Herdeira da Lua escrita por Julipter, Julipter


Capítulo 20
Capítulo Vinte - Les faveurs que je devrais éviter




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Itália

Itália não lidou com nenhum cliente mal humorado naquele dia. O que era um alívio, considerando o fato de que sua dor de cabeça poderia fazê-la gritar com alguém a qualquer momento. E Henri não estar lá deixava tudo mais difícil, pois ela não poderia desabafar com a funcionária que a acompanhava. Não que a garota parecesse cínica, ela na verdade dava a impressão de ser bem simpática. Mas ela não era Henri.

—Aquela banda não vai tocar aqui hoje? – Uma garota de olhos azuis perguntou. Ela tinha aparência de não mais que vinte e cinco anos, cabelo chanel e uma franja reta, e usava um vestido azul que apenas enaltecia sua aparência adorável.

—Ah, não, eles tocam aqui todas as sextas. Mas hoje vão tocar num bar chamado Hush. – Itália sorriu e anotou o endereço em seu bloquinho. – Esperamos por você lá.

Colocou o papel debaixo da xícara de café da moça.

—Você é a namorada do guitarrista, não é?

—Sou sim. – Muito mais que isso, na verdade eu montei a banda, ela teve vontade de dizer. – Se precisar de mais alguma coisa é só chamar.

Não tão adorável.

Seu celular ficou silencioso o dia inteiro. Parecia que estavam dando tempo ao tempo. Talvez Leo estivesse se sentindo culpado.

Os domingos no Café tinham seu lado bom e ruim. O bom era que, bem, Itália recebia dinheiro por estar ali. O ruim era que o movimento era fraco, o dia todo. Isso não ajudava na tarefa de mantê-la acordada.

Por isso, quando Matteo chegou, ela estava quase dormindo encostada na caixa registradora.

Ele se aproximou e encostou o nariz no dela, esperando que a garota levasse um susto. Ao invés disso, ela abriu os olhos lentamente.

Matteo sorriu.

—Oi.

—Oi. – Ela respondeu, levantando o corpo.

—Tá tudo bem? – Ele contornou o balcão, ficando de frente para ela. – Você não parece bem.

 Itália suspirou.

Itália não reclamava de seu primeiro beijo.

Ela se lembrava, muito bem, de estar muito bonita naquele dia. Tinha quinze anos. Sim, fazia pouco mais de um ano desde seu primeiro beijo. O nome dele era Jean, o que era extremamente clichê, porque as pessoas pensam que todos os caras da França se chamam Jean. Talvez a vida estivesse dando sinais sobre os clichês que viriam dali pra frente.

Usava vestido. Um vestido branco acima do joelho e um casaco cor de rosa. Ela havia cortado o cabelo fazia alguns meses e já estava um pouco grande de novo. Tocou os fios, os observando, pensando seriamente em cortá-los na altura dos ombros da próxima vez.

Sentou-se num banco perto da escola para desenhar, pois faltavam alguns minutos para as aulas se iniciarem. E ele sentou perto dela.

Podia se dizer que não se parecia com Matteo. Nem na aparência, nem na personalidade. Mas ela não era capaz de fazer a comparação naquele momento, porque afinal, Matteo era um pensamento inexistente. Jean não tocava guitarra, não tinha sessões com um psicólogo, não tinha um irmãozinho mais novo e nem uma família pirada.

Jean era só Jean. Com jeans rasgados, - não por rebeldia, apenas por desleixo – olhos da cor do mel e cabelos castanho-claros. Ele gostava de escrever e de jogar basquete, mesmo não sendo muito alto. Usava lentes de contato, mas poucas pessoas sabiam disso. Itália não sabia dizer por que gostava dele ou se realmente gostava dele, mas sabia que seu primeiro beijo havia sido com ele, naquele banco em frente ao colégio, enquanto o garoto repousava uma de suas mãos na folha em que Itália desenhava – ela não tinha mais aquele desenho – e a outra em sua nuca. Não lembrava exatamente da textura, mas a sensação era boa.

Não tinha ninguém ao redor para comemorar por eles. Ninguém pulou nem bateu palmas. Não era um parque, era só um banco. Não era um encontro de amigos, eram só os dois, esperando o sinal bater. Eles não sorriam um para o outro quando se separaram, apenas coraram e correram para suas aulas. E só se viram no dia seguinte.

Por algum motivo, ela pensou nisso quando encarou os olhos de Matteo. Talvez fosse porque... Porque se lembrava nitidamente de Jean. Mas não se lembrava de sentir por ele nem metade do que sentia por Matteo.

