Herdeira da Lua escrita por Julipter, Julipter


Capítulo 21
Capítulo Vinte e Um – Dipendo da esso




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Matteo

Aquele desenho. Aquele desenho era extremamente importante. Por que Itália se livraria dele?

Quer dizer, Matteo entendia que ela não estava jogando fora. Mas, por que lhe entregar? “Eu comecei isso, você tem que terminar”. Começou o desenho, e o desenho eram eles. Matteo não queria terminar com eles. “Faça o que quiser com ele”. O que ele queria? O que ele queria fazer com aquilo que haviam se tornado?

O desenho pertencia a ele agora. A lembrança era dele. E o que Itália tinha? O que ela poderia ter? Apenas sua própria memória?

Apesar de estar acostumado com aquele jeitinho, Matteo ainda não entendia muitas das coisas que ela fazia.

—Pedro! Vamos sair! – Ele anunciou. Não demorou para o garoto aparecer na sala, com a câmera na mão.

(...)

—Trouxe alguém pra você cuidar.

—Vai me pagar quanto? – Ela sorria com divertimento, encostada na batente da porta.

—Mil beijos! – Ele exclamou, empurrando o garoto pra dentro do apartamento.

—Oi, Pedro. – Itália bagunçou os cabelos do pequeno.

—Oi, Dinamarca! Onde está o Cheshire? – Ele sempre pronunciava errado. – Eu gosto dele.

—O Cheshire está dormindo agora, mas você pode brincar com a Maria Alice.

Só então Matteo notou a garotinha deitada naquele tapete peludo bem no meio da sala. O cabelo cacheado escondia o rosto dela, que cantarolava alegre, balançando os pés enquanto rabiscava uma folha sulfite.

—Você deixou ela mexer nos seus materiais? É um milagre! – Matteo fechou a porta atrás de si, empurrando Itália para o sofá.

—Só os giz de cera.- Ela riu, caindo no sofá. – Maria Alice, esse é o Pedro. E esse aqui é o Matteo.

—Muito prazer! – A garotinha disse com a voz alegre, mas sem olhar para nenhum dos dois. Pedro, sem que ela percebesse, tirou uma foto.

—Você a chama pelos dois nomes?

—Ela disse que prefere assim. – Itália grudou os olhos na garota, os olhinhos brilhando. – Então, o que veio fazer aqui?

—Ficar com a minha namorada, será que eu posso?

Ele a beijou, e Itália sorriu. Parecia fazer tempo que não a beijava. Talvez fizesse mesmo.

O que acontecia era que Itália tornara Matteo uma pessoa carente. Carente dela. Itália agora era como música para ele: não conseguia imaginar o mundo sem.

Eles ficaram quietos observando as duas crianças, cada um absorto em seus próprios pensamentos. Era assim que ele fugia, ficando com ela. Com ela não havia uma mãe te obrigando a ir ao psicólogo, nem um pai que quase nunca aparecia e, quando aparecia, não trazia nada de bom. Com ela ali, eles estavam num mundo a parte da realidade, era mágico, era necessário. E acabava rápido.

—O que vamos fazer quando eu for embora? – Ela perguntou, de repente. Maria e Pedro corriam ao redor do sofá.

—O quê?

—Quando eu for embora, Matteo. Eu... – Se endireitou no sofá, ficando na mesma altura que ele. – Eu falei com a Isabela.

Era isso.

Era o fim.

—Não, Itália.

—Ela me falou dela, falou sobre mim, sobre o meu pai. Ela... Acho que acredito que ela já me amou, sabe? Não sei explicar como foi, é impossível.

—Não.

Matteo tinha certeza que isso iria acontecer. Que ela iria encontrar a mãe, que iria perdoá-la, mas ele era egoísta e não queria que acontecesse.

Itália amar Isabela significava que ela iria deixá-lo. Antes do tempo. Porque era óbvio que Isabela a amaria de volta. Quem não amaria?

Eu te amo também, ele pensou. Fica.

Por que essa mulher tinha que amá-la ao mesmo tempo que ele? Por que ela não podia esperar? O amor de Isabela era um tipo de amor... Com o qual ele jamais poderia competir. Não era justo. Não era justo que essa pessoa que havia acabado de aparecer, levasse Itália embora assim. Não era justo.

—Não é justo! – Ele diz, involuntariamente.

—O quê?

Ela não perguntava o que não era justo. Matteo notara em sua expressão que ela estava assustada. O que há com você? Ela deveria ter pensado.

O rapaz se afastou consideravelmente e quebrou o contato visual entre os dois.

—Por que quer falar disso agora?

—Em algum momento vamos ter que falar, Matteo.

—É, mas não agora!

Não gostava da ideia de falar sobre isso. Não gostava de pensar nisso. Não gostava de tentar idealizar sua vida sem ela por perto.

