Feliz dia... do quê? escrita por Lune Kuruta


Capítulo 1
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/705779/chapter/1

Não era preciso recorrer ao calendário para saber que a data estava se aproximando.

 

A partir de meados de maio, tão logo as queimas de estoque pós-dia das mães desapareciam das lojas, as vitrines eram dominadas pelo vermelho e pelo rosa. Corações, fotos de casais (em geral heterossexuais), anúncios piegas com direito a fundo musical romântico e promoções para se curtir a dois.

 

Neste Dia dos Namorados, o que você vai dar ao seu amor?

 

Parece uma pergunta simples a pessoas desatentas ou a casais comuns. Alguém responderia “Flores”, “Bombons” ou pelo menos “O privilégio da minha companhia”, decerto.

 

Mas, para Gêmeos e Aquário, esse questionamento comercial guardava em si uma terrível armadilha. Nada é tão simples assim para esses signos de ar…

 

A questão era, na verdade: dar ou não dar?

 

(“Ah, mas eu dou de boas!”, diria Gêmeos. Não fuja do assunto, meu querido. Você sabe do que estamos falando).

 

Os dois, muito embora estivessem se pegando com uma frequência bastante alta, estivessem próximos demais para meros amigos e admitissem não se interessar daquela forma por outras pessoas, ainda não se consideravam exatamente em um relacionamento oficial. A bem da verdade, Gêmeos e Aquário definiam seu relacionamento como “Deixa rolar, definições limitam”. E, se aquilo bastava a eles a curto prazo, a iminência do dia dos namorados lhes mostrava que nada era tão simples assim.

 

Afinal, eles eram namorados?

 

Afeto: check. Apelidos bobos só entre eles: check. Sexo: double check. Carícias e mimos pós-sexo: triple check.

 

Mas não havia rolado nenhum pedido oficial, nenhuma frase definitiva ao estilo “Hey, estamos namorando agora!”... então, como agir? E se chegasse com um presente e o outro não trouxesse nada consigo? Aliás, e se o outro lhe desse algo e ele não tivesse comprado nada?

 

A semana do dia dos namorados estava sendo especialmente confusa para aqueles dois.

 

000

 

Sábado, onze de junho, 14h06. Shopping da cidade.

 

Librianos são o tipo de pessoa que nunca faz nada sozinho se puder evitar. E, no topo da lista de “Coisas para as quais sempre convocar os amigos”, obviamente, estavam as compras.

 

Lá estava Libra caminhando elegantemente pelos corredores apinhados de gente, ladeado por seus “best friends forever”, Gêmeos e Leão. Não era apenas para ajudá-lo a se decidir quanto ao que comprar, mas as fofocas e risadas também sempre valiam a pena.

 

Gêmeos estava ali pelas fofocas, claro. E também porque comer fast-food na praça de alimentação era quase um vício semanal (que Câncer não o ouvisse!); ainda mais quando se tinha um amigo disposto a pagar pelo lanche…

 

Já Leão, além das fofocas, sempre comprava coisas para si, claro! Ademais, era necessário um signo decidido de fogo pra botar ordem na indecisão daqueles dois. Não fosse pelo leonino, uma simples dúvida “O azul ou o preto?” poderia tomar o tempo e as mentes de Gêmeos e Libra por uma tarde inteira. “Leve os dois, ora! Roupa nunca é demais!”. Eis a resposta-padrão de Leão para aquele dilema.

 

Enfim, caminhavam os três pelo corredor do shopping, apinhados de sacolas, enquanto observavam a movimentação frenética da multidão que, pra variar, havia deixado para comprar os presentes na última hora. Sentaram-se a um banco para descansarem um pouco os braços e trocarem impressões a respeito.

 

— Bando de otários… — Resmungava Gêmeos fitando as pessoas que iam e vinham das lojas próximas.

 

— Você fala isso porque nunca ganhou nem um bombom de dia dos namorados… — Leão deu uma risadinha, jogando a juba charmosamente para o deleite da plebe (ou ao menos era o que gostava de imaginar).

 

— Ah, o dia dos namorados… — Suspirou Libra, apoiando o queixo nas mãos com uma expressão sonhadora — Dá pra sentir o amor e a paixão no ar…

 

— Meh, quanta melação! — O geminiano fazia caretas e arremedava — “Ai ui ui, vim lhe trazer este humilde presente!”, “Amoooor, vamos passar o fim de semana na serra e continuar pagando as parcelas mesmo quando já formos ex!”. Gastar grana por conta de dia dos namorados é carimbar o papel de trouxa em cartório, isso sim!

