Herdeira da Lua escrita por Julipter, Julipter


Capítulo 2
Capítulo Dois - Anno nuovo, stesse regole


Notas iniciais do capítulo

O outro lado da história!



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Matteo

Começar o ano pensando no quão ridículo era o fato de estar ainda recuperando as notas do segundo ano, para só no segundo semestre poder passar para o terceiro, enquanto bebia refrigerante e comia uma coxinha no Café de sempre, escutando as músicas de sempre, e vendo as pessoas de sempre, era previsível demais para Matteo Niara. E ele odiava ser previsível.

Mas era exatamente o que ele estava fazendo.

Droga, por que se distraiu tanto? Foi muita sorte os professores irem com a cara dele, se não, teria reprovado. Que lindo.

E ele estava odiando tudo aquilo. Pensando seriamente em largar tudo de novo. Mas só faltava um ano e meio. Um ano e meio das mesmas coisas chatas com as quais ele estava acostumado. Maldita zona de conforto.

Era só isso, esse era o problema. Matteo estava entediado.

Mais cedo, havia discutido com o pai de novo. E Pedro, seu irmão mais novo, já estava cansado disso, de isso estar acontecendo tantas vezes. “Por que não podemos simplesmente morar com a mamãe?”, ele perguntava.

E era porque a separação ocorrera há poucos meses, então tudo ainda estava na justiça. Os pais se davam bem, nenhum dos filhos entendia por que eles insistiram em chamar seus advogados, ao invés de fazer um simples acordo. Afinal, além de marido e mulher, eles eram sócios. Dividiam uma empresa, e não conseguiam dividir os filhos?

Matteo sabia que a real preocupação era sobre quem ficaria com Pedro. De resto, estavam pouco se fodendo para o filho mais velho.

E ele agradecia por isso. Ficava até mais tranqüilo.

Olhou para o lado, e percebeu uma garota o observando. Era bem bonitinha.

(...)

O erro foi flertar com ela e descobrir que era uma das calouras do colégio Dom Pedro II. Mas já que havia se dado ao trabalho, nada mais justo que mostrar a ela um lugar interessante daquela instituição; conhecido como banheiro feminino.

A garota resultou em alguns momentos satisfatórios para Matteo. Mas, interessante mesmo, foi o que aconteceu quando ele saía do banheiro.

Uma garota nova. Uma estrangeira. Diferente. Alguém que ele nunca tinha visto, alguém com um sotaque bonito, com um rosto bonito, e, convenhamos, com um corpo bonito.

Uma novidade em seu mundo entediante.

Ele não prestou realmente atenção nas coisas que disse ou que ela disse, apenas pensou puta merda quando se deu conta de que, devido ao seu estado, ela podia perceber o que estava acontecendo entre ele e uma garota qualquer dentro daquele banheiro.

Mas sua expressão suavizou, e o costumeiro sorriso divertido estampou seu rosto novamente quando ele notou que a menina só parecia confusa e perdida.

—Tudo bem, é... Tchau, garoto. – Foi a última coisa que ela disse, antes de andar apressadamente até o corredor do segundo ano.

Tchau, garota.

Rindo de sua atitude, Matteo seguiu para o lado oposto.

—Eaí cara, onde você ‘tava’? – Thiago, amigo de longa data, finalmente apareceu. – Mostrando o colégio pra alguma caloura?

—Mostrando o banheiro pra ela. – Matteo soltou um sorriso malicioso.

—Sério cara, já no primeiro dia? Se quiser realmente acabar com essa sua fama, é melhor dar uma acalmada.

—Claro, papai, vou dar uma acalmada. Mas não se esqueça, fama essa que você espalhou sobre mim.

—Você queria ser o fodão do nono ano! Eu só dei uma mãozinha.

—Uma mãozinha!? Disse pra todo mundo que eu era ninfomaníaco. — Thiago caiu na gargalhada ao lembrar-se disso, mas Matteo continuava impassível. – Fala sério. Tenho seções com o Jorge até hoje por causa disso. Psicólogo idiota. – o amigo apenas continuou rindo, mostrando que não se arrependia de nada. – Bom, já que o assunto está em pauta, quando vai parar de pegar a Flávia no estacionamento?

—A Flávia é minha namorada há um ano, é diferente.

—Ah, ninguém gosta de provar só um sabor de sorvete.

—Está comparando garotas com sorvete? Você é inacreditável, Matteo. –Flávia surgiu de repente, entrando na conversa.

