Ascensão dos Mortos escrita por Mary
Emily e Ester viraram-se assustadas. Dentre tantas possibilidades ruins, felizmente não era nenhuma delas. Ficaram aliviadas ao verem Luísa que apesar de toda ensanguentada, ainda era melhor que um zumbi ou um policial.
— O que está acontecendo? — perguntou ofegante. — Ela foi mordida?
— Exatamente… — Emily tentou explicar, mas foi interrompida.
Antes que ela terminasse, Luísa retirou da calça o revólver e apontou em direção a jovem que estava desmaiada. Já havia enfrentado um zumbi e sabia como eles poderiam ser perigosos. Queria acabar com o problema da forma mais rápida, matando a garota antes que ela se transformasse.
— Não atire — pediu sua colega, mantendo a voz firme.
— Você não entende o que está acontecendo — argumentou, ainda apontando o revólver para a jovem.
— Realmente, tudo é muito estranho! Mas esta garota foi mordida no braço e nos mostrou reportagens malucas que me convenceram a ajudá-la. Amputamos seu braço e se ela não pegar alguma infecção e morrer, tudo ficará bem.
— Mesmo que tenha sido amputada, ela poderá se transformar — argumentou Luísa, pensando em seguida nas palavras de sua amiga. — Espera aí… Você disse que amputou o braço dela?
— Foi necessário…
— Você entrou em contato com o sangue dela? Meu Deus! — Luísa andava em círculos, como costumava fazer quando estava nervosa. — Tem de haver alguma solução, você não pode se transformar.
— Fique calma! Está tudo bem — garantiu.
— Nada está bem. Ela foi mordida por um zumbi, sabe a gravidade disto?! A mordida é fatal, você morre e depois ressuscita como uma criatura faminta em busca de carne humana.
— Que tal esperarmos mais dez minutos? Caso ela não se transforme é porque amputar seu braço funcionou — sugeriu Ester.
— Ou porque toda essa história seja uma grande mentira — opinou Nancy, ainda não acreditando que aquilo era real.
— Não é mentira! Eu vi com meus próprios olhos. Uma senhora atacou uma garota e a matou, depois de alguns minutos a garota que estava morta ressuscitou como um zumbi e tentou me atacar também — assegurou Luísa.
— Então as notícias são verdadeiras — concluiu Ester, relendo um dos jornais, ainda incrédula.
— Deixe-me ver — pediu Luísa.
Ela lia as reportagens, porém não aumentava seu conhecimento. Não havia explicações científicas, apenas recomendações do governo dirigidas à população para que conseguissem sobreviver. De qualquer forma, Luísa continuou a ler os avisos.
Enquanto isso, Emily agachou-se para trocar o curativo que já estava encharcado de sangue.
— Não toque nisto! — repreendeu Luísa. — Esperaremos mais dez minutos.
— Já toquei no sangue dela, se ela se transformar eu também me transformarei. Então não custa nada trocar o curativo — debateu Emily.
— Não toque no sangue dela. É perigoso! — disse irredutível.
Emily obedeceu, discutir seria inútil. Não trocou o curativo, apenas sentou-se ao lado de Ester, com a expressão revoltada, indignada por não poder fazer nada.
Luísa checava a mochila em busca de algo útil, porém só haviam muitas reportagens. Vasculhando melhor encontrou um diário, poderia ser útil, então começou a ler. Na capa e nas primeiras folhas haviam coladas algumas fotos e reportagens americanas, algumas palavras-chave estavam grifadas. A jovem estava pesquisando sobre o assunto e havia reunido algumas informações importantes, Luísa continuou a folhear seu diário.
Dia 1
Escrever neste diário é de certa forma nostálgico. Lembro-me da minha adolescência e dos meus pequenos dramas que compartilhava apenas com meu diário e melhor amigo.
Meu nome é Clarisse.
Não me imaginava escrevendo em um diário depois dos vinte anos, mas acredito que esta situação deve ser documentada. Não estamos na terceira guerra mundial, mas é uma situação de emergência. Pessoas estão morrendo! E se continuarmos nesse ritmo, em breve não haverá mais idosos e enfermos no mundo. O experimento está apresentando seus efeitos colaterais e as pessoas que o utilizaram estão falecendo devido a febre alta e as convulsões.