 

— Pra que essa amargura, querido? — Leão arqueou a sobrancelha — Não vai me dizer que não pretende dar nada ao Aquário! Todo mundo já sabe que vocês estão juntos, não precisam ficar escondendo o namoro, sabem?

 

— Mas quem disse que a gente tá namorando?!

 

— Ah, pobrezinho… — Libra fez um muxoxo — Ainda estão no estágio de negação, naquela de “ah, estamos nos pegando, rola um sentimento mas sem rótulos”, acertei? E agora você nem sabe se deve dar algo a ele amanhã ou não...

 

… Ah, Libra. Sempre certeiro nessas coisas de sentimentos. Gêmeos bufou, o que deu ao amigo a certeza de que precisava.

 

— Querido, você não pode estar de mãos abanando amanhã, de jeito nenhum! Se for esperar o Aquário dar o primeiro passo nessas coisas, vai morrer sem nunca ganhar um mísero bombom!

 

— Tá me dizendo pra dar um presente a ele mesmo sem saber se vou ganhar alguma coisa também?

 

— Aff, que interesseiro, Gêmeos! — Leão entrou na conversa — Benzinho, o melhor presente que existe é a cara dos outros ao abrirem o nosso presente. E depois, você empurra a torta de climão pra ele! Afinal, ele vai se sentir na obrigação de retribuir…

 

— Quem é mesmo o interesseiro? — Libra riu baixinho e piscou para o leonino antes de prosseguir — De qualquer forma, você não precisa necessariamente comprar. Até porque o Aquário não deve ser fã dos presentes clichês da data. Por que não faz algo você mesmo? Algo em que você se saia bem, algo que tenha o seu jeito e a sua assinatura?

 

Gêmeos franziu a testa. Ele só era bom em fofocar, tretar, jogar videogame, ler mangás e ver animes… e em tagarelar. Muito.

 

Além de uma ou outra habilidade mais íntima, bem conhecida pelo aquariano, que preferia não compartilhar com os amigos fofoqueiros.

 

— Hm — Grunhiu o geminiano — Acho que posso pensar em alguma coisa…

 

Alguma coisa fácil de esconder, claro. Assim, se Aquário não fizesse menção nenhuma a dar algum presente, ele também não entregaria e não pagaria micão.

 

000

 

Sábado, onze de junho, 14h08. Loja de departamentos do outro lado do mesmíssimo shopping dos fofoqueiros de plantão.

 

Touro era daqueles que não dispensavam uma passada na loja de departamentos para encher os bolsos de guloseimas antes de entrar no cinema. Afinal, a pipoca e o refrigerante vendidos por lá eram absurdamente caros! Um pacote de confeitos coloridos era um assalto! Na loja, podia se guarnecer por um preço muito menor, sem contar que a variedade de doces à disposição era muito maior. Chegou a cogitar usar bolsa para poder carregar mais, mas tinha preguiça de carregar e Áries se recusava terminantemente a fazê-lo por ele...

 

O ariano, por sinal, tentava argumentar que não adiantava “porra nenhuma” encher os bolsos de doces se na porta do cinema ele insistia em comprar um balde gigante de pipoca com manteiga e um copo XG de refrigerante do mesmo jeito, mas não era como se Touro o ouvisse, de qualquer forma.

 

Em geral Aquário pouco se importava com o que Touro comprava ou deixava de comprar, desde que sobrassem algumas barrinhas de chocolate para si. Costumava ficar de boas acompanhando o casal enquanto ouvia música nos fones. Entretanto, naquele dia em especial, o aquariano estava particularmente rabugento.

 

— Isso é uma palhaçada, isso que eu tô dizendo! — Reclamava aos amigos enquanto via as vitrines e os mostradores da loja apinhados de caixas de bombons e almofadas em formato de coração — Manipulação midiática e capitalista! Uma data puramente comercial inventada pros trouxas!

 

— Blá, blá, blá… — O taurino se limitou a murmurar enquanto escolhia um pacote de jujubas.

 

— Mas é verdade! — Insistia Aquário — Se as pessoas tivessem mais senso crítico, não iam cair nessa esparrela!