Isso era assustador.

Principalmente considerando o fato de que ela pensou nisso um segundo antes de dizer ao garoto o seguinte:

—Estou de ressaca.

Primeiro ele riu, pensando que Itália estava brincando. Mas ela continuou séria, então o riso dele morreu. Matteo arregalou os olhos, muito, muito surpreso.

Você? Mas... Quer dizer, como? Alguém te embebedou?

—Batizaram até a água que estava na minha geladeira ontem. – Ela suspirou. – Não é desculpa, obviamente, porque eu continuei bebendo aquela droga de suco... Mas, argh.

—Tinha muita gente lá?

—Tinha mais do que eu esperava. Leo expulsou os que batizaram as bebidas. Eu contaria mais, mas minha cabeça está doendo.

—Devia ter ficado em casa hoje.

—Eu sei.

—Comendo docinhos e bebendo todinho.

—Eu sei.

—Como deixou isso acontecer?

—Não sei.

Matteo revirou os olhos e passou uma mão pelo cabelo.

—Vai me dar um sermão? – Ela perguntou, mordendo o lábio. Não teria paciência para aquilo, mas talvez precisasse de um sermão.

—Você fez um favor pro Leonardo e se deu mal. – Itália desviou dele e foi atender uma das mesas.

—Eu pedi um sermão, não pedi para falar mal do meu amigo.

Matteo andava ao seu encalço, e falava enquanto ela anotava o pedido da mesa.

—Você foi muito mal no último bimestre, se lembra? Quase não tem tempo de estudar. Três noites por semana fica de babá pra alguém, fora que na sexta você fica aqui até mais tarde por causa dos shows. Não pode desperdiçar seu tempo livre fazendo favores para os outros, Itália, você tem que se ajudar também!

—Eu tento. – Ela entrou na cozinha e começou a mexer com a comida, mas na realidade só queria evitar o olhar dele.

—Tenta? Olha o seu estado, Itália.

—Matteo, eu entendo que esteja preocupado, mas eu não preciso disso. Eu estou chateada com o Leo e dando um gelo nele. Eu trabalho porque tenho que cuidar de um gato, pagar luz, água, internet e preciso comprar comida. O meu cabelo está todo desbotado porque eu não tenho mais paciência pra retocar essa droga de tinta, e me arrependo de não ter voltado ao castanho antes de vir pra cá. Nesse calor todo eu tive que improvisar porque minhas roupas não são pra esse tipo de clima. E entre tudo isso, vocês me ajudam, ajudam demais! Ajudam tanto que eu não me sinto bem em negar qualquer coisa pra vocês. Por isso eu ajudo todo mundo. Por isso não tenho tempo pra estudar. Por isso eu só quero que essa semana acabe, porque eu preciso de férias.

—Você tem que estar de férias pra ter tempo pra si mesma?

—Eu tenho!

—Itália.

—Me deixa cortar as... Batatas. – Ela resmungou.

—Você cortou o dedo, né? – A garota fez que sim a contra gosto, depois levou o dedo indicador a boca. Matteo riu e a abraçou. – Me promete que vai estudar para todas as suas provas essa semana, entregar os últimos trabalhos e não vai ao show hoje.

—Por que não ir ao show?

—Pra você descansar. Tudo bem? Eu mimo você antes de ir pro Hush.

—Tá bom, tá bom. Mas é por escolha própria, viu?

Matteo soltou uma risada abafada e beijou o topo da cabeça dela.

—Certo.

(...)

E fora exatamente daquele jeito.

Nos intervalos das aulas, Itália terminava os trabalhos. Quando chegava em casa, estudava para as provas por uma hora e então ia para o Café. Quando voltava pra casa, estudava mais um pouco. Falava com Adrien todos os dias, e no final de algumas tardes Matteo lhe fazia companhia. Ela havia cancelado a sessão com a Amanda daquela semana. E ainda não tinha conversado com Leo.

—Você nos acha previsíveis? – Itália perguntou a Matteo na tarde de quinta. Eles estavam no sofá, fazendo absolutamente nada, e mesa de centro estava cheia de livros que eles haviam abandonado fazia um tempo.

—Como assim?

—Soube o tempo todo que ficaríamos juntos? – Ela especificou.

Matteo se fez de pensativo.

—Eu não soube. Mas esperei que sim.

—Entendo. – Ela olhou para o teto por alguns instantes, e levantou de repente, fuçando sua gávea de desenhos.

Matteo ficou bem quieto, pois já estava acostumado com aquele comportamento.

Ela voltou e entregou um papel para ele.