Itália se aproximou e tocou o rosto dele.

—Seu mundo esteve sem mim por dezessete anos. Vai precisar tanto assim quando eu não estiver mais nele? – Ela queria que ele a olhasse. Ele não queria olhar. Ele veria nos olhos dela: Acho que gosto da Isabela. Acho que vale a pena me aproximar dela. Talvez eu tenha que ir embora mais cedo.

—Você vai embora?

—Não, Matteo. Agora não. – Então ele a olhou.

—Então não faz sentido eu pensar no meu mundo sem você enquanto você está aqui. Por que você ainda está aqui, Itália. Não importa o que vamos fazer depois. Me promete que não vamos falar disso, até o seu último dia em São Paulo, não vamos ter essa conversa.

Ela suspirou.

—Só se prometer que, quando eu for embora, não vamos tentar fazer dar certo algo que vai machucar nós dois.

Matteo engoliu em seco.

—Você quer dizer?

—Sabe o que quero dizer. – Foi a vez de Itália evitar os olhos do garoto.

Ele sabia. Sabia que não poderia mais mandar mensagens para ela, nem fuçar suas fotos no Instagram. Ele não poderia ligar para ela, nem falar com ela. Porque tentar um relacionamento assim só iria prejudicar os dois. Atrasá-los em suas vidas, nas vidas em que eles não teriam um ao outro.

Não mandaria nem uma carta.

—Eu prometo. – Deu-se por vencido, baixando o olhar. Itália desceu seus dedos para as mãos dele.

—Então eu prometo.

(...)

Seriam férias tão normais se ele jamais tivesse concordado com aquela banda.

Mas qual seria a graça?

Julia e Flávia estavam tentando agendar shows em outros lugares pra gente nesse tempo em que o Café ficaria fechado.

Lucy passava seu tempo com o namorado (pelo menos, todos achavam que sim) e Alice até que continuava bem presente na casa de Matteo em horas vagas. Mas Téo estava ficando maluco.

Houve uma reconciliação silenciosa entre os dois com o passar do tempo. Se não falassem daquilo que causou o afastamento dos dois e nem da briga, tudo ficava bem.

Tão bem que confiavam um no outro novamente.

Por isso, quando chegou em casa, com Pedro falando e falando da “chata da Mali”, vulgo Maria Alice, Téo estava ali, com a cara numa almofada do sofá.

Pedro nem o notou, só seguiu para o quarto. Matteo ouviu panelas.

Clara está aqui.

—Eu tô pirando. – Téo disse. Mas, com a cara na almofada, saiu mais como euftriando.

Matteo sentou-se ao seu lado.

—Então estamos em situações parecidas. Levanta daí. – Ele se recompôs. – Então, o que foi?

—Não sei o que fazer. Eu já soube o que fazer. Não sei mais. Eu cantei pra ela, Matteo, eu a beijei. Várias vezes.

—Certo. Não vejo nada de errado até agora.

—Ela não sabe o que quer.

—A Julia é uma pessoa muito decidida, Téo.

—Pois é, mas quando é sobre mim, parece que ela não sabe o que quer! – Téo estralou os dedos e balançou a cabeça. – O que mais ela quer que eu faça? Compre flores?

—Ela não quer nada de você. Ela quer pensar em você sem te ter por perto por um tempo. – Foi Clara quem disse, saindo da cozinha. – Não fique desesperado e dê tempo ao tempo.

—Eu tenho certeza que a Julia não está tentando te deixar com saudades nem nada assim. – Matteo continuou. – Ela ta pensando em como você se encaixa na vida dela. Tem uma irmã maluca e pais muito exigentes.

—E pra eles eu posso parecer só o cara mau que fez ela se interessar por coisas ruins. – Téo assentiu, parecendo entender.

—Mesmo que ela já bebesse e ficasse com garotas muito antes de te conhecer. – Matteo concordou. – Ela gosta de você. Isso é suficiente pra aguentar a espera mais um pouco.

Téo ponderou pelo que pareceram minutos antes de se levantar.

—Tem razão.

Eu sei, ele riu sozinho com o pensamento.

—Você disse que também estava pirando. Tem algo que quer me contar?

—Não, tudo como sempre. – Matteo sorriu.

—Tá. Valeu. – Ele esboçou o reflexo de um sorriso e foi embora.

Téo continuava o mesmo. Monossilábico e sem expressão.

(...)

Você é sensível demais, ele pensava, trancado no quarto.

Pensa demais. Pensa demais nela.

Não deveria se preocupar tanto. É só uma garota.

Não é?

Cansado dos próprios pensamentos, ele pegou a guitarra. Porque com ele era assim, desde sempre: a música fazia tudo soar mais facilmente, as coisas ficavam claras, e ele entendia a si mesmo.

