Herdeira da Lua escrita por Julipter, Julipter


Capítulo 29
Capítulo Vinte e Nove - Au revoir, Brasil.




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Itália

Era completamente contraditório, mas ela não queria sair de casa.

E se ninguém aparecer no aeroporto quando eu chegar na França?

E se o avião cair?

E se eu encontrar a Isabela? Não vou saber o que fazer, não vou.

Eu vou sentir falta de todos eles. Será que o Cheshire vai cuidar bem do Leo? Será que o Leo vai cuidar bem do Cheshire?

Eu não posso sair daqui, alguma coisa vai dar errado, eu não posso ir embora, alguma coisa vai dar errado.

Mas e se eu ficar aqui e perder o vôo e o Adrien precisar reembolsar as passagens? Não quero causar mais prejuízos.

Será que vão sentir minha falta?

—Itália? – Chamou uma voz da sala.

Por que eu estou roendo as unhas?

—Você tem a chave daqui? – Perguntou outra voz, que ela reconheceu como de Leo.

Eu devia parar de roer as unhas.

—Pra situações emergenciais. – A outra respondeu. Era Amanda.

Itália não moveu um músculo e não respondeu. Em vez disso, continuou agarrada ao travesseiro, olhando para o teto, como passara a noite anterior e a manhã inteira.

Eu devia fechar a janela, Cheshire pode sair. Mas não posso levantar daqui, algo vai dar errado.

Cheshire miava.

—Olha ela aí. – Entraram no quarto. – Itália, vamos.

—Não. Não, não, não dá.

—Está tudo bem, Itália, vamos. Temos que encaixotar as suas coisas. – Amanda tocou o rosto dela, dando um sorriso confortante.

Itália sabia o que ela pensava: eu não posso te dar remédios. Por favor, levanta daí.

Será que não estava claro que ela estava com medo de levantar?

Amanda soltou um suspiro pesado.

—Leo, liga pros outros. Vamos embalar as coisas dela.

Leo olhou para a amiga sem entender muito bem como aquilo funcionava. Assim que ele saiu, Itália enfiou o rosto debaixo dos cobertores, e ficou assim até anoitecer.

(...)

Alguém abriu a porta.

Itália observou a silhueta se aproximar, e em seguida afundar ao seu lado na cama.

—Podia ter me dito que ia embora amanhã, sabe. – Matteo aconchegou-se ao lado dela debaixo da coberta e sorriu. – Eu teria trazido flores.

—Não vou sair daqui.

—Eu queria acreditar que sim.

—Vai tudo estar dentro de caixas. Caixas que eu não vou levar comigo. Não vou sair daqui.

Matteo esticou o braço, procurando a mão dela. Entrelaçaram os dedos.

—Vamos cantar. – Ele sussurrou. – I’ll come around, if you ever wanna be in love. — Itália soltou uma risada baixa e apertou a mão dele. —And I’m not waiting, but I’m willing if you call me up. If you ever wanna be in love, I’ll come around… Está quente aqui, não está? Ficou assim o dia inteiro?

Ele empurrou as cobertas para o chão e olhou para a namorada.

Itália ainda abraçava o travesseiro.

Matteo sentou-se, encostado na cabeceira.

—O que você quer que eu faça, heim? – Ele pergunta. Itália finalmente desvia o olhar para ele. – Peça pra que você não vá, mesmo sabendo que não vai dar certo? Quer que eu corra atrás de você no aeroporto, acabe te perdendo de vista e pegue um avião pra França porque não posso te deixar escapar assim? Você quer que eu seja um personagem de comédia romântica, Itália?

—Já somos uma comédia romântica. – Ela espera uma risada do garoto, mas esta não vem.

Matteo suspira e se levanta.

—Eu vou pra casa. Nos vemos no aeroporto amanhã.

Ele começa a andar em direção a porta do quarto e, como se fosse a coisa mais difícil do mundo, Itália joga as pernas para fora da cama e dá uma patética corridinha até ele. Ela gruda as costas na porta, o impedindo de abrir.

—Eu te amo. – Itália diz, soltando o ar que não sabia que prendia.

A expressão de surpresa dele chegou a chocá-la.