O caos se instalou pelo país e pelo mundo. A internet e os jornais não conseguem acompanhar as notícias. Há boatos que o primeiro homem a testar o experimento — que morreu ontem à noite — ressuscitou hoje de manhã com instintos selvagens e canibais. É realmente muito estranho!
Em outros países o governo está procurando as pessoas que utilizaram o experimento e sacrificando-as. É terrível! Muita gente está fugindo do país ilegalmente.
Amanhã mesmo voltaremos para a casa.
Dia 2
A impressão que temos é que o governo está tentando abafar as noticiais. A internet parou de funcionar no país inteiro, mas as pessoas que conseguiram burlar o bloqueio do governo e acessaram à internet estão dizendo que as coisas estão péssimas lá fora.
Meu irmão, meu tio e eu estamos arrumando as malas e voltaremos ainda hoje, o melhor é ficarmos juntos de nossa família.
Analisando o diário, Luísa calculou que aquela noite era o terceiro ou quarto dia. As coisas haviam piorado muito desde a última escrita da garota, os zumbis já invadiam as rodovias. Sacudiu o diário em busca de mais alguma coisa e encontrou um envelope. Curiosa, abriu-o. Dentro havia uma carta e uma fotografia de duas crianças que lhe chamou atenção.
Analisando a fotografia, percebeu que se tratava da garota e talvez seu irmão. Estavam vestidos com roupas formais e provavelmente indo para um casamento em que seriam a daminha de honra e o pajem. Sorriu com a simplicidade e fofura, e em seguida pegou a carta.
“Aos meus pais”
Luísa pensou em lê-la, mas desistiu. Provavelmente era uma carta de despedida e descobrir o conteúdo dela, só dificultaria se ela precisasse se livrar da jovem depois.
— Já se passaram dez minutos — anunciou Ester olhando para seu relógio de pulso e em seguida para a garota.
Todos encaravam a jovem que permanecia imóvel. As expectativas aumentaram, talvez ela não se transformasse.
Porém o brilho nos olhos de Emily e o pequeno sorriso de Luísa se desfizeram, como um castelo de carta ao receber um sopro, quando escutaram um resmungar. Frustrada, Luísa preparou seu revólver e se aproximou. Ester e Nancy observavam caladas.
Desta vez não houve intercessões, Emily apenas fechou os olhos bem firmes, escutou o barulho da arma ser destravada e se preparou para o pior.
— N… Não — sussurrou uma voz fraca, porém audível.
Foi o suficiente para que ela não atirasse.
— Você está viva! — disse Luísa aliviada.
Era como se um grande peso fosse retirado de suas costas.
— Está consciente? — perguntou, agachando-se.
A jovem apenas balançou a cabeça positivamente. Luísa se aproximou ainda mais e a analisou, não havia apresentado nenhuma mudança radical de comportamento. Concluiu que amputar seu braço funcionou, já havia se passado dez minutos e ela não se transformou, isso a acalmou um pouco.
A jovem estava pálida, porém consciente e capaz de se comunicar. Aproveitando a oportunidade, resolveu fazer algumas perguntas, precisava de informações.
— Você precisará de analgésicos, anti-inflamatórios e alguns outros medicamentos. Sei que não é um bom momento e que precisa descansar, mas você tem algum parente que possa lhe ajudar?
— Sim — A garota se acomodou melhor e continuou: — Meu tio Nicolas. Na mochila tem um walk-talk, tente falar com ele.
— Farei o possível, agora descanse um pouco — aconselhou a ex-detenta.
Luísa pegou o walk-talk que estava no bolso da mochila e caminhou para fora da cabana, deixando Emily tranquila para trocar o curativo da jovem. Ester também optou por respirar um pouco de ar puro, porém teve que explicar a história toda para Nancy que ainda estava um pouco chapada e só conseguia rir e fazer piadas com a situação.
Luísa estava prestes a chamar a atenção das duas mulheres, quando foi surpreendida pelo roncar do rádio indicando que alguém havia atendido.
— Alô? — Era uma voz masculina e familiar.
Luísa esforçou-se para lembrar.
— Clarisse? — perguntou o homem novamente.
Lembrou-se imediatamente do proprietário daquela voz grave e aveludada.
Existem vozes parecidas, mas aquela era a voz de Nicolas. O homem que havia lhe ajudado poucas horas atrás, salvando-a de um zumbi e a instruindo sobre como matar os mortos-vivos. Ela tinha quase certeza!
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