 

Eu quero presente amanhã — Touro respondeu a Aquário, mas com os olhos em Áries. O ariano engoliu em seco com o recado — E pensei que você também fosse dar alguma coisa pro seu peguete

 

Aquário arqueou a sobrancelha e diminuiu o volume do fone; até Willian pareceu encarar o taurino como se soubesse que havia tocado em um assunto delicado.

 

— Ó, Gê e eu estamos… nos curtindo, é tipo um negócio só nosso, saca? Sem pressão, sem cobranças e principalmente sem clichês melosos!

 

Áries abriu a boca pra argumentar, mas Touro o interrompeu:

 

— Não é uma questão de clichê meloso, é uma questão de mostrar que gosta de estar com ele… — O rapaz de cabelos azulados deu de ombros, colocando um pacote de caramelos na cesta da loja — Gente que não demonstra o que sente de jeito nenhum só perde chances de se divertir, já pensou nisso? Podia aproveitar promoções em motéis em vez de mimizar sobre capitalismo selvagem e sei lá o quê. Depois o teimoso sou eu, pff…

 

Áries novamente abriu a boca para comentar algo, mas o aquariano retrucou:

 

— Ah, larga disso! Você conhece o Gêmeos, não tá nem aí pra essas coisas! Se eu aparecer com flores e bombons ele vai rir da minha cara! Nem morto que eu pago um mico desses…

 

A essa altura Áries já estava rubro de raiva pelas interrupções consecutivas, como a de Touro que se seguiu:

 

— Não precisa chegar dizendo “Feliz dia dos namorados, amor da minha vida!” — O taurino rolou os olhos — Leva ele pra comer em algum lugar como quem não quer nada, só pra quebrar a rotina. Você provavelmente vai achar algum lugar exótico pra levá-lo, do jeito que tem ideias malucas… e os “restaurantes clichês” provavelmente já estão com as reservas lotadas. Uma delas é a minha, evidentemente.

 

Olhou significativamente para Áries, que fez cara de confusão. O ariano abriu a boca e esperou alguém interrompê-lo. Nada. Abriu de novo. Os dois quietos. Abriu uma terceira vez, desta vez para falar mesmo:

 

— Como assim, eu nem tava saben…

 

— Mas agora já sabe — Cortou Touro, e Áries revirou os olhos — Jantar amanhã às 20h30, e trate de se vestir decentemente. E depois temos reserva no motel cinco estrelas de sempre… estou gastando bastante, é bom que valha a pena!

 

Áries nem ameaçou usar o chifre. Sabia que o namorado curtia, mesmo…

 

— De qualquer forma… por que não aproveitam pra se curtirem amanhã? Pode ser uma data como qualquer outra, mas o importante são os finalmentes, certo? — Concluiu o taurino com praticidade.

 

Aquário levou a mão ao queixo, refletindo, enquanto o trio caminhava para o caixa. O que fazer pra não dar bandeira…? Bem, talvez tivesse uma ideia que pudesse disfarçar… é, nada que fosse meloso ou muito na cara, quem sabe? Apanhou o celular pra conferir uma coisa e, momentos depois, afastou-se dos amigos, retornando às prateleiras da loja.

 

— O filme começa daqui a pouco, porra! — O ariano estava sempre com pressa, de qualquer maneira.

 

— Não podemos demorar, ainda precisamos pegar a pipoca, os refrigerantes e mais alguns doces na bombonière do cinema por garantia…

 

Mas o aquariano apenas piscou para os amigos, sorrindo.

 

— Relaxem, só vou pegar umas coisinhas aqui rapidinho...



000

 

E o fatídico dia finalmente chegou. Começou preguiçoso como um domingo qualquer, a sonolência um pouco maior depois da tradicional macarronada servida por Câncer (macarronada no almoço de domingo era algo de que o canceriano sempre fazia questão). Um futebolzinho mais tarde na TV para a alegria de Áries e Sagitário, e enfim… cada morador subiu para seu respectivo quarto para se banhar e cuidar de seus afazeres.

 

Aparentemente, o dia dos namorados por ali só começaria mesmo ao anoitecer.

 

Havia uma coisa diferente no ar e na casa naquele entardecer modorrento. E não era o cheiro de rosas provenientes das pétalas que formavam um rastro desde o quarto de Áries até a porta do quarto de Touro.

 

— Mas que porra…? — Aquário se perguntava enquanto, caminhando pelo corredor, viu a pequena trilha — Mas eles não iam jantar fora?