O que, era tão difícil assim acreditar que ela o amava?

—Como é?

—Eu amo você, Matteo. Eu amo... Amo o seu cabelo. – Ela ri, passando uma mão pelo cabelo dele. – Seus olhos. Eu amo a sua voz e a sua guitarra. Eu amo quando canta só pra mim, amo te ver cuidando do Pedro, amo a sua expressão quando está tentando entender matemática. Eu te amo aqui. – Beijou-lhe na testa. – Aqui. – Uma bochecha. – Aqui. – O pescoço. – Aqui, aqui e aqui. Em todo lugar. Eu te amo.

Os lábios de Matteo se esticaram no sorriso mais genuíno que ela já vira ele dar. Itália pousou as duas mãos sobre as bochechas dele e o beijou, enquanto ele passava os braços ao redor de sua cintura. Beijavam-se com mais vontade do que em qualquer outro momento, de forma apaixonada e apressada, querendo ter todo o tempo do mundo.

—Itália... – Ele ofegou, a afastando por um momento. A garota continuou distribuindo beijos por todo o seu rosto, abaixo das orelhas e pelo pescoço, fazendo-o rir. – Itália, olha pra mim.

A contra gosto, levantou o olhar. Ela sorria.

—Eu também te amo.

(...)

Cheshire estava numa caixa.

Dentro da caixa havia uma carta.

—Você vai ser cuidadoso e não vai rasgar. Certo, Cheshire?

Ele chiou para ela. Certamente não gostava de ficar preso.

—É rapidinho. Vou te levar pra sua nova casa, e vou fazer isso agora mesmo, porque depois não vou conseguir.

Era madrugada. Pouco depois de Matteo ir embora, Itália ficou com medo de ter mais algum surto antes do vôo, então não dormiu e decidiu que levaria Cheshire para a casa de Leo naquele instante.

Chamou um Uber, e lá se foram.

Bateu na janela do quarto dele, porque não queria acordar o resto da família.

—Você é louca? Eu pensei que fosse um ladrão!

—Sou. Segura o gato. – Entregou a caixa para ele. – Agora me ajuda a entrar.

Leo riu e a puxou para dentro. Itália caiu em cima dele.

—Já te disseram que tem braços fracos? – Ela disse, se levantando. – Sorte sua não ser goleiro.

—O que veio fazer aqui essas horas?

Itália olhou para a caixa, depois para Leo. Para a caixa, e para Leo.

Ele arregalou os olhos.

—Ah, não. Não, não, não. Não mesmo!

—Ele precisa de você.

—Arco-Íris, eu te amo, mas ás vezes...

—Você precisa dele.

—Eu não posso ficar com esse bicho!

—Vocês precisam um do outro e não precisam mais de mim.

Leo abriu um sorriso triste e se sentou na cama.

—Desculpa, Itália, mas eu não vou saber lidar com ele. Por que não devolve pro Henri?

Ela sentou ao lado.

—Quero que ele fique com você, porque eu não posso ficar.

Os dois permaneceram em silêncio por um longo tempo, olhando para a caixa. Itália, então, levantou-se e libertou o gato, que se espreguiçou e esfregou as costas no tapete.

Após subir em todas as prateleiras possíveis, Cheshire pulou na cama e se aconchegou no meio dos dois, ronronando.

—Por favor. – Ela pediu.

Leo passou um braço ao redor de seus ombros, fazendo-a deitar a cabeça no ombro dele.

—Eu nunca tive um melhor amigo, Arco-Íris. Você é possivelmente a melhor coisa que já me aconteceu. – Não vou chorar. — Eu não sei o que faria... Se tivesse pedido uma caneta pra outra pessoa. Não sei o que faria. Quem é que ia estar em todos os meus jogos se não fosse você?

—A Ju também estava em todos. – Comentou, com a voz trêmula. Ele negou com a cabeça.

—Não, não por mim. Pelo espírito escolar, por ser presidente do grêmio. Todo lugar em que eu estive e você também, Arco-Íris, fizemos isso um pelo outro, estivemos lá um pelo outro. Eu... Eu não sei como eu vou ficar no próximo ano. Eu queria tanto que você ficasse.

Aquela altura, ela já estava em prantos.