Ela deu um beijo em Thiago e ficou ao seu lado, com um braço ao redor da cintura dele, e ele com um braço ao redor dos ombros dela. Ambos são do terceiro ano – onde Matteo deveria estar – mas Flávia é tão baixinha que parece do primeiro.

—Pra mim, é quase a mesma coisa. – Matteo disse, em tom de brincadeira. Ela respondeu com uma careta.

—Só sai merda da sua boca?

—Eu tava brincando, relaxa! – Ela bufou. Sabe a expressão que você diz quando tem oito anos? “Meninas”.

—Retiro o que disse. Você não é nada inacreditável, só é extremamente infantil.

Thiago observava sem piscar as alfinetadas que os dois trocavam. Sempre discutiam, mas eram amigos, afinal.

O sinal tocou, e logo em seguida Matteo foi para sua respectiva sala.

A maioria dos alunos já estava lá, e a maioria também já era conhecida por Matteo, o que tornava as coisas entediantes para ele. Sentou-se no fundo, sabendo que os professores nem tentavam mais trocá-lo de lugar. Ele simpatizava com todo mundo.

Logo os alunos que restavam chegaram, e por fim, a professora Amanda, que propôs apresentações após um discurso um tanto quanto inspirador.

Matteo ouviu todos claramente. Chegou até a se surpreender com o que algumas pessoas pensavam sobre si mesmas. Elas se viam muito melhores do que realmente eram. Ou, pelo menos, do que mostravam ser.

—Itália...?  Desculpe, qual o seu sobrenome? – A professora chamou, e uma garota de cabelos meio acinzentados se levantou.

Era esse o nome dela. A garota dos olhos coloridos.

Se Matteo havia a visto como estrangeira antes, agora ele tinha certeza. E após sua apresentação, ele notou que ela não parecia ter noção do quão significativas eram suas atitudes. Além de Julia, ninguém costumava desafiar Débora. Mas bem que ela merecia, de qualquer forma.

—Matteo Niara. – A professora chamou. – O senhor resolveu se juntar à Débora nesta jornada dupla pelo segundo ano, Matteo?

—Só até o segundo semestre, Amanda. Que a moreninha fique aqui sem mim pelo resto do ano. – Ele dirigiu o olhar a Débora, que revirou os olhos. – Aliás, obrigado por não me reprovar.

—Em literatura? Nem se eu quisesse. Bobeou em física, matemática e biologia, heim?

—Por enquanto. Enfim, se alguém ainda não sabe, sou o Matteo, deveria estar no terceiro ano... – Ele mordeu o lábio inferior, num sorriso. Olhou para Itália, mas ela parecia não prestar atenção. – Eu tenho amigos idiotas, não acreditem nos rumores, sou legal, valeu? Só queria deixar claro mesmo.

Ele deu uma última olhada para a novata, antes de se sentar e cruzar os braços.

Ela desenhava a silhueta dos Beatles na capa do álbum Abbey Road no caderno.

Interessante.

(...)

—Como assim você está interessado numa garota que nem conhece? E os sabores de sorvete? – Flávia tentava alertar Matteo de algo, sem sucesso.

—Sorvete? Mas do que você está falando? – Ele respondeu, fazendo a menina erguer os braços em rendimento.

—Inacreditável.

—Flá, anime-se. É até bonitinho isso. – Thiago apertou os ombros da namorada.

—Quem é você, e o que fez com o meu Thiago?

—Parem com isso. Não estou interessado nela, só a achei... Diferente.

—E você é aquele que adora as diferentonas! Olha pra mim, eu jogo videogame, eu uso roupas largas e eu adoro rock! – Flávia imitava aquelas poses Tumblr que todo mundo adora, enquanto Thiago e Matteo riam.

—Não é nada disso. Quer dizer, não sei, não conheço ela. É a francesa.

—Haha! – Thiago zombou. – Sério mesmo? Entra na fila, então. Não viu quantos estavam olhando pra ela hoje?

—Linda, né? Eu pegaria. – Comentou Flávia, para ser empurrada com o ombro por Matteo. – É verdade! – ela completou, rindo.

—Que  mané fila. É uma garota, não uma atração. Muito gata, sim, mas não é esse o ponto.

—Então, explique seu interesse repentino pela forasteira. – Thiago arqueou uma sobrancelha.

