A lanchonete em que estávamos era no meio da rodovia. Só o café custava um terço da minha renda mensal. A música Thank You de Dido estava tocando e enquanto eu prestava atenção na letra, olhava para Mike que se concentrava no seu café e em mim. Ele olhava para mim com atenção, mas tentava esconder a curiosidade pelo que eu iria contar. Meu café estava forte e sem açúcar, isso fazia com que eu ficasse alerta.

— Eu sempre sonhei em ser modelo, desde criança — comecei a falar e Mike se mostrou atento — Mas nascer em uma cidade pequena e ser filha de pais pobres eram meus maiores empecilhos. Quando fiz 18 anos conheci um homem, o nome dele era Philip Sherman, um agenciador de modelos. Eu era uma garota inocente e ele era o cara enviado para me colocar no topo.

“Ele treinava várias garotas da cidade para serem modelos, mas sempre dizia ver mais potencial em mim. Por isso se ofereceu para me dar aulas particulares. Eu não tinha como pagar, obviamente, e no começo ele foi bem compreensível. As coisas pioraram quando ele me beijou pela primeira vez. Eu era uma caipira virgem que se achava a dona dos homens e ele era um homem rico com 30 anos nas costas.”

Mike parecia irritado com o que eu havia acabado de falar, mas permitiu que eu continuasse.

—Philip me convenceu a pedir meus pais dinheiro. Eu me apaixonei por ele — lembrei-me daquele momento e senti as lágrimas aparecendo — Ele foi até a minha casa, disse que era meu namorado e informou aos meus pais que precisava de certa quantia para que eu pudesse viajar pelo mundo. Meus pais não tinham a grana, mas eu implorei, disse que iria ganhar dinheiro e depois pagaria tudo a eles. Foi assim que papai pediu um empréstimo ao banco colocando nossa casa como garantia.

— Que filho da mãe — Mike xingou como se Philip o pudesse escutar.

— Assim que meu pai depositou todo o dinheiro na conta de Philip, ele me convidou para ir a seu sítio, que ficava alguns quilômetros da cidade. Eu não queria a principio, mas ele era muito persuasivo. E foi naquele sítio, aos 18 anos que eu perdi minha virgindade com um homem de 30 anos que fugiu logo depois levando todo o dinheiro dos meus pais e nos deixando na miséria.

Tomei um gole do café forte e fechei os olhos agoniada.

— Maggie me odeia desde então — conclui.

Mike pegou minha mão e ficou segurando com força.

— Eu não fazia ideia dessa merda toda — ele falou calmo — Esse Philip tem que pagar.

—Philip desapareceu do mapa. Acho que esse nem era o nome dele. Amelia o procurou em todos os lugares e não o encontrou — falei lembrando como minha amiga tentou me ajudar, eu nunca poderia agradecê-la por ter me dado tanta força — Eu só quero me esquecer dele. Foram seis anos em que eu sempre me culpava por tudo que havia acontecido, mas cheguei a conclusão de que eu também fui uma vítima dele.

— Eu sinto muito — Mike falou tentando me confortar — Eu gostaria de te proteger, para que você nunca mais passasse por isso.

— Obrigada — dei um sorriso rápido — Eu nunca havia dormido com um homem. Philip foi o primeiro e ele me destruiu. Depois disso eu precisava encontrar uma forma de esquecer o seu toque e suas promessas. Por isso que eu me transformei nessa mulher que sai com um cara por noite.

Mike levantou uma sobrancelha, mas não como se estivesse me repreendendo.

— Pra falar a verdade, eu não saio com um cara desde que você me beijou no estúdio da Joice Leone — sorri, desta vez com mais força para tentar superar as revelações do meu passado, Mike entendeu o recado e entrou no clima também.

—Eu também — ele falou.

— Também, o quê? Você por um acaso sai com homens? — respondi rindo, me sentindo um pouco mais leve por ter revelado meu passado amargo.

— Não saio com uma mulher desde que você me deixou naquele banheiro — Mike falou sorrindo —Você me enfeitiçou.

— Acho que é porque somos muito parecidos — refleti.

—É, nós somos muito parecidos mesmo — ele pareceu misterioso ao falar isso.

