Como Ser um Príncipe - Interativa escrita por Mila


Capítulo 16
Se os momentos bons superarem a dor


Notas iniciais do capítulo

Olá, muchachos!
Olha quem demorou para caramba, mas chegou! Não desisti, viu?
A questão é que minhas aulas começaram e foi um período de adaptação e cheio de coisinhas chatas para resolver. Mas estou adorando o curso de Psicologia e a faculdade e tudo... Espero que vocês também tenham começado já o "ano escolar" (ou o trabalho) com o pé direito! Senti falta de vocês ;D

Enfim... Não tenho muito o que dizer nessa primeira notinha. Deixei vocês agonizando por muito tempo com o final do capítulo anterior né? Ops, então vamos logo para a história.
Até mais!



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Dia 20

Decidido como estava não demorou para conseguir o que queria. 

Convocou com urgência o Rei e a Rainha da Nova Irlanda à Sala de Reuniões como também exigiu a presença do Sean, o mais velho e confiável dos quatro conselheiros reais, para alguns esclarecimentos urgentes. Conde Douglas também foi informado e requisitado para se juntar aos demais sob esse clima tenso de motivo até então desconhecido.

A iminência do assunto chamou atenção de todos funcionários, dos mais desatentos aos mais curiosos, e logo surgiram alguns murmurinhos especulativos que correram o castelo como fofoca, afinal, como diziam alguns "o príncipe finalmente mostraria seu caráter" a partir de toda aquela sua fúria. E era isso que Liam Éire de fato queria demonstrar ao reunir o seu grupo com tanta afobação indiscreta.

O Rei Donavan entrou nos aposentos com uma expressão mal-humorada, irritado por ter recebido ordens de alguém com uma posição sócio-política inferior a dele - o que apenas se intensificou ainda mais quando viu que Liam assumia o seu lugar na mesa, em pé atrás da cadeira da ponta. 

—Posso saber o que está acontecendo aqui? - Gritou. 

A Rainha Kiara entrou logo atrás com o rosto pálido e um olhar focado que buscava explicações para descobrir o que de tão grave poderia ter interrompido suas atividades. Logo observou o Conde Douglas parado de uma maneira encolhida a um canto próximo a porta, tentando passar despercebido, e o Conselheiro Sean sentado no seu lugar de sempre, com os dedos das mãos cruzados sobre a mesa e com a expressão mais pacífica possível no rosto.

Lentamente ela fechou a porta atrás de si, percebendo que os motivos que a trouxeram até ali não eram coisa boa e preferiu trancar as verdades e os segredos dentro da sala. 

Notou a postura furiosa de Liam Éire e perguntou com cuidado:

—Aconteceu algo durante a entrevista? 

O herdeiro fez questão de olhar cada um dos presentes ali para reafirmar sua determinação por justiça. Ergueu o rosto, convicto como nunca antes:

—Não durante a entrevista. O que descobri foi algo que já estava nos assombrando há tempo. - Virou-se para o conselheiro e pediu, imperativo: - Por favor, conte-nos como funciona a linhagem real na sucessão do Rei Donavan.

 Sean levantou os olhos de seus dedos, seu rosto mais marcado por rugas profundas que pelo expressionismo emocional. 

—Como está escrito na constituição da Nova Irlanda, - Ele contou, vagaroso como uma velha tartaruga. - o primogênito do monarca no poder tem o direito legal ao trono. Entretanto, pela falta de herdeiros... - A rainha se mexeu, pois odiava tratar daquele fato com tanta trivialidade. - a linhagem sucessória aponta para o irmão do soberano de sangue real, no nosso caso, o Príncipe Keegan. Considerando seu recente óbito... - O conselheiro aperta os lábios, tomando cuidado com suas palavras. - Será o seu primogênito indicado à posse: Lady Sienna.

Liam gesticulou com a cabeça, satisfeito, e questionou astutamente:

—Pode nos lembrar de como essa linhagem chegou até mim? 

Foi com essas palavras que os demais entenderam o rumo daquela conversa. Douglas esfregou a mão pelos cabelos já escassos. 

Sean olhou para seus monarcas antes de cumprir a exigência do príncipe. Com um aceno cansado, o rei permitiu que o conselheiro prosseguisse.

—Pois bem. - Juntou as mãos novamente sobre a mesa. - Os Éire possuem uma ligação bem antiga com a monarquia do país, mas que se tornou mais próximo nos últimos oitenta anos... — Ele disse, após alguns cálculos certeiros. - ... quando o Duque Michael casou-se com a Princesa Sinéad, tia do rei Donavan. Eles tiveram um filho e esse filho foi pai do Conde Douglas. - Ele gesticulou em direção ao homem que ainda tentava se esconder. - Avô de Liam. 