 

— Deve ser só um esquenta… — Libra, que também passava por ali, riu baixinho.

 

— FTSSSSSS! — Aquário entrou em modo de defesa ao notar a presença do desafeto.

 

— Ai, calma, só quis ajudar! — O libriano se afastou de bico, descendo para a sala.

 

Virgem se aproximou irritado, vassoura e pá na mão.

 

— Não precisavam emporcalhar a casa por uma palhaçada dessas! — Bufou, varrendo as pétalas — Nem as flores do meu cabelo fazem essa bagunça!

 

Foi quando Aquário ouviu uma voz conhecida do lado de fora da casa…

 

— VIIIIRGIE, APARECE NA JANELA, AMOR! ~

 

O rosto do moreno, antes um pouco corado de irritação pela sujeira, adquiriu um tom roxo de vergonha.

 

— Ele não fez isso… — Murmurou o virginiano — Eu estou ouvindo coisas, claro, só pode ser… eu…

 

Moço das flores no cabelo, dos olhos verdes como as folhas na priiiiimavera… — Sagitário cantava a plenos pulmões, o violão acompanhando — Estou aqui, VIP do motel na mão, ardendo à tuuuuua espera…

 

— Um balde de água — O virginiano grunhiu — Gelada.

 

— Ah, mas a musiquinha tá tão bem-feita… — Aquário lutava pra não rir abertamente.

 

Meu amor sempre a crescer quando nos deitamos ao anoitecer... Perco o juízo entre tuas pernas como um homem das caveeeernas!

 

… Água o caramba, vou jogar cubos de gelo!

 

Virgem se afastou quase correndo para a cozinha e, só a uma distância segura, Aquário se permitiu espernear no chão de tanto rir.

 

Ainda bem que não sou doido assim, pensou o aquariano enquanto chorava com as gargalhadas. Espero que o Gê curta…

 

Alguns minutos depois, o rapaz se levantou, as pernas ainda meio bambas de riso, apoiando-se na parede. Precisava ter foco! Já que aqueles dois provavelmente já tinham planos pra aquela noite, precisava cuidar dos próprios. Seguiu até o próprio quarto para organizar tudo.

 

Mochila: check! Aquilo-que-não-deve-ser-nomeado (Aquário decididamente não queria chamá-lo de “presente de dia dos namorados”...): check! Desculpa plausível: check! É, estava pronto. Respirou fuuuuundo…

 

— Por que o seme sempre precisa fazer tudo nessa bagaça?!

 

E como você iria reagir se fosse ele a preparar um encontro e te dar alguma coisa?”, uma voz em sua cabeça o cutucava.

 

— Não enche o saco, Willian! — Sim, Aquário chamava sua “voz interior” de Willian, como se o peixe fosse seu conselheiro — Ele não ia fazer isso, eu conheço ele! Não tenho por que pensar nisso! E depois, nem é um encontro nem nada, só vamos dar uma volta!

 

Então não reclama… eu sei que você gostaria de ganhar algo dele, não perca as esperanças ~”

 

— Tá me achando com cara de quê?! Fica quieto ou não te levo hoje!

 

Desculpa, desculpa, não tá mais aqui quem falou…

 

O aquariano apanhou a mochila, deixou o quarto e trancou bem a porta (nunca se sabe, vai que alguém coloca alguma câmera pra espionar você enquanto tá fora…), descendo para a sala. Se bem conhecia o namorado… (“PEGUETE, WILLIAN, PEGUETE!”) … ele devia estar socializando com os amigos fofoqueiros dele. Bom, eles que anotassem os “bafões” pra debaterem depois! Aquela noite era só deles!

 

… Quer dizer, uma noite aleatória, mas que por mera coincidência tinha caído no Dia dos Namorados.

 

— Foda-se essa data comercial, o sistema não vai me dizer como passar o dia!

 

Willian se limitava a soltar uma ou outra bolhinha dentro do fone, mas é possível — apenas uma hipótese perdida no limbo pela ausência de testemunhas — que tenha revirado os olhos com a teimosia de seu dono.

 

000

 

Enquanto isso, na sala, os presentes discorriam sobre a serenata do sagitariano.

 

— Onde será que aquele cabo de rodo vai parar? — Gêmeos se ria, a mão apoiada no queixo, enquanto via Virgem passar como um raio até a porta de casa, um balde numa mão e um rodo na outra.

 

— E você pensa? — Libra tomava um gole de seu chá — Vão terminar a noite aos urros no tal motel…

 

— Sortudos… — Leão inflou as bochechas, derreando-se no sofá.

 

Não era segredo pra ninguém naquela casa que Leão sempre foi bastante apegado ao virginiano. Agora, o que era segredo pra maioria deles (exceto para os dois amigos fofoqueiros, claro) era que, desde um certo encontro acidental de bocas, Sagitário havia ganhado um espaço considerável na mente e no coração do leonino. Diabos, como alguém conseguia beijar acidentalmente tão bem?!

 

Obviamente continuava no acordo não-verbalizado com Sagi de fingir que nada havia acontecido. Afinal, Leão também tinha seu orgulho, né? Aliás, principalmente ele!

 

— Ah, vamos, anime-se! — Libra tentou consolar o felino — Não pode deixar o brilho desbotar assim, meu querido!

 

— Mas eu vou passar o dia dos namorados aqui, sozinho! — O leonino respondeu, dramático — Até o Peixes acabou de sair pro cinema com o Escorpião e eu aqui, sozinho e abandonado! — Seu celular apitou uma notificação e ele, ao checá-la, revirou os olhos e passou a digitar desinteressadamente — Aff, não, meu querido, pra você eu não tô disponível!

 

— Muitos convites impertinentes no Tinder? — O libriano fez um muxoxo, também mexendo no celular — Já fugi de uns cinco só hoje…

 

— Aff, também! Ninguém merece…

 

Gêmeos apenas arqueou a sobrancelha. Aqueles dois se lamentando por estarem sozinhos no dia dos namorados enquanto dispensavam centenas de pretendentes online… era bem a cara deles. Era o preço a se pagar pela popularidade, provavelmente.

 

Embora tivesse aprendido recentemente que, quando se deseja estar com alguém em especial, companhias genéricas se tornavam um incômodo. De certa forma, compreendia os amigos.

 

— Eu acho que você devia ir lá fora, Leãozinho… — Libra mudou o tom de enfadado para… misterioso.

 

— Pra quê? — O outro resmungou — Pra ver aqueles dois na maior alegria indo curtir o “VIP do motel”?

 

— Na verdade o Saginho tem três vagas pra gastar o VIP pro motel, meu querido. Eu andei dando algumas ideias àqueles pombinhos e…

 

Pela janela da sala, brotaram duas cabeças espiando: uma de um sagitariano com carinha pidona (e parecendo tiritar ligeiramente de frio, os cabelos molhados) e outra de um virginiano curioso, mas extremamente constrangido.

 

— Mas o que deu neles?

 

— Eu disse que ia falar com você, ué! Sobre... uma variada na rotina.

 

— Não brinca que é o que eu tô pensando… — A expressão de Gêmeos se dividia entre a hilaridade e a incredulidade, até porque, pro Virgem aceitar uma ideia tão anticonvencional…

 

— Mas do que estão falando, seus pestes?! — Leão, exasperado, via Sagi chamar animadamente com a mão.

 

— Estamos falando, seu gatinho lesado, de eles comemorarem o dia dos namorados a três!

 

— OOOOO QUÊÊÊÊÊ???

 

— Você fica tão ocupado dramatizando sua própria sofrência que nem presta muita atenção ao seu redor. Eles também tinham um certo, digamos… carinho especial por você, mas sabe como é, a ditadura da monogamia sempre deixa as coisas mais confusas do que deveriam ser… — O loiro deu de ombros — Já faz algumas semanas que venho conversando aqui, dando umas diquinhas ali… o mais difícil, claro, foi desconstruir o Virgem. Mas eles já entenderam que podem abrir uma brecha pra você. Ah, o lado bom de lidar com signos mutáveis, são tão maleáveis… — Libra aproveitou para espezinhar Gêmeos, também mutável, dando-lhe uma piscadela.

 

— Eu. Vou. Matar. Você! — O leonino praticamente rugiu.

 

— Não seja mal-agradecido! Eles acham que também estou negociando com você… — Indicou o casal com um discreto meneio de cabeça, fazendo o virginiano ficar roxo de vergonha e o sagitariano acenar sorrindo — Eu juro que não falei nadinha sobre os seus sentimentos, essa parte é com você! E vá lá, não estou dizendo pra você ir pro motel com eles de uma vez, calma! Pelo menos jantem juntos, conversem, relaxem…

 

Leão puxava dramaticamente a juba (mas de forma calculada para deixá-la apenas displicentemente desarranjada), vermelho de vergonha e de vontade. Suspirou.

 

— Eu me sinto usado!

 

— Meu querido, o importante é vocês irem quebrando um pouco o gelo, ok? — Libra enrolava uma mecha loira no dedo — O sentimento existe que eu sei! Quando se gosta, não se usa. Pense assim…

 

Leão ainda pareceu procurar um último argumento razoável, um último motivo pra não sair saltitando e pular em seus crushes, mas aparentemente não tinha mais o que dizer. Respirou fundo, tomando coragem.

 

— Preciso… me arrumar. É, me arrumar… — Desnorteado.

 

— Então corre, monamour, que eles estão te esperando! — Libra piscou para o felino; Gêmeos e ele, obviamente, já ansiavam pela fofoca no dia seguinte.

 

Assim que o leonino saiu correndo para o próprio quarto, Libra fez sinal de “positivo” para Sagitário e Virgem, que desapareceram da janela. Gêmeos começou a rir assim que se viu a sós com o amigo.

 

— Não acredito que você arrumou um ménage pro Leãozinho em pleno Dia dos Namorados! E envolvendo o Virgem ainda! Você é mágico ou algo assim?

 

Libra fez menção de responder, mas aguardou até que Touro passasse puxando Áries escada abaixo e porta afora. Em seguida, deu uma piscadela para o geminiano.

 

— Huhuhu, nem sou, meu querido. Apenas descobri que o poliamor tem seus encantos, e nada como o Dia dos Namorados pra testar essa teoria…

 

— Você não tá entendendo! — Gêmeos se dividia entre a hilaridade e o resquício de choque — Você meio que enfiou o Virgem num threesome! O Virgem, cara! Isso é… sei lá, bruxaria? Sei lá!

 

— Não enfiei ele em nada, só quis fazer meu papel libriano de mediar conflitos… — Deu de ombros, displicente — O resto é com o nosso gatinho domesticado. Por enquanto é só um encontro sem compromisso, mas se ele fizer tudo direitinho…

 

— Você. É. Um bruxo, Libra!

 

Libra soltou uma risadinha e fez um gesto de “deixa disso” com a mão. Ao ouvirem passos na escada, olharam esperando por Leão, mas ainda não era o felino; Peixes descia puxando um constrangido Escorpião pela mão.

 

— Vamos, vamos, ou perderemos a sessão!

 

— Hm, não precisa de tanta pressa, eu… — Deu-se um facepalm ao ver o pisciano acenar feliz para os fofoqueiros da casa.

 

— Oi, oi! Estamos indo assistir Alice no cinema! Querem vir conosco?

 

O sorriso dos signos de ar escorreu ante o olhar de “Não. Se. Atrevam” do escorpiano atrás de Peixes. Mesmo Gêmeos, que adoraria pentelhar, achou melhor preservar o próprio pescoço, até porque ele mesmo tinha planos e não os desperdiçaria por uma simples brincadeira.

 

Já Libra suspirou impaciente. Não ia muito com a cara do aracnídeo possessivo, ainda que sua elegância e sua disposição em manter a harmonia com os outros moradores da casa mantivessem a cisma em uma espécie de guerra fria entre eles. Mas ficava incomodado com a forma inocente e distraída como o pisciano parecia agir, ainda que fossem oficialmente namorados (e precisou ouvir da boca do próprio Peixes pra ter certeza). Às vezes entendia o ímpeto protetor de Câncer com relação ao menor.

 

— Meu querido… — Forçou um sorriso gentil — Acho que seu namorado não gostaria que outras pessoas fossem ao encontro de vocês no dia dos namorados, entende…?

 

— Ah! — Peixes deu um tapinha na própria testa — Dia dos namorados! Céus, eu me esqueci! Desculpe, Scorpy… não comprei nada, mas posso te dar alguma coisa depois…

 

O sorriso do namorado era carregado de intenções, mas Libra não perderia a oportunidade de espezinhar o escorpiano…

 

— Por que não faz algo bem bonito pra ele com as miçangas que compramos dia desses, Pepinho? — A voz do loiro era displicente — Sabe, logo depois do cinema. Tenho certeza de que, se você se dedicar a madrugada toda, terá um belo presente pela manhã! Nada mais valioso em um presente do que o esforço que empregamos por quem amamos, certo?

 

Antes que Escorpião pudesse dizer qualquer coisa, o rosto de Peixes já havia se iluminado.

 

— Boa ideia! Vamos, Scorpy, precisamos voltar logo pra casa e poderei te fazer algo bem bonito! Vai ser surpresa, mas garanto que vai gostar! Tchau, gente, obrigado pela ideia!

 

Antes de ser arrastado para fora de casa, Escorpião ainda lançou um olhar assassino a Libra (e Gêmeos, pra não perder o costume). Assim que a porta bateu, os dois aéreos (?) não resistiram e começaram a rir, batendo-se as mãos.

 

— Por isso que você é meu bff! — Ria-se o geminiano. Pelo menos não seria ele a vítima da ira do escorpiano daquela vez.

 

— Pff, não fiz nada de mais… apenas mantendo a tarefa do Câncer de proteger a inocência do menino até que ele esteja pronto por conta própria — Gêmeos tinha suas dúvidas se algum dia Peixes estaria pronto para esse tipo de coisa, mas antes de falar qualquer coisa o loiro notou a escada — Ah, lá vem a noiva!

 

Leão desceu a escada e rumou para fora de casa já arrumado, o rosto corado, um rastro de perfume atrás de si. Mal acenou para a dupla, parecendo bastante compenetrado (em seduzir ou em não estragar a chance de ouro que tinha, vai saber). Logo depois vieram ninguém menos que Câncer e Capricórnio, ambos espirrando bastante.

 

— Céus, pra que tanto perfume? — Queixava-se o ruivo. Seus cabelos estavam soltos, ou seja, não estava levando Nestor para fosse lá onde estivesse indo com o capricorniano — Ele sempre parece fazer questão de deixar um recado ao estilo “Leão esteve aqui”...

 

— Você o conhece bem… — Libra piscou para Câncer, e Gêmeos franziu a testa ao notar um indisfarçável enrubescimento no rosto do canceriano — E então… aqui mesmo?

 

— S-sim… — Câncer gaguejou e olhou para o chão.

 

— Ainda não estou entendendo nada… — Capricórnio ajeitou os óculos no rosto demonstrando ligeiro desconforto — Eu realmente preferia jantar no escritório, tenho uma planilha que preciso terminar de preencher e…

 

— Não tem nada pra preencher agora, meu bem! — Libra se levantou, sua elegância natural tornando o movimento algo impressionante aos olhos de um baixinho como o geminiano — Hoje teremos um jantar especial, e espero que faça jus ao que Can e eu preparamos pra você!

 

O olhar aturdido de Capricórnio se juntou ao nada sutil arquear de sobrancelha de Gêmeos. Pera, como assim…?

 

Aaah, agora saquei aquele papinho de poliamor… nunca pensei que o Libra fosse tão cara de pau!

 

O loiro se inclinou rapidamente para trocar algumas palavras com o amigo.

 

— Relaxa, Gê… depois prometo te contar tu-di-nho! Se der tudo como planejado, acho que não teremos apenas um trio na casa pela manhã… agora faça o favor de vazar de casa com o Aquário porque já foi um custo seduzir o Cancan a aceitar essa tentativa de “trégua”, ele vai ficar desconfortável se houver mais gente por aqui!

 

Libra se ergueu outra vez, o sorriso inocente, e tomou Câncer e Capricórnio pela mão.

 

— Gê vai sair com o Aquário… como o pessoal também saiu, teremos a cozinha e o resto da casa só pra nós. Vamos, tenho certeza de que Can preparou algo maravilhoso!

 

E, com uma última piscadela para Gêmeos, o libriano desapareceu cozinha adentro com os outros dois, deixando o amigo sozinho com seus pensamentos confusos.

 

Bem, pelo menos por alguns segundos...

 

000



— Hey…

 

A voz ao pé da escada fez os olhos heterocromáticos se desviarem da porta da cozinha, indo encontrar Aquário ali, em pé, um ligeiro sorriso, as mãos nos bolsos, displicente. Trazia uma mochila volumosa nas costas.

 

— Ué, tava aí faz um tempo? — Gêmeos sorriu de volta, espreguiçando-se no sofá e o admirando por um momento. Como adorava aquele jeito meio largado, meio “foda-se o mundo” dele… cacete!

 

— Meh, cheguei agorinha. Mas você andou falando com aquele lá que íamos sair?

 

Gêmeos rolou os olhos, algo divertido com a forma como Aquário sempre se referia ao libriano. Realmente não ia com a cara de tipos populares, pelo visto. E havia o bônus de que, pelo visto, sua proximidade com ele o incomodava. Não que ele fosse ciumento, obviamente não, era só… talvez um receio de que Libra o estivesse espionando por meio de Gêmeos ou algo assim? Vai saber… era Aquário, afinal.

 

… Não, não era ciúme da intimidade dos amigos, claro que não.

 

— Nem disse nada, ele deve ter suposto na cabeça dele. Por quê? Nós vamos?

 

Ok, ele não queria parecer tão ansioso… tinha parecido? Esperava que não tivesse soado como uma criaturinha carente por um encontro de dia dos namorados... de qualquer forma, o aquariano coçou a cabeça, parecendo também um pouco sem jeito.

 

— Ah, é… então, eu tava realmente pensando em sair. Sabe, tem uma chuva de meteoros prevista pra esta noite e eu queria dar uma olhada, saca? Daí, se não tiver nada melhor pra fazer, pode vir comigo e com o Willian se quiser… só se… se quiser, sabe? — Deu de ombros — Nem é lá grande coisa…

 

Tudo friamente calculado: expressão, tom de voz, gestual displicente… Aquário realmente esperava ter feito o convite da forma mais casual e “não-é-um-encontro-de-dia-dos-namorados” possível. Porque oras, não era, mesmo! Quer dizer… ok, não queria admitir que, no fundo… ah, chega, ele iria desconfiar!

 

Considerando que a coisa mais inesperada a vir de você é um convite de encontro de dia dos namorados… é. Ele não desconfiou. A menos que ele se lembre de que tudo o que se deve esperar de você é o inesperado…

 

“Quer parar de me bugar, Willian?! Não é a hora!”

 

Ao ver Gêmeos assentir com um semblante tranquilo e nem um pouco zombeteiro, soube que havia conseguido seu intento.

 

— Ok… bora só pegar um moletom se a gente for passar a madrugada e já desço.

 

— Beleza, Gê, vou só pegar umas coisas na geladeira pra comer e a gente já sai…

 

— Espera, a cozinha tá ocupad…!

 

Não deu tempo de alertar. Gêmeos ouviu um “FTSSSS!” característico e riu baixinho, subindo displicentemente. Aquário provavelmente não iria se demorar na cozinha...

 

No quarto, além do moletom, demorou-se também a pegar algumas coisas extras. Hesitou mais uma vez, perguntando-se se seria “passar recibo de otário”. Afinal, por mais displicente que tivesse sido o convite do boy, ele não tinha como cravar que aquilo fosse um “encontro de dia dos namorados a la Aquário”. A coisa que menos esperaria de Aquário, de fato, era um convite para passar a noite do dia dos namorados com ele, e isso tinha acontecido. Mas a coisa que mais se esperaria de um encontro na noite de 12 de junho era que fosse algo para o dia dos namorados, e se não podia esperar o esperado de Aquário, então talvez ele realmente só estivesse a fim de ver a tal chuva de meteoros. Mas se era esperado que ele fizesse isso, então…

 

… Sacudiu negativamente a cabeça. Sua frenética mente geminiana estava começando a divagar, e se continuasse naquele bug circular não sairia dali até encontrar uma resposta coerente, o que seria provavelmente impossível.

 

Bem, dava pra enfiar nos bolsos, disfarçar… caso ele não fizesse qualquer movimento “suspeito”, o geminiano também ficaria na dele e tudo permaneceria como estava, certo?

 

… Ele realmente queria que tudo permanecesse como estava… certo?

 

— Por via das dúvidas. Só…


Guardou nos bolsos da calça e no bolso interno do casaco o que tinha de guardar e desceu para encontrar o aquariano. Se eles permaneceriam guardadinhos ali até o final da noite, nem ele fazia ideia.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Vou demorar um pouco a postar o segundo capítulo porque ele está incompleto, infelizmente. Mas, caso estejam realmente curioses quanto à continuação e estejam participando do grupo de Zoróscopo no Facebook, relaxe! Vou postar as partes prontas por lá aos poucos e vocês poderão saber antes mesmo do segundo capítulo como foi o encontro dos dois... ;-)

Espero que tenham gostado! Até a próxima!

Lune Kuruta (24/08/2016)