Mike e eu saímos da lanchonete e andamos abraçados até o carro.

~~~

Cheguei ao meu apartamento e me permiti relaxar. Mike me deixou em casa e foi embora depois de eu insistir que precisava ficar um pouco sozinha. Era domingo e por sorte não tinha nenhum compromisso marcado. Eu só precisava fechar os olhos e esquecer o começo do dia. Meu celular tocou e a foto de Mely apareceu. Atendi desanimada.

— O que você tem? — ela perguntou preocupada. Eu sempre estava animada e hoje eu só queria o colo de minha amiga.

— Contei para Mike a história do Philip — respondi. Mely ficou em silêncio por alguns segundos.

— Então vocês estão saindo mesmo? — Mely não aprovava meu possível relacionamento com Mike, eu sabia que ela queria me proteger.

— Não — respondi — Mas ele ouviu Maggie e eu discutindo e eu não queria que ele ficasse imaginado coisas.

— Eu só preciso que você me diga que sabe onde está se metendo — Amelia falou para mim com um tom sério — Mike não é uma pessoa fácil. Eu sei que você não tem condições de se envolver com uma pessoa complicada.

— Nós dois somos complicados, Mely — suspirei — Eu gosto do Mike, mas isso não quer dizer nada. Pode ficar tranquila!

Amelia pareceu aceitar o que eu disse e prosseguiu com a conversa.

— Cyntia me convidou para uma noite das garotas — ela falou um pouco animada —Vamos ver filme, comer pipoca e falar besteiras aqui em casa. Você vem, não é?

— Sim —falei feliz em ver minha amiga animada em fazer algo que não envolvesse Tom ou a pós-graduação.

— Te espero aqui em casa!

Desliguei o telefone e voltei para meus pensamentos. Havia me perdido no caminho durante a vida. Eu tentava ser forte, mas no fundo eu sabia que a Molly forte não existia, era uma máscara que eu inventei para me manter de pé. Talvez fosse por isso que Maggie me atacava o tempo todo, ela achava que eu estava bem e que merecia sofrer. Quando Philip foi embora, eu achei que não fosse aguentar sobreviver a vergonha. Minha vida toda se transformou em um inferno.

~~~

À noite chegou. Fui para o apartamento de Mely e quando cheguei Cyntia já estava lá. Usando um moletom rosa claro que marcava seu corpo sarado. Os cachos dela estavam bagunçados. Amelia usava uma camisola de seda e seu cabelo também estava bagunçado. Eu tirei meu trench coat preto e mostrei minha camisola de renda, que se parecia mais com um vestido do que com roupa de dormir. As garotas estavam deitadas em um tapete no meio da sala de Amelia. Eu sentei no chão e enchi minha mão com pipoca enquanto Cyntia falava de como era estressante trabalhar para Jonas White. Amelia ria de todas as trapalhadas que o Sr. White cometia e de como Cyntia tentava resolver a situação.

— Ele derramou café no blazer — Cyntia falou rindo —E depois me mandou sair para comprar um blazer novo porque não poderia ir para uma reunião importante só com a camisa. Sinto sua falta, Amelia!

Mely contou alguns detalhes de seu namoro com Tom. Aparentemente, eles estavam muito felizes. Nem parecia que alguns meses antes Mike e eu tivemos que dar uma forcinha para essa reconciliação. Sorri lembrando como Mike podia ser atencioso. Ele não era tão complicado quanto Mely me alertava.

— E você, Molly? O que tem para nos contar? — Cyntia olhou para mim como se esperasse uma grande história. Nesses nossos encontros eu sempre contava sobre os caras que havia conhecido, mas aquela era a primeira vez que eu só tinha o que falar de uma pessoa, Mike.

— Nada demais — respondi comendo mais pipoca — Muito trabalho e pouco tempo para a diversão.

— Achei que o trabalho fosse sua diversão — Amelia falou sorrindo. Minha amiga me conhecia bem demais para não me corrigir.

— Ainda é. Eu só estou um pouco cansada. O contrato com a Sound Records exige muito de mim — falei.

— Por que você não nos conta do Mike? — Mely falou e Cyntia me olhou com muita curiosidade — Não me venha com ‘somos só amigos’!

— Ele é um cara muito especial — falei com um sorriso bobo no rosto — Mas tem só 19 anos, não sei se quero ser papa anjo.

— Eu tenho 26 e o Tom 22. Sinceramente, não vejo problema nisso — Amelia falou e Cyntia concordou.

— Vocês já...? — Cyntia começou a perguntar e eu a interrompi. Mike e eu não havíamos transado. E isso era estranho se eu fosse comparar com os meus outros encontros.

— Não. Não foi por falta de oportunidade, mas parece que com o Mike a coisa é diferente.

Cyntia riu de mim e ficou me chamando de boba apaixonada. Era óbvio que eu não estava apaixonada. Amelia ficou me olhando com um olhar longe, como se ela estivesse pensando em outra coisa.

Meu celular vibrou e vi a mensagem que Antony Sparks me mandou:

Você viaja em dois dias com a banda. Prepare-se. Vejo você amanhã!

Guardei o celular e me levantei do tapete para ir ao banheiro. As garotas ficaram conversando sobre outros assuntos. Entrei no banheiro e me olhei no espelho quase não me reconhecendo. No momento eu precisava me focar no trabalho ou poderia cair novamente em uma crise de depressão, contudo, só de me imaginar trabalhando como modelo, meu ânimo diminuía, era como se meu maior sonho tivesse se transformado em um martírio.