—Então a Princesa Sinéad seria a próxima herdeira? - Liam perguntou sem abrir brechas para argumentações, como bem havia aprendido em sua breve experiência com Mirela Fitz-Gerald.

—Sim. - Sean respondeu e coçou a lateral do nariz. - Se ela ainda estivesse viva.

—Então o meu avô, filho único dela, seria o próximo? Mas ele também morreu há alguns anos...? - Liam utilizou um tom retórico que apenas fez o conselheiro confirmar num gesto curto. O príncipe continuou ousadamente: - Então o próximo seria... meu pai? 

Todos se remexeram, ainda mais desconfortáveis frente a ironia, audácia e raiva do Príncipe Herdeiro. 

—Mas de alguma forma a possibilidade do meu pai assumir o direito à coroa caiu num "buraco negro"! Como eu e toda Nova Irlanda não compreendemos essa parte? 

Apesar do sarcasmo e da acidez, Liam não estava brincando. Sua postura era muito séria e convicta - não havia nada que o pudesse fazer para impedir a sua imprudência desenfreada. Ele apenas exigia respostas. 

A Rainha Kiara puxou uma das cadeiras e sentou-se cautelosa.

—Dado as circunstâncias do falecimento do Príncipe Keegan e da renúncia de Lady Sienna, o reino estava muito fragilizado para lidar com outra renúncia de um sucessor.

—Mas por que haveria outra renúncia? - Liam rebateu, construindo uma teia de argumentações em sua mente. - Conheço o meu pai muito bem para saber que ele nunca deixaria tamanho fardo nas minhas mãos. Ele sabe que seria mais prudente que ele assumisse o título de Herdeiro Real e até futuramente o de Rei para que pudesse me dar tempo de pensar e aprender todas as regras da alta nobreza. Meu pai não deixaria o próprio filho cair de paraquedas como aconteceu! Então, por que houve uma renúncia? - Ele olhou intensamente para os monarcas, exigente. - Ou melhor, porque a "possibilidade" do meu pai ter sido nomeado herdeiro foi ocultada?

Kiara respirou fundo e explicou com cuidado:

—Como eu disse, considerando o contexto das sucessivas renúncias ao trono, outra a ser somada ao histórico fragilizaria o sistema político da Nova Irlanda. Por isso a possibilidade foi ocultada.

Donavan apertou os olhos, tentando entender por minúcias a argumentação de Liam.

—Não há desavenças entre nós e o Conde Douglas, se é isso que está pensando, sr. Éire. - Explicou o rei, num tom mais calmo, mas ainda bastante impaciente e muito incomodado por ser julgado e diminuído daquela maneira ousada. - Pelo contrário, eu e Kiara acreditamos que ele seria um excelente sucessor, considerando o sucesso de seus projetos no desenvolvimento agrícola na região de Wicklow Hills.

Ele olhou para Douglas e acenou brevemente.

—Então o problema não é meu pai. - Liam falou mais alto, não querendo perder o ritmo das revelações. - O problema é com minha mãe, com a deficiência dela. 

O silêncio se instalou entre eles imediatamente. Revelado o segredo, ninguém reagiu de prontidão. 

Envergonhada, foi a rainha que se pronunciou primeiro.

Preconceito? - Kiara engasgou com a sugestão de discriminação. Ela nunca havia pensado na situação sob esse nome e isso a atingiu com força. - Nós não... Nós nunca... Liam, existem rígidas regras na monarquia!

—Sim, eu sei disso. - Ele respondeu com um tom de voz mais baixo, porém ainda determinado e poderoso. Ele gesticulou para o conselheiro Sean. - Liste essas regras, por favor. 

O velho homem de noventa e dois anos arrumou sua postura cansada e ditou como se fosse o próprio livro da Constituição:

—Indivíduos portadores de deficiências mentais são privados do direito ao trono do país. Sejam eles já pertencentes à linhagem real ou ligados por união conjugal ou em casos de legitimação de bastardos. Portadores de disfunção motora e/ou sensorial... como é o caso da Condessa Maire... - Ele emendou com cautela, arrumando os óculos sobre o nariz fino. -  são aconselhados a abdicar sua posse ou renunciar o título conforme o grau psico-comprometedor ou degenerativo da doença.  

—Considerando que minha mãe tem uma deficiência que não cumpre essas características, então o aconselhamento ao meu pai para que ele pudesse assumir foi divorciar-se da minha mãe?