—Mas eu sei que você não pode. – Apoiou o queixo na cabeça dela. – E também não pode me levar contigo, assim como não pode levar esse carinha.

Itália o abraçou, cercando seu tronco com os braços, esmagando Cheshire, que estava no meio dos dois. Leo também começara a chorar.

—Prometo que vou cuidar dele, ta legal? Como se estivesse cuidando de você.

(...)

“Essa é a última vez.

Talvez eu tenha criado o hábito de escrever. Talvez eu comece um novo diário quando voltar pra casa.

Casa. A minha casa.

Será que aqui foi mesmo a minha casa?

Quem foi que disse “casa é onde o seu coração está”? Acredito nisso. Mas não faço ideia de onde o meu coração está.

Meu coração foi partido em um milhão de pedacinhos e os pedacinhos foram espalhados por aí. Devo ter tantas casas.

Corações partidos não são assim ruins como as pessoas pensam, no fim das contas.

Sabe, encarar tudo encaixotado de novo foi como um choque de realidade. Como foi que eu sobrevivi?

Será que alguma coisa que eu fizer daqui em diante pode ser tão incrível quanto o que eu fiz nesse ano? Será que esse foi o breve ápice da minha vida?

Eu costumo querer estar no controle, saber das coisas, mas não quero saber isso. Ou não sei se quero. Não sei de mais nada.

Eu quero... Quero voltar pro meu irmão. Quero terminar a escola, quero cursar Arte.

Quero conhecer a Isabela, eu quero muito. Quero vê-la, perdoá-la, abraçá-la e conhecê-la. Quero saber como ela é, eu preciso saber.

Quero descobrir novas receitas de sopa.

Quero procurar um emprego temporário no qual eu possa fazer coxinhas. Quero vender coxinha na França, todos vão amar.

Eu quero aprender a tocar violão. Quero ter sessões com um psicólogo devidamente formado e quero que ele me receite remédios, se for preciso, porque estar doente cansa. E eu estou doente.

Há tantas coisas que eu quero. Não sei quantas delas eu preciso. Mas, como eu disse, não sei de mais nada.

Há algumas coisas que não quero, mas sei que preciso.

Deixar o Brasil.

Beijar outras bocas.

Sentir com outras bocas o que senti com Matteo. Isso vai ser tão difícil.

Sumir da vida de algumas pessoas aqui.

Eu preciso muito me sentar na frente da Torre Eiffel e fazer um desenho. Um desenho novo, sem guitarras e árvores. Um desenho Torre Eiffel, não um desenho Parque Ibirapuera. Eu preciso dessas coisas novas que ao mesmo tempo são tão velhas pra mim.

Eu preciso desapegar.

Já fiz isso uma vez, e agora não é tão difícil. Espero que eu me acostume a desapegar, espero que a cada vez fique mais fácil.

Porque ainda dói. Dói muito.

A saudade machuca.”

Deixa o pendrive sobre a bancada da cozinha e gruda nele uma etiqueta. Diz Para Julia.

Ela sentia vontade de abrir todas as caixas, mas não o fez. O que fez foi mais monótono, previsível e nada inesperado: pegou sua mochila, as duas malas e foi para o elevador. Deixou a chave com o porteiro mais inútil que já conheceu e ruma ao ponto de ônibus.

Demora, e é cansativo com as malas, mas Itália queria andar de ônibus em São Paulo mais uma vez.

Ela fica parada em frente ao aeroporto, esperando Matteo chegar. Quando acontece, eles dão as mãos e entram sem dizer nada.

Não era uma despedida como as outras. Ela não ia chorar.

—Pensou que eu não fosse notar? – Ele colocou uma das mãos no bolso da calça.

Merde, Itália pensou.

Na noite anterior, quando eles... Bem. Na noite anterior, ela havia deixado seu colar nas roupas dele. Aquele colar, dourado, em forma de bota, escrito Itália.

—Achei que não quisesse me deixar nada.

—E quando é que eu cumpro as suas expectativas? – Ela sorria, mas seu coração batia cada vez mais rápido e cada palpitação gritava incerteza.

Virou-se de costas para ele, e Matteo colocou o colar em seu pescoço.