Era o desenho, da árvore com a guitarra. Estava inacabado, Itália havia deixado assim.

—Acho que devia ficar com isso. Começou comigo, termina com você.

—Eu não sei desenhar. – Ele sorriu.

—Não precisa desenhar. Faz o que quiser com ele.

—Esse desenho é a gente. Quer que eu faça o que eu quiser com a gente? – Itália se aconchegou nos braços do garoto, onde parecia encaixar perfeitamente.

—Confio em você para fazer isso. Confia em mim para fazer o que eu quiser com a gente? – Ela fechou os olhos.

—Confio. – Matteo pronunciou baixinho e apertou os braços ao redor dela.

—Então faremos isso.

Ele dobrou o papel e o guardou no bolso.

(...)

“Isabela é muito parecida comigo.

Eu sei porque no primeiro dia das minhas férias, numa segunda de manhã, eu falei com ela. Falei com a minha mãe.

Adrien estava presente também, ali do outro lado da tela. Eu olhei para ele antes de tudo, porque estava com medo. Com muito medo. Eu sabia que não seria capaz de perdoar, ainda não.

Então, ouvi um soluço. Ela chorava. E Adrien saiu.

Tudo que me restou, fora olhar para ela.

Isabela não tinha olhos diferentes, um castanho e um verde, como os meus. Mas as íris dela, em ambos os olhos, eram castanhas mais ao centro, depois verdes, azuis, e no fim, um tanto amareladas. Era tão bonito.

Seu cabelo era mais claro que o meu, quando ainda era castanho. Mas havia algo em Isabela que era muito diferente de mim. Ela tinha traços muito bem marcados em sua feição, independente da expressão que carregasse. As pessoas me falavam que meus traços eram leves, delicados. Por isso a primeira fala dela não me surpreendeu. “Você tem tantos traços do seu pai”.

Isabela soluçou mais uma vez, então aproximou sua mão do monitor. Era como se eu a sentisse, tocando meu rosto, secando as minhas lágrimas. Mas eu não estava chorando. Eu estava impassível.

Apenas imaginar o toque dela era extremamente acolhedor. Por um momento, eu esqueci de Marjorie, de Oliver e até de Adrien. Eu só queria abraça-la, bem ali.

Ela até tinha um visual hippie como o meu. Usava uma coroa de flores, e naquela manhã, eu usava um colar com uma pedra cor de rosa amarrada.

“Eu te amei tanto, no começo. Eu te quis tanto. Você era tudo  pra mim.”, ela dissera. Me amara no começo, mas não foi capaz de continuar. “Depois senti tanta raiva. Mas nunca odiei você. Você era minha Jasmin. Jasmin Videira, imagina?” Ela sorriu. E foi quando ela sorriu, que eu não pude mais suportar. As lágrimas vieram incessantes, grossas, acompanhadas de soluços. Levei a mão a boca enquanto ela continuava falando. “Eu e o seu pai tivemos muitas discussões por causa do nome. Eu queria Jasmin, e ele queria Itália, porque havíamos nos conhecido lá. Era tão ridículo, a forma como eu amava aquilo, achava tão bonito, romântico. E aí está você. Ficou Itália”.

Então, eu decidi que preferia Jasmin.

E decidi que aquilo era demais.

“E-eu não posso agora.” Foi o que eu disse, antes de finalizar a ligação.

Quando falei com ela naquela primeira ligação, ela fora fria. Mas continuou tentando se aproximar, e eu sinceramente não entendi. Ainda não entendo. Só sei que meu coração parece ter parado, e que eu demorei muito tempo pra parar de chorar.”

(...)

Ali estava ela.

Cabelos escuros, cacheados. Pele levemente bronzeada. Olhos tão escuros quanto o cabelo, e dentinhos da frente separados. Ela dava um pouco abaixo da cintura de Itália. Tinha sete anos, se chamava Maria, já simpatizava com o gato e era sua nova hóspede.

—Ela é bem tranquila. – Amanda disse. – Mas se der algum trabalho, não hesite em ligar pra gente.

—Se você ficar cansada, coloca um desenho ou uma música que ela saiba cantar. Vai distrair. – Liliana acrescentou.

—Acho que o Cheshire dá conta de distraí-la. – Itália observou a garota brincando com o gato, que tentava fugir. – Mais alguma coisa que querem que eu saiba?

— A princípio não... Vai ser só essa semana, sim? Vamos deixar pago, e sua última semana de férias você pode aproveitar. – Itália sorriu.

—Eu não me importo de ajudar, Amanda.

—Sei que não. Você devia rever isso.


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