O príncipe viu o pai abaixar a cabeça e deixar cair os ombros e ele se sentiu ainda pior por ver o quanto aquele assunto o magoara. E ainda magoava.

—Eu não seria um rei sem minha rainha. — Douglas disse bem baixo. 

Liam puxou a cadeira da ponta da mesa e finalmente sentou-se nela. Então olhou com severidade para os líderes de seu país e falou pausadamente, tentando controlar a raiva:

—Todos esse últimos dias eu segui as suas ordens à risca e sacrifiquei minhas vontades por seus planos difíceis. Eu posso não ter nascido com o sobrenome Hibernia, mas me esforcei para caber nesse papel. Abri mão de toda a minha liberdade e o meu futuro por vocês mesmo que só tenha feito isso pensando unicamente na  Nova Irlanda, para que ela não caísse no domínio dos russos. Mas eu não vou aceitar que minha família seja atingida por seus motivos egoístas e preconceituosos. - Ele disse as últimas palavras com dificuldade, com o maxilar cada vez mais contraído. Fechou os punhos sobre a mesa e enfiou as unhas nas palmas das mãos. - Eu só preciso que vocês me digam uma justificativa plausível para essas mentiras. 

A rainha olhou assustada para Liam, um jovem de vinte e dois anos que ela julgara ser fácil de manipular e moldar conforme os padrões de um príncipe encantador, perfeito, mas que agora provava-se muito maior que o seu tamanho e sua idade. A força dele a deixou chocada e pela primeira vez Kiara, que sempre sabia muito bem o que dizer em cada situação, estava sem palavras. Ela olhou para o próprio colo, profundamente envergonhada e arrependida.

O rei acenou com a cabeça, vendo seu exército de justificativas ruir e ter sua rainha dada como derrotada. Vencido. Deixou os ombros caírem e falou:

—Não há explicações suficientes que satisfaçam o motivo de tal decisão.

Liam recostou-se na cadeira, observando ambos os monarcas. Estava mais aliviado por ver arrependimento em seus rostos, mas não se deu por satisfeito. 

Ele não conseguia deixar de imaginar como sua mãe fora ofendida com tamanha discriminação. Ela lutou por muitos anos para não fazer de sua condição o muro que a impediria de seguir em frente, rumo aos seus sonhos. Toda a família batalhou ao seu lado incansavelmente: Liam, o tio Frederick, Álan e Finn. E Douglas, nesses anos de reestruturação, não deixou o lado da esposa nem em momentos de maiores de dificuldades. 

Assim, o príncipe também não pode deixar de se preocupar com o próprio pai, pois ele havia tomado, se não a maior, uma grande decisão em sua vida: Escolher entre afastar-se da esposa ou colocar o filho sob a mira de inúmeros desafios. 

E tomar o conhecimento de que ambos pais haviam sofrido pressões e influências nesses últimos dias só deixou Liam ainda mais furioso e decepcionado.

Não estava disposto a colocar uma pedra em cima de tudo.

—Não posso simplesmente esquecer isso. - Ele contou com um tom mais comedido. Respirou fundo e pediu a ajuda do conselheiro outra vez. - Como fica a condição dos pais que têm um filho como próximo na linha de sucessão?

Sean apertou a ponta do nariz, arrumando o óculos mais uma vez, e falou:

—Quando o filho é apresentado como príncipe, sua família é condecorada com títulos nobiliárquicos altos, por meio, principalmente, de propriedades... ducados. 

Em outras palavras, meus pais deveriam receber o título de duque e duquesa? - Liam resumiu. 

—De certa forma, sim. - Sean respondeu, pesando as regras em sua cabeça. - Quanto a questão de terras, há algumas medidas que podem ser tomadas sobre o condado de Wicklow Hills. 

—Não estou interessado em mais terras. - O Conde Douglas finalmente se pronunciou, com sua voz rouca por falta de uso se projetando do canto da sala onde ainda tentava parecer discreto. 

Liam observou o pai e concordou com a cabeça. 

Ele levantou-se, decidido, com as mãos espalmadas sobre a mesa. Olhou para todos os presentes e tomou sua decisão:

—Que a vontade de meu pai seja cumprida. Ele irá decidir sobre a questão de terras e sua decisão será tomada. Ele e minha mãe receberão o título mais elevado, como exige a ordem da Nova Irlanda, e eles serão apresentados publicamente assim...

—Liam... - Douglas tentou intervir no discurso do filho, mas não adiantou. 

