Green Eyes - Jily escrita por Vitória Serafim


Capítulo 11
Hora de acordar


Notas iniciais do capítulo

Oii gente! Tudo bem com vocês?
Bem, cá estou eu, pela terceira vez no mês trazendo capitulo pra vocês.
Primeiramente, venho avisar a vocês que revisei os dois primeiros capítulos e arrumei umas coisinhas (tipo a cor do olho do James pra castanho-esverdeado e a Lily ser mais velha do que o James só dois meses)
Como minhas aulas começam dia 30 (dia do aniversário da Lily hehe) eu vou demorar mais para
postar os caps. Mas fiquem tranquilos que eu viverei heuheu
Bem, sem mais delongas, boa leitura! ;)
[Capítulo betado pela maravilhosa Aline ♥]



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A vida é assim: numa hora você pode estar perfeitamente acostumado a lidar com os fatos e em outra simplesmente te joga para o fundo do poço a fim de testar o quão acostumado você está a lidar com estes, muitas vezes acabando com os resquícios de sanidade que lhe restam.

            A vida não muda em relação a ninguém, muito menos entre James Potter e eu. Estava perfeitamente acostumada a lidar com o Potter idiota que me chamava para sair a cada dois dias no colegial, o mesmo que me chamava de lírio e elogiava o quão maravilhosa eu era, mas há alguns poucos meses atrás a vida certamente me jogou no fundo de um maldito poço, me fazendo questionar uma coisa:

            E se a realidade que você sempre esteve acostumada não é a realidade que você pensou?

            Certo, é complicado, mas a grande questão é: e se esse tempo inteiro eu estive acostumada com um James que sempre foi apaixonado por mim, mas não estivesse acostumada com uma Lily que tem sentimentos por ele?

            É bizarro, sinceramente. Em que mundo Lilian Evans tem sentimentos por James Potter? Lily Evans não está para James Potter assim como Evan Peters não está para Emma Roberts, certo? Certo. Bem, pelo menos foi o que sempre afirmou o cosmos. Entretanto, os meses tinham se passado e uma coisa estranha tinha se instalado dentro de mim, uma sensação estranha, totalmente indecifrável e nova. Não sabia o que fazer e nem o que eu mesma estava fazendo quando estava perto de Potter. Isso certamente não é natural.

            Atravessava a rua, me desvencilhando do que seria mais uma de suas bobagens. Embora meu olhar identificasse que Potter não estava mentindo, eu não poderia aceitar os fatos com tanta facilidade assim, não quando eu posso descobrir isso por minha conta. Snape tinha mandado uma mensagem para o meu celular – que reaparecera de uma hora para outra – pedindo ajuda com uma coisa urgente, e eu, como sua amiga – apesar de um pouco afastada – ia ao seu encontro lhe prestar apoio, porque é justamente isso o que amigos fazem.

            Quando James olhou nos meus olhos com tamanha certeza e firmeza do mundo, eu senti aquele sentimento indecifrável de novo. Alguma coisa lá no fundo da Lily difícil dizia que ela devia parar de ser tão cabeça dura, ouvir o que ele tinha a dizer e acreditar em suas palavras pelo menos uma vez na vida – que era o que ele solicitara –, reduzindo uma burrada para a lista enorme que tinha elaborado. Mas era fácil derrubar essa Lily? Justo aquela com o ego tão fortalecido... Ele a tinha pego de surpresa e agora estava bem no fundo do poço do questionamento, pronta para ser testada.

            O carro aproximou-se à medida que chegava à metade do meu trajeto até o outro lado da rua, mas por uma teimosia enorme, o rapaz me seguiu. Mal pude acreditar na dor que o meu peito me trouxe por ser tão teimosa quanto avistei o garoto estirado no chão próximo à guia. O desespero tomou totalmente de conta do meu corpo, e, por mais que eu quisesse resistir àquilo tudo e ir embora para onde eu tivesse vontade, a gravidade não permitia. Tendo meus pés simplesmente grudados no chão, eu não conseguia mexer um mísero músculo.

            O responsável pelo atropelamento nem fez questão de deixar seu veículo para se certificar se o indivíduo que atingira estava vivo, basicamente manobrou o carro e saiu cantando pneu na direção oposta.

            Como alguém pode ser tão frio a esse ponto? Como alguém pode dormir à noite sabendo que correra o risco de ter matado uma pessoa? Como pode um ser humano ser capaz de tamanha indiferença diante de uma situação como essa? Era estranho presenciar uma atitude como essa, e angustiante, principalmente.

No ambiente hospitalar existia um lema e ele deveria ser obedecido tão fielmente quanto os católicos em relação aos Dez Mandamentos.

Salve vidas. Não importa se isso custe alguma coisa muito importante, afinal, nada é mais importante do que a vida, imagino. Esse era o lema que eu tenho tentado executar desde que me apaixonei por medicina e era assim que eu iria agir, tomando a profissão para sempre ou não.

Olhei para o corpo de James Potter caído no asfalto e senti minha garganta fechar, minha respiração estava cortando e ficava mais ofegante a cada segundo. Essa foi a hora que eu fechei os olhos e respirei fundo, na medida do possível. Numa hora de emergência, uma médica deve assumir postura formal e lidar com a situação de maneira tranquila, mesmo que se trate de um parente ou amigo.

Quando finalmente senti que poderia controlar meus pés mais uma vez, corri até o rapaz e me ajoelhei analisando seus sinais vitais, ele não respirava. Tirei o terno dele e abri o colarinho de sua camiseta, sacudindo-o para ver se ele acordava, mas nada adiantava. Medidas de primeiros socorros era a única opção oportuna no momento.

Abri a camisa dele, deixando seu peitoral exposto e comecei a fazer ressuscitação cardiorrespiratória, que consistia em basicamente massagear o peito da vítima pressionando o seu peso sobre o corpo dela. Tinha de funcionar.

Vi um casal de ruivos deixarem o largo Grimmauld. O rapaz a puxava pela mão, a moça parecia estar grávida devido à barriga saliente.

— Droga, Arthur... Será que não posso dançar ao som da minha diva Celestina Warbeck sem ser interrompida? Eu só quero me divertir, ok? – ela disse irritada.

Continuava com a massagem cardíaca, mas nada de resultado. Juntei todas as minhas forças e gritei para eles.

— Hey! Por favor! Socorro! – por sorte fui ouvida e o casal apressou-se em nossa direção.

— Oh meu Deus! O que acontec-

— Liguem para a emergência, por favor! Ele foi atropelado e não está reagindo às minhas reanimações! – interrompi a ruiva, que desesperada com o susto que levara, tirou o celular de dentro do sutiã e ligou para a ambulância. – Vamos, Potter... Reaja! – implorei para o rapaz ainda desfalecido.

            Depois de intercalar a massagem cardíaca com as ventilações boca-a-boca por uns três minutos, a sirene da ambulância foi ouvida e eu senti uma pontada de alívio, provavelmente teria uma pelas redondezas, motivo pela qual eu me senti muito menos desesperada. Um dos paramédicos se aproximou e pediu para que eu tomasse distância.

            – Sou médica – disse séria. – Ele foi atropelado por um carro e está sem sinais vitais, não está reagindo a nenhum tipo de ressuscitação manual, preciso de um carrinho de parada agora – ordenei e ele me encarou um pouco desconfiado. – Vai ficar duvidando da minha profissão ou vai salvar uma vida? – na mesma hora outros socorristas apareceram no recinto com os equipamentos.

            Peguei o desfibrilador em minhas mãos e ergui meu olhar para o paramédico ao meu lado.

            – Carrega em trezentos... Afasta! – o corpo de Potter subiu e desceu com o impacto do choque e finalmente os seus sinais vitais voltaram. – Ótimo, ele voltou – suspirei aliviada e passei minhas mãos pelo seu tronco, notando uma elevação no abdome. – Abdome está rígido, certamente se trata de uma hemorragia interna. Preciso de uma maca aqui agora!