One of these days the ground will drop (um dia desses, o chão vai desmoronar)

Out from beneath your feet (bem debaixo dos seus pés)

One of these days your heart will stop (um dia desses, seu coração vai parar)

And play it final beat (e bater uma última vez)

Então, antes não havia chão? Antes de Itália, antes de tudo, não havia chão? Por isso tudo sempre parecia errado, sempre parecia que algo estava faltando?

Itália era seu chão, e então ela partiria. E o chão se partiria bem debaixo de seus pés. E o coração pararia, e ele não saberia o que fazer, e meu deus.

One of these days the clocks will stop (um dia desses os relógios vão parar)

And time won’t mean a thing (e o tempo não vai significar nada)

One of these days the bombs will drop (um dia desses, as bombas vão cair)

And silence everything (e silenciar tudo)

Tempo era a única coisa que ele não tinha.

Tudo passava cada vez mais rápido, tudo contra ele, tudo querendo que acabasse logo. Que tivesse um fim. Tudo caminhando para que as bombas explodissem.

But it’s alright (mas estão tudo bem)

Yeah, it’s alright (sim, está tudo bem)

Said it’s alright (eu disse que está tudo bem)

Estava. Estava tudo bem, porque naquele momento, ela estava lá.

Mas e quando não estivesse?

Easy for you to say (fácil pra você dizer)

Your heart has never been broken (seu coração nunca foi partido)

Your pride has never been stolen (seu orgulho nunca lhe foi roubado)

Vai ser. Ele devia saber desde o começo que teria o coração partido, porque o orgulho lhe fora roubado a muito tempo.

Not yet, not yet (ainda não, ainda não)

One of these days (um dia desses)

I bet your heart will be broken (eu aposto que seu coração será partido)

I bet your pride will be stolen (eu aposto que seu orgulho lhe será roubado)

I bet, I bet, I bet, I bet (eu aposto, eu aposto, eu aposto, eu aposto)

One of these days (um dia desses)

One of these days (um dia desses)

Vai ser.

Simples assim, não era só uma garota. Simples assim, se deu conta do que pensara horas atrás, na casa de Itália: “Eu te amo também. Fica.”

Ela seria capaz? Seria capaz de ficar por aquelas três palavras?

De repente, como se saísse de um transe, ouviu a voz de sua mãe. Parou de tocar imediatamente e abriu a porta do quarto.

—Não me ouviu? Faz meia hora que estou te chamando! – Seu tom de voz o repreendia, mas seu sorriso demonstrava a mais pura das alegrias.

No entanto, o sorriso de Geovanna se desfez assim que ela notou o estado de Matteo. Confuso, com cabelos bagunçados, apertando demais as pontas dos dedos nas cordas da guitarra.

Sem dizer nada, ela entrou no quarto e sentou-se na cama do filho, com as costas na parede. Matteo se deitou e posicionou a cabeça sobre o colo dela, como faziam antigamente. Quando tudo era mais fácil.

—Quando eu tinha a sua idade, - ela começou – queria ser escritora. Eu escrevia sobre tudo; as pessoas que via no ônibus, sobre músicas e sobre a vida. Eu escrevia histórias que floresciam na minha mente, porque eu tinha que escrever, porque se não o fizesse, a flor morreria.

A mãe afagou seus cabelos e ele soube que no fim da história estaria dormindo, e tudo ficaria bem até que acordasse.

—Aí eu conheci o seu pai. – Geovanna continuou. – E era mágico. De repente havia você, e havia um casamento, e eu era judia como ele e dona de uma empresa como ele. Minhas últimas escritas aconteceram durante a gravidez. Meus melhores textos. – Ela suspirou. – Filho, você planejou seu futuro?

—Sim. – É a música, ele diria alguns meses atrás. Agora não tinha certeza.

—Eu joguei meus planos fora e comecei outros. Planos que giravam ao redor de Gabriel, porque ele era o Sol, e eu, só a Terra. Talvez Mercúrio, bem pertinho. E mesmo que agora ele não seja uma parte boa da minha vida, é uma vida boa. Sou sua mãe, sou mãe do Pedro, construí algo bom para vocês e não podia pedir algo melhor. Eu amo isso. Amo as decisões que tomei, mesmo que tenham mudado de rumo. – Ela pegou a mão de Matteo, e ele a olhou. – Planeje e descarte, Matteo. Faça o que achar certo. Faça o que tem que fazer. Mude de ideia. Não estranhe se, de repente, tudo o que você quis durante dezessete anos, não parecer mais certo, não fazer mais sentido. No final, vai perceber que tomou o melhor rumo que podia tomar.

—Amo você. – Ele sussurrou, porque ela precisava ouvir, porque era verdade, e porque ele queria que ela estivesse certa.

—Vou estar aqui. Vou estar sempre aqui.


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Notas finais do capítulo

EU TÔ AQUI, GENTE!



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