—Quanto a vocês, - O príncipe se virou para seus monarcas, severo. - há uma enorme confusão para ser explicada para a mídia e eu não me importo como isso irá acontecer. Essa confusão é exclusivamente de vocês. Não tentem envolver minha família nessa história de novo. - Liam encarou o rei e a rainha até vê-los cederem às suas exigências e então ele ficou finalmente satisfeito e encerrou a reunião: - Como eu disse, não esquecerei disso assim tão fácil. Será difícil conquistarem minha confiança outra vez. 

Ele se afastou, agradecendo ao conselheiro sua presença, e dirigindo-se para a saída junto de seu pai. 

—Você já é um líder, garoto. - O Rei falou atrás dele, derrotado, mas sem deixar de sentir orgulho pela força de seu sucessor.

Liam aceitou lentamente. 

—Um da dinastia Éire. - Completou o Príncipe Herdeiro. 

 ♕ ♕ ♕ 

Era fim de tarde quando as meninas rumaram para seus quartos, cansadas do longo dia diante as câmeras. No caminho, tiravam os fascinator na cabeça e os sapatos dos pés, não apenas exaustas, mas já acomodadas no Palácio o suficiente para se sentirem em casa.  

Mas Veronika não parecia cansada o bastante para deixar de argumentar.  

—Eu digo, você era mais quieta antes. - Explicou, consternada. Jogou o cabelo para trás dos ombros e continuou: - Era mais paciente para ouvir o que eu tinha para falar. 

—É que você fala muito! - Moreena explicou com um sorriso caloroso e chacoalhando ligeiramente os ombros. - Quer que o mundo gire ao redor de você. Não pode ouvir as minhas história de vez em quando? Por que isso te incomoda tanto? 

Veronika mordeu a língua, irritada. Não sabia ao certo como respondê-la. Deveria apenas dizer que não gostava de ter companheiras que atraíam mais atenção do que ela? 

Ela girou os olhos impacientemente. 

—Gostava de você antes. 

Moreena parou e a olhou com um misto de incredulidade e divertimento, pois achava a conversa bastante inusitada.  

—Isso quer dizer que não quer mais ser minha amiga? 

Veronika riu, sarcástica. Aproximou-se dela e falou com malícia e sem receios. 

—Querida, você nunca foi a minha amiga. - E saiu de perto dela, desfilando como se ainda estivesse sob o foco das câmeras do ensaio fotográfico. Veronika viera para a Seleção com a ideia de que só faria uma amiga, se ela "brilhasse" menos que ela, e o seu alvo fácil foi Moreena. Entretanto,  nesses últimos dias, a garota parecia mais confiante e aparente aos olhos da influente mídia. E a srta. Egan não toleraria que roubassem sua atenção.

 

Moreena ficou parada, vendo a outra selecionada se afastar. Deixou que ela ganhasse a distância que desejava até voltar a seguir o seu caminho. Não estava preocupada com os insultos de Veronika. A loira sabia muito bem como as pessoas podiam ser temperamentais. 

Em outra canto, já próxima a seu quarto e também seguindo o fluxo das sonolentas selecionadas que rumavam para seus quartos, Honor massageou o seu pescoço preguiçosamente, colocando as conversas das companheiras num volume mais baixo em seu cérebro.  

Sempre pensou que a vida de famosos era mais fácil que servir bebidas e limpar mesas de restaurante, mas até então ela nunca experimentara esse outro lado da moeda. Parecer "feliz e animada", "extrovertida e simpática", "linda e poderosa" eram esforços demais para alguém retraído como ela. 

E aquela presilha de flores laranjas em seus cabelos machucava demais. 

Porém, quando prestou atenção em si mesma, percebeu o quanto aquela tarde havia sido divertida, apesar de tudo. Fora uma experiência diferente de tudo que conhecia. E ela gostara de tais mudanças, pois pode provar um pouco mais da alegria que ela tanto reprimia em sua vida.  

—Com licença. Srta. Chevallier? - Ela sentiu um leve toque em seu ombro que a tirou de seu devaneio. 

Mal percebeu que mordia a parte interna de suas bochechas e que quando virou-se para o guarda, que lhe havia chamado, seu rosto estava marcado com uma engraçada careta. Ela tentou se recuperar rapidamente e informou ao homem, um pouco irônica: 

—Não sei quem é essa.  

O jovem oficial olhou para a carta em sua mão e depois para a garota, confuso e constrangido. Incerto em pedir ajuda, perguntou discretamente: 

—Sabe me dizer quem é "Anne Chevallier"?  

—A loira mais ali adiante. - Informou, com certeza, apontando para a outra direção. Podia estar distraída, mas não era dessa maneira; muito pelo contrário, era silenciosa e bastante observadora.  