            Rapidamente os socorristas retiraram uma maca da ambulância e colocaram Potter sobre ela. Vi o olhar assombrado de Holly me fitando – que parecia estar ali por um bom tempo, embora eu não tenha notado – e foi só então que ouvi o que ela estava dizendo.

            – Lily! O que aconteceu?! Por que James está desacordado?

            – Explico depois. Preciso ir para o hospital agora. Ligue pros pais dele e fale que é urgente. Avise os garotos antes que notem a nossa ausência – falei tentando ser o mais firme possível e adentrei na ambulância retornando a um James já entubado.

            Assim que a ambulância virou na quinta quadra, a sirene foi silenciada e o motorista estacionou na frente do pronto-socorro.

            – James Potter, vinte e dois anos. Atropelado por um carro, provável ocorrência de hemorragia interna, lesão no braço esquerdo e perna direita – disse logo quando saí da ambulância. – Sou a doutora Evans, por favor, eu preciso de um cirurgião aqui agora! – falei rapidamente e suspirei ao ver que ele continuava desacordado. – Vai ficar tudo bem, James... Eu prometo – murmurei para ele antes que a residente chefe aparecesse na minha frente.

            – Evans? O que faz aqui? Pensei que tivesse tirado folga...

            – Meu amigo sofreu um acidente e estou precisando de um cirurgião aqui e rápido! – disse começando a entrar em desespero com a demora que estava levando para encontrar um maldito médico especialista em cirurgia.

            – Ótimo. Já me biparam todos da emergência, o doutor Dumbledore está na sala de cirurgia 5 – McGonagall respondeu e assim que me voltei para a maca novamente ela segurou meu pulso esquerdo.

            – Temo que não possa prosseguir com seus métodos, doutora Evans. Meus internos guiarão o seu amigo até a sala do doutor Dumbledore.

            – O quê? Nem pensar! Eu vou acompanhá-lo na-

            – Levem-no! – ela disse atropelando minhas palavras e uns três internos se encarregaram de encaminhar a maca até as salas de cirurgia dentro da ala restrita.

            – Por favor! Deixe-me ajudar! Sei que não sou dessa área, mas...

            – Sinto muito, Evans, mas eu assumo a partir daqui. Não é permitido que os profissionais tenham qualquer relação emocional para com os pacientes. Deixar-lhe-ei informada assim que possível – ela finalizou seus comentários terminando de dar um nó em sua máscara cirúrgica. Acompanhei-a com o olhar até vê-la desaparecer de vista.

            Demorei por volta de uns quinze minutos para perceber onde eu realmente estava. Já passavam das duas da manhã e me encontrava sentada no corredor em frente à porta onde se lia “Cirurgia” e “Proibida a entrada de pessoal não autorizado” encostada na parede abraçando meus próprios joelhos. Ainda não tinha caído a ficha de nada o que estava acontecendo. O noticiário era a única coisa que cortava o silêncio do hospital, que agora se encontrava estranhamente vazio.

            Aos poucos uma sensação sufocante foi invadindo o meu peito e começava a subir pela minha traqueia. Não ficaria surpresa se um dos médicos de plantão pensasse que eu era uma paciente maluca que tinha fugido da ala psiquiátrica, considerando que meu comportamento era similar ao de um refugiado de manicômio.

            Escutei a voz de Ninfadora ecoar pelo corredor do hospital e se aproximar cada vez mais. Estava tão atordoada que tudo parecia estar em câmera lenta, fui levantada por umas duas pessoas e elas me sentaram num dos bancos da sala de espera.

            – Lily? Você está me ouvindo? – dessa vez era Holly.

            – Estou. Estou perfeitamente bem – disse com frieza.

            – Tem certeza? Pode nos explicar o que aconteceu?

            Essa última pergunta fez com que um flash do acidente passasse pela minha mente. Seria aquela a última vez que eu olharia nos olhos castanho-esverdeados de James Potter? Não podia ser. Simplesmente não podia ser a última vez.

            – James foi atropelado... – disse em voz baixa como se quisesse fazer com que eu mesma acreditasse no que estava dizendo, que, de fato, era o que estava acontecendo.

            – Sim, isso você me disse, mas...

            – James foi atropelado... E foi minha culpa – disse devaneando enquanto fitava a quina da perna de uma das cadeiras da sala.

            – O quê...?

            – Dá pra não fazer perguntas?! – Disse numa explosão só, sentindo meus olhos marejarem à medida que as frases “James Potter foi atropelado” e “ Foi minha culpa” tentavam fazer sentido na minha cabeça.

            Levei bons minutos em silêncio para perceber tardiamente que todos os marotos – fora Peter – tinham se acomodado nas cadeiras da sala de espera e Tonks se sentara ao lado de Holly, encostando sua cabeça no ombro da amiga. Era lindo ver que eles respeitavam o meu espaço e não me pressionaram quando disse que não queria que me fizessem perguntas sobre o ocorrido, mas mais cedo ou mais tarde eu teria de abrir a boca. Eles tinham o direito de saber o que tinha acontecido, até porque James era importante para todos ali.

            Respirei fundo de olhos fechados e quando abri minha boca para começar a falar, os meus pais chegaram acompanhados pelos pais de Potter na sala de espera, os quais tinham as expressões imersas em total incompreensão e desespero.

            – Lily! Oh céus, você está bem! – minha mãe exclamou, me tomando num abraço apertado, grande o suficiente para molhar meu ombro coberto pelo meu casaco. Meu pai também me abraçara, porém de maneira mais breve.

            Senti meu corpo inteiro estremecer quando ergui meu olhar à Fleamont e Euphemia Potter, os pais de James. Como eu diria o que acontecera há pouco sem que eles me odiassem por isso?

            – Sei que estão confusos com a notícia, mas eu posso explicar... – comecei, mas meu peito apertava toda vez que pensava em iniciar um depoimento, as lágrimas eram um elemento que apareciam como brinde nisso tudo.

            – Acalme-se, querida... – a mãe de James acariciou meu braço e me olhou aparentemente tentando ser o mais forte possível. – Sente-se e respire fundo.

            Holly voltou sabe Deus da onde com um copo de água e entregou-o para mim. Bebi um gole aos soluços e respirei fundo antes de começar a falar.

            – Eu estava saindo da festa de casamento para resolver um assunto urgente com um colega meu e... – fiz uma pequena pausa me controlando para não cair aos prantos e prossegui. – Potter me alcançou para dizer uma coisa que ele tinha visto ontem a noite, que era de extrema importância para mim, mas eu, estando com a mente totalmente cheia, não dei ouvidos a ele e saí correndo pela rua... – comprimi meus lábios com os olhos fechados e respirei fundo mais uma vez. – Um carro teria me atropelado se não fosse por James... – senti minha garganta se fechar e as lágrimas escorrerem involuntariamente pelo meu rosto. Há essas horas minha cara com certeza estaria toda manchada de maquiagem e eu estava pouco me importando.

            – Então quer dizer que... – Fleamont começou, mas o interrompi.

            – Que Potter salvou a minha vida – olhei-o nos olhos. – Mas comprometeu a dele – um tremelique tomou de conta do meu peito a ponto de achar que teria uma convulsão ali mesmo. – A culpa foi toda minha, senhor e senhora Potter. Eu sou a responsável por isso. S... Sinto muito – os soluços tomaram conta da minha voz e eu não consegui pensar em mais nada que fosse útil a ser mencionado.

            Os pais do garoto pareciam um pouco chocados com o meu depoimento de inicio, mas por incrível que pareça, não derramaram nenhuma lágrima e nem sequer tiveram um surto psicótico como a mãe de Harry Lancaster fizera há alguns meses atrás. Euphemia se agachara defronte a mim e segurou minhas mãos, me encarando com tamanha ternura que eu tive vontade de chorar ali nos braços dela mesmo.