Thiago era a melhor pessoa que Matteo conhecia. Sumia ás vezes, mas quando precisava (antes de ele mesmo saber), o amigo estava lá. Ele tinha a pele cor de café e os olhos verde escuros, com um cabelo Black Power de dar inveja.

Flávia era um tanto agressiva, e algumas vezes, escandalosa. Mas era engraçado, ela sempre fazia Matteo rir com suas idiotices. Ela tinha os cabelos loiros cortados na altura do pescoço, pele clara e olhos castanhos. Era gordinha e adorava listras. Encantadora. Pedro a adorava.

E, claro, os dois se esforçavam ao máximo para não transformar Matteo num candelabro ambulante.

—Eu acho que ela me viu com a garota do primeiro ano no banheiro, é só isso. – Os amigos se olharam, cúmplices. – Odeio quando vocês fazem isso.

—Desde quando você se importa de alguém te ver se pegando com outro alguém? – Perguntou Thiago, finalmente.

—Não me importo.

—Ou você só se importa, por que alguém em quem você tem interesse pode ter visto? – Flávia complementou.

—Ah, me deixem em paz! – Ele fez uma careta, e os amigos riram ao som do sinal. Matteo bufou.  – Tenho sociologia agora.

—Você é péssimo em sociologia. – Balbuciou o negro.

—Valeu pelo incentivo, heim?

—Vai lá com o segundo aninho, vai. – Flávia fez um gesto de desdém com a mão.

—Quieta, baixinha. – Ele respondeu com um sorrisinho no mínimo provocativo, e ela lhe deu dedo.

—Tudo bem crianças, já chega. – Thiago interferiu rindo, e puxou Flávia para a sala deles. – Até amanhã, Matteo.

Ele acenou com a cabeça e se dirigiu para a aula.

O professor Marcos era um completo idiota.

Matteo gostava de sociologia. Como gostava de filosofia, como gostava de literatura, e de história. Era um cara de humanas.

Mas Marcos era um carrasco.

Caio, o imbecil, achou que seria legal jogar a droga de uma bolinha de papel no professor. Assim, do nada, durante uma explicação. Ele nem sequer estava de costas pros alunos.

Caio, o imbecil, não entende da arte de irritar o professor. E disso Matteo entendia muito bem. Ele entendia que devia jogar uma bolinha de papel num momento oportuno, para que o professor ficasse furioso, mas sem saber com quem ficar furioso. Seria o momento lindo em que todos os alunos da classe teriam um sorrisinho cúmplice no rosto. Seria o momento lindo em que todos os alunos da classe se olhariam com aquele sorrisinho, e ninguém seria dedurado. Um momento de união.

Mas afinal, Caio era um imbecil.

Matteo bufou no desencadear da discussão, e outros alunos da classe não seguravam o riso.

—Que explicação, cara? Faz meia hora que você ta sentado aí, dizendo coisas aleatórias e olhando pros peitos da Débora! – Caio acusou o professor, com sua voz grossa e boba.

Era uma verdade. Uma verdade que não deixava Caio menos imbecil, ou Marcos menos idiota. Uma verdade que deixou Débora constrangida a ponto de vestir um casaco, e era um dia bem quente.

Que situação ridícula. Numa pausa dos gritos, Matteo finalmente se sentiu obrigado a pronunciar:

— Por que você simplesmente não ‘manda ele’ pra coordenação? – O professor encarou Matteo com um olhar irritadiço, que também dizia “como eu não pensei nisso antes?”.

—Julia, poderia fazer a gentileza de acompanhar Caio...

—Não. – A representante o cortou. Foi breve, impassível, e fez todos olharem para ela.

—Como é?

—O... – ela pigarreou. – O ato de Caio foi imprudente, sim. Mas o que o senhor estava fazendo, também. Todos testemunhamos, e  se chama assédio.

Marcos vacilou, mas logo cerrou os punhos.

—Em nenhum momento eu toquei nela.

—Débora? – Mais alguém se intrometeu, com a voz cansada e indignada.

Deus, é a francesa!

Débora levantou o olhar para os olhos diferentes de Itália, que prosseguiu:

—Você se sentiu desconfortável com os olhares do professor?

Esperou-se que ela corasse. Mas, ao invés disso, ficou pálida. Como se não sentisse vergonha, e sim medo. Ela fez que sim com a cabeça, e Itália suspirou.

—Então não há mais nada para dis... Hã... Discuter.— Concluiu, sem que abalar por não conseguir associar as palavras.