 O guarda sorriu, agradecido.  

—Byrne! - Um outro guarda chamou seu companheiro pelo sobrenome, num tom que deixava claro sua severidade. Pedir informações para as selecionadas era algo desrespeitoso, os funcionários não deveriam incomodá-las de maneira alguma.  

O homem que pedira a ajuda de Honor fez uma ligeira mesura e se afastou apressadamente. 

A garota de vinte anos observou o segundo guarda, de pele negra como a dela. Lembrava de tê-lo visto antes e não demorou para associá-lo a imagem do príncipe, pois, afinal, era o oficial responsável por sua segurança, Ronan Irish. Observou os dois seguirem em direção a Anne, imaginando que algo importante estava por vir. 

Próximas a srta. Chevallier estavam as outras garotas que se acomodavam no corredor à direita, provenientes da região sul e leste da Nova Irlanda e que já estavam próximas de seus quartos: Mirelle, Andressa, Alegra e Ali. 

Ao ver o funcionário se aproximando com a carta, Dressa se animou e perguntou, esperançosa: 

—Correspondência? 

As demais também se empertigaram, empolgadas pela possibilidade de terem notícias dos familiares. Mas Ronan negou com educação. 

—É um convite para a srta. Chevallier. 

Convite? - Exclamou Veronika pegando a informação no momento em chegava ao corredor dos quartos. Ela se aproximou, ávida por fofocas e ainda nervosa pela discussão que tivera com Moreena. Parou um pouco distante das demais meninas, hesitante se deveria prosseguir. Perguntou, desdenhosa: - Para se retirar? 

Anne tentou ignorar a sugestão maldosa de Veronika e pegou a carta que o oficial Byrne lhe oferecia. De um maneira delicada que contradizia com seu momentâneo nervosismo, ela abriu o envelope e leu o conteúdo. 

Era uma mensagem do próprio Príncipe Liam a convidando para um encontro, com a data e o horário exatos, porém deixando o lugar do passeio em aberto. Ela leu tudo de novo, sem acreditar que fora a escolhida para o primeiro encontro. 

Antes que pudesse ter uma reação, Alegra, que lera o conteúdo por sobre o ombro da loira, contou a notícia para todas em voz alta: 

—Anne terá o primeiro encontro com o príncipe! 

Dressa pulou, esquecendo sua decepção por não ter recebido uma carta de sua família, e arrancou a carta das mãos de Anne, animada por ela. Ali e Mirelle se aproximaram delas e leram a carta juntas. 

—Que misterioso! Não dá detalhes! - Dressa surpreendeu-se. 

—Será que é a letra dele? - Ali quis saber, curiosa. 

Veronika ficou estática, surpresa e um tanto ofendida. Ela realmente achava que sua posição na Seleção era boa o suficiente para ter sido escolhida para o primeiro encontro. 

Alegra esbarrou nela ao se afastar do grupo com pressa. Não estava ofendida, mas sim, insegura. Correu para o seu quarto com as mãos trêmulas. 

O oficial Byrne foi o único, além de Veronika, que notou o afastamento da ruiva. Ele havia conhecido e conversado com Alegra no dia do Telejornal e, assim, entendia o quanto ela deveria estar se sentindo mal com a notícia da ascensão de sua concorrente. Em meio ao agito das demais selecionadas, ele conseguia seguir a jovem sem ser notado pelos demais presentes. 

Ronan estava confuso em meio a animação das meninas e ele precisou se esforçar para direcionar o foco de sua tarefa ali. Virou-se para Anne e lhe informou: 

—Srta. Chevallier, tenho a obrigação de levar sua resposta ao Príncipe Liam. Já tomou uma decisão? 

Honor, que ainda assistia a cena à distância, revirou os olhos e pensou consigo mesma "como se houvessem opções". 

Mirelle cutucou Anne na barriga, animada, e a selecionada da província de Cork esboçou então um sorriso travesso. Estendeu a mão como se esperasse uma aliança e brincou: 

—Eu aceito! 

♕ ♕ ♕ 

Estava envergonhada, mas era educada e sabia que deveria se redimir de seus erros.  

A Rainha Kiara então se aproximou de Maire, sentada em um dos sofás da biblioteca e imersa na leitura de um livro de curiosidades. Parou diante da mulher sem saber o que dizer – ela estava acostumada a receber sempre a primeira mesura.  

A Condessa Maire ergueu os olhos de seu livro tranquilamente. Sem se levantar, fez um gesto com a cabeça e saudou: 

—Majestade. 