            – Olhe, Lily... – ela olhou brevemente para o marido e depois voltou seu olhar para mim mais uma vez. – James sempre teve uma afeição enorme por você, mesmo que você nem sempre tenha retribuído isso – comecei a chorar mais uma vez. – E mesmo que você pense que isso foi culpa sua, eu... Nós não a culpamos. Ele salvou a sua vida, foi uma escolha dele— ela acariciou meus cabelos ruivos e eu a abracei.

            – Sinto muito, senhora Potter! – disse afundando meu rosto nos cabelos também ruivos de Euphemia.

            Não sei quanto tempo passei ali abraçada com a mãe de James. Só consegui sair de meus devaneios quando uma mão acariciou minhas costas.

            – Vamos pra casa. Você precisa de um banho, tirar essa roupa da festa e descansar um pouco – minha mãe disse com uma voz acolhedora.

            – Eu não posso, mãe... Não agora – disse saindo do abraço da senhora Potter, aprumando-me na cadeira.

            – Deixa comigo, Jess – Holly disse para mamãe e se aproximou me levantando lentamente.

            – Não, Holly... – disse com voz chorosa.

            – Vamos... – ela insistiu e eu cedi, afinal, a roupa tinha que estar em perfeito estado no dia da devolução e se eu ficasse por mais tempo ali era possível que eu a apodrecesse.

            Saí do hospital acompanhada de Holly logo depois dela murmurar alguma coisa parecida com “Qualquer coisa me liga” para Tonks, que ficaria ali junto dos marotos e dos dois casais de adultos.

            Como todos sabiam que Hall não era nenhum pouco santa, tinha tomado todas na festa de casamento e claramente não era uma boa ideia irmos para casa sobre a direção dela, até porque ela nem sabia dirigir, então ela ergueu o braço para o primeiro táxi preto que ela vira passar e adentramos sem muita demora.

            Ao chegar ao sétimo andar do meu prédio, pairei meu olhar sobre a porta do apartamento de James e suspirei entrando em casa. Nada podia ser pior. Estava incomodantemente silencioso naquele lugar, que, a propósito não visitava desde sexta de manhã. Eram três da manhã e a única coisa que se ouvia era o barulho da geladeira ligada na cozinha há poucos metros de onde eu estava, que era totalmente imóvel no hall de entrada olhando para o além.

            Minha amiga esperou alguns segundos antes de me direcionar ao meu quarto e descer o zíper do meu vestido e me ajudar a me livrar dele. Ela o colocou com cuidado de volta no cabide e o pendurou na maçaneta da porta do quarto.

            – Vai lá... Tomar um banho. Vou ficar te esperando aqui. Qualquer coisa me chama, ok? – ela falou com um tom de preocupação e eu assenti como uma catatônica, indo até o cômodo vizinho, fechando a porta.

            A primeira coisa que vi foi o meu reflexo no espelho. Minhas expressões nunca tinham sido tão abatidas, nem mesmo com a notícia horrível que eu tive que aguentar em relação ao caso dos Lancaster. Agora, definitivamente, era diferente. Nunca na minha vida eu teria imaginado que um inferno como esses passaria de pelintra pela minha porta e me devastasse com tamanha força quanto o que me devastara hoje.

            James Potter, o maluco obcecado, tinha agora preferido arriscar sua vida para salvar a de uma garota ruiva mal agradecida e idiota que sempre o odiou. Não podia acreditar no quão tola tinha sido de duvidar das palavras dele, afinal, ele nunca havia dito nenhuma mentira para mim, pelo menos nada que me comprometesse. Não conseguia entender o porquê de ter tanta relutância em relação à Potter, logo ele, que sempre fora louco por mim, que colocara a sua vida em frente à minha. Sentia que tinha a mesma importância do que um pedaço insignificante de estrume.

            Despi o restante dos tecidos que cobriam o meu corpo e estremeci ao tocar a cerâmica fria do piso dentro do box do banheiro. Liguei o chuveiro no modo inverno e fiquei ali embaixo por uns cinco minutos apenas devaneando com o próprio vazio que era o meu interior no momento. Passei a mão sobre o meu corpo e lavei-me de maneira mais breve possível, enrolando-me na toalha e seguindo para o quarto sem nem ao menos ter o trabalho de tirar o excesso de umidade do monte de cabelo rubro preso à minha cabeça, esta última pulsando pela dor.

            Ao chegar ao quarto, Holly tinha separado um pijama para mim e brincava com os dentes do pente lilás que segurava nas mãos. Franzi o cenho ao ver a cena.

            – Por que esse pijama? Vou voltar para o hospital – falei com a voz um pouco fanha por conta do nariz congestionado, de chorar obviamente.

            – Sua mãe achou melhor que você ficasse aqui essa noite e descansasse um pouco... – ela comentou e eu ri de maneira sarcástica.

            – Acha mesmo que eu vou ficar aqui em casa dormindo enquanto todo mundo fica lá no hospital esperando? Não mesmo. Vou pegar uma roupa decente e ir agora mesmo de volta à sala de espera. Podem terminar a cirurgia a qualquer momento...

            – Lily... – Holly começou pesarosa.

            – Não, Holly! – gritei. – Você não sabe como é!

            – Eu entendo que-

            – Não, você não entende! Você não entende nada do que eu estou sentindo nesse momento, porque provavelmente não tem nenhum idiota que pula na frente de um carro por você – explodi. – Você não faz a menor ideia de como é se sentir culpada por ver alguém sacrificar a segurança dela pela sua e no quanto dói presenciar tudo – suspirei pesadamente e ergui meus olhos marejados para ela comprimindo meus lábios de raiva. – James... James me falou que seguiu Snape pela Travessa do Tranco – Holly arregalou os olhos parecendo pronta para a bomba, mas nada disse. – Ele se reuniu com um grupo clandestino que pretendem fazer um roubo e Potter disse que... – suspirei sentindo meu peito arder só de pensar nas palavras que seriam pronunciadas a seguir. – Ele disse que Snape falsificou o laudo dos exames de Harry para mostrar lealdade ao líder do bando – ri sem humor. – E eu, idiota que sou, não dei ouvidos a ele e “atravessei” a rua para ir encontrar Severo, que, a propósito, tinha me mandado uma mensagem dizendo que tinha um assunto urgente para tratar e que precisava de ajuda – me sentei na cama segurando a toalha sobre o meu corpo. – Eu sou uma idiota, Holly. Uma completa idiota. Ele nunca mais vai me olhar na cara. Vai me odiar pelo resto da vida.

            Hall se aproximou de mim e se sentou ao meu lado segurando minhas mãos com delicadeza. Os movimentos de minha amiga com certeza eram bem calculados, considerando que eu estava tão instável que poderia surtar a qualquer momento. Se é que já não estava surtada demais para ser verdade.

            – Olha, Lily... Eu sei que você está mal agora. Mas o Jay... Ele sabia o que estava fazendo e... Te odiar? Como pode passar pela sua cabeça uma coisa dessas? Em que mundo James Potter se joga na frente de um carro por uma pessoa que ele odeia? Francamente, Lilian... Será que você não enxerga? Ele te ama. Ama tanto que preferiu colocar a sua vida acima da dele! Então eu acho melhor você abrir a porcaria desse seu coração pra ele antes que ele acabe literalmente morrendo de tanto amor por você! – ela mudou o seu tom delicado para de drasticamente irritado.

            Não tinha pegado leve com Holly em relação ao Sirius, não tinha nem mesmo lhe prestado apoio do jeito que ela merecia e aqui estava ela... ao meu lado, sabendo que eu não estava ali por ela da mesma maneira que ela estava aqui por mim, isso só fez com que eu me sentisse mais inútil ainda.