—Discutir. – Leo logo se tratou de esclarecer.

Matteo soltou uma risadinha, olhando para a garota de cabelos cor de jeans. Leo o olhou com reprovação, enquanto Itália nem percebeu.

Não fora um riso de deboche, ele apenas achou... Fofo.

—Se incomoda de vir também, Débora? – Julia chamou, enquanto se retirava com Caio e seu sorriso convencido e o professor Marcos, que ia a contragosto. A morena concordou e os seguiu.

Com a ausência da autoridade – Julia, é claro, não o professor –, não demorou muito para a turma ficar agitada.

Nunca vi Débora desse jeito, Matteo pensou. Logo, desatou a observar a francesa.

Queria ver a finalizada capa de Abbey Road, mas o desenho já era outro. Ela pintava agora a farda de um soldado. Não era realista, ela com certeza não queria que parecesse uma fotografia. Mas era bonito, bem bonito. O soldado tinha até o olhar de quem viveu a guerra.

Ele desviou o olhar do papel para os lábios da garota. Se a leitura labial de Matteo estava certa, ela cantava Engenheiros do Hawaii.

“Era um garoto, que como eu,

Amava os Beatles e os Rolling Stones.

Girava o mundo, mas acabou

Fazendo a Guerra do Vietnã”

Matteo não pôde evitar o sorriso. Não dava pra acreditar. Então, a francesa não conhecia a palavra “discutir”, mas conhecia os Engenheiros do Hawaii?

Cara.

E que lábios.

(...)

Pode parecer muito simples colocar a mochila nas costas e ir embora assim que o sinal da saída toca.

Mas não se você é o problemático e ninfomaníaco Matteo Niara.

Thiago jamais seria perdoado.

—Onde pensa que vai? – Jorge o parou no corredor vazio. Matteo suspirou e virou-se, com um sorriso falso.

—Jorge, amor da minha vida! O verão foi terrível sem você, querido. Quanto tempo, heim? – O orientador lhe encarou com desdém.

—Na minha sala, Niara.

—Ah, qual é! Sabia que não pode me manter aqui depois do horário de aula?

—Tecnicamente, já é quase o horário de aula dos alunos do turno da noite. – Jorge sorriu. – Não preciso mostrar o caminho, não é?

Matteo o seguiu, reclamando.

—Eu deveria estar ajudando a organizar uma festa. Uma festa com os alunos do terceiro ano! – Ele bufou. – Eu deveria... Deveria estar estudando para passar pra esse mesmo terceiro ano no terceiro bloco. No segundo semestre. Mas onde eu estou?

Jorge, na mesma cadeira que Amanda estava algumas horas atrás, fazia anotações sobre tudo que Matteo dizia. E Matteo estava deitado de cabeça pra baixo naquele sofá - com o qual ele já compartilhava muita intimidade -, sem sapatos e com as pernas no encosto.

—Num sofá inútil com um psicólogo inútil que mesmo depois de quase três anos não entende que eu não tenho problemas psicológicos.

—Niara, te viram hoje no banheiro feminino.

Os pensamentos de Matteo voaram imediatamente para Itália e sua expressão confusa na porta daquele banheiro.

Não, não deve ser ela.

Ele arqueou a sobrancelha.

—Quem te contou isso?

—Niara.

—Vocês tem câmeras no banheiro feminino? Cara, e depois eu é que tenho problemas...

—Niara, atenção. – Jorge disse, calmo.

—Okay, lá vamos nós de novo. Escuta aqui, eu não sou a droga de um ninfomaníaco. Sou um moleque de dezessete anos com hormônios, ta bem?

—Niara, não continuamos as seções por causa desse boato bobo. Continuamos porque a sua mãe pediu, no fim do ano passado. Eu tenho a sua análise, sei que está bem, mas se preciso te avaliar de novo, é o meu trabalho mesmo. Eu vou te ouvir.

Minha... Mãe? Mas por quê?

Matteo respirou fundo duas vezes.

—Uma vez por semana? – Perguntou, com a voz cansada.

—Só umazinha. – Jorge concordou, sorrindo. – Já deu o nosso tempo, pode ir.

—Finalmente. – Ele colocou os sapatos.

Eu e a mamãe temos uma conversa pendente.

Bateu na própria cabeça, impaciente, ao sair pelo portão da escola. Lembrou que ainda tinha que buscar Pedro.

Eba.


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