There Is a Smile of Love escrita por The Deserters


Capítulo 17
All for Us - Parte I




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BOLTON

20 de novembro de 2012

00:41

 

Havia algo que o atraía na violência.

Ossos desmantelados tal como o crepitar de uma fogueira e o sangue tingindo a tela e preenchendo-a com sua arte. O rubro que não poderia ser diluído nem pelas lágrimas e suor das vítimas.

Ramsay refletia consigo mesmo. Aqueles eram momentos em que se sentia vivo, o fogo de dragões percorrendo suas veias capturando os sons ocos e amargos de dor, poderia dizer até mesmo que lhe pareciam pornográficos.

À sua frente, mais uma transação cotidiana.

Seus homens leais como cães famintos, sôfregos pela próxima refeição, divertiam-se chutando os ratos apanhados na armadilha.

Seres imundos. Não passavam de infestações pelas vielas da cidade.

“Por favor, Se..nhor”, tropegava em suas palavras um dos ratos. “Não temos como lhe...pa-pa...gar...mais do que já foi acertado”

Ramsay rira alto da gagueira do velho à sua frente e seus homens o seguiram. Divertia-se desses trejeitos estúpidos do medo, mas infelizmente não poderia brincar mais do que já o havia feito, deveria dar lugar aos negócios.

Retirara o casaco de couro e dobrara as mangas de sua camisa, fazendo menção de se aproximar da comoção. Havia escolhido vestir-se em vermelho despretensiosamente e sorriu com a sorte que tivera, nem sequer notaria as manchas depois.

Afastara dois de seus homens de cima do rato tagarela e seu filho bastardo, ambos encolhidos à soleira da entrada dos fundos do que deveria ser um estabelecimento deveras respeitado. Rira-se consigo mais uma vez da ironia. Aparências importavam, afinal?

“Ainda assim, Se-se-se-nhor”, caçoara o Bolton. “Venho cumprindo com dedicação a minha parte da barganha e o esforço dos meus homens...bem, o senhor vê...é tremendo”, ele dissera tranquilamente, os olhos entretidos na porta à frente como se esperasse a chegada de sua plateia principal. “Estão chateados por arriscarem suas vidas cuidando da segurança do seu estabelecimento e do retorno do nosso investimento. Não é mesmo, rapazes?”

E, ao sinal, os homens uivaram em concordância, cada qual com seu sorriso predatório. Ansiosos para recomeçar a violência.

Ramsay se abaixara à vista do rato e encarara as linhas de sangue escorrendo por seu rosto, o nariz deformado e torto demonstrara que já havia sido quebrado mais de uma vez. Ele sorrira procurando mais evidências de suas visitas passadas, sabia que o garoto ao lado do velho mancava por conta de uma particular lição de moral sobre autoridade. Este dia havia sido glorioso.

“Espero que esta seja a minha última visita, Senhor Royce. Tens sortes por este ser só um aviso”, disse pontual, observando as rugas no rosto do imundo se enrijecerem confusas. O nortenho encarara o homem e vira o medo infiltrado em suas veias, os olhos marejados implorando por misericórdia, assim como explicações.

“Aparentemente, sua filha preza por seus compromissos bem mais do que vocês dois inúteis poderiam”, Ramsay concedera e abrira o sorriso ao ver quão enraivecido e trêmulo estava o bastardo aleijado – ainda que não se movesse (“covarde”, pensara Bolton) seu ódio fervilhava e o nortenho se vira imaginando formas de extirpar o sentimento borbulhante no rapaz, deixando apenas com a casca do que antes continha alma.

“Miranda quitou os vencimentos...”, ele saboreava as palavras e o conteúdo implícito delas. “Com juros”, a expressão saíra lascivamente de sua língua, o gosto da garota Royce ainda na memória e os fantasmas de seus gritos em seu ouvido. “Mas imagino até quando ela poderá se manter interessante neste nosso joguinho, afinal...negócios são negócios”

Seus fiéis cães riam e debochavam, assobiavam obscenidades sobre a jovem Royce e seus dotes.

Ramsay absorvia o ódio crescente no olhar do aleijado e a súplica aterrorizada do velho. Ambos paralisados por suas deficiências – coragem e vitalidade a um, integridade e decência ao outro.