            Ela estava coberta de razão. Já era hora de deixar a Lily enraivecida e carregada de mágoas por James Potter para trás e amadurecer. Na verdade, só eu que não sabia que já tinha passado da hora de abrir os olhos e enxergar a realidade, que consistia em: Severo não era meu amigo de verdade, James Potter não desistiria de mim e eu, Lily Evans, escondia no fundo do meu coração que sentia atração e afeição pelo rapaz que jurei por toda a vida odiar.

            Desisti de reclamar da situação, até porque eu não tinha mais argumentos plausíveis para vencer os de minha amiga. Peguei a minha roupa de dormir e vesti um pouco emburrada, me sentando na beira da cama quando a morena encenou que iria pentear meus cabelos.

            – Alguém ligou ou mandou alguma mensagem enquanto estive no banho? – perguntei depois de me sentir incomodada demais com o silêncio que se instalara no apartamento.

            – Não... – ela respondeu com um ar de quem não estava sendo muito sincera, mas eu não percebi, talvez fosse porque a minha cabeça estava explodindo com tanta informação para assimilar de uma só vez.

            Gemi de dor ao sentir uma mecha enosada de cabelo prender no pente.

            – Minha cabeça já não tá uma beleza... Uma mão leve seria de grande ajuda – reclamei mal sabendo o que estava falando. O sono e cansaço só não me abatiam mais do que a dor de cabeça que estava sentindo.

            – Ok, ok. Só... Fique quieta! – ela comentou e antes de cinco minutos, meus cabelos úmidos já estavam penteados. – Pronto. Vou pegar uma aspirina pra você – ela disse e deixou o quarto.

            Deitei na cama e a última coisa que me lembro fora o meu olhar encarar o teto pálido do meu quarto.

***

            Acordei às nove da manhã no dia seguinte. Holly estava dormindo num colchão no chão do quarto, roncava mais alto do que qualquer outro ronco que já tinha ouvido na vida. Não sabia nem como eu não tinha acordado com tanto barulho.

            Toquei de roupa o mais rápido e silenciosamente que pude e saí do apartamento, deixando uma única chave em cima do balcão da cozinha junto com um post-it com os dizeres:

—_____________________________________________________________________

Fui para o hospital. Desculpe por não esperar por você, não quis te acordar. PS: A cópia da chave pra você não ficar presa aqui dentro.”

Lily Evans

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            Peguei um táxi até o hospital e fui direto para a sala de espera. Ao encontrá-la vazia, encaminhei-me à recepção do hospital e dei de cara com Minerva.

            – Bom dia, doutora McGonagall. Pode me informar sobre o caso de James Potter, por gentileza? – perguntei muito mais firme do que me sentia no dia anterior.

            A senhora – que antes estava com seus olhos focados na tela do computador e tinha seus dedos digitando freneticamente no teclado – ergueu os oclinhos, cuja armação das lentes lembrava o formato de hexágonos e encarou meus olhos inchados pela noite mal dormida.

            – Doutora Evans... O senhor Potter deixou a sala de cirurgia às quatro da manhã, direto para a UTI. Parece que ele tinha uma hemorragia de classe III, que, como a senhorita deve saber, ocorre perda de trinta a quarenta por cento do sangue. O doutor Dumbledore também teve de remendar parte da ulna do braço esquerdo dele e a perna direita teve uma breve lesão, porém nenhuma fratura. Ah, e ele sofreu algumas contusões na região traseira da cabeça – ela discursou tudo com imensa tranquilidade e voltou aos seus afazeres.

            – UTI? – perguntei assustada.

            – Sim, achamos que seria melhor para ele se fosse monitorado vinte e quatro horas, caso acontecesse alguma coisa que deplorasse o seu estado ainda mais.

            – Alguém já foi visitá-lo? – perguntei deixando a insegurança e a preocupação muito aparentes.

            – Só os pais. Todos os seus amigos ficaram aqui até às quatro e meia, mas disse a eles que voltassem depois, porque o senhor Potter precisava repousar. Recomendações do chefe de cirurgia. Sabe como é... – ela disse sem me encarar.

            – Certo e... Em que quarto ele está hospedado? – perguntei por fim.

            – Quarto 713, Evans – ela disse já se aborrecendo e eu assenti agradecendo.

            Saí em disparada até o quadro de avisos, onde também ficava fixada a lista de andares dos quartos e salas de atendimento e cirurgia. A UTI ficava no quarto andar. Corri até o elevador e apertei o botão “^” tão repetidamente que achei que iria afundá-lo. Quando finalmente as portas do elevador se abriram, adentrei-o e apertei o botão para ir ao quarto andar. Meu coração estava pulando do meu peito a cada segundo que me aproximava do meu destino: senti-me totalmente sem graça por ser o motivo do acidente gravíssimo que quase tinha levado a vida de James Potter.

            Caminhei rapidamente pelos corredores e finalmente avistei a porta de número 713. Uma enfermeira que estava ali em uma mesa em frente à porta, resolvendo alguns relatórios, me viu chegar e estreitou os olhos, tentando imaginar quem eu era e o que estava fazendo ali sem identificação (o horário de visita só era permitido em momentos específicos).

            – Com licença... – ela tombou a cabeça para o lado a fim de se desvencilhar da pilha de fichas em sua frente e me encarar. – Posso ajudar?

            – Eu, ah... Sou a doutora Evans – disse um pouco embaraçada nas palavras.

            – E onde está o seu crachá, doutora Evans? Sabe que não é permitido visitar a UTI antes das dezesseis horas, não sabe? – ela perguntou erguendo uma das sobrancelhas.

            – Eu esqueci em casa... – suspirei passando a mão no rosto. – Mas procure no sistema que vai saber que eu sou uma residente da ala da pediatria no térreo – acrescentei impaciente e ao vê-la dar de ombros (provavelmente por perceber que eu estava certa) voltei ao meu caminho.

            Minha respiração entrecortava a cada milésimo que se passava. Eu estava surtando. Rodei a maçaneta da porta branca do quarto e adentrei-o, fechando a porta. Respirei fundo e me virei lentamente para ver um James com um braço engessado e uma perna imobilizada, alguns arranhões na região das costeletas de seu rosto, testa e um leve corte em seu lábio inferior. Respirei fundo, receosa de que se eu me aproximasse mais, eu poderia desmanchá-lo ao pó. Notei uma poltrona acolchoada situada logo ao lado da cama e sentei-me ali o encarando.

            James parecia estar totalmente mergulhado num sono profundo, nada parecia incomodá-lo. Suspirei e evitei olhar para sua figura por uns instantes e pouco depois, aproximei a poltrona do leito da cama. Apesar de estar abatido por conta do acidente, Potter continuava com suas feições de sempre. Como não percebera o quão lindo ele era desde o começo? O ambiente estava totalmente silencioso e tudo o que era possível ouvir era o bipar do monitor que mostrava os sinais vitais estáveis do rapaz.

            Fechei meus olhos por um instante e deslizei minha mão esquerda pelos lençóis brancos até alcançar a mão direita dele, que estava incrivelmente aquecida, por sinal. Sabia que não conseguiria dizer nada, mesmo que quisesse, até porque não tinha pensado em nada para preparar o meu “discurso” de quando ele acordasse.

Passei uns vinte minutos ali só observando-o e ao ouvir o ronco proveniente do meu estômago, lembrei-me de que não tinha tomado café. Deixei o quarto e peguei o elevador para o andar de cima, que era onde tinha uma área só para cafés e chás, além de uma pequena loja de conveniência.

A televisão estava ligada no noticiário mais uma vez. Notícias? Assaltos, roubos, Trump assume a presidência nos EUA, nada que eu não soubesse, é claro. Ficando de frente à cafeteira, pedi um cappuccino. Enquanto o café era preparado, fui até a máquina de lanches, apertei o número 7 e inseri uma nota de cinco libras, retirando dali um saquinho de M&M’s e uma barra de cereal sabor morango. Retirei meu café e caminhei até uma cadeira, só para escutar o tilintar de moedas caindo no chão.

