siga em frente?

—Itália, não dá pra te apagar da minha mente. – Ele diz, rindo. – Você vai me apagar também?

—Tudo que aconteceu aqui parece tão... Irreal. Eu parei no tempo aqui com vocês. Vou voltar pro que era antes, pra uma vida comum. Na minha vida comum não tinha Matteo.

—Mas agora vai ter. – Ele toca o rosto dela. – Vai ter lembranças de Matteo, Itália. Porque as lembranças vão ficar. Pros dois. Elas não vão ser apagadas.

Itália desviou o olhar para a boca dele, desconcertada com a proximidade, e ele notou. Alargou o sorriso.

—Sabe, ouvir você dizer tudo isso foi muito mais fofo do que qualquer coisa que você poderia me escrever. – Matteo disse antes de selar os lábios nos dela, como faria no momento seguinte, e depois, e de novo.


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Notas finais do capítulo

Nada a declarar hoje, pessoinhas.



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