Sua voz saiu muito alta, desconhecendo o volume da própria fala. Por estarem em uma biblioteca soou inadequadamente alto demais. Mas não foi isso que incomodou Kiara: Foi aquela provocativa ignorância, que não perdia a monarca esquecer que pecara. 

—Condessa Maire, eu vim me redimir. Julguei-a erroneamente e percebo o quão ultrajante essa situação deve ser para... 

A mãe de Liam Éire a interrompeu estendendo a mão num sinal de "pare". Depois tocou a própria orelha duas vezes.  

—Fala e fala e eu não escuto! - Reclamou em voz alta, sem abrir mão da provocação. Como Douglas dizia, Maire era tão teimosa que chegava a ser infantil e inconsequente. 

A Rainha inspirou fundo e tentou reafirmar os princípios que a trouxeram ali. Também começou a pensar em como faria para se desculpar com Maire de uma maneira que ela entendesse – e exigia, pois se o erro de Kiara fora julgá-la pela sua deficiência, o mínimo que poderia fazer para se desculpar era "falar na mesma língua" da Condessa. Vencer o preconceito.  

Num gesto surpreendente a ambos, a rainha se ajoelhou sobre os dois joelhos e colocou as mãos sobre o coração. 

—Estou realmente arrependida. - Disse com melhor articulação. - Peço seu perdão. 

As vezes gestos falavam mais que muitas palavras e isso era algo que a monarca acabara de aprender, aos seus quarenta e um anos.  

Houve um momento de silêncio. Maire arregalou os olhos e formou um pequeno bico nos lábios, pega de surpresa. Ficando então tão constrangida quanto a rainha, a condessa gargalhou e tomou a soberana pelas mãos, tirando-a de sua posição de penitência. 

—Ah, querida! - Gritou, sem ter noção disso. - Humanos erram. 

Kiara sorriu, aliviada. Concordou com um aceno de cabeça, ainda segurando as mãos de Maire. 

Com alguns gestos que a monarca custou a entender, a morena disse algo que poderia significar "ainda mais" ou "inclusive" e depois apontou o próprio coração, querendo dizer que os humanos erram quando há amor envolvido.  

—Você por Nova Irlanda. - Maire explicou e apontou para o chão. - E eu, Liam.  

A rainha abriu um sorriso ainda maior: A condessa era uma mulher de "poucas palavras", mas isso a fazia ver o mundo de uma maneira diferente e, assim, ela também julgou que precisava se redimir.  

—Sabe de uma coisa? Acho que nós duas temos algo em comum que podemos explorar na Seleção.  

Maire ergueu as sobrancelhas, curiosa. 

Alguém então bateu na porta da biblioteca, com educação, e entrou logo em seguida. Liam parou com a mão ainda no batente e olhou da rainha para a própria mãe algumas vezes, estranhando a situação. 

—Está tudo bem por aqui? - Perguntou num tom desafiador.  

Kiara olhou para baixo, um tanto tímida, e Maire abriu um grande sorriso para seu filho. Aproximou-se dele e o segurou pelas bochechas. 

—Lindo. - Ela declarou, ignorando a tensão do ambiente.

O jovem olhou para a rainha e ela se apressou em dizer: 

—Já estava de saída. Com licença. - Kiara saiu sorrateiramente, sabendo a situação ainda era bastante delicada.

Liam tirou as mãos de Maire de sua bochecha e as segurou entre as suas. Olhou para a mãe como se não acreditasse nela. 

—Está tudo bem, mesmo? 

Calma, ela concordou e puxou o filho para sentar-se com ela no sofá. Ele suspirou quando se sentou, cansado. Foram longos dias. Sentira falta de estar próximo a sua família.

Pegou o livro que Maire havia deixado sobre a mesinha mais próxima e o chacoalhou. 

—Livro de curiosidades, mãe? - Ele riu, intrigado. Então abriu o livro e leu a primeira coisa em que bateu o olho. Trouxe o livro mais para perto da mãe, para que ela pudesse ler também. - "Minhocas podem ter de dois a quinze corações". Uau. Isso é algo surpreendente. "Os filhotes de aranhas-lobos sobem no abdômen da mãe e ficam ali nos primeiros dias de vida para sobreviverem". - Ele deu um pulo e começou a gesticular entusiasmado. - Lembra quando você pisou naquela aranha em casa e um monte de aranhas pequeninhas saíram correndo para todos os cantos? Parecia que suas partes tinham vida própria... 

