Dolores escrita por Marília Bordonaba


Capítulo 8
Virgínia




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Eu queria pular esses primeiros dias de aula, porque é muito fácil parecer uma boa aluna nesse primeiro momento. Comigo sempre foi assim: tudo anda às mil maravilhas até receber as notas da primeira rodada de provas. Claro, eu sou ótima em redação; a melhor da escola. Sou razoável em literatura, gramática, história, geografia, biologia, as três artes, sempre fiquei na média em inglês e espanhol… Só que quando me chegam as notas de matemática, química e física, é uma negação total e eu perco o ânimo, daí passo o resto do ano empurrando quase tudo com a barriga.

E eu poderia assumir toda a culpa, dizer que tenho uma dificuldade natural com os números, mas é impressionante, porque é bem como a minha mãe diz mesmo: os professores das ditas exatas não ensinam tão bem pras meninas como ensinam pros meninos, como que se já esperassem pelo nosso fracasso. Eu nunca havia associado minha péssima relação com as exatas a isso.

— E nem vai! – minha mãe me advertiu – Inventa de vir com essa desculpinha pra continuar bombando em matemática, que o tapa vai comer!

Obviamente ela tava brincando, minha mãe nunca me bateu. Só que como mais uma promessa da minha listinha, esse ano vai ser totalmente diferente. Esses primeiros dias, como de costume, eu vou me comportar como sempre me comportei: exemplarmente, então não é uma novidade. O que eu quero ver mesmo é o bicho pegando, quero provar pra esses professores que meninas podem, sim, serem tão boas com os números quanto os rapazes “naturalmente lógicos e racionais”. Foda-se a natureza então. Eles vão ensinar direito pra mim e pras minhas colegas sim ou sim.

 

— Para quem não esteve aqui no ano passado, o que tenho a dizer é que essa turma tinha uma reputação dentro da escola. E claro que concordamos que não era das melhores reputações…

Professora Eliza. Amadora, é assim que eu a defino… Não, não, não. Seu amadorismo não é uma questão de gênero, é uma questão de: eu sei o que eu to falando.

— Não é querendo começar com o pé esquerdo nesse ano, mas para os que estiveram aqui no ano passado, gostaria de lembrá-los que tivemos alguns probleminhas com disciplina nessa turma. Claro que estou sendo educada quando chamo de “probleminhas”. E claro que não estou sendo educada somente agora.

Quem olha assim, até pensa que ela tem pulso firme. Ai, ai.

— Confesso que “educação” não é a palavra que define melhor o meu comportamento do ano passado, mas sim “condescendência”. - ela lançou um olhar penetrante ao Guilherme, uma das pessoas mais barulhentas e inquietas que já tive a oportunidade de conhecer, que abaixou a cabeça, envergonhado – Mas quero que vocês saibam que isso não vai acontecer de novo. Não me refiro somente ao fato de esperar que vocês tenham amadurecido do ano passado pra cá, mas porque se acontecer de novo o que aconteceu no ano passado, eu serei inflexível dessa vez. - terminada essa fala, seu olhar penetrante veio de encontro ao meu.

Grande coisa. Não me intimidei, pra ser sincera. Na verdade, encaro isso como um desafio, para fazê-la engolir suas expectativas negativas sobre mim.

Além do nosso problema pessoal, eu quase reprovei a 2ª série por conta da matéria dela. Parte disso se deve porque eu não suportava assistir as aulas dessa Eliza e não fazia a menor questão de tirar dúvidas, mas ela vai ver que eu cresci e que estou disposta a ser uma de suas melhores alunas. Ela que me aguarde, porque por mais que eu tenha grandes ambições pra esse ano, ainda acho que não existe sensação melhor do que fazer uma pessoa morder a própria língua.


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