— Droga... – resmunguei, deixando o café e o sanduíche em cima de uma mesinha de centro e senti minha cabeça colidir com a de alguém em minha frente. Gemi de frustração.

— Ai! Mas que droga em! – suspirei massageando a cabeça e guardando a moeda recuperada no bolso traseiro de minha calça jeans. – Vê se toma cuidado por... – não consegui terminar minha sentença por estar demasiada surpresa com a figura que tinha me deparado.

Severo Snape massageava a testa, embora não mostrasse nenhum sinal de que tinha se machucado com a pancada. Encarei por alguns segundos sem saber o que dizer. De repente, todos os flashes do dia anterior e a voz de James Potter voltaram à minha cabeça como um baque.

A figura encapuzada era Snape.

— Ah! Desculpe-me... – ele disse sem jeito.

Ele estava trabalhando para um tal de Tom Riddle.

— Não tem importância... – respondi prontamente, desviando meu olhar dele pensando em como iria começar o meu interrogatório.

— Pensei que você fosse me encontrar ontem quando te mandei a mensagem, estava enrolado com umas coisas... – ele comentou e eu percebi que tinha achado o momento perfeito.

Foi o Snape quem trocou o laudo dos exames do Harry, Lily.

— Precisamos conversar... – falei ainda evitando olhá-lo. Sentia-me confusa demais para fazê-lo.

— Eu só ia pegar um café e já estava voltando para a sala de análise...

— Mas precisa ser agora – exigi, interrompendo-o.

— Ontem eu te chamei e você não apareceu...

— Foi você que analisou a coleta de sangue de Harry Lancaster? – perguntei de uma vez por todas, segurando meu quadril com tanta força que pensei por um segundo que minhas unhas perfurariam a minha pele coberta pela blusa.

Snape me encarou com o cenho franzido como se eu estivesse perguntando a coisa mais absurda do mundo.

— Harry? O menino com câncer? Não, por quê? – ele respondeu rapidamente.

— Não minta para mim – perfurei-o com os olhos. Sabia dizer quando alguém mentia para mim. – Sei que foi você quem forjou o laudo dos exames. Eu tinha plena certeza que fiz tudo certo e o primeiro exame tinha dado anemia, não leucemia. Sei que as palavras rimam, mas você sabe perfeitamente que uma coisa é bem diferente de outra – pressionei-o.

Ele pareceu um pouco sem graça, mas riu sem humor e me levou para um canto mais reservado do andar.

— Olhe, Lily. Não sei quem te disse isso, mas seja lá quem tenha dito... – ele ia continuando suas desculpas, quando parou de súbito parecendo ter decifrado um grande enigma. – Potter... – ele abaixou o tom da voz. – Foi Potter quem contou a você, não foi? – ele perguntou comprimindo o maxilar.

— Não importa quem me contou. Quero saber a verdade e eu só vou te perguntar mais uma vez – endureci minhas expressões. – Quem analisou a porcaria da coleta? – perguntei enfatizando a palavra chula (pelo menos no vocabulário Lily Evans).

Ele silenciou-se e engoliu em seco. Senti minha respiração se descompassar.

— Foi você, não foi? – perguntei notando minha vista já um pouco embaçada, devido aos meus olhos, que já fizeram o favor de marejarem.

— Não é o que você está pensando... – ele começou tentando se aproximar, inutilmente, pois eu recuava a cada passo que ele dava em minha direção.

— Me responde! – disse em voz alta.

— Foi... Foi... Mas você não entende, Lily! Teve muito mais coisa por trás disso e...

Covarde! – coloquei meu antebraço em frente a minha boca, a fim da palavra pesar menos no meu peito. – É isso que você é! – ouvi a minha voz chorosa se espalhar pelo coredor do quinto andar, algumas pessoas que passavam pela sala do chá olhavam assustadas para a cena.

— Lily... – ele começou com um tom pesaroso.

— Não! Não diga o meu nome! Eu não quero saber de nenhuma explicação vinda de você! – engoli um bocado de saliva da boca e funguei antes de continuar. – Você sabe o que eu passei, Severo? – fiz uma pergunta que não tinha a menor intenção de ser respondida. – Eu passei semanas dentro de casa me martirizando por uma coisa que eu não fiz! Eu quase entrei em depressão! Você sabe o que é isso, huh? Claro que sabe... Porque fui eu que ajudei você a se livrar da sua depressão no colégio. Você sofria bullying por causa de uns idiotas da escola e eu ajudei você. Mal sabia eu que o mesmo Snape que eu ajudei a sair da depressão, me colocaria em uma... – meneei a cabeça me sentindo totalmente injustiçada.

— Os idiotas que consistiam no Potter e os amiguinhos de araque dele! – Snape continuou aumentando o tom de voz.

— Tem razão. Eles eram uns imbecis mesmo. Mas foram aqueles imbecis que foram até a minha casa e me tiraram da fossa que eu estava jogada! Eu estava morrendo com a minha própria culpa e eles me ajudaram a voltar à minha vida. Se não fosse pelo Potter e os amiguinhos de araque dele eu não estaria aqui agora! – exclamei essa última parte com um sarcasmo tão exagerado que nunca pensei ser capaz de tanto.

— O quê? Não exagera... Você sabe as coisas que Potter te fez passar e, pelo o que eu me lembre, você não era nenhum pouco feliz com isso – ele constatou.

— Não me importo com o passado mais. Passado é passado e só agora eu fui me dar conta de que não vale a pena guardar rancor das coisas que já não existem mais. Potter pode me ter feito muito mal antes, mas agora ele mudou. Coisa que todos nós fizemos, só que no seu caso foi pra pior... – sequei meu rosto lubrificado pelas lágrimas com as costas da mão e funguei mais uma vez. – Eu nunca esperaria isso de você. Você arruinou a minha reputação, Snape.

— Sua reputação? É tudo com o que você se importa? Você deveria estar feliz que ainda está com o seu emprego.

BAM.

— Você é patético! Como ousa? – berrei e dois seguranças curiaram a cena de longe.

Snape calara-se ainda com o rosto inclinado por conta do enorme tapa que tinha levado na cara. Se tinha uma palavra que descrevia o meu sentimento em relação à Snape neste momento era nojo. Nojo por ter descoberto o monstro em que ele tinha se transformado, nojo por saber que tinha o beijado quando ele planejava todo o meu fracasso, nojo por preferir confiar nele a confiar em James Potter, que desde o dia que reapareceu fazia de tudo para abrir os meus olhos para a realidade.

Lembrei na mesma hora da noite da formatura do ensino médio, onde pensei que Potter seria a pessoa pela qual eu nutriria mais ódio pelo resto da vida. Aquela Lily era tão inocente e imatura que mal sabia que a pessoa que ela odiaria estava bem mais próxima do que ela pensava.

— Eu tenho nojo de você...  – ia terminar meu discurso preparado de xingamentos para idiotas, quando o segurança se aproximou e eu preferi dar o fora dali. Respirei fundo e esperei as portas do elevador se fecharem para notar que a última expressão de Snape era de total desolação.

Desci até o quarto andar e voltei quase imediatamente para a UTI, antes que algum segurança viesse correndo atrás de mim acusando que eu fosse uma maluca barraqueira que deveria se retirar do hospital, que, com certeza, não era o lugar certo para fazer barulho.

Ao entrar no quarto, vi Euphemia e Fleamont ali, observando o filho desacordado.