Liam continuam falando e lendo o livro, enquanto Maire não pode deixar de sorrir. Sentia-se orgulhosa do filho, de sua coragem e força. Estava extremamente feliz por poder viver um momento simples e perfeito como aquele, sem pressa, sem medo ou preocupações. Ela lembrou-se de como Liam sempre fora um garoto otimista, que preferia enxergar os prós no lugar dos contras. Sabia que fora isso que manteve sua postura segura nesses últimos dias como príncipe, pois fora essa mesma atitude que fez a família Éire, e principalmente Maire, a enfrentarem as consequências de um grande acidente que ocorreu no passado.  

♕ ♕ ♕ 

15 anos atrás

Maire acordou sentindo a cabeça pesada. Seus olhos custaram a abrir devido a dor, mas ela insistiu mesmo assim. Viu uma máquina ao seu lado monitorando seus batimentos cardíacos e uma bolsa plástica com um soro que gotejava em sua corrente sanguínea através do cateter enfiado em seu braço esquerdo.  

Percebendo que estava em um hospital, ela se debateu assustada. 

Dois médicos entraram correndo no quarto e houve alguma agitação difícil de distinguir. Ela gritou até sua garganta. Não conseguia ouvir som algum, mas tinha certeza de que gritava, pela dor. Era como se estivesse presa em um daqueles pesadelos que quanto mais você anda, mais você fica preso no mesmo lugar. Como areia movediça.  

Havia algo errado, ela sabia. 

Alguém segurou sua mão com gentileza e isso lhe tomou a atenção. 

Virou o rosto para a direita e viu o seu irmão ali, Frederick. 

Ofegou de alívio ao ver um rosto conhecido e amado, e ela segurou sua mão com mais força, não querendo perdê-lo. Ele abriu a boca e falou com ela calmamente.  

Mas ela não ouviu nada. 

A expressão no rosto de Maire chamou a atenção dos médicos. Eles começaram a conversar com ela, testando sua audição. Ela olhou de um para o outro sem entender nada. O olhar de preocupação deles a deixou cada vez mais desesperada. Queria respostas e não conseguia obtê-las. Notou que os médicos passaram a conversar entre si e que Fred manteve-se atento à conversa, mas não se intrometeu. Havia um acentuado olhar de preocupação e tristeza em seu rosto. 

Observá-los conversando a seu respeito sem poder de fato ouvi-los era como estar dentro de um aquário, onde era apenas assistida... e assistia.  

Ela gritou novamente, com o coração disparado e a garganta ardendo de dor. Não conseguia ouvir a própria voz, não importa o quanto tentasse. Nem conseguia ouvir a resposta que ela esperava. 

Como se levasse um choque, devido a adrenalina de defesa que inundava seu corpo, virou-se para Fred, surpresa quando ele esfregou seu polegar no pulso dela.  

Sem poder ouvir, o contato físico era a única coisa que a ligava com o mundo sem sons.  

Frederick tentou lhe dizer algo, que ela não compreendeu, mas o olhar no rosto dele foi o suficiente para acalmá-la por alguns segundos. Havia um misto de determinação e ressentimento combinado de uma expressão bastante abatida no rosto do irmão.  

Uma médica escreveu em uma folha de papel e em seguida ergueu-a para que Maire lesse. "Você sofreu um trauma devido a uma explosão. Lembra-se do seu nome? Acene 'sim' com a cabeça". Mesmo incomodada com a lerdeza da conversa, a morena concordou.  

A médica voltou a escrever e logo ergueu o papel novamente: "Em que ano estamos?" 

Perguntas do tipo se sucederam até os médicos terem a confirmação de que a memória de Maire estava intacta. Depois passaram, finalmente, a informarem dos últimos acontecimentos. 

"Sua audição foi afetada. Pode ser apenas uma reação do cansaço pós-cirúrgico, mas também pode ter sequelas a longo prazo".  

Maire respirou fundo e leu aquelas palavras diversas vezes, para ter certeza de que aquilo estava mesmo acontecendo. Ela não chorou ainda, pois tinha a impressão de que coisas piores estavam por vir. Com as mãos trêmulas, ela apontou para o papel, pedindo para usá-lo. 

Escreveu com uma péssima caligrafia: "Como está Finn?" 

Os médicos trocaram um rápido olhar com Fred, o pai do garoto, e depois a informaram de que seu sobrinho mais novo estava bem, nada grave havia acontecido com ele. Continuava internado apenas para observação, mas logo receberia alta.  

Isso imediatamente tirou-lhe um peso do coração. Olhou para Fred, feliz pela notícia, mas viu que ele ainda mantinha a postura severamente abalada.  

Temendo saber a resposta, Maire escreveu de novo: "Ághata?" 

Sutilmente a médica negou. 