—Perfeita. É agora que eu canto pra você? Pleeeeease, don’t leave me!

Os dois começaram a rir no meio do aeroporto, e aquilo parecia extremamente errado.

—Vamos fazer diferente dessa vez.

Ela se colocou de frente para ele novamente, guiou as mãos do garoto para sua cintura e pousou as próprias mãos sobre os ombros dele.

Para a surpresa de Matteo, Itália começou a cantar. Para ele, mas em alto e bom  som, e todos que passassem por perto poderiam ouvi-la.

I promise that one day I’ll be around

(eu prometo que um dia vou estar por perto)

I’ll keep you safe, I’ll keep you sound

(vou te manter a salvo, vou te manter seguro)

Right now it’s pretty crazy, and I don’t know how stop or slow it down

(agora é complicado, e eu não sei como parar ou ir mais devagar)

Hey

(Ei)
I know there  are somethings we need to talk about

(eu sei que tem umas coisas que a gente precisa resolver)

And I can’t stay

(e eu não posso ficar)

So let me hold you for a little longer now

(então me deixe te abraçar por um tempo agora)

Take a piece of my heart

(pegue um pedaço do meu coração)

And make it all your own

(e faça dele todo seu)

So when we are apart

(então, quando estivermos separados)

You’ll never be alone

(você nunca estará sozinho)

Yo’ll never be alone

(você nunca estará sozinho)

You’ll never be alone

(você nunca estará sozinho)

When you miss me, close your eyes

(quando sentir minha falta, feche os olhos)

I may be far but never gone

(eu posso estar longe, mas nunca irei embora)

When you fall to sleep tonight

(quando se deitar para dormer esta noite)

Just remember that we lay under the same stars

(apenas se lembre que estaremos deitados debaixo das mesmas estrelas)

And Hey

(e, ei)

I know there are somethings we need to talk about

(eu sei que tem umas coisas que precisamos resolver)

And I can’t stay

(e eu não posso ficar)

So let me hold you for a little longer now

(então me deixe te abraçar por um tempo agora)

Take a piece of my heart

(pegue um pedaço do meu coração)

And make it all your own

(faça dele todo seu)

So when we are apart

(então, quando estivermos separados)

You’ll never be alone

(você nunca estará sozinho)

You’ll never be alone

(você nunca estará sozinho)

You’ll never be alone

(você nunca estará sozinho)

Era Matteo quem estava chorando copiosamente.

—Eu nunca vou ouvir uma voz tão bonita quanto a sua. – Ela riu. – Ninguém nunca vai cantar pra mim como você canta, Itália.

E bem, era verdade. Para Matteo, aquela era a voz mais linda do mundo, no rosto mais lindo do mundo, no corpo mais lindo do mundo, que hospedava a alma mais linda do mundo.

—A gente se vê, gatinho do banheiro.

Lhe deu um beijo breve e calmo antes de puxar suas malas em direção ao portão de embarque.

(...)

Matteo

Deixou o aeroporto o mais rápido que pôde.

Entrou no carro e dirigiu, sem conseguir parar de chorar, até o parque Ibirapuera.

Cada passo pela grama doía no fundo da alma. Passou direto pelo banco onde ele a havia beijado, passou direto pela árvore, e sentou-se na beira do lago.

Tirou do bolso da calça um papel amassado.

—O que você fez comigo, garota? – Ele sorriu para o papel, que recebia algumas lágrimas como lembrança. – Tudo bem. Vamos lá.

Conforme ele dobrava o desenho, a árvore e a guitarra ganhavam formas indecifráveis. Mas ele sabia que eram uma árvore e uma guitarra, não teria como ser outra coisa, em nenhuma vida, em nenhum lugar.

Pousou o barquinho de papel sobre a água. Estava um tanto torto, afinal aquele papel fora amassado muitas vezes enquanto Matteo decidia o que fazer com ele. Mas aquele era o destino do barquinho, não havia direção melhor que aquela – mesmo que fosse torta.

O desenho eram eles. Ela dissera que ele devia fazer o que quisesse com eles.

Então, Matteo os deixou livres.


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Notas finais do capítulo

É isso. Acabou. Acabou. Acabou mesmo.
Eu vou chorar!



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