Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 9
Dolores




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A professora Eliza é uma pessoa rancorosa, só agora que me dou conta disso. Sinto que sobretudo comigo, que era sua pupila – ela nem mesmo sorriu de longe pra mim, como costumava fazer.

Ela é novinha, deve ter uns 25 anos no máximo! Quem votou nela pra ser a nossa madrinha no ano passado foi porque ela era muito legal, ou porque ela é linda e também porque ela nos deixava livres pra fazermos o que quisermos depois que ela ministrava sua aula, que nunca passava dos 20 minutos (“aluno nenhum presta atenção em mais tempo que isso”, ela dizia).

Enquanto a maioria da turma tacava o terror, fazendo com que os professores que davam aula nas salas vizinhas viessem pedir que fizéssemos menos barulho, eu ficava na minha carteira, resolvendo as listas de exercício que a Eliza passava pra casa.

Apesar de os professores me acharem disciplinada, a grande verdade do porquê de eu ser muito quieta e aplicada em sala de aula, é porque a Dani e eu nunca fomos da mesma turma até esse ano, então não me restava muitas alternativas que não me livrar logo das tarefas de casa, até porque não tinha ninguém com quem eu poderia conversar – o Lucca mesmo, quando não estava fazendo seus deveres também, tinha seus amigos pra interagir e raramente vinha falar comigo durante a aula. Por algum motivo, as pessoas não me enchiam o saco quando eu tava quieta no meu canto, fazendo os deveres – talvez isso se devesse ao fato de eles sempre virem me pedir o caderno emprestado, que dependendo muito de quem pedia e do meu humor, eu emprestava.

Uma vantagem de fazer dever de casa em sala de aula é que toda vez que eu tinha dúvida, eu me levantava e ia consultar a professora Eliza, que me ajudava com o maior prazer, achando o máximo que alguém estivesse interessado no que ela tinha pra ensinar. Só que em um determinado dia, quando eu tava de saco cheio de tudo, nem um pouco a fim de estudar e só estava na escola porque fui obrigada, fiquei de cabeça baixa. Como eu disse, parece que eu só recebo minutos de paz quando eu to com a cara enfiada no meu caderno, caso contrário:

— Ei, Conceición. Cadê Maria la de Barrio?

— Un, dos, tres...

— Arriba, cabrones!

E eles continuavam com todos aqueles trocadilhos latinos irritantes, como que se tivesse graça em tudo aquilo. Eu continuei de cabeça baixa, fingindo que não ouvia nada.

— Não gente, não é assim. É assim… - e um deles começou a cantar a abertura de algum anime clichê. É uma chatice, porque eles simplesmente não superam a minha fase otaku, que já passou tem, pelo menos, uns 3 anos!

Na maior parte do tempo eu tento me comportar como que se fosse superior, ignorando-os, às vezes até solto uma risadinha debochada, só pra que eles pensem que eu não to nem aí pro que eles acham. Só que mais cedo ou mais tarde eu sempre fraquejo e não consigo segurar o incômodo, deixando escapar o quanto odeio tudo aquilo, o que só serve de mais incentivo pra que eles continuem.

Fico chocada com a disposição que as pessoas têm pra encherem o saco das outras, só que eu fiz o que achei que era o certo e mantive minha cabeça baixa, sem respondê-los, por mais que eles continuassem me provocando. Até que eu senti que tinham pessoas jogando bolinhas de papel no meu cabelo, que por ser cacheado, acabava grudando.

Levantei a cabeça irritada, passando a mão pelos meus cabelos e tirando um monte desses papeizinhos. Quando olhei para os lados, vi que essas bolinhas estavam na carteira da Virgínia e ela ria de esguelha com a Jéssica, cochichando, imagino que sobre mim. Cara, não segurei mesmo! Levantei irritada e acho que pela adrenalina, virei a carteira dela, derrubando-a no chão.

— Qual é o seu problema?! – ela gritou como que se estivéssemos em um espaço aberto, não em uma sala de aula e com uma professora lá dentro.

— Qual é o seu problema?! Eu tava de boa no meu canto e você fica jogando bolinha de papel em mim. Vai crescer nunca não, sua vaca?!

— Me chamou de que? – ela se levantou com pressa e me empurrou.

Nessa hora já tinha um grupo em nossa volta, colocando pilha pra brigarmos, na maior gritaria. Enquanto isso, Virgínia e eu continuávamos trocando insultos, já domesticadas a não brigarmos na porrada, julgando o problema quando tentamos alguns anos antes. A professora teve de mergulhar nos alunos pra conseguir ver o que tava acontecendo e foi quando ela nos viu batendo boca escandalosamente.

— Ei, vocês! – ela tentou falar mais alto – Posso saber o que tá acontecendo?

— A Virgínia tava jogando bolinha de papel no meu cabelo e agora tá aí, se fazendo de sonsa! – gritei iradíssima.

— Que porra, não fui eu! – ela gritou de volta.

— Claro que foi, sua cretina! Você acha que sou idiota?

— Virgínia, já pra direção. - a Eliza apontou pra porta, bastante séria.

Eu nunca achei correto professores que tratam alunos com favoritismos, até porque eu, por mais que tire notas boas, sou bem invisível na maior parte do tempo e quase nunca recebo tratamento privilegiado. Mas, de fato, éramos nós duas brigando, não acharia injusto se ela me mandasse à direção também, só que como eu era uma das poucas que dava valor pra sua aula e como a professora já havia percebido que eu era pega pra Cristo naquela turma, ela ficou do meu lado.

— Mas professora, não fui eu! Se eu for, a Dolores tem que ir tamb…

— Agora! – ela não estava disposta a ouvi-la. Apesar de hoje admitir que não foi legal da parte da professora Eliza, na hora achei bem feito e não me manifestei.

— Ah, vai tomar no cu também. - ela disse toda puta enquanto se virava pra ir à direção, desacostumada a não ser uma queridinha do professor.

— Você disse o que? – a professora ficou chocada com a resposta da Virgínia – Agora quem vai pra direção com você sou eu.

E foi assim que a professora Eliza parou de gostar da gente e parou de ser uma professora maneira. Há boatos de que ela levou o maior esporro, até porque a Virgínia conseguiu provar pra diretora Luíza - outra integrante do fã-clube dela – que não havia sido ela quem estava jogando bolinhas de papel no meu cabelo. Essa é a versão da Virgínia, é claro, mas eu estou certa de que foi ela.


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