Maire cobriu a boca com a mão, sentindo o coração apertado novamente. Tentou segurar as lágrimas ao olhar para seu irmão, que ainda segurava sua mão. Ele havia perdido a esposa há poucas horas. 

Mas Fred pegou o papel e escreveu. 

"Feliz que ainda tenho você".  

Ela sorriu para ele em meio as lágrimas que começaram a escorrer.  

Nesse momento a porta do outro lado do quarto se abriu de repente e um pequeno Liam Éire de sete anos entrou correndo para dentro do quarto com os olhos marejados e o queixo trêmulo. Ela esboçou um sorriso ao ver o filho, tentando não aparentar a tristeza que sentia e a fraqueza que a acometia.  

Douglas apareceu logo em seguida, ligeiramente descabelado e corado por ter corrido atrás do filho que viera procurar a mãe.  

A expressão do homem foi de alívio ao ver que a esposa acordara após a cirurgia. Ele se aproximou com cuidado e beijou-lhe a testa com ternura. Uma lágrima que Maire não conseguir reprimir escorreu pela bochecha.  

Ela observou os médicos atualizarem Douglas de sua surdez, mas foi Liam que lhe chamou a atenção.  

O menino observava a mãe e todos os aparelhos que se ligavam a ela. Mantinha-se afastado e estava visivelmente assustado. Maire ergueu os dedos trêmulos em sua direção, para reconfortá-lo e ele correu até ela.  

Era menor que a cama, mas se esticou até tocar no peito da mãe, colocando a mão sobre o seu coração. Ficou em silêncio por um tempo, até gritar: 

Ela está viva! - Disse ao constatar que seu coração ainda batia.  

As pessoas pararam e olharam para a criança sem dizer nada.

—Está viva! Vai ficar tudo bem!

Maire não precisou ouvir as palavras do filho para entender o que ele dizia e sentir a euforia dele. O otimismo.   

Não importava o acidente ou as sequelas dele. Eles estavam vivos. Era isso que de fato importava.  


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Notas finais do capítulo

(Pediram Ronan e aí está Ronan!!! ♥)

Yeyy capítulo difícil de escrever, mas foi vencido.
Teve pouca das selecionadas porque o foco mesmo foi Liam e a família dele.

Sempre quis mostrar um pouco mais do passado do nosso príncipe, porque ninguém conhece ele profundamente ainda. Então essa cena já estava escrita há muito tempo no meu caderno e eu fiquei feliz que consegui encaixá-la dessa maneira. Está sob o ponto de vista de Maire, porque, primeiro, Liam era muito novo e, segundo, também precisávamos conhecer mais dela, seu carisma, sua história de superação... e foi divertido ligar isso ao otimismo simples e inocente de uma criança.

Assim vocês também acabarem de conhecer o meu jeito de contar cenas tristes e dramáticas hehe

Creio que não será a única cena do passado de Liam dessa história. Há mais por vir para explicar melhor esse "acidente explosivo".

Essa cena bem pesada do Liam bravo com os monarcas não estava escrita, mas já planejada há muuuuuito tempo e ela faz uma ligação com os "visitantes" do próximo capítulo. Micro spoiler? Os lindinhos primos do Liam ♥
http://www.polyvore.com/%C3%A1lan_finn/set?id=207324063

Curiosidade sobre a cena do livro de curiosidades:
Essa informação sobre a "aranha-lobo"... Já aconteceu comigo. Minha mãe pisou em uma para matá-la e milhares de aranhas menores saíram dela, correndo para todos os lados. Cena digna de um filme de terror. Foi muito estranho.


Eu não tenho muitas coisas para dizer. Espero que vocês tenham gostado e que ainda continuem acompanhando a história hehe.
Já me decidi quanto a primeira eliminação (acho que já falei isso várias vezes), mas os comentários continuam sendo contabilizados para as próximas. Ah, e agora sim, a eliminação está beeeem próxima.
Não sei quando terei tempo para escrever e postar de novo, mas estou empenhada! Só peço um pouco de paciência (as férias acabaram).

Obrigada novamente por todo o suporte de vocês leitores! Por terem gostado das roupinhas do capítulo anterior, por visitarem e comentarem no site (♥) e por admirarem o trabalho de vocês mesmas na capa, no vídeo... É fofura demais!! ♥ ♥

Beijos, amigos! Até mais!

P.S. Não tenho certeza se será possível continuar respondendo os reviews, qualquer coisa, respondo as maiores dúvidas nas notas do próximo capítulo ou por MP.

Maire rainha, Kiara nadinha. Hahahahaha brincadeira. Kiara pediu desculpas, é um gesto importante.



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