— Ah... Oi – passei a mão pelo rosto mais uma vez, tentando fazer o meu máximo para não dar na cara de que eu estava chorando. – Me desculpe por incomodar. Eu volto mais tarde... – forcei um sorriso e fiz menção de sair do quarto, quando a mãe de James precipitou-se:

— Não! Fique... Ele gostaria de saber que veio visitá-lo. Voltamos mais tarde... – ela sorriu e acariciou o meu braço antes de sair da sala acompanhada de seu marido que sorria de maneira singela.

Sentei-me na poltrona solitária, antes ocupada pela senhora Potter, encarei a figura adormecida e suspirei fungando pela milésima vez no dia.

— Tem sido difícil, sabe? – cocei meus olhos brevemente e olhei para sua mão direita, que era a que eu segurava agora. – Achei que se eu entrasse de cabeça na minha vida independente tudo seria perfeito, do jeito que sempre pensei, mas agora eu percebi que nunca nada aconteceu como planejei.

Parei de súbito ao ver o quão idiota soava aquilo em voz alta, quer dizer, estava conversando com James Potter, sabendo que ele estava inconsciente.

— Olha... Pra mim está parecendo muito patético ficar aqui sentada falando com você, mesmo sabendo que você não está ouvindo nenhuma palavra do que eu estou dizendo, mas... – suspirei fechando os olhos. – Muito obrigada... Por tentar fazer com que eu caísse na real e principalmente por ter salvado a minha vida. Eu tenho tanta raiva de mim mesma por ter desperdiçado tanto tempo sendo cabeça dura, ao invés de entender que as pessoas mudam e... – minha garganta se fechara e eu tinha começado a chorar mais uma vez. Que droga de sensibilidade!

            “Me desculpe por perceber tão tarde que você estava certo... Eu conversei com Snape agora há pouco e ele confessou que alterou o laudo           e... – me auto interrompi mais uma vez e suspirei sentindo minhas narinas dilatarem de ardência. – Quer saber? Não importa... Não importa se eu estava errada, se eu estava achando que a minha reputação era o que eu mais prezava. Nada disso importa agora – meneei a cabeça mordendo meus lábios preparando o meu ego para o que eu diria a seguir. – Eu sinto muito, James... Eu me sinto extremamente mal ao saber que você sempre se importou comigo, quando eu sempre te odiei. Sinto muito por ter se jogado em frente a um carro por mim. S...Sinto muito por ter causado tanta desgraça na sua vida...”

            Desandei a chorar ali em cima da mão dele. De certa forma sentia que tinha me libertado de um grande peso das costas. Depois de uns quinze minutos ali, me dei conta de que ele estava longe de acordar ou de ter alguma reação. Quando estava prestes a sair do quarto...

            – L...Lily... – um sussurro soou às minhas costas e eu virei imediatamente.

            Ele continuava de olhos fechados e não movia nenhum músculo. Teria pensado que estava enlouquecendo se a voz não soasse por dentre os lábios de James mais uma vez.

            – Li...ly... – ele repetiu com dificuldade e voltei a me sentar na poltrona pela terceira vez no dia, desta vez mais apreensiva.

            – James? – perguntei aflita. – James, sou eu, Lily – segurei a mão dele com firmeza. – Eu estou aqui... – engoli outro bocado de saliva acumulado e ergui minha postura olhando para ele.

            Alguns instantes foram precisos para que James tivesse uma reação. Ele mexeu a mão e retribuiu levemente o aperto.

            – M...Me desculpe por... não ir... à sua festa – ele comentou ainda de olhos fechados.

            Ri aliviada. Ele estava ali, consciente.

            30 de janeiro era o dia do meu aniversário, não teve nada demais, só um bolinho em casa com meus pais e meus amigos, mamãe tinha chamado os Potter, mas Euphemia e Fleamont não estavam na cidade e James estava zangado comigo, tanto que nem fez questão de atravessar o hall de entrada do andar e ir me dar os parabéns. Por mais que eu tivesse sentido a sua falta eu não teria coragem de admitir. Fiquei magoada no começo, já que eu agora o considerava um amigo, mas isso não importava mais, pelo menos, não agora.

            – Isso não tem importância, James... Não se preocupe com isso – comentei segurando a mão dele com firmeza.

            James Potter abriu os olhos e encarou o ambiente em sua volta desnorteado.

            – O pessoal vai ficar tão feliz que você acordou e...

            – Está... Embaçado... – ele comentou piscando os olhos.

            – Embaçado? Não consegue ver? – perguntei histérica.

            – C... consigo... Só está... Tudo embaçado... – ele falou estreitando os olhos e virou seu olhar em minha direção. – Só consigo ver... Uma mancha ruiva... – ele riu, gemendo pouco depois por ter se mexido demais.

            – Parece que vai precisar de seus óculos de novo, Pontinhas... – dessa vez era a voz de Sirius à porta, seguido do restante dos marotos.

            – Almofada... – James comentou frustrado, mas sorriu.

            – Ah, cara... Que bom que você acordou. Ficamos tão preocupados... – Black acrescentou vendo que Remus e Peter não teriam forças para falar nada ainda.

            – Para de ser... Ai! – ele gemeu mais uma vez. – Meloso... – ele tentou sentar-se, mas sem sucesso, estava debilitado demais para fazê-lo.

            Apertei um botão do controle da cama e ela verticalizou um pouco, de forma que ele parecesse que estava mais erguido.

            – Espere... Como vocês entraram aqui na UTI? As visitas só estão permitidas a partir das dezesseis... – comentei estranhando depois de me certificar que ainda era onze e meia, agora já em pé de frente para eles.

            – Holly e Tonks ficaram enrolando as enfermeiras lá fora. Temos no máximo uns dez minutos – Remus disse e eu arregalei os olhos, todos na sala riram.

            – Ótimo – sorri coçando meus olhos inchados. – Vou deixar vocês conversarem então.

            – Espere, Lily... Já vai? – Potter perguntou da cama e eu me virei.

            – Mais tarde eu volto... – sorri e passei pelos garotos, fechando a porta.

            Caminhei até a recepção do mesmo andar e vi minhas duas amigas ali conversando com a enfermeira, que insistia em querer passar, não obtendo muito êxito.

            – Não, mas eu juro pra você que estava bem aqui! Eu não sei o que aconteceu... – Holly comentava e Tonks entrava na onda.

            – Oi... Pode deixar que eu cuido delas – falei com um tom profissional, para no instante seguinte me lembrar de que não estava usando meu crachá. Revirei os olhos.

            – Lily... – Holly forçou um sorriso e me carregou para o banheiro feminino do mesmo andar, com Dora na sua cola. – Você foi muito fofa de deixar um post-it pra mim, mas da próxima vez que me ver roncando, me acorde, porque eu estou com a garganta seca de... – ela parou de súbito ao sentir meus braços a envolvendo num abraço apertado. – Mas o quê...?

            – Me desculpe... Sou uma idiota – disse e a larguei para encará-la. – Não deveria ter sido tão estúpida com você ontem. Você me aturou mesmo que eu tivesse dito um monte de asneiras no meio dos meus surtos – suspirei passando a língua pelos beiços.

            – Complicado, não é? – ela brincou. – Relaxa, Lily. Pra isso que servem as amigas...

            – Céus... Eu tenho que aguentar essa ceninha fofa mesmo? – Ninfadora comentou cruzando os braços na frente do tronco e sorriu. A abracei também.

            – Ignora... Ela está sensível – Holly comentou a respeito de toda essa carência por abraços. Rolei os olhos e me afastei me olhando no espelho.

            – Nossa Senhora das Graças... Eu estou em estado... Deplorável— indaguei com a voz manhosa. As olheiras contornavam o meu rosto, deixando-o tão fundo que parecia que eu não dormia há semanas.

            – Não exagera. Um reboco depois do banho resolve. Agora vem aqui e me conta direito essa história do Snape ter trocado o laudo dos exames... – Holly falou apressada me puxando pelo pulso a fim de fazer-me encará-la e a garota ao seu lado.

            Contei todos os detalhes, desde o acontecimento da noite passada até a cabeçada de mais cedo com Severo, não deixando passar nenhum surto e nenhum “palavrão” expelido por mim.

            – Não dá pra acreditar... James foi literalmente sua salvação, huh? Por Deus... Não dá pra saber em quem confiar mesmo... Quer dizer... Ele era o seu amigo, mas as coisas mudam, não é? – Tonks falou tirando suas próprias conclusões sobre o assunto.

            – Nem me fale. Eu não posso nem ouvir o nome dele no momento... – disse meneando a cabeça.

            – Mas o que Snape... – fuzilei Holly com os olhos. – O que ele queria com você ontem à noite quando te mandou a mensagem? E como assim? Você não tinha sido furtada na noite de ano novo? Do nada o seu celular aparece? Muito suspeito para o meu gosto... – ela apoiou no balcão da pia e devaneou na janela como se tivesse elaborando mil e uma teorias para decifrar o caso do celular (e eu não duvidaria nada se ela o fizesse, conhecendo minha amiga).

            – Pois é... Não pense que eu não achei estranho, porque achei sim. Mas e a Ali? Ela ficou sabendo do acidente? Estava tão surtada que nem me lembrei de dar satisfações a ela... – suspirei levando as mãos às minhas têmporas, que latejavam mais uma vez.

            – Ela já sabe, disse a ela ainda ontem à noite. Ela disse que viria com o Frank visitar o James à tardinha... – Holly terminou. – Ela ficou meio que sem reação... Digo, foi bem no casamento dela, não é? Eram para eles estarem saindo para a lua de mel...

            – Você fala isso como se a culpa fosse do James – disse entre dentes.

            Tonks e Hall ergueram as sobrancelhas, encarando uma a outra com um sorrisinho malicioso. Cruzei os braços.

            – Quê? Ele salvou a minha vida e... – gesticulei de um jeito de quem não sabia como continuar. – E ninguém tem culpa que um carro queira atropelar pessoas em pleno casamento da Alice. Podia ser qualquer dia... – terminei parecendo convincente (pelo menos para mim mesma) e ergui o olhar para minhas amigas, que, depois de um pequeno delay, soltaram risadinhas eufóricas.

            – Ah meu Deus... Eu não acredito... – Holly começou ainda com a voz risonha.

            – O quê?! – perguntei rolando os olhos.

            – Você está gostando dele... Finalmente! – Tonks exclamou batendo palminhas.

            – Ahn?! – arregalei os olhos.

            – Também... Depois de uma prova de amor dessas... Até eu – Holly comentou murchando a expressão alegre na mesma hora, provavelmente se recordando do fracasso que tinha sido o seu relacionamento com Sirius.

            – Nah, eu não estou – comentei como se fosse algo absurdo, ainda tendo os braços cruzados na frente do tronco. – Não posso mostrar que estou grata por...

            – Ah, para de ser difícil, Lily! Mas que coisa... O menino faz de tudo pra te conquistar a vida inteira, tenta até se passar por outra pessoa, se joga na frente de um carro por você e você não sente... Nada? – Holly terminou irritada. – Francamente... Hora de acordar, Lily. James Potter pode nunca mais transar na vida por sua causa.

            – Holly! – a repreendi. – Também não exagera. Cruzes...

            – É verdade, Lily. Já está na hora de parar com esse orgulho. Deus sabe que aqueles beijos quentes que vocês dois deram não só uma, mas três vezes, não eram sem sentimentos. E se você não gostasse dele com certeza teria socado a cara dele todas as vezes que ele viesse se engraçando pra cima de você – Dora comentou parecendo se sentir muito mais confortável em falar aquelas coisas, vendo que era natural à garota ao seu lado fazer o mesmo.

            – Vocês são loucas... – revirei os olhos e entrei em um dos boxes do banheiro, sentando-me na tampa da privada e apoiando os cotovelos acima dos joelhos.

            Será mesmo que eu estava gostando do Potter? Nah... Era só o sentimento de gratidão que eu tinha por ele e o de preocupação por ter me salvado. Só isso. É só isso, Lily, pensei.

            Enquanto eu me trancava para averiguar os meus reais sentimentos por Potter pela milésima vez naquele mês, as duas garotas conversavam aos sussurros do lado de fora do box.

            – Relaxa. Ela só está surtada por estar apaixonada por ele e não ter percebido isso antes – Holly começou.

            – Eu ouvi isso! – falei lá de dentro.

            – Está fazendo o quê ai? Se escondendo da gente ou passando um fax pra Durmstrang? – Tonks perguntou em meio a gargalhadas.

            Abri a porta com a cara amarrada e saí do banheiro bufando.

            Dois dias se passaram com as minhas visitas periódicas ao quarto em que Potter estava internado. Quando não éramos os seus pais e eu, os garotos apareciam para lhe fazer companhia. Ele parecia estar se recuperando bem e já tinha deixado a UTI para se internar na ala para casos menos graves. De alguma forma, toda essa história tinha mexido não só com a visão dele, que tinha voltado a usar óculos, como também com o psicológico, voltando aos seus velhos hábitos, que incluía flertar com a minha pessoa a cada visita; e eu pegando leve por colocar na minha cabeça que ele estava doente e não precisava de mais reclamações no pé do ouvido para ajudar na sua recuperação. Ele podia ter voltado aos seus velhos hábitos, mas ainda continuava sendo o Potter que eu tinha reencontrado no final do ano passado.

 Na terça-feira, as meninas foram devolver as roupas na Madame Malkin, enquanto eu dava um tapinha na casa e via se conseguia pegar um pedaço do turno da noite, tendo em mente que eu já tinha mais carga horária para cumprir do que um não sei o quê. Antes de o meu plantão começar, dei uma passada na ala de internação para ver James.

— Lily... Estava te esperando – James Potter comentou sorrindo com o canto da boca enquanto assistia alguma coisa no celular.

— Oi, Potter. Como está se sentindo hoje? – perguntei e me aproximei da cama. – Trouxe café – entreguei o copo de isopor vedado para ele, que agradeceu com um sorriso.

— Estou ótimo. Tudo parece estar indo perfeitamente bem. Até o Filch passou aqui para dizer que eu poderia ir para casa no final de semana ou até antes...

Argus Filch era o enfermeiro rabugento do terceiro andar, que, mesmo em dias felizes, ele aparecia por aí de cara amarrada. Muitas vezes já tinha o encontrado pelos corredores do LPH recebendo algumas fichas de pacientes da internação da pediatria. Confesso que tinha um pouco de medo em relação àquele velho, e se ele estava de bom-humor com certeza era um dia abençoado.

— Nossa... Então já está uma maravilha – brinquei. – E a cabeça? Parou de doer?

— Parou. Tenho umas distensões musculares na minha perna engessada de vez em quando, mas nada com que James Potter não possa lidar – gabou-se. – Pra falar a verdade, não sei nem como vou voltar pra casa, o braço e a perna engessados, cabeça enfaixada... Todo ferrado – ele falou passando a mão saudável pelos cabelos embaraçados.

— Não reclame. Agradeça por estar se recuperando e muito mais por estar vivo – o repreendi. – Gesso é só uma questão de tempo, acredite. Digo isso não só por ser médica, mas porque já fui arteira na minha infância e já caí do balanço uma vez e quebrei um dedo. Dois meses e sarou – disse tentando animá-lo.

Dois meses? Deus me livre. Eu querendo tirar semana que vem isso aqui... – ele riu e a sala entrou num silêncio.

Pensei em levantar-me para passar na recepção antes de começar o plantão, mas o rapaz pigarreou, chamando minha atenção.

— Acho que precisamos conversar sobre... – ele não terminou, embora soubesse que eu já tivesse a exata noção do que foi subtendido.

— É, precisamos... – murmurei evitando o olhar dele.

— Mas antes de começar eu queria agradecer por estar vindo me visitar todos os dias aqui, significa muito pra mim – ele disse com seriedade.

— Não foi nada... Eu trabalho aqui e Sirius e o restante dos meninos também vêm te visitar todos os dias... – coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha, sentindo meu rosto queimar com o olhar de James fixo em mim.

— Você sabe que é diferente. Você é... Você— ele disse e eu o encarei.

Abri a boca para falar alguma coisa que eu não fazia ideia do que era, quando a porta do quarto foi aberta.

— Doutora Evans, o doutor Dumbledore deseja falar com a senhorita. Espera encontrá-la na sala do diretor imediatamente – Filch, o enfermeiro rabugento transmitiu o recado e eu suspirei.

— Certo. Obrigada, Filch. – Voltei-me para o maroto. –  Depois conversamos, James. Descanse – disse por fim e me retirei do quarto seguindo direto para o elevador.

Cheguei à diretoria poucos minutos depois. Bati na porta e ouvi a voz rouca de Dumbledore.

— Entre.

Só tinha ido uma vez ali. Um carpete áspero de cor bege cobria o piso de cerâmica por toda a extensão do quarto. Era uma sala quadrada, duas estantes de livros preenchiam uma das paredes azuladas do cômodo. À direita, um grande vitral preenchia a parede, trazendo uma luminosidade confortável, mesmo sendo noite e tendo uma visão incrível do Big Ben. Ao centro, mais ao fundo da sala, via-se um quadro de uma fênix com penas avermelhadas, e, por fim, a mesa do chefe de cirurgia e também diretor do hospital, feita de madeira de carvalho polida. Nela se encontravam um computador velho, um apontador elétrico, uma pilha de fichas, uma miniatura de pêndulo de Newton, que estava em constante movimento e por último uma pequena placa retangular descansava no extremo da mesa, onde se lia: Alvo P.W. B Dumbledore. MD.

— Sente-se – ele disse entrelaçando as mãos enrugadas sobre a mesa, observando-me por cima de seus oclinhos de meia lua.

— Com licença – disse e me sentei em uma das duas cadeiras estofadas que havia em frente à mesa. Tentei me concentrar ao máximo no senhor em minha frente, mas tudo naquela sala era tão bem organizado que eu daria qualquer coisa para fazer daquele lugar um cômodo extra para a minha casa.

— Encantador, não é? – ele disse e eu saí de meus devaneios. Assenti com a cabeça um pouco sem graça. – Uma das invenções dele que mais aprecio – ele comentou e eu franzi o cenho, só fui entender depois que ele se referia ao pequeno pêndulo que balançava incessantemente em cima de sua mesa. – Passaria o dia inteiro vendo essa genialidade se não tivesse afazeres muito mais urgentes para tratar... – ele disse e soltou uma risada nasalada, descontraindo o ambiente.

— Se me permite, senhor... Fiquei impressionada com a beleza dessa sala, principalmente pela vista – comentei um pouco apreensiva.

— Ah, isso... Teria ficado melhor se a tivessem feito do jeito que eu pedi, mas o decorador insistiu que a sala se dispusesse dessa maneira, então não pude impedir – ele explicou e me analisou por alguns segundos, antes de prosseguir. – Bem, receio que esteja curiosa com o motivo de tê-la chamado a minha sala.

— Sim, senhor. Se for por causa da minha ausência em alguns dos plantões eu posso fazer hora extra... É que aconteceram tantas coisas ultimamente que... – suspirei.

— Se acalme – ele sibilou e eu assenti com a cabeça, calando-me. – Estive analisando um caso em especial nos últimos dias e, por muita coincidência, a mãe de um dos seus pacientes veio até mim com expressões claramente abatidas. Presumo que já saiba de quem estou me referindo – ele disse absorto em procurar alguma coisa no meio da pilha de fichas à sua frente. Assenti mais uma vez, não querendo interrompê-lo.

Ele retirou uma ficha e voltou a afastar as demais para o canto onde estavam anteriormente.

— Certo, de qualquer maneira, a tutora do garoto Harry, a senhora Lancaster, ficou muito sentida com o desentendimento que aconteceu há algumas semanas e insistiu que eu a chamasse para uma conversa particular. Segundo a mulher, você efetuou a coleta sanguínea do garoto e o resultado alegou que ele era portador de uma anemia. Você receitou algumas vitaminas e recomendou repouso, e estava agindo perfeitamente de acordo com o diagnóstico provido.

“Entretanto, dias após a última consulta de Harry aqui no hospital, ele passou mal e fez mais uma bateria de exames, esta mostrando que ele tinha adquirido leucemia estágio IV e que nenhuma quimioterapia poderia reverter o seu estado, apenas prolongá-lo.”

O diretor terminou de narrar o acontecido e ficou em silêncio. O que ele pretendia com tudo aquilo? Esfregar verdades na minha cara? Porque tudo o que ele tinha dito ali eu já tinha conhecimento.

Quando abri a minha boca para me manifestar, ele prosseguiu.

— Então, eu e minha equipe de residentes, depois de analisar o caso por semanas, decidimos que o melhor a se fazer é afastá-la do cargo de pediatra por tempo indeterminado, até que as coisas estejam perfeitamente claras e que possamos descobrir a fonte do problema.

Senti meu peito doer. Ele não podia estar falando sério.

— Então quer dizer que estou sendo demitida até que o senhor resolva o caso? – perguntei sentindo me entalar nas próprias palavras.

— Infelizmente sim. Sinto muito, doutora Evans, mas é a única coisa a se fazer no momento – ele concluiu.

Engoli em seco forçando cada mísero átomo do meu corpo a se controlar para não começar a chorar na frente do meu chefe, ou melhor, ex-chefe, e ergui meu olhar para ele.

— E se eu tivesse como provar que fui sabotada? – o senhor semicerrou os olhos parecendo surpreso com a pergunta.

— Então diria que ficaria muito interessado em analisar com mais calma e poderei averiguar se poderia ou não retornar ao seu posto – ele terminou e eu afirmei com a cabeça reprimindo minhas lágrimas.

— E... Era só isso? – perguntei apertando minhas próprias mãos com força.

— Sim, senhorita. Está dispensada. E mais uma vez... Sinto muito por isso – ele disse e eu me levantei.

— Certo. Obrigada – balbuciei e deixei a sala do diretor apressando os passos para o vestiário.

Abri meu armário e vi uma foto minha grudada na parte interna da porta. Uma garota ruiva de rosto pintado com os dizeres “Passei” sorria com euforia para a câmera. Mal sabia ela que iria se envolver em tanta coisa anos depois. Minhas pernas fraquejaram e eu deixei escapar um soluço. Tirei o meu celular de dentro do bolso, me sentei num banquinho ali, que muitas vezes usara para colocar os sapatos, e disquei o número de minha mãe.

Demorou cinco segundos antes de ouvir a voz de mamãe do outro lado da linha.

Alô?

Abri minha boca uma, duas, três vezes, mas nada saía dela.

Alô, Lily? Você está aí querida?

— M...Mãe... – minha voz falhou e eu comprimi os lábios.

Filha, está tudo bem? O que houve? — ela perguntou preocupada.

Fechei os olhos e mesmo que eu tentasse, não consegui reprimir as lágrimas silenciosas que rolaram pelo meu rosto. Coloquei a mão na frente do mesmo e tomei coragem para continuar falando.

— Mãe, eu... Eu fui demitida.


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Notas finais do capítulo

MUITA TRETA, EU SEI.
Mano... Eu passei dias pensando sobre esse final e foi preciso fazer essa desfeita com a Lilyzita, porque vai coincidir com o final que eu planejei.
Bem, espero que vocês tenham gostado.
Podem surtar nos comentários, eu deixo, tá? hehehehe
Um beijo enorme e até o próximo capítulo! ;)



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