O jovem nortenho olhara o relógio em seu pulso e decidira que já tivera o suficiente, gravara a memória do dia de hoje com satisfação e levantara-se prestes a abandonar a imundice que fora por algum tempo seu parque de diversões.

“Bastardo”, cuspira em bom tom o garoto odioso.

O eco do grito reverberou em seu corpo.

O sorriso maníaco tomava-lhe a face aos poucos tal como a adrenalina pulsava em seus punhos.

Bolton se virara e chutara o rosto do garoto em cheio, arrancando alguns dentes com o impacto. Sua vítima continuara resoluta e gritara a palavra repetidamente como um mantra. Mais golpes lhes foram desferidos e as gotas de sangue reluziam no sapato de Ramsay.

Os gritos corajosos deram vez aos uivos de dor.

Os olhos do agressor cintilavam com a fúria e a satisfação.

O velho chorava ao lado. Tentara afastá-lo em vão de seu filho, mas os homens o prenderam firme. Os minutos que passaram encobriam-se em quietude, a calmaria após a tempestade.

Pouco lhe importava o que haviam feito para calar o velho, sua visão se glorificava com a obra-prima que construíra.

O rosto desfigurado, os olhos opacos e o corpo inerte engasgado em sangue.

“Aleijados corajosos...realmente tem sido um dia divertido”, resmungara absorto em sua contemplação.

Como dissera antes, havia algo que lhe atraía na violência.

 

MYRANDA

5 de janeiro de 2016

11:40

 

O clima no carro acompanhava a tempestade de neve afora e o frio invadia bruscamente o vazio em sua carne, todavia pouco parecia fazer para tranquilizar seus pensamentos.

As lendas e os velhos dizeres nos lembram que a morte tem muitas faces. A perda nem sempre é anunciada ou previsível, pode ser tão repentina quanto a loucura de um Targaryen ou tão longa quanto a vontade dos deuses permita que assim o seja.

No momento em que seus olhos encontraram os de Sansa, Myranda soube que sua amizade assumira mais uma das facetas da morte, impetuosa e cruel. Já não havia confiança a ser oferecida, nem confiança para tomar. Apenas ressentimento. A armadura gélida do Norte lhe mostrara que a verdade acabara por escapar e nada poderia ser feito.

“Achei que você me contaria de imediato o motivo de ter me chamado com tanta urgência”, tentou a morena, os olhos focados na visão embaçada dos vidros.

“Seria algo de se esperar de mim, não é mesmo?”, a voz soara desconhecida aos ouvidos da Royce. Será que saber da verdade fizera a nortenha odiar tanto assim a versão de si mesma que um dia fora sua amiga?

“As coisas mudaram bastante em tão pouco tempo”, Myranda suspirou e virou-se para Sansa, observando-a. A mandíbula rígida. As mãos firmes no volante. Os olhos severos à frente. A mente provavelmente mais acelerada que o motor que as movimentava. “Você mudou. Até no telefone, pude perceber que falava diferente”.

“Eu apenas acordei, Myr. Pena que levou tempo demais para isso”, a ruiva respondera sem hesitação. O apelido era oco. Não carregava mais carinho, apenas desconfiança. Ainda era um elo, sem dúvidas, e um instrumento que feria seu peito com suavidade.

Essa era a nova Sansa, concluiu. Impetuosa. Isso fez Myranda sorrir zombeteira, apesar de seus machucados invisíveis.

“Gosto desse seu eu acordado, apesar de saber que significa que não sou mais vista como amiga”

Finalmente os olhos de Sansa desviaram-se para os seus, lhe avaliaram friamente e depois voltaram para a estrada.

“Conte-me o porquê?”

“O porquê de quê?”, tentara mais uma vez fugir em vão deste caminho tortuoso. Era um jogo perigoso, dar e tomar o osso de um lobo feroz. Mas Myranda gostaria de se demorar um pouco mais em enigmas ao invés de admitir em voz alta tantas coisas terríveis.

“Não brinque comigo, Myranda”, ela advertira, os músculos do rosto tensos.

“Por que nos tornamos amigas?”

“Isso”

“Porque era meu trabalho vigiar você. Não era o esperado que a filha de um dos políticos mais prestigiados do Norte se desprendesse para tão longe da alcateia”, Myranda se odiava por soar mecânica. Mas apenas repetia as palavras que ecoavam em suas memórias. Observe-a, seja sua amiga, reporte tudo a nós e os negócios andarão bem. “Era uma tarefa pequena e, na verdade, até entediante no começo, mas me permitiu manter o bistrô e o restaurante do meu pai fora dos olhos deles por um tempo”.

“Deles quem?”, a ruiva perguntara com ferocidade.

“Você sabe, Sansa. Se sabe até aqui, você definitivamente sabe”, Myranda retrucou com a mesma fúria.

“Boltons”, a ruiva dissera com a expressão inexpressiva. A pitada de desprezo devidamente presente na enunciação de cada sílaba deste nome maldito.

Myranda simplesmente assentira. O conteúdo de seu estômago se revirando, o gosto de bile em sua língua. Todo o mal-estar era constantemente associado a este nome.

“Isso. Um bastardo em especial tinha muito interesse nas informações da sua família”

Sentira o carro parar. Sansa estacionara em um acostamento junto à floresta branca.

Myranda não pode deixar de pensar em como as árvores altas, presas por tanta neve, deveriam se sentir. Cegas. Carregando um fardo que não pediram até que o calor do sol as pudesse libertar temporariamente.

“E você as entregava, certo? Eram negócios, não é mesmo?”, Sansa perguntara indignada, deixando o ultraje percorrer pelo duelo entre os olhares das duas.

“Era o que podia ser feito”, Myranda respondera sem forças. “Era o que tinha de ser feito...minha família precisava disso”.

“E você contou sobre Margaery, sobre Loras e Renly, sobre minha família...”, Sansa aumentara a voz, mas permanecera solene.

“Não sobre tudo”, Myranda respondera hesitante, os olhos desviavam para a floresta mais uma vez.

“Mas o suficiente”, Sansa continuara por ela.

“Sim, o suficiente para que eles inferissem o que precisavam”, admitira a contragosto. A vergonha e a traição a envolvendo em seus braços invisíveis e traiçoeiros.

“Se arrepende?”

A pergunta lhe pegara de surpresa. Esperava que Sansa a jogasse para fora do carro ou que lhe bofeteasse. Mas até mesmo a nova versão não poderia ir tão longe da natureza gentil da nortenha.

A vergonha agora lhe encobria fortemente e seus membros pesavam.

“Sim”, respondera com a garganta dolorida, o choro pedindo para ser libertado, apesar de sua teimosia e orgulho.

“Você poderia ter pedido a minha ajuda”, Sansa dissera mais suave desta vez.

“Não adiantaria”, rira sem jeito, as lágrimas correndo pelo seu rosto contorcido em remorso.

“Você não sabe disso”, suspirara a ruiva.

“Sei, Sansa”, Myranda agora lamentara aos prantos.

“E como sabe?”, a nortenha rebatera incrédula, os olhos tão marejados quanto estariam em sua versão anterior, na pessoa que Myranda um dia chamara de amiga – e tão violentamente traíra.

“Por que você estava dormindo e vivendo em um conto de fadas, enquanto eu enfrentava a realidade, totalmente acordada e sozinha”, as lágrimas caíam e seu corpo tremia.

A dor era um sentimento familiar. Myranda nunca se permitira ser uma pessoa que cedia às emoções, deixava a couraça que criara por anos absorver qualquer impacto (por mais violento). E, ainda assim, lembrar do sorriso de Sansa e confrontar a lembrança à figura em sua frente, o resultado de suas ações.

Era como as árvores da floresta que as rodeavam.

Estava cega pelas lágrimas amargas e encoberta cada vez mais com o peso de suas mentiras e, agora, de suas terríveis verdades.

O incrível é que tal como o inverno encontrava-se seu ápice e seu fim, sentira ser presa por um abraço relutante. O sol brilhava fraco entre os galhos entorpecidos.

“Eu estou aqui e estou acordada”, Sansa dissera obstinada. Myranda podia sentir os fantasmas das lágrimas dela tocarem seu rosto.

“Preciso da sua ajuda e você da minha, só espero que você esteja disposta a fazer o que deve ser feito agora”

As palavras soaram calmamente sedutoras, mas o calor delas era o suficiente para aceitá-las.

A tempestade terminara.